PARA SER O MELHOR

Livaldo Fregona

Quando lemos a vida de Rui Barbosa, Machado de Assis… Quando vemos, pela televisão ou cinema, as jogadas criativas e incríveis levadas a efeito por Pelé, Garrincha, Zico… Quando nos falam da vida de Chico Xavier, da irmã Dulce, de Antônio F. Lisboa, o Aleijadinho… Quando, depois de tanto tempo, ainda se derramam lágrimas pela morte de Ayrton Senna… Quando lemos a biografia do pensador grego Epicteto, do poeta português Camões, do compositor alemão Beethoven, do inventor norte americano Thomas Edison, do físico italiano Galileu… Enfim, quando nos estarrecemos diante dessas celebridades maiores, imaginamos que foi a graça de Deus que os fez sobrepujar outros tantos competidores.

Também acredito que sem a anuência de Deus, sem Sua escolha e indicação, nenhuma criatura se destacaria entre os milhões de concorrentes que existem em cada ramificação dos esportes, da cultura, da música, dos inventos, das artes e de tudo quanto o homem se digne realizar.

No entanto, jamais (e se apontarem um, é falso) houve um maior, um melhor, pela simples graça de Deus. Não é que Deus seja incapaz de fazer de um preguiçoso, um campeão. A verdade é que, embutida no contrato, vem a cláusula que exige a nossa força de vontade, a nossa coragem e a nossa determinação, tão necessárias quanto a graça de Deus. Como testemunhas, temos milhares de homens que desempenharam missões que embasbacaram o mundo, e que foram escolhidos entre pessoas simples, humildes e até, fisicamente, deficientes.

Ninguém nasce sabendo tudo. É muito abrangente a afirmação de que o espinho nasce com a ponta. Deus dá a inteligência, mas não o conhecimento; dá a ginga, mas não os passos; dá os músculos sadios, mas não a velocidade e a força; dá o raciocínio rápido, mas não resolve os problemas para você; dá o caniço, mas não o peixe; dá a vocação, o tino, o dom, a perspicácia: dá o diamante bruto, mas não o burila para que brilhe por si.

É indispensável nosso consentimento e participação a cada minuto de nossas vidas, para que o dom de Deus atinja sua plenitude e o homem venha a ser o melhor em sua atividade. Isto custa muito esforço, horas de sono, anos de dedicação, abstinências, mortificações, estudos, disciplina, enfim, uma série de virtudes, tão custosas quanto a glória a que equivale: a de ser o melhor naquilo que faz, entre mil, milhões ou até bilhões de concorrentes – se enquadrarmos o homem no contexto mundial.

Durante os meus “muitos poucos anos”, conheci milhares de pessoas, tanto nos esportes como nas artes e no trabalho. Vi, no futebol, muitos Pelés serem Zés Pretinho; muitos Ruis Barbosa gritando pelas ruas, “olha o jornal!”…; muitos Robertos Carlos fazendo serestas, embriagados pelas ruelas escuras de minha vila; muitos grandes homens relegados ao anonimato por causa da pusilanimidade.

Eu notava neles a grande facilidade de tocar na bola, de dar o drible; de escreverem uma lauda inteira e bem escrita, sem erguer a caneta do papel; de cantarem músicas de improviso, quase sem tropeço algum. Era fácil perceber que haviam nascido (cada um, respectivamente) com o dom para jogar futebol, ser escritor ou um exímio cantor. A graça de Deus era quase palpável, mas foi desconsiderada por causa do desleixo, da preguiça, da falta de coragem e da pouca força de vontade. Transformaram-se em mortais comuns, desses cuja lembrança não vai além da durabilidade de uma frágil cruz de cemitério.

Em rodas de amigos, lembramos deles com pesar, pois seriam grandes e imortais homens, orgulho da terra, não fosse a cachaça, as drogas, a vida airada e a preguiça de investir as bíblicas “dracmas” recebidas.

Conhecendo-se um pouco da história, percebemos que, quando está escrito nos fastos do Eterno, só nossa preguiça pode impedir que a graça de Deus realize, em nós, maravilhas. Por isso, a Irmã Dulce, talvez a mais pobre e debilitada das baianas, propiciou mais bem-estar e conforto aos pobres e necessitados de Salvador, do que muitos milionários do mundo inteiro. Ela recebeu a semente, plantou-a, irrigou-a, cuidou dela e colheu seus frutos.

Qualquer um, quando desenvolve a vocação recebida, pode se destacar. Não é preciso ser rico, ter patrocinadores, possuir compleição perfeita…, é necessário, apenas, querer e lutar, incansavelmente. Não é por menos que temos grandes pintores sem os braços; grandes altruístas, extremamente doentes e pobres; grandes campeões vindos dos guetos e das favelas; grandes alpinistas, totalmente cegos; grandes homens, em todo o mundo, passado e presente, que nos estontearam e estonteiam pela capacidade incrível de superar as deficiências e dificuldades. O homem pode falhar com Deus, mas Ele, jamais, com os homens.

Gostaria muito que os adolescentes lessem e acreditassem nisso. Há entre eles, certamente, muitos Shakespeares, Einsteins, Freuds, Moisés, Spencers, Cíceros, Platões, Demóstenes, Da Vincis, Zicos, Ayrtons Senna, em suma, grandes cientistas, atletas, inventores, sábios, cirurgiões, artistas, atores…, anônimos portadores de dons presenteados por Deus e que vivem despercebidos entre nós por causa do medo de enfrentar as adversidades.

Peço-lhes que não duvidem: quem quer uma coisa possível e honesta, e luta por ela, consegue. Quando se almeja algo assim, temos o aval e a parceria de Deus e, com Ele, sem restrições, se fizermos a nossa parte, as coisas acontecem.

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