18 ANOS DE IMPERATRIZ: O QUE VI, LI E OUVI

APRESENTAÇÃO

Mais uma vez agradeço a Deus por poder registrar minha vivência nesta terra que me acolheu. Este não é um livro essencialmente histórico. Não tem compromisso estrito com a verdade fundamental, mas é combativo ao mal que denuncia. Foi elaborado a partir de especulações, comentários de pessoas, observação de acontecimentos, leitura de revistas, jornais, panfletos e livros.

As primeiras entrevistas, feitas a pessoas que por um tempo estiveram ligadas a muitas de nossas “respeitáveis” autoridades de hoje, foram abandonadas, pois as achei fortes demais para a dignidade dos leitores que não estão acostumados com a crueza de atos espúrios, principalmente de nossos maus políticos. Mas, que todos aqueles que cometeram tantas ignomínias saibam que elas não foram esquecidas. Nos casebres, num apartamento solitário, na mente de um ancião alquebrado pelo tempo, no coração magoado de uma triste mãe que perdeu seu filho… a história desses sátrapas permanece viva. Na lembrança de muitas vítimas – testemunhas que sofreram na carne as tramas diabólicas da ânsia de poder e riquezas deles – as dilacerações continuam profundas, indeléveis e apelantes, em busca, quando nada, da justiça de Deus.

A população sabe das fraquezas e dos deslizes de muitos homens da polícia e da Justiça, tidos como de ilibada conduta aqui em Imperatriz, mas que venderam a própria honra, no afã da sobrevivência, na imoral subserviência a superiores inescrupulosos, para não perderem o emprego e os privilégios.

A esses escravos da fragilidade moral, embora protegidos pelo poder, restará sempre o clamor das vítimas espezinhadas, espoliadas, castradas nos seus ínfimos direitos, a povoar-lhes de duendes os momentos de solidão.

O livro não obedece ao critério cronológico ou histórico. É o resultado de minha maneira de ver o mundo e as pessoas, de acordo com as vicissitudes de cada momento. Por vezes, omiti fatos degradantes, não por covardia ou medo, mas por acreditar que o erro é comum a todos e que imperdoável mesmo é permanecer nele. Quanto aos que insistiram no erro, não descansei os dedos um só instante. Critiquei as intenções e os atos.

Muitas vezes misturei, num mesmo capítulo, intencionalmente, acontecimentos de todos os matizes sociais e de todos os lugares, como que acreditando na “epidemia da globalização”, quando fatos de além-mar trazem influências e conseqüências para todas as pessoas, como está acontecendo com as oscilações de mercado e com o badalado fenômeno “El Niño”. A intenção foi demonstrar nosso comportamento diante das coisas que andaram acontecendo pelo mundo. Ninguém desconhece que uma palavra do Papa, de Clinton…, exerce influência a todos os recantos da terra.

Entrego a vocês o produto de minha sinceridade, de minha verdade: apenas de minha verdade. Escrevi o que minha consciência sugeriu e aprovou, mesmo nos assuntos religiosos. Fiz isso sem medo porque Deus conhece a verdadeira escrita de meu coração… e nunca aprovou a hipocrisia.

Embora a total imparcialidade seja impossível aos seres humanos, tentei exercê-la. Mantenho admiração por todas as pessoas, mas não posso compactuar ou calar diante de seus erros. Que ninguém misture pecado com pecador.

Se não me considerasse filho desta Terra; se para aqui eu tivesse vindo como vêm tantos aventureiros, talvez não precisasse estar lançando este livro. Ele representa minha confissão de amor. É meu protesto contra aqueles que denigrem, extorquem e impedem o progresso de Imperatriz.

Os atos indignos dos maus políticos foram registrados com afinco. Muita coisa encontrada nos jornais, eu sei, é produto de inveja e de questões pessoais, mas, com certeza, ainda não se substituiu a máxima de que “onde há fumaça, há ou houve fogo”. Por isso fui até mesmo repetitivo, tanto nos grandes feitos, como naqueles que mancharam esses dezesseis anos. A tautologia foi intencional. Procurei enfatizar fatos memoráveis para que, segundo seus reflexos, sejam seguidos ou banidos para sempre.

Que me perdoem aqueles que acham que a amizade é bastante para se perdoar fraquezas e tropeções. A pessoa humana sempre será respeitada – não tanto seus atos indignos.

Se encontrarem incoerências, não se escandalizem. A mesma mão que fere, também pode aliviar as dores. Afinal, sou um simples ser humano,

sujeito aos vendavais da alma. Tentei destacar o “bem e o mal”, o “bom e o ruim”, de acordo com minha maneira de ver as coisas, as pessoas e o mundo. O bem como alento à persistência; o mal como alerta sobre desistência.

Em nenhures tive a preocupação de agradar ou de criticar alguém por interesse mesquinho ou questões ideológicas. Relatei e teci comentários sobre alguns fatos mais relevantes que aqui se passaram ou que, mesmo não sendo tão significativos, tiveram-me como testemunha ocular.

Sei que muitos acharão poucos os elogios a eles dirigidos; outros se sentirão injustiçados por terem sido esquecidos; outros ainda se sentirão ofendidos pelas lembranças amargas que as pesquisas e entrevistas suscitaram. Não ficarei triste quando essas coisas acontecerem, porque nos últimos quatro milhões de anos não nasceu nenhum homem, ou um Deus, que agradasse a todos.

Escrevi o livro com a liberdade de um condor das montanhas. Como em qualquer história do gênero, os políticos são sempre os mais comentados e visados porque seus atos se refletem em nossas vidas. Também juízes, promotores, delegados… pessoas que desempenham altos cargos e têm poder de decisão, não foram esquecidas.

Dessas pessoas, de seu comportamento e de suas sentenças, o livro está prenhe. Elas são autoridades que estão sempre em evidência, que manipulam as leis, norteiam e deliberam sobre o que se pode ou não fazer. São homens públicos, preparados para a evidência, cientes dos riscos que o cargo impõe.

Nenhum ato político consegue aprovação unânime, porque não beneficia nem fere a todos. Daí as controvérsias, os apupos e os aplausos, sempre postos numa roda viva de interesses particulares. Dessa particularidade procurei eximir-me, buscando apenas o interesse da população. Espero ter me aproximado do objetivo.

CAPÍTULO 01
O espírito aventureiro ainda brilhava nos olhos cansados de meu pai. Fora um homem arrancado de suas raízes e lançado por força genética a invadir o mundo, um pouco real e muito de sonhos. Ainda hoje, se fecho os olhos e deixo que a saudade divague pelo passado, vejo-o, nitidamente, em pé, ou sentado numa tosca cadeira de peroba do campo que ele mesmo fizera há mais de sessenta anos. Com seu chinelo vindo de Vêneto – presente de um sobrinho que visitou na península, a cidade de Fregona – um canivete Corneta, sempre amoladíssimo, ele aparava arestas nas prancha de jenipapo (era um exímio fabricante de coronhas) e se me via por perto, não perdia a oportunidade de falar de seus sonhos e planos:

– Isto aqui ficou pequeno e difícil, meu filho. Você que pude dar estudos e que ainda está em casa, deve pensar pelos seus irmãos. Dizem que o Norte está lá esperando por aqueles que são destemidos. Aquilo deve ser grande e promissor, e gente grande não cabe em lugar pequeno.

Procurar um lugar maior, mais barato…, um lugar em que se pudesse crescer, não tanto pelos investimentos, mas sim pela natural evolução e progresso que sempre acabam acontecendo a qualquer ponto ermo do planeta, era a inteligente e fixa ideia de meu velho. Sem dinheiro, ele percebia que a única maneira de melhorar o padrão de vida dos filhos era levando-os para as terras devolutas da Amazônia e deixar que o tempo se encarregasse da herança que não lhe foi possível dar. Era como se soubesse o segredo mas não tivesse os meios.

E no rodízio eterno e imodificável dos seres, numa tarde cinzenta e triste, também ele se despediu de nós, para sempre. Refazia-se de quatro AVC (acidente vascular encefálico) quando foi surpreendido e derrotado por uma hemorragia gástrica, ocasionada, certamente, pelo excesso de medicamentos. A crueza da vida venceu seu corpo cansado, mas não apagou a mensagem indelével de suas ideias e sonhos. E assim, pouco tempo depois, eu chegava a Belém, trazendo na bagagem, apenas o amparo de seus conselhos. Não sabia onde, nem como: estava certo apenas de que, embora invisível, uma abençoada mão me transportava e dirigia para um novo destino – como o lendário (?) fogo que dirigiu os hebreus pelo deserto.

A Amazônia dos sonhos dele, perseguia-me. Amazônia! … Dela eu só ouvira falar. “Hileia Brasiliense”, “Inferno Verde”, “Pulmão do Mundo” … Na escola ensinaram-me que no ano de 1616, milhares de pessoas internavam-se pela floresta à cata do que chamavam “drogas do sertão”, como o urucum, o guaraná e alguns tipos nativos de pimenta. Um tal de Francisco Castelo Branco, nesse mesmo ano fundou o Forte do Presépio, atual cidade de Belém. Era dali que se organizavam as expedições que se infiltravam pela floresta, aparentemente indestrutível, fundando vilarejos às margens dos rios. Com isso conquistou-se definitivamente para o Brasil, a Amazônia, esse mundo verde, cheio de mistérios que ora começava a fazer parte de meu destino.

Já no ano que aqui cheguei, sua invasão e destruição eram tão cruéis quanto a que empreendem às focas, os caçadores desalmados dos polos. A quantidade de madeira chamava a atenção do mundo inteiro. Os ecologistas se juntavam para o grito de socorro que ainda hoje ecoa nos ouvidos daqueles que só pensam em sua geração. Apesar da luta incansável, já em 1981, o Brasil iria se tornar o terceiro país do mundo em exportação de madeira, só perdendo pela Malásia e pela Indonésia. Os países que se desenvolveram, que destruíram suas florestas…, os países que consumiam anualmente 6,8 bilhões de m³, ao mesmo tempo que importavam 11,3 milhões de m³ de madeiras do Brasil, financiavam conferências para salvaguardar o oxigênio do mundo taxando-nos de irresponsáveis. Uma farsa vergonhosa da qual nossos governantes eram coniventes. Só Deus poderá equacionar as somas recebidas por eles para permitir aos estrangeiros, a exploração das riquezas da Amazônia.

E eu, postado em seu “portão” de entrada, admirava sua gigantesca e lendária magnitude, cismando seus mistérios e acreditando sempre que a mão invisível de meu pai, transportava-me para o destino que um dia fora escrito nos anais de minha existência.

CAPÍTULO 02
A Kombi com três anos de uso, nove passageiros e mais toda bagagem, saiu do Espírito Santo rumo ao Moju. Diz um amigo meu paraense: “Filhote que cai do ninho, gavião esperto come logo”. Também eu, como um filhote de passarinho caído do ninho, fui logo presa fácil de um tal de Raimundão: grileiro conhecido e perigoso do bairro de Pedreiras, em Belém. Não foi difícil, para ele, vender-me três mil alqueires de terras devolutas, situadas entre os rios Moju e Acará.

Em Ananindeua, aluguei um grande barco, comprei provisões para trinta dias, contratei um topógrafo e parti para a “terra prometida”. Na mente, sempre os conselhos de meu saudoso pai: “Se não se tem dinheiro para comprar pronto, faz-se”. Durante três dias e duas noites, ouvimos o som dolente e monótono do motor que singrava as águas, a montante, do rio Moju. Já não havia mais sol quando o piloto nos avisou que a parte dele estava cumprida. Ajudou-nos a descarregar a bagagem na margem de um pequeno afluente e, sem delongas, retornou.

Abandonado em plena selva, sendo-me novidade os esturros dos barbados, o matraquear das araras, os coaxares metuendos de sapos chafurdados nos igapós, a irreverência de um bando de xexéus que se apossara dos galhos de uma jarana centenária, senti-me um louco fora do pinéu, um doente mental a procura de seu misterioso destino. Ali naquelas margens, vendo enormes peixes que vinham à tona fazendo acrobacias em câmara-lenta, senti, talvez pela primeira vez, a emoção que um aventureiro sente em suas loucas pretensões. Tudo era diferente, estranho, maravilhoso, epopeico, arriscado e perigoso. Foi uma noite em que não cheguei a nenhuma conclusão sobre quem é mais forte: se o cansaço ou a emoção. Retalhos de sono e de insônia, construíram a colcha de dez horas surpreendentes e amarguradas.

Quando o dia amanheceu, tratamos logo de alugar pequenas canoas e subir o Mapiri. Foram mais dois dias intermináveis de sofrimentos e angústias. Dificilmente navegávamos duas horas sem que alguma canoa virasse e os objetos fossem lançados com a gente para dentro do igarapé. Por sorte a água era cristalina e o riacho, raso. Nossas roupas, maletas, papéis, suprimentos…, já apresentavam aspecto intumescido e desolador. Quando a navegação se tornou impraticável, dispensamos as canoas maiores, espalhamos as coisas para secar e descansamos por várias horas. Ao amanhecer do dia seguinte, deixamos que dois caíques transportassem os alimentos igarapé acima, e nós, orientados pelo cicerone Agostinho, seguimos a pé pela selva, aparentemente eterna e indestrutível.

No fim do segundo dia, quando já devíamos ter chegado no lugar designado pelo grileiro Raimundão, nosso cicerone começou a examinar as copas das árvores, com olhares de incerteza. Não foi preciso ser muito inteligente para concluir que estávamos perdidos. Não havíamos levado nada para comer no segundo dia, pois era certo que nos juntaríamos com o cozinheiro que havia seguido com as duas canoas menores, juntamente com os alimentos.

Depois de duros debates e terríveis ameaças (alguns de meus companheiros olhavam famintos para as grandes orelhas de nosso cicerone e observavam sarcasticamente: “será que ficam gostosas como as dos porcos quando no feijão?”), acabamos por tomar o caminho de volta. Não havíamos marcado a passagem, pois, segundo o Raimundão, o Agostinho era profundo conhecedor da trilha que nos levaria à gleba adquirida. Sabe Deus a quantos o famigerado grileiro já havia vendido aquelas terras!

Com dificuldades, examinando as pequenas marcas que aqui e acolá havíamos deixado, ora com os sapatões pisoteando a lama, ora por esporádicos cortes de facão nas “empucas”, fomos desfazendo a caminhada inútil de dois dias. A fome foi apertando, a paciência que já era pouca, esgotando-se. Não tínhamos panela, nem sal…., apenas uma espingarda e cinco cartuchos. Foi quando, descansando à margem de um riacho (nisto a Amazônia é generosa), fomos encontrados por um mameluco autóctone que descia em cima de um caíque, tendo consigo um litro de farinha e um panela de alumínio, corrugada. Nem sequer esboçou qualquer resistência ao receber a proposta de vender o suprimento: a fome estampada em nossas faces era argumento suficiente para bater qualquer martelo.

Fui escalado para abater alguma coisa com que pudéssemos, quando nada, aumentar a quantidade de alimento e não morrer de fome. Depois de extenuada busca, consegui matar um pica-pau de tamanho médio e capturar um indefeso jabuti. Senti, ao chegar, os olhares acusativos e de frustração de meus companheiros. É que me consideravam o maior caçador, quiçá, do Brasil. Nem procurei defender-me. A enumeração dos três deprimentes campeonatos levantados por mim em Rondônia, Mato Grosso e Bahia, estou certo, não mudaria em nada a conclusão deles naquele momento crucial em que esperavam alimentos, e não fama.

Um fumante acendeu o fogo, o Carminatti esfolou o jabuti e o Euzébio depenou o pica-pau. Antes mesmo que ferventasse, embora sem sal, ninguém arriscou se distanciar da panela. A “farinha-puba” cozida e os escassos nacos de caça que até pouco tempo nos causavam náuseas só em pensar, agora nos pareciam a milagrosa revoada de codornizes da Hégira mosaica. Só bem no finzinho do repasto foi que o topógrafo percebeu que o Carminatti havia esquecido um carrapato-estrela na pata do jabuti. Por alguns segundos a comida que ainda era triturada em algumas bocas, deu uma parada, mas os maxilares logo foram acionados outra vez… e a todo vapor. A fome, de fato, é negra. Muitos que massacram seus irmãos com salários criminosos ou que, podendo, não dão emprego, deveriam ser submetidos por Deus a uma perdida de três dias. Possivelmente, entenderiam o que é “amar ao próximo como a si mesmo”.
Na noite seguinte conseguimos chegar ao local de onde havíamos partido. A escuridão nos surpreendeu rapidamente não nos dando tempo para escolher lugar aprazível. Cada um foi se deitando em qualquer lugar, contorcendo o corpo para se livrar de raízes salientes. Em cada imprevisto danoso, mais as orelhas do nosso cicerone eram ameaçadas. Para completar, trovões e fortes chuvas desabaram sobre nós. Encostamo-nos em troncos mais espessos, mas foi impossível evitar os estilhaços dos grossos pingos que desciam do dossel da floresta e espocavam ao nosso derredor. Logo, logo todo mundo ficou encharcado.

Em cada desdita, mais as orelhas do nosso cicerone corriam risco. Depois da sofreguidão com que ele nos viu devorar o pica-pau e o jabuti, não teve mais dúvidas de que nossas ameaças não eram tão infundadas. Mal raiou o dia, sorrateiramente, dizendo que iria atender necessidades fisiológicas, penetrou no mato e até hoje dele não mais tivemos notícia.

CAPÍTULO 03
Depois de trinta dias de luta, deixamos lá demarcados quatorze mil e quatrocentos hectares de terra. Dois peões de nossa confiança aceitaram o desafio de cuidar da área a um preço combinado. Durante três anos, mandei dinheiro para a conta do Raimundão em Belém para que fosse entregue a eles. Quando marquei viagem novamente para as terras, o grileiro avisou-me que um deles se entregara à cachaça e que o outro abandonara os lotes. Por mais que tentasse, nunca mais pude localizá-los. Constatamos que o Raimundão era elemento perigoso, que nunca entregara um centavo aos rapazes e que os mesmos, possivelmente, até tivessem sido assassinados. Abandonei o investimento, duvidando das verdades de meu pai. Mas ele não estava errado. O que eu não soube foi equacionar o tempo e administrar a posse.

Hoje, o asfalto que vai para Tucuruí corta a gleba ao meio e a distância de Belém até ela, é de apenas sessenta quilômetros. Faltou-me perseverança e fé. Perdi o primeiro “round” mas não desisti. Em viagens consecutivas, voltei ao norte, agora inteiramente prevenido contra as quadrilhas de grileiros que viviam de tocaia contra todos que desembarcassem com maleta nas mãos. O rio Tocantins, graças ao desmembramento feito pelo IBGE, constitui hoje a maior bacia hidrográfica em território nacional, ocupando uma área de 808.150,1 km². Nascendo em Goiás na confluência do Marañón com o Paraná, ele passa, imponente e belo, pela cidade de Imperatriz, antes de desaguar no Pará, na foz do rio Amazonas. É ele a aorta principal que vivifica a região e segundo carinhosa lenda, “quem bebe sua água, nunca mais vai embora.” Como guardião e protetor de nossa Princesa, ele possibilita um dos mais belos pores-do-sol, dá sustento a centenas de pescadores, alimenta grande parte da população e, mesmo distante, propicia-nos a luz elétrica por meio da barragem de Tucuruí. Como e quando bebi sua água, não me lembro agora.

Entrei numa licitação de terras do INCRA e fui vencedor do lote 48 da gleba Cajazeiras. Fui a Brasília, apanhei meu título provisório, quitei a proposta em Belém e, quando meus irmãos e eu, numa verdadeira incursão de guerra, fomos tomar posse, encontramos lá sessenta e três pessoas, divididas em quatorze famílias de posseiros.
Só Deus sabe de minha “via crucis” para resolver tão intrincado problema. De cara fui recepcionado por dois rapazes mal encarados que me aconselharam a girar nos calcanhares, para não servir de repasto a urubus, ali mesmo.  Disse-lhes que também tinha sido enganado pelo INCRA e que não estava ali para tomar-lhes as terras.  Depois de muitas entrevistas com eles no INCRA de Brasília e Marabá, acabei indenizando-os um a um e, finalmente, tomei posse das terras. Alguns deles continuaram lá, trabalhando comigo. Gastava-se vinte horas a pé, da Transamazônica até a sede. Todas as vezes que ia lá, ficava dois dias sem poder calçar as botas, tanto os pés inchavam. Mas dessa vez eu não iria fraquejar, inchassem os pés ou não.

Apesar de fraca e acidentada, a área era cortada por centenas de igarapés e alguns rios. Grossos mognos ainda se mantinham de pé nas derrubadas feitas pelos verdadeiros merecedores da terra: homens que haviam perdido filhos e parentes, na luta para possuir um pedaço de chão. Várias cruzes haviam pelos derredores das casas, pois a malária, os picos-do-jaca, as jararacas…, tornavam-se mortais ante a fraqueza daquela gente metida a mais de 20 horas a pé da Transamazônica, mal alimentados, sem a mínima remédio ou segurança contra qualquer imprevisto. Tinham a cor de estanho, poucos dentes, as mãos grossas, barbas espessas…o semblante de ferozes bichos abatidos pela desesperança de dias melhores. As crianças ainda olhavam a gente pela fresta das portas, escondidas nos quartos.

A selva era qualquer coisa de cerúleo. Centenas de nascentes desciam pelas encostas, saltando sobre pedras, envolvendo grossas raízes de castanheiras e misturando o som dolente à estridência das arapongas ou ao ganido do tucanos de pescoço branco. Quando a tarde caía, tinha-se a impressão que toda a natureza antevia a proximidade do fim, ante os milhares de sons melancólicos e estranhos que advinham da despedida dos animais diurnos e o do despertar dos noctívagos.

Não é preciso alongar-me em explicações: basta qualquer um pensar um pouco sobre os absurdos de nossas leis. Hoje, o governo vive às voltas com a Reforma Agrária; ontem, retirava os verdadeiros sem-terras para vender a quem pagasse, as terras de sua propriedade. Naquela região, havia mais de 200 famílias instaladas e todas tiveram que sair de lá, porque o INCRA loteou e vendeu as áreas a quem pagou mais.
A gleba era cortada pelo rio Cajazeiras, um dos mais piscosos da Amazônia. Naquele tempo, podia-se jogar um grande anzol com uma traíra de um quilo iscada, que em pouco tempo um jaú ou um surubim, nunca pesando menos de 10 quilos, agarrava incontinenti. À noite, ao correr o foco da lanterna pela margem, era como se centenas de luzes fossem acesas, no reflexo brilhante dos olhos dos jacarés.

Adquiri lotes na Cidade Nova de Marabá e para lá me dirigi para construir minha casa e as de meus irmãos. O sonho do meu velho, finalmente, iria se concretizar. Havia eu duvidado de seus conselhos na primeira tentativa, mas na segunda, nada iria me deter.

Marabá, há dezessete anos atrás, era, literalmente, o fim do mundo. Forasteiros mal-encarados, poeira que entranhava até na alma, pernilongos que disputavam cada centímetro de nosso corpo, aventureiros sem escrúpulos que não hesitavam em usar qualquer meio para conseguir o que desejassem. Por isso, quando me postei diante dos lotes que havia comprado, sobreveio-me um desânimo tão forte que cheguei a imaginar ser um aviso do céu. Resolvi dar um tempo. Liguei para meus familiares dizendo de minha real impressão sobre a cidade. Eles concordaram…, eles sempre concordavam. Eu desfrutava uma fase de liderança incrível.
De volta, passando por Imperatriz, hospedei-me no Hotel da Rodoviária. O quarto era um cubículo sofrível, empoeirado, quente, cheio de muriçocas. Meus vizinhos eram, na maioria, forasteiros deseducados: desses que, a qualquer hora da noite batem portas, escarram a todo pulmão, conversam a toda altura… Ali permaneci por uma semana. Foi quando conheci dona Helena e sua irmã Vera, esposa e cunhada de um tal de Paulista que fora, misteriosamente assassinado quando retornava da cidade. Elas eram donas do Loteamento Alto da Boa Vista, entregues, em parte, à Imobiliária Vila Valores de propriedade do advogado Agostinho Noleto. Num impulso, talvez pouco pensado, liguei para meus irmãos, comprei delas oito lotes e retornei à minha cidade com a ideia fixa de que aqui iria tentar a sorte e terminar meus dias. Assim foi feito…, assim está sendo feito.

CAPÍTULO  04
No dia três de setembro de 1980…, puxa!, parece agora!, dois caminhões mais parecidos com gaiolas de carvão, iam deixando para trás as ruas de Linhares. Cada uma era viva lembrança de algo de bom ou ruim que me havia acontecido. Quanta história, quantos amores, quantos segredos, quantos sonhos iam se desfazendo como gelo ao sol! Meus colegas de futebol, meus amigos de caçadas, meus companheiros de trabalho, meus vizinhos… Foi impossível resistir a dor daquele momento. Baixei a cabeça e chorei. Chorei porque me parecia que não estava certo do que fazia; chorei porque em cada olhar dos vinte e dois que me acompanhavam, havia, explícita, a esperança de dias melhores e a certeza que eu mesmo não tinha, de que tudo iria mudar para melhor.
Linhares era uma cidade de aproximadamente cinquenta mil habitantes. Limpa, bem cuidada, ruas largas, gente ordeira e pacata; um lugar ideal para que qualquer pai visse os filhos crescerem honrada e honestamente. Era dessa cidade que eu estava tirando meus familiares, e era para Imperatriz que os estava levando.

Lembro-me: ah, como me lembro! Quando voltei de Marabá e me hospedei em Imperatriz, para convencer os que haveriam de me acompanhar, tentei enviar a eles a melhor imagem da cidade. Munido de uma sofrível máquina fotográfica, postei-me em frente a agência dos correios, a fim de aproveitar o movimento do Armazém Paraíba. Para flagrar alguns carros na Dorgival, fiquei ali mais de trinta minutos.
Fotografei também o rio Tocantins, o pôr-do-sol e alguns raros lugares de expressiva beleza natural. Munido deste material, avalizado por minha vontade ferrenha de pôr em prática os conselhos de meu pai, convenci-os do futuro promissor que nos aguardava. Como escrupuloso confesso, sempre sacudia a cabeça para expulsar as possíveis repreensões da consciência que me propunha pensar melhor. Tornara-me um apaixonado obcecado, um homem que faz questão de não ver ou entender as evidências.

No dia sete de setembro de 1980, encostamos no Loteamento Alto da Boa Vista, atrás da atual Tocauto. Havia ali apenas uma casa que fora moradia do Paulista, esposo da senhora Helena, a mesma que me vendera os terrenos. Aluguei essa casa e ali nos alojamos: vinte e duas pessoas, dois gatos, dois cachorros, um papagaio e mais dezenas de inambus, alojadas no outro dia numa granja desativada. Criar Tinamídeos (inambus), era passatempo de meu velho. Tão logo se foi, tomei-lhe o lugar, vitaliciamente.

A diferença entre Imperatriz e Linhares, naquele tempo, era a mesma que existe entre o bem e o mal, entre o espesso e o delgado, entre o gelo e a água fervente. Mundos diferentes, antônimos perfeitos. É de se imaginar o impacto sofrido por meus familiares, ao saltarem dos caminhões com todo cuidado para não se cortar os pés nos vidros e latas velhas que se explanavam. Era no terreno que eu havia comprado que, em setembro de 1980, jogava-se a maior parte do lixo da cidade. A poeira, o mau cheiro advindo de restos em putrefação, o calor sufocante, a fumaça espessa das queimadas indiscriminadas, o desconforto de não se ter lugar onde colocar as coisas, deixavam-me em situação difícil e deprimente.

Em cada olhar eu me sentia um Moisés fracassado, um inconsequente, um irresponsável. Só Deus podia avaliar e aliviar meu sufoco. Distribuindo uma euforia e um otimismo que já não vingavam em mim, eu ditava ordens, animava, incitava todo mundo. Por sorte, meus familiares eram as mais compreensivas criaturas que Deus pôs no mundo. Sem reclamar de nada, sem cobrar nada, enfrentavam as adversidades como guerreiros sem opção. Era lutar ou perder.
As primeiras noites foram as piores de minha vida. Para ser sincero, gostaria de um dia arrepender-me de meus pecados como me arrependi naqueles primeiros meses, de haver arrancado meus familiares do conforto climático e social de uma cidade desenvolvida e pacata, para submetê-los a um mundo inóspito onde o banditismo imperava sob as vistas complacentes da polícia e da justiça. Assim era Imperatriz no ano em que nela cheguei para ficar.

CAPÍTULO 05
A fazenda do Cajazeiras, situada às margens do rio do mesmo nome, continuava sendo nossa esperança. Já no primeiro ano construímos uma estrada que, embora sofrível, dava para ir… ou empurrar o carro até lá. O rio Cajazeiras era, na época, um dos mais ricos em peixe. Pescar um jaú, uma caranha, um surubim, uma traíra…, era apenas uma questão de jogar o anzol dentro dele. Quando estive em Marabá, visitei o escritório do DNER e me garantiram que a Transamazônica seria asfaltada em menos de dois anos. Tudo havia sido aprovado e até a primeira cota de dinheiro havia sido liberada. A vontade cega de que fosse verdade, fez-me acreditar, mais uma vez, de que o dinheiro não seria desviado. Eu sempre me iludia!

Mensalmente, junto com meu irmão Ildebrando, eu ia lá. Não havendo imprevisto algum, gastávamos, de Imperatriz até a sede, quinze horas. Eram duas travessias em balsas nas quais nunca se demorava menos que uma hora. No Araguaia a coisa era mais penosa e demorada. Milhares de pessoas vindas de todas as partes do Brasil, invadiam a região com uma sofreguidão indescritível. Parecia que se deixassem para o outro dia, as terras da Amazônia e o ouro dos garimpos acabariam. O Araguaia era um lindo e piscoso rio de águas, podia-se dizer, azuis. Enquanto aguardávamos a vez, eu ficava vendo os pescadores alçarem lindos peixes e entrega-los a seus filhos. Esses saíam correndo para aonde se encontrava a mãe com o fogão de lenha sempre aceso. Em poucos minutos o peixe já estava de volta, frito, sendo oferecido aos transeuntes.

A roupa suada e pulverizada de puaca, os olhos vermelhos sacrificados por duzentos quilômetros ininterruptos de poeira – a Transamazônica deixava um rastro de poeira constante, muito parecido com a nuvem de fumaça que os aviões a jato deixam nos céus – a barba sempre por fazer dos indômitos aventureiros, incutiam-me uma imagem de ser humano que até então não houvera visto.

Por causa de todas essas dificuldades, contratamos o Antério, nosso primo, para tomar conta das terras. Acho que nunca mais irei encontrar alguém tão excêntrico como esse meu primo! Era impossível entendê-lo. Olhos azuis-claros, cabelos ralos, finos e de cor castanho puxada a bronze, corpo quase quadrado, índole intempestiva, andar de um pato gordo. Ficara viúvo quando sua primeira mulher morreu; desquitado quando a segunda lhe fora infiel; sozinho quando uma terceira também lhe aprontara. Agora vivia maritalmente com uma morena de nome Neuza, uma santa mulher que lhe assistira até os últimos dias. Teve com ela um filho, o Adriano.

Embora fosse estéril, nunca se preocupou com isso. Amava o filho como talvez o pai verdadeiro não o fizesse. Nos últimos tempos toda sua preocupação era com ele. Quantas vezes vinha me procurar para trocar ideias a respeito do menino! Registrou-o como filho legítimo e tudo quanto construía ou ajuntava, passava logo documento ou escritura em nome dele. Reciprocamente, o menino quase o venerava sobremaneira. Isto não impedia, no entanto, que vez por outra, quando alguma coisa ia mal ou dava errado, a gente imaginasse que ele fosse, como Abraão, tentar sacrificar o filho sobre uma fogueira. Todas as vezes que se machucava, ou que algum animal o feria no curral, ou não lhe obedecesse, ele ficava como que possesso do diabo. “Adriano, cabrunco dos inferno, cerca essa praga se não te esfolo todo, desgraçado…” E aí o ramerrão continuava até quando, entrando quase em crise convulsiva, ele baixava a cabeça, tomava consciência de seus atos e esfregava o antebraço nos olhos. Em seguida, abraçava-se ao filho, carinhosamente. Aquilo que antes intimidava, agora transmitia um ato de emocionante ternura.

CAPÍTULO 06
 “A JUVENTUDE QUE HOJE, GARBOSAMENTE DESFILA, A NOSSA PALAVRA DE INCENTIVO E DE ESPERANÇA, E QUE SE TRANSFORME ELA, AMANHÃ, NA FONTE DE PAZ E DESENVOLVIMENTO DO BRASIL”.

Assim se expressando, o então prefeito Carlos Amorim, deixava sua mensagem para o dia sete de setembro de 1980. Eu não o conhecia, muito menos o governador João Castelo, na época, responsável pelo destino do Maranhão.

Exatamente no dia da Independência, eu desembarcava com todos meus familiares no Loteamento Alto Boa Vista. O céu estava encoberto por uma densa camada de fumaça malcheirosa, advinda, principalmente, da queimada dos depósitos de lixo existentes nas cercanias da Vila Lobão.

O rufar de tambores ecoava no centro da cidade e a gente, embora a quase dois quilômetros, ouvia razoavelmente. Os caminhões encostaram e, vagarosamente, fomos pisando na terra inóspita e quente de nosso novo destino. Meus familiares se entreolhavam num misto de entusiasmo e, podia-se dizer, desespero. Eu fazia tudo para não fitá-los nos olhos: tentava me esquivar de acusações duras e implícitas.

Cacos de vidro, papel celofane, sarrafos de madeira…, erigiam verdadeiras montanhas de entulhos sempre em chamas. Era como se o diabo, com seu turíbulo macabro, nos aspergisse enxofre, celebrando sua vitória. Crianças famélicas e assustadas da vizinha Vila Lobão, fitava-nos surpresas: não era comum ainda, na região, homens altos e claros, deseducados na tonalidade da voz e sempre afeitos a gozações e brincadeiras.

Feliz ou infelizmente, todos reconheceram que, certo ou errado, não havia mais como recuar. Meus indômitos sobrinhos, fortes e dispostos, num verdadeiro grito de guerra, começaram a desatar as cordas e desentulhar os pertences danificados pela longa viagem. Quando em vez descia-se uma cadeira sem um pé ou uma geladeira com a porta despendurada. Uns riam; outros, com olhar desolado, ficavam extáticos um ponto qualquer, parecendo não acreditar no que estavam vendo.
Quando a noite chegou fomos logo recepcionados pela falta de energia e com as torneiras secas. Os mosquitos pernilongos, sarcásticos e sádicos, completaram a triste recepção. Não havia lugar aprazível para todos e por isso, fomos sobrepondo redes e amontoando colchões em todo beco possível. Eu não sabia se alentava o pessoal ou se cuidava de meus pássaros que, extenuados pela longa viagem, mantinham-se abatidos e sempre com os bicos abertos. Ainda hoje não consigo entender como saí do Espírito Santo, andei três mil quilômetros passando por cidades como Belo Horizonte, Brasília e Goiânia (para apenas citar as maiores), com um caminhão transformado em viveiro contendo mais de duzentos pássaros sem que ninguém me incomodasse!

Contudo, como o tempo destrói os mais lindos sonhos, assim também faz passar toda angústia e sofrimento. Nunca pedi tanto que ele passasse… e bem depressa!  Imaginava eu que, depois de algumas semanas, as coisas iriam ajustar-se. Certamente conseguiríamos trabalho e, com ele, o dinheiro necessário para, aos poucos, fazer se cumprir os nossos anseios. Ledo engano!

As semanas que se seguiram foram ainda piores. O país, vivendo mais uma de suas rotineiras crises, mergulhado, como sempre, numa corrupção impune, principalmente da classe política, não oferecia qualquer segurança a seus cidadãos. Além do mais, como desconhecidos, não contávamos com nenhum voto de confiança para qualquer investimento. Sem saída, continuei prestando culto ao tempo, se não na certeza, pelo menos na esperança de que ele passasse, levando consigo os tantos problemas que eu havia criado.

CAPÍTULO 07
Quando José Feitosa da Silva, o Ceará, nos últimos dias do inverno do ano de 1979, descobriu através de suas superstições e curiosidade a primeira pepita de ouro na fazenda Três Barras, de propriedade do senhor Genésio, não podia imaginar que estava dando início a um novo El Dorado. O que a princípio fora apenas a descoberta casual de uma pepita no igarapé onde banhava as crianças, agora já movimentava milhares de pessoas de todo o país e chegava aos ouvidos do próprio presidente da República.

Um pouco mais acostumado com o clima e com os costumes deste meu novo mundo, eu procurava manter contatos e acertar trabalho que pudesse oferecer-me qualquer perspectiva de estabilização. Conseguira comprar cem alqueires de matas do senhor Alcides e mantinha ocupados os meus bravos sobrinhos. Dia e noite eles trabalhavam com afinco, objetivando equilibrar as finanças e dar mais estabilidade, principalmente às mulheres e crianças.
Lendo o Jornal “O PROGRESSO”, de propriedade do senhor Sérgio Godinho e onde militavam no jornalismo o Jurivê de Macedo, o Connor Farias, Maria Leônia, Sebastião Negreiros, o professor Toshiak Saito e outros poucos colaboradores, eu ia me reiterando de quem era quem na nova cidade. Amante do futebol, logo enturmei-me com o Ildo da Laminadora Paraná, e sem delongas iniciamos o nivelamento de uma área que serviria à prática do futebol. Em poucos meses já estava me sentindo em casa.

Fundamos a Laminadora Paraná F.C., um dos times mais bem preparados do amadorismo. Chegamos à façanha de, durante um ano inteiro, jogando todos os domingos e feriados, perder apenas duas partidas, exatamente contra as esquipes profissionais do Imperatriz e do Tocantins.

No ano de 1980, começavam já a despontar figuras que hoje constam no nosso cenário político. A coisa não parece ter mudado muito. Quando aqui cheguei, políticos hoje como José Sarney, Édson Lobão, João Castelo, Epitáfio Cafeteira, José de Ribamar Fiquene, Davi Alves Silva, Ildon Marques, para citar apenas os, atualmente mais inerentes e atuantes, já faziam parte das manchetes políticas dos jornais da cidade.

O Davi, hoje tido por seus adversários como a pior doença que afetou o município; e para outros, como um político carismático que, com o auxílio da classe menos privilegiada sempre conseguiu seus intentos, estava já instalado como empresário, onde uma de suas ocupações era manter o garimpo manual de Serra Pelada e a outra, a construção de mansões no Parque Alvorada. A primeira opinião que tive a seu respeito foi-me passada por uma rapaz moreno, muito parecido com o político fajuto de “A PRAÇA É NOSSA”.

Num dia qualquer de novembro, estava eu numa barbearia esperando a vez, quando este rapaz que também aguardava, depois de muitas especulações, disse-me estar acompanhando o Davi na expulsão de posseiros de uma área de propriedade de um paulista de nome João Catila:
– O Davi chegou aqui apenas com uma pequena e velha mala de roupas. O nome dele era Manoel Goiano. Conheci-o na porta do Doca, onde ele foi recebido e acoitado. Ele não tinha onde cair morto. Destemido, atrevido, sem escrúpulos e muito trabalhador, logo começou a crescer na vida. Acompanhei-o na retirada de uma turma que havia invadido a fazenda do senhor João Catila. Eu não era jagunço, apenas trabalhava para receber meu salário. Ele, porém, pegava as empreitadas e dava conta mesmo. Foi chegando, dando tiros para o alto e botando fogo nos barracos. A gente só ouvia gritos de mulheres, choro de crianças e súplicas de posseiros que pediam pelo amor de Deus que ele não matasse a mulher e os filhos. Hoje, aqueles pobres coitados são os mesmos que votam e brigam por ele. Depois…”

Eu nunca o tinha visto e fizera então a ideia de um homem alto e forte, mal-encarado…, um homem de compleição totalmente austera, diferente da realidade. O dia que o vi pela primeira vez, fiquei surpreso, achando mesmo que a história do rapaz da barbearia, não passava de fantasiosa.

Havia eu mandado bater alguns caminhões de madeira numa serraria que ficava na estrada Imperatriz x João Lisboa, de propriedade de um carioca de nome Ademir. Depois de dezenas de tentativas para receber, talvez vencido pela minha persistência, ele me disse que me poderia pagar com lotes do Parque Alvorada. Foi aí que fiquei conhecendo o Davi. No ano de 1980 a fama que muitos lhe imputam hoje de pistoleiro, corrupto, mandante…, se verdadeira, era totalmente abafada pela mentalidade que sempre reina em recônditos onde a lei é ditada, primeiramente pelas falcatruas, e em última instância, pelo 38. Imperatriz era ainda uma cidade sem rumo, povoada de aventureiros, suja e com pouco mais de cem mil habitantes.  Quando o interesse dos mandarins era afetado, a lei era sempre feita com as próprias mãos. Começava, ainda neste ano, os chamados crimes insolúveis: cadáveres que apareciam misteriosamente pelos matagais das cercanias, totalmente mutilados, sem a cabeça, sem as mãos…, sendo que, na maioria deles, a polícia nunca encontrava as pistas. Do Bonfim e do Magarefe, tidos como legendários homens do crime, quase não se ouvia falar.

A febre do ouro mobilizava a população, criava leis e estabelecia novas regras de coexistência. Além da Serra Pelada, havia ainda, entre outros, os garimpos de Goiaba, Rio Maria, Mamão, Cumaru, Babaçu e Macedônia, todos disputando os sonhos de milhares de pessoas que não davam tréguas à ilusão de sair da miséria. E como sempre acontece nos empreendimentos onde a ganância de dinheiro impera, o aparecimento de oportunistas é inevitável. Imperatriz que, até então, era apenas mais uma entre as tantas cidades fundadas, podemos dizer, por mero acaso, agora atraía gente má de todo país; gente que, como chacais, farejavam o ar nacional procurando um território dentro de seus moldes, onde pudessem justificar a luta vil pela sobrevivência.

Diante de tantos problemas criados pela corrida do ouro, o próprio governo federal resolveu tomar uma providência, solicitando do Coronel Sebastião Curió, que desde de 1970 já mantinha o título de Interventor do Governo no Araguaia, a que fizesse jus ao título e tomasse sérias medidas quanto ao desgoverno, à desorganização e aos desmandos que imperavam na região, por causa dos garimpos. Ele veio e, enquanto possível, estabeleceu a ordem.

Isso, porém, não impedia os desmoronamentos de barrancos, as quedas de aviões, as batidas de carros, os assassinatos, os desvios clandestinos de ouro, as jogadas escusas e traiçoeiras de homens sem escrúpulos e sem dignidade, os contrabandos e todo o mais que acaba transformando os mais lindos sonhos nos piores pesadelos. Ainda hoje milhares são as famílias dizimadas pela recente febre do ouro. Os estragos que o ouro faz são sempre milhares de vezes piores do que o bem que proporciona. O ouro pode ser comparado às overdoses que, depois de rápidos e lindos devaneios, ocasionam a morte do viciado.

CAPÍTULO 08
No dia dez de outubro, chega a Imperatriz o presidente João Batista de Figueiredo, trazendo como mensagem a promessa de uma verba de duzentos e cinquenta e um milhões de cruzeiros para serem aplicados na infraestrutura da cidade e a garantia de que o garimpo de Serra Pelada não seria tirado dos garimpeiros.
O prefeito Carlos Amorim que já arrumava as malas para deixar a prefeitura, é agraciado ou obrigado, não saberia precisar, com uma prorrogação de mais dois anos. Por ser um político sem vocação, ele começava a ajuntar adversários em sua política de comodismo e ponderação exagerada. Muito calmo e sem tendência a discórdias, logo demonstrou que sua estada na prefeitura fora um erro, um acidente de que não se vangloriava.

Seu secretário de planejamento, o senhor José de Ribamar Garros, era o mesmo que durante muitas gestões, no entra e sai de prefeitos, continuou no cargo. Embora sua honestidade quando em vez fosse posta em xeque, nenhum executivo dispensou seu jogo de cintura ao ser eleito. A cidade de Imperatriz, nesta época, já contava com mais de cem mil habitantes, sendo que quase vinte por cento desse contingente, andava pelos garimpos.

O salário mínimo era de quatro mil, quatrocentos e quarenta e nove cruzeiros e sessenta centavos, o que dava, na época, para comprar vinte e quatro quilos de carne de boi. Hoje, apesar de o povo reclamar, as contas indicam que com cem reais, temos a possibilidade de comprar trinta e três quilos.

Mas, a perspectiva maior que alimentava minha esperança, a esperança de haver dado um passo certo ao escolher Imperatriz para oferecer a meus parentes e viver o resto de meus dias, era o boato forte que se formava, ventilando a possibilidade da criação do Território de Carajás, que açambarcava três grandes cidades, uma de Goiás, Araguaína; uma do Pará, Marabá e outra do Maranhão, Imperatriz, sendo esta última a mais cotada para ser a capital do novo território.
Em apenas três meses, meus familiares e eu já nos sentíamos em casa. Nossos trabalhos estavam organizados e não corríamos mais o risco de uma situação financeira vexatória. Pelo Natal, organizamos uma festa a nosso modo: festa de italianos barulhentos. A área em que morávamos era grande, mais de vinte e um mil metros quadrados e embora nossas casas fossem provisoriamente de tábuas, a gente vivia tranquilo.

O mundo todo passava por um período de transição, com a ciência descobrindo coisas que deixavam os leigos perplexos. Bebê de proveta, computadores, viagens espaciais…, um sem número de descobertas que estremeciam os alicerces conservadores do próprio Vaticano. Na época, João Paulo II fez um pronunciamento, no qual se mostrava temeroso e apreensivo com a interferência do homem, no que dizia, coisas de Deus.
Já bem no final do ano, depois da visita do presidente Figueiredo à Serra Pelada, meu cunhado Vicente, entusiasmado com as promessas de que o garimpo não seria tirado dos garimpeiros, convenceu-nos de que deveríamos investir também. Embora não me iludisse tanto, concordei que a quadra que havíamos adquirido no centro da Cidade Nova de Marabá, fosse vendido e o dinheiro apurado, aplicado no garimpo.

Para ser sincero, ainda hoje não conheço Serra Pelada. Sempre fui avesso a milagres, a coisas fáceis…, a acontecimentos extraordinários. Para mim a vida nunca teve nem tem agora qualquer mistério. Ela é natural, simples e até mesmo, monótona e raramente reversível. Por isso não me entusiasmo com propagandas e dificilmente jogo em loterias. Sempre achei que fortuna fácil e honestidade não andam juntas. Quando uma acontece, a outra procura distanciar-se.

CAPÍTULO 09
O ano de 1980, sem levar em conta minha pressa, passa afinal. Com ele, o pior. No início de 1981 já conhecíamos muita gente e muitos lugares: começávamos a contar com o crédito das agências bancárias, do comércio local e de muitas pessoas, principalmente, do ramo madeireiro. Imperatriz – se levarmos em conta que o homem é um produto do meio – no entanto, quanto a ser uma cidade indicada para se criar dignamente uma família, continuava deixando muito a desejar.
Os desmandos, sempre incentivados pelo ouro dos garimpos e por prefeitos inescrupulosos ou incompetentes, continuavam crescendo. Para muitos que aqui haviam nascido, era extremamente chocante ver pelos primeiros e precários meios de comunicação, imagens, notícias e relatos de assassinatos com requintes de perversidade; o surgimento de gangues de menores, de quadrilhas perigosas, de roubos atrevidos; a eliminação da própria vida por suicidas desesperados; quebra-quebras; assaltos à mão armada; o aparecimento de falsários que ludibriavam pessoas ingênuas e incautas; os assédios de maníacos sexuais, de ladrões de bicicletas, motos, carros, cavalos e gado; espancamentos brutais  (quase linchamentos);  acidentes de trânsito, enfim, de acontecimentos surpreendentes para quem passara uma vida apenas preocupado com a subsistência simples às margens do Tocantins.

Aliás, o mundo todo parecia afoito. Talvez o nosso tempo não estivesse sendo diferente das demais épocas, apenas mais divulgados graças ao avanço tecnológico, principalmente da eletrônica, que parecia transformar todo globo terrestre numa pequena comunidade. Apenas alguns segundos depois de Mehmet Ali Acga atentar contra a vida do papa João Paulo II, todos os países do mundo já tomavam conhecimento. Além do mais, o aperfeiçoamento cada vez maior dos computadores, completava a tarefa de deixar os seres humanos bem informados e muito estonteados.

Dessa correria e sofreguidão, Imperatriz participava. Não há nada que mais comprova o crescimento de uma cidade do que o aparecimento de homens sem escrúpulos que aplicam qualquer meio para conseguir seus objetivos. E se Imperatriz crescia era porque o faro apurado dos oportunistas via nela a hora apropriada para investir. Sem estrutura, sem consciência política e com pouca religiosa, a lei de que “quem pode mais chora menos”, imperava sob as vistas complacentes da polícia e da justiça. O povo atônito percebia sem entender que exatamente alguns membros das instituições criadas para protegê-lo, eram os que cometiam as maiores injustiças e os piores crimes.

Nesse ano já havíamos murado nossa área e vivíamos mais ou menos seguros em nosso reduto. De repente, lá também os roubos começaram. Era difícil a semana em que um carro não perdesse o toca-fitas ou o almoxarifado não fosse arrombado. Até a carne de um congelador que ficava na varanda, numa bela noite, foi levada. Já não tendo como nos livrar, o cunhado Vicente teve uma ideia. Como a casa de madeira em que morava facilitasse ouvir qualquer ruído, ele encostou o Opala rente a janela do quarto em que dormia. Deixou uma espingarda carregada com chumbo de grosso calibre encostada à cabeceira da cama e deitou-se de sobreaviso. Pela manhã, quando o vi na varanda, brinquei:

– E aí, quantos ladrões matou?
– Eles advinham! – arrematou – nem sombra transpôs o muro. Queria mesmo que tivessem voltado para enfiar-lhes no traseiro alguns chumbos grossos. Agora que estou prevenido – você vai ver – não virão mais.

Minutos depois, escutei umas lamentações que não me eram estranhas. Meu cunhado é inconfundível na arte de reclamar. Fui ver de perto: haviam arrombado o carro dele, danificado todo o painel e levado-lhe o toca-fitas de estimação. Para justificar seu sono de morte, ele começou a procurar um buraco por onde, certamente, os ladrões haviam injetado algum gás sonífero para dentro do quarto.
Desesperados, procuramos a polícia. Aconselharam-nos a pôr um vigia…, apontado por eles. Um mês depois o flagramos também carregando uma motosserra Sthill de nosso almoxarifado. Para ser sincero, não foi fácil para mim, despir-me da ingenuidade nascida da simplicidade de uma cidade sem violência, para substituí-la pela malícia de outra cheia de engodos e falsidade.

O barraco em que moravam nossos funcionários foi preciso ser desativado. O atual Loteamento Chaparral era, na época, um matagal onde se podia caçar inhambus e juritis. Entre ele e a Vila Lobão, morávamos nós. Nada mais fácil para os ladrões do que ficar numa moita observando a saída das pessoas. Depois era só entrar e fazer a limpeza. Naquele tempo, se ganhássemos alguma coisa, certamente seria dividida com os larápios.
Já bem no final do ano contratei um vigia que me parecia de confiança. Orácio era seu nome. Levara uma vida como vigia noturno e dele só obtive ótimas informações. Durante anos ficou comigo. Não havia um pedaço de muro que não tivesse riscos de bala. Não foi fácil convencer os gatunos que deviam escolher outro idiota para sustentá-los. Com o tempo, porém, o Orácio foi se cansando e, auxiliado pela serenidade que ele próprio implantara, começou a dormir no emprego. Uma bela noite fomos acordado por ele, esvaindo-se em sangue. Em poucos minutos todos os moradores do loteamento estavam lá. Foi-me difícil entender a reação de um pacuçu que eu criava solto no quintal e que, sem qualquer explicação o atacara dormindo, quase decepando-lhe o tendão da perna direita. Tão logo recebeu alta do hospital, pediu demissão. Apesar desse pequeno deslize, Orácio foi o melhor vigia que trabalhou comigo até hoje.
Quando ao roedor, entendendo-lhe a mensagem, levei-o para a fazenda: nunca se sabe as reações de um celibatário forçado!

CAPÍTULO 10
O Brasil todo não andava bem das pernas: aliás, nunca o fez, salvo alguma curta caminhada aos tombos. Um povo com excesso de liberdade, de origem pouco recomendada, desestruturado e com educação precária, talvez encontre nestas deficiências, a explicação para seus fracassos. Como nos tempos dos decadentes impérios grego e romano, também aqui as pessoas não eram eleitas pelos seus valores morais, nem escolhidas pelas verdades que diziam, mas sim, pelas mentiras e pela traição bem consumadas. Não é novidade para ninguém que quando isso acontece, o povo humilde, a classe média baixa e os pobres pagam o preço.

A bem da verdade, o mundo todo galgava à pressa, os mais altos píncaros da insensatez. Nos Estados Unidos, o povo elege e empossa o ex-ator de cinema Ronald Reagan. Numa demonstração inequívoca de sua vaidade, já gasta mais de oito milhões de dólares só para receber o cargo do então presidente, Jimmy Carter; no Irã, o líder espiritual e guia da Revolução Islâmica iraniana, Ruhollah Khomeini, cria problemas com o general iraquiano sunita Saddam Husseim e empina o nariz contra a prepotência  dos Estados Unidos; a Rússia, numa luta inglória para demonstrar sua supremacia bélica, vai se destruindo e a seu povo, mais do que se estivesse em guerra… Até o pacato e solidário chefe da Igreja Católica não é esquecido pelas estranhas e inexplicáveis loucuras do mundo.
Como que atingida pelos estilhaços dos drásticos acontecimentos que se desenrolavam pelo mundo, Imperatriz também ia sofrendo alterações estruturais e políticas, intercaladas de surpresas. Nas mesmas proporções em que a brutalidade acontecia, deixando-me confuso quanto a decisão de aqui terminar meus dias, promessas e esperanças sobrevinham, arrefecendo meu espírito e embasando a decisão de não recuar. Os reveses da vida haviam-me ensinado que a indecisão destrói a persistência e é extremamente prejudicial àqueles que almejam um ideal.

Projetos mirabolantes, próprios de militares sem muito conhecimento de causa, enchiam manchetes. Eram fantásticas as verbas que todos os anos eram enviadas pelo governo federal, com o fito de amenizar o sofrimento de grande parte da população. Essas decisões, no entanto, funcionavam apenas como paliativo. Em vista desses inúteis e astronômicos gastos, ventilou-se a possibilidade de desviar o curso do Tocantins para o Nordeste, beneficiando, principalmente, o Piauí e o Ceará. A ideia era perenizar seus rios e favorecer os sertões e as zonas urbanas. Isto equivaleria à construção de uma nova Brasília e me pareceu estupidez gastar bilhões com represas, bombeamentos, desvios, túneis e canais, quando as margens do Tocantins, onde Deus o colocou, estava sem qualquer cultura. Talvez fosse mais cômodo e muito mais barato promover a agricultura aqui mesmo, trazendo apenas as famílias interessadas no projeto. Água para o Nordeste é uma necessidade que dia menos dia terá que ser superada, porém, não agora. No momento havia muitas outras coisas mais graves e com muito menos custo a serem resolvidas.

Para rebater esta aparente boa notícia (já que o Maranhão seria beneficiado com o grande leque de empregos), os jornais locais estampavam em manchete a notícia de que o Dr. José Branco invadira a casa do professor e advogado Manuel Aureliano Neto para tirar-lhe a vida, em vista de ação litigiosa movida pela esposa dele sob a orientação do renomado causídico. Talvez não chamasse tanta a atenção hoje, mas naquele tempo, Imperatriz ainda não havia se acostumado a reações tão temperamentais entre pessoas da elite. Eu percebia, usando apenas um pouco de meu espírito de observação, que a maneira de pensar dos aventureiros que aqui iam se fixando, começava a encontrar ressonância nas pessoas de boa índole.
Como sementes que demoram nascer, também os malfeitos não se apresentaram logo, mas eu via que estavam sendo plantados a cada mês que passava. Gente estranha e violenta, sem escrúpulos nem religião, perversas e traiçoeiras, iam formando, na surdina, seus cartéis. Serra Pelada que a princípio fora motivo desse surgimento, agora esfriava um pouco diante da escassez do ouro. Era hora de ver o que sobrou de mulher e filhos deixados sem amparo por meses a fio. Não foi feito nenhuma estatística, mas o que o garimpo dizimou de famílias, pouca peste o fez. Sem os escusos subsídios de Serra Pelada e garimpos afins, aqueles que em conluios os exploravam, agora buscavam alternativas roubando carros, gado…, matando se preciso fosse, para justificar sua presença neste, então, fim de mundo.

E no meio dessa guerra, ora boa, ora má, Imperatriz, à revelia dos desmandos, crescia. Como cacto no deserto, não se importava com o que lhe faziam: ia brotando milagrosamente em meio a aridez provocada pelas longas estiagens. Mesmo com os governantes não se importando com o lixo, com os esgotos escorrendo pelas ruas, com as queimadas das cercanias, com a fumaça asfixiante…, o povo construía, e acreditava, e aguardava esperançoso que a crueldade de muitos um dia cedesse à irrefutável certeza de que somos todos irmãos e filhos do mesmo e único Deus.

CAPÍTULO 11
Jornalistas, cronistas, contistas, escritores de diversos carismas, mantinham o espaço cultural e informativo da cidade em nível, se não alto, ao menos acima do razoável. Diariamente, pelo esforço de Jurivê, Fiquene, Negreiros, Leonildo Alves, Antônio de Pádua, Jurivê Filho, Nilson Santos, Maria Leônia, Marco Antônio Mondini, Elisaphan Oliveira, Eliane Pereira Machado, Márcia Cristina Ortis, Souza Lélis, Marylza Albano, Henrique Polari, L. A. R., Dipinho, Roseli de Sousa, Luís Gomes, Jane, Ribamar Silva, Luís Carlos Porto, José M. Ursi, José Fiori…, a gente ia tomando consciência do que acontecia, política, esportiva, criminal, social e culturalmente em Imperatriz.

O ex-prefeito Renato Moreira, que mais tarde, ao retornar ao cargo, seria (conforme a mais aceita versão) politicamente assassinado pelo descontente comando do partido, desfrutava, principalmente na época, de grande prestígio e admiração. Verdadeira euforia aconteceu na cidade quando, no dia 9 de maio de 1981, ele desembarcou em Imperatriz para assumir a superintendência da Delegacia Federal do Maranhão. Neste mesmo ano, mais precisamente em janeiro, morre um dos pioneiros mais importantes da cidade, o advogado Raimundo de Moraes Barros. Portador do título eleitoral nº 1, Mundico, como era conhecido, foi prefeito (1956 a 1961), três vezes presidente da Câmara e tabelião do cartório do 1º Ofício. Vitimado pelo câncer, o pai da hoje considerada por muitos como “Mãe da Educação”, a acadêmica Edelvira Barros, despedia-se de sua grande paixão, a cidade de Imperatriz.

Concomitantemente, desfaz-se outro verdadeiro arquivo da nossa história com o falecimento de Otília Carneiro da Cruz, a descendente de índios que aqui vivera por 115 anos. Ninguém conseguirá imaginar o quanto se perde de história quando uma pessoa com essa idade se despede da vida! Um dos mais acentuados desperdícios de um historiador que se preza é não ouvir e anotar o que sabem e contam esses arquivos vivos. Hoje, Otília é lembrada apenas como uma indigente de quem a morte se esqueceu por longo tempo.

E já fazendo parte da comunidade, sempre com meus planos de aqui terminar meus dias, eu, a meu modo, ia me interessando por tudo quanto acontecia. Nesse tempo eu conheci pessoas que nem imaginava vê-las um dia na berlinda do sucesso ou da difamação. Concluo, hoje, a verdade que meu pai apregoava: a de que o espinho nasce com a ponta.

Atualmente, Davi, santo de uns e demônio de outros, é sempre citado com adjetivos extremos. Seus adversários o definem, entre outros pejorativos, como “o homem das sacolinhas”. É uma acusação sempre pernóstica, pois segundo os acusadores ele, enquanto pôde, usou da merenda escolar e do dinheiro público, para comprar, dos pobres e ignorantes, os votos de que necessitava para se manter no poder. No entanto, já em 1981, embora sem comprar votos, ele já utilizava os mesmos meios para divulgar seus empreendimentos. No mês de julho, por ocasião do lançamento do Parque Amazonas, ele promoveu uma verdadeira festa, doando parte da renda aos deficientes físicos. Depois de sua ascensão duvidosa ao mundo dos bem sucedidos, parecia mais acomodado e satisfeito com o que, por bem ou por mal, havia conseguido. Mas, conforme evidências históricas, apenas parecia.

Consciente de seus objetivos, ele investiu certo. Usando seu tino político, sempre escolhia certo onde se encostar. Burlando todos os prognósticos desfavoráveis, em viradas surpreendentes, ele ia conseguindo seus objetivos. Sem quaisquer escrúpulos, escolheu bem o ramo ou a profissão que devia abraçar para realizar seus sonhos. Enturmou-se com políticos e homens fortes da região, demonstrou “força e coragem” para merecer-lhes a confiança e, com isso, foi se temperando para ser o político mais polêmico da região.

Enquanto isso, a cidade ia seguindo tristonha, como se fosse uma vidente prevendo o triste tempo em que ficaria entregue por décadas, nas mãos de seus mais ferrenhos inimigos. Estaríamos fadados à desorganização e ao abandono, como se fosse o povo judeu que, historicamente, através de sua desobediência aos mandamentos de seu Deus, ficou à mercê dos babilônios, assírios, persas, gregos e romanos (antes da era cristã) e, mais tarde, persistindo a teimosia, sujeitos à diáspora impingida pelos romanos e da qual, até hoje, só timidamente está se recuperando.

Assim também, mesmo vivendo gestões desastrosas, o povo continua elegendo muitos dos mesmos saqueadores de sempre, numa irreverente demonstração de ignorância política. É certo que, mesmo aos mais conscientes é muito restrita a opção, já que, nessa dinastia – aparentemente perpétua – os velhos e maus políticos nunca morrem sem deixar no lugar um filho ou um adepto de suas deprimentes idéias.

Surge-me, para amenizar a tensão de morrer convivendo com esse descalabro, a certeza de que, até hoje, mesmo os mais fortes e aparentemente imbatíveis impérios, entraram em decadência e se dizimaram por si, ante a prepotência de se considerarem eternos e imbatíveis. Apenas com a exceção de Deus, todo o mais envelhece… e tudo o que envelhece, morre. Acredito assim, mesmo sem previsão de quando, que tudo isso que hoje parece imodificável, sofra o desgaste do tempo, e enfraqueça, e morra, e dê chances a este povo massacrado de um dia ver um novo sol brilhar.

 CAPÍTULO 12
Em 1950, apesar de contar com apenas 11 anos, sofri uma das maiores frustrações de minha vida. Morando na roça com apenas um rádio para saber que o mundo ia um pouco além das fronteiras dos 18 alqueires que meu pai possuía, fiz do futebol a única coisa que justificava eu haver nascido. Minha mãe dizia que a gente tinha que ser um menino bom para poder ir para o céu, onde teríamos, como recompensa, tudo aquilo que queríamos. O próprio Deus deve ter sentido ciúmes de meus devaneios: sentado numa cadeira privilegiada de um estádio divino, vendo o Botafogo derrotar o Flamengo, sempre com o Pirilo fazendo gols incríveis. Foi ainda criança que pude perceber que o fanatismo é doença de qualquer faixa etária!

Por isso, agachado por detrás da mala de tábuas que guardava minha roupa e ficava no canto direito de meu quarto, eu soluçava inconsolável, por causa da derrota do Brasil pelo Uruguai por 2 x 1. Ouvir Jorge Curi com sua voz tonitruante, entrecortada de dor, lastimar em nome de todos os brasileiros, a perda do campeonato a que éramos francos favoritos – doeu-me como espinho de laranjeira na planta do pé. Eu não podia entender ainda como o Queixada (Ademir) não conseguira fazer os gols da vitória. Ele era, na época, o artilheiro… o maior centroavante do mundo!

Agora, 31 anos depois, eis-me tristonho outra vez. O tempo reajustou minhas emoções, sufocou as lágrimas dos olhos, mas se esqueceu das da alma. Por dentro eu sofria como há 3 décadas. Telê houvera sido um criminoso quando substituiu Zé Sérgio; a defesa parecera-me comprada quando permitiu que Oliveira cabeceasse livre e marcasse o gol da vitória; Deus parecera-me ingrato ao desprezar nossa cidadania e comenda, dada a ele em toda bola na trave em que o narrador assegurava que “Ele era brasileiro”. Novamente perdemos, novamente para o Uruguai, novamente por 2 x 1.

Como eu houvesse crescido, ao invés das lágrimas de 1950, demonstrava minha angústia, criticando o técnico, alguns jogadores…, Deus e o mundo. Ainda agora era eu um fanático que não admitia a derrota. Para mim, os brasileiros, no futebol e no carnaval… (aqui deixo em reticências os tristes troféus da corrupção, da impunidade e afins, por não encontrar no mundo país nem povo algum que ameace esse nosso time político dos sonhos… do diabo) eram insuperáveis. Esqueci-me, porém, que não se é o melhor senão pelo esforço contínuo, pela preparação ininterrupta e pela humildade constante. Os jogadores brasileiros, depois de Garrincha e Pelé, começaram a acreditar que as camisas e a honrosa classificação no ranking mundial seriam suficientes para derrotar seus adversários. Por causa disso seríamos humilhados por longos anos.

Imperatriz avançava em coisas ruins, sufocando-me as esperanças de que viesse a ser, mais rapidamente, uma cidade aprazível de se viver harmoniosa e decentemente. Em 1982, os olhos ardiam; a Drielly (minha filha caçula) tossia e respirava com dificuldade: a fumaça asfixiava. Podíamos olhar o sol, sem qualquer proteção, em pleno meio-dia: transformara-se numa bola vermelha, ofuscada e sem capacidade para vazar a densa camada de fumaça. Hoje, como há 15 anos, o IBAMA, equipado com helicópteros, viaturas e ameaçadora retórica, invade a mídia e toda a cidade. Enquanto dá entrevista, da janela vejo um redemoinho de fumaça que sobe de um novo incêndio nas cercanias.

Qualquer fazendeiro que visita e tenta multar, defende-se dizendo que o fogo veio de longe. É, muitas vezes, um argumento mentiroso e fajuto, mas que, como os repetidos dribles de Garrincha, dados sempre pela direita, continuam funcionando sem qualquer problema. Afinal, no município todo há focos de incêndio. “É preciso conscientizar…” E eu, às vezes imagino: – Coitados, pretendem dar água a quem não tem boca. Como fazer alguém compreender as conseqüências do fogo, se não tem a formação mínima para entender? Jamais alguém irá fazer uma criança de 1 ano compreender o funcionamento de um computador. É assim que a maioria dos lavradores vêem os perigos das queimadas. Sabem que o período de plantio está chegando e não encontram outra alternativa à altura de suas possibilidades financeiras, que não seja o fogo. É-lhes impossível preparar a terra de outra maneira.

Sem escolas e professores competentes; sem entender, ainda que razoavelmente, os enunciados das questões inerentes à natureza, ameaça alguma mudará a cultura do povo. De que adiantará ao IBAMA ou a quem se digne fazê-lo, explicar a um sofrido homem da roça que a Amazônia é uma floresta tropical úmida e, que como tal, não é condizente com projetos econômicos de longo prazo; que toda essa aparente exuberância de suas florestas não passa de uma fina camada de solo; que em se fazendo as derrubadas, as fortes chuvas do inverno arrastarão os nutrientes para os rios, transformando a terra lixiviada em deserto; que a reciclagem natural, sem interferência do homem é a única maneira de se preservar esta maravilha que chamam de “Pulmão do Mundo”; que, a continuar o uso das motosserras e o crime das queimadas, as chuvas diminuirão, o nível de dióxido de carbono aumentará, criando o chamado “efeito estufa”, elevando a temperatura da terra, degelando os pólos, fazendo subir as águas dos mares e propiciando catástrofes imprevisíveis; que mais de 1 milhão de espécies de animais e plantas serão irreversivelmente perdidos…

Nunca um caboclo que não sabe sequer assinar o nome, vai aceitar o valor e o peso que representam as florestas da Amazônia. Para ele, o mundo se restringe à sobrevivência. Por isso, com os parcos meios materiais de que dispõe, em geral, um machado e uma caixa de fósforo, ele faz sua parte na destruição do maior e mais belo santuário da natureza: a Amazônia. Não tem culpa alguma: é como se fosse uma avalancha ocasionada por fortes chuvas em casas dependuradas nos morros das favelas.

A Educação é, se não o único, ao menos o principal caminho para tirar o homem de sua condição subumana. Quando ele se tornar consciente de que é impossível viver sem os animais e as plantas, certamente passará a respeitá-los mais. Querer fazer ver e entender essas coisas, agora, a um adulto que não sabe ler nem escrever, continuará sendo (como é comum no Brasil) apenas mais uma farsa política.

A falta de consciência e de conhecimento profundo das coisas são os caminhos que nos levam a cometer crimes, tanto contra a natureza, como contra a humanidade. Quando criança, eu vivia de estilingue na mão, perseguindo os alígeros. O tempo passou, freqüentei escolas, cresci e entendi que isso não se deve fazer. Hoje, por conhecer o valor e a dimensão de minha insensatez do passado, além de protegê-los, ainda luto para que todos façam o mesmo.

Se o IBAMA e demais órgãos que dizem defender a natureza quiserem amenizar um pouco o problema, têm de deixar o bloco de notificação no carro ou no escritório e se embrenharem até a tapera do caboclo e, esquecendo os biótopos, as desertificações, pool genético, desastre ambiental irreversível, complexidade amazônica, autopreservação, dióxido de carbono, temperatura…, e falar do fogo, do valor dos insetos e dos passarinhos, das abelhas, dos calangos, dos sapos, do adubo que o fogo destrói… Essa linguagem, talvez o caboclo compreenda.

Nessa esperança vamos respirando fumaça, tropeçando no lixo, atolando o carro pelas ruas, pagando multas, ouvindo gritos histéricos de mulheres que esbarram em ratazanas dentro da cozinha, lendo manchetes sobre roubos, assassinatos e todo tipo de absurdos que aqui vão se instalando sem que nada se faça para impedir.

Embora seja duro admitir, o que percebo é que toda cidade que cresce desordenadamente paga o preço que estamos pagando. Em regiões ricas e promissoras os bandidos logo aparecem. Estabelecem lei através da força, da traição, dos crimes impunes e de tudo quanto a posteridade recordará com tristeza. Dificilmente, polícia e Justiça de lugares pequenos e com crescimento desordenado conseguem impor-se aos desmandos. Assim sendo, verdadeiras quadrilhas vão sendo formadas. Os chefes dessas quadrilhas tomam, matam, roubam, enriquecem a si e a seus patrões, e raramente alguns são punidos…, nada pode acontecer, porque seus possíveis algozes têm interesse ou são obrigados a apadrinhá-los. Vejam, por exemplo, o depoimento de um decano ainda lúcido, segundo suas conclusões e ótica:

“Cheguei aqui em 1960, quando era prefeito João Menezes. Ele era comunista e vivia mais na cadeia do que em liberdade. Toda semana aparecia aqui uma ordem de São Luís do governador Cara de Onça (Newton Belo) e João Menezes era levado para Tocantinópolis, de onde só voltava no fim da semana, graças à intervenção do deputado La Roque. Newton Belo vivia dizendo que não queria a polícia dele desmoralizada. Na época mandou matar o prefeito de Amarante… mandou matar uns quatro prefeitos. O pistoleiro vinha, fazia o trabalho e, calmamente, tomava o avião ali onde é hoje a Universidade Federal e ia embora.

João Menezes foi sendo preso até ser posto pra fora, ficando no seu lugar o guarda-fio Pedro Guarda, que mal sabia assinar o nome. João Menezes e o deputado Sálvio Dino eram as frentes mais fortes contra o governo e por isso viviam perseguidos. Ali onde é hoje o Banco Econômico, era um areão só, mas havia uma espécie de sobradinho, onde em cima funcionava a única ‘amplificadora’ da cidade. Em 1963, as ruas de Imperatriz estavam cheias de pessoas estranhas (era o exército à paisana), porque Imperatriz nessa época era muito vigiada pelo governo da situação. Sálvio Dino subiu lá, pegou o microfone e falou por mais de uma hora, exortando o povo à revolta: ‘Gente, vamos pegar nas armas e enfrentar o governo. Não sejam covardes. É agora ou nunca mais.’ Falou até ser preso pelo exército que já infestava a cidade, sem que ninguém lhe desse apoio. Foi levado para Tocantinópolis e, ainda que tivesse o amigo La Roque e dois irmãos oficiais graduados a intercederem por ele, ficou lá muito tempo, sofreu e foi torturado. Só saiu da cadeia depois de 1965, quando José Sarney, sozinho e na oposição, venceu 3 candidatos e foi eleito governador do Maranhão. Nesse tempo era presidente da República o general Castelo Branco e o deputado La Roque era muito amigo dele… dele e do Garrastazu Médici. Hoje, ninguém conhece os ideais políticos verdadeiros de Sálvio Dino, mesmo porque ele deve ter sentido que não é fácil liderar um bando de covardes. Chegou a perder uma filha de 13 anos, porque, por vingança, não lhe cederam passaporte para levá-la ao exterior para tratamento de leucemia. Quando lhe permitiram, já era tarde: a filha faleceu no Rio de Janeiro.

“Hoje – diria mais tarde Sálvio Dino – apesar da distância, recordo com emoção o sombrio episódio que tanto prejudicou e deixou profundas lesões no coração de todos aqueles que sonhavam com um Brasil melhor e pagaram um preço muito alto por serem idealistas, sonhadores, imbuídos dos mais nobres propósitos de bem servir…”

Até 1970 a gente vivia aqui na bibiana.

– Bibiana?

– É, você deve conhecer como lamparina. Pois bem, toda luta do povo daqui era para conseguir água e luz. Felizmente, no dia 20 de setembro de 1970, o governador Pedro Neiva de Santana acionou o botão e as luzes da Avenida Getúlio Vargas foram acesas. Nesse tempo, a mão era pra baixo.

Até então aqui só havia o Banco da Amazônia, que ficava ali perto da Praça da Cultura. No dia 10 de março de 1974, foi inaugurada também a primeira agência do Banco do Brasil. Ficava ali onde hoje funciona o jornal “O PROGRESSO”. Logo depois veio o Banco do Estado e daí pra frente a coisa desandou. Eram todas construções sofríveis, mesmo porque Imperatriz era, praticamente, um vilarejo no meio da mata.

O cabaré era aqui mesmo, perto de onde moro, no Cacau. Nesse cabaré foram cometidos os maiores roubos e crimes de Imperatriz. A dona, uma tal de Consolo, mãe até de bons meninos, era quem preparava tudo. Ela derramava cerveja em cima do cliente que tinha dinheiro, formava a confusão e aí a polícia entrava, pegava o cabra, metia no ‘Jeep’ e pronto: quem entrasse nele não voltava mais. Quem fosse lá com dinheiro podia estar certo que de lá só sairia, com ele e com a vida, por milagre. Os ‘jipões’ da polícia viviam ensangüentados de carregar estranhos ali assassinados, pelos areões até às margens do Tocantins, onde com pedras amarradas ao pescoço, eram lançados nas águas. A única diferença que havia entre os assassinos daquele tempo é que uns andavam à paisana e outros, de farda. Dizia-se, na época, que os policiais eram os guarda-costas dos pistoleiros.

A Farra Velha não era diferente. Ela continua no mesmo lugar até hoje, só que ali onde é o atual camelódromo era mata fechada de cipó timbó. Era rara a semana que não se achava um elemento morto lá dentro, sem que ninguém soubesse quem havia feito o serviço.

Mas Imperatriz crescia a olhos vistos. As terras eram boas e atraíram logo o interesse de muita gente sem escrúpulos: pistoleiros principalmente. Na época, aqui, os táxis eram ‘jeeps’: havia o pequeno, o de quatro portas e o boiadeiro. Só eles conseguiam atravessar o imenso areal que formavam nossas ruas. Ali pro lado do riacho Cacau, ficava a ‘zona’ da cidade, onde se cometiam os maiores e mais bárbaros crimes. Era difícil a semana em que ali, três ou quatro forasteiros não fossem roubados, mortos e levados pelos ‘jeeps’ e depois jogados no rio Tocantins.

Nesse tempo, os pistoleiros eram os homens mais respeitados da cidade. A polícia jamais ‘bulia’ com eles. Aliás, era tida como guarda-costas dos pistoleiros. Era uma verdadeira hierarquia, sendo que o cabeça era um homem muito seu amigo, que lhe peço o direito de não declinar o nome, mesmo porque você é inteligente e já deve estar sabendo de quem estou falando.

Esse homem, muito poderoso, com a Justiça nas mãos, comandava todo o crime, tanto que a pistolagem só chegou a ser estremecida depois que ele deixou o cargo. Ele tinha um escritório só para tratar de quem podia ou não continuar vivo. Certa vez – eu morava ali na Luís Domingues, perto de onde é hoje a funerária do Dr. José Branco – e um cunhado de Luís Rocha, que era governador nessa época, devia uma conta e, não querendo pagar, chamou o credor a sua própria casa e, lá dentro, deu-lhe 3 tiros e o matou. A polícia veio, levou o cadáver e mandou que ele fugisse por um mês. 42 dias depois ele voltou. Andava sem camisa, com o revólver na cintura, bebia muito e ficava desafiando todos os vizinhos. A gente o denunciava às autoridades, mas estas nada faziam. Num domingo, enquanto acontecia uma das costumeiras reuniões estranhas na casa do Dr. Sipaúba, eu meti meu 38 cano longo na cintura, uma faca afiada do outro lado e fui pra lá. Sem pedir licença, entrei. Lá estavam eles decidindo sobre uma carta que Luís Rocha havia mandado para que não prendessem o cunhado vagabundo que vivia criando problemas pra meio mundo.

Então eu entrei e logo fiz meu discurso: ‘Olha, sei que esta carta é do Luís Rocha para que vocês não prendam aquele assassino que anda desafiando todo mundo lá naquela rua. Mas eu vou dizer uma coisa: vocês são os responsáveis por aquilo que vai acontecer. Olhem, eu estou armado, mas os senhores não têm autoridade para me desarmar, porque se um assassino pode andar com o revólver a patente, desafiando todo mundo e vocês nada fazem, quanto mais eu que sou um homem de bem’. Aí interpelaram-me: – Você tem coragem de dar um depoimento do que está afirmando? E eu respondi: ‘Desde que vocês o registrem conforme eu disser’. Aí, então, eles mudaram a conversa. Entreolharam-se, mudaram de cor e, acredite, em menos de 24 horas o homem estava preso.

Depois eles voltaram à minha casa para que eu assinasse a denúncia. Eu a li e depois disse: – Acrescentem aí que o assassino ficou mais de mês aqui pelas ruas, desfilando com o revólver na cintura e desafiando todo mundo sem que vocês nada fizessem, que eu assino. Aí eles preferiram sair sem meu depoimento.

Meu senhor, você chegou um pouco atrasado. Encontrou Imperatriz regenerada, habitada por santos. O Davi de que tanto falam, é apenas uma cria inexpressiva dos verdadeiros marginais que solaparam Imperatriz. Antes desse povo todo, teve aqui outro juiz. Era um homem que não podia ser nem oficial de justiça, mas não sei como, chegou aqui como juiz. Fez tantas que acabou perdendo o cargo, a aposentadoria… perdeu tudo. Acabou indo pra Brasília, onde, para não morrer de fome, aceitou as benesses do deputado La Roque. Acabou morrendo de infarto.

Em 1970, Renato Moreira concorreu com o Xavier e ganhou como prefeito. Seu vice era o Dorgival Pinheiro de Sousa. Moço novo, 43 anos talvez, muito trabalhador e com larga visão logo deu um bom impulso à cidade. Foi dele a primeira telefonia particular. Muito inteligente, ele fazia os projetos e os realizava. Um dia, porém, ele se indispôs com o gerente do Banco da Amazônia, Sr. Santana. O gerente negou o empréstimo e ele foi a São Luís e trouxe uma ordem superior para que o mesmo fosse concedido. Conseguiu mais: que o Santana, com mais de 20 anos de banco, fosse ocupar uma das mais simples carteiras da agência. Eu estive com o Santana em Belém: estava barbudo, desiludido… chorava como uma criança. A casa dele era ali perto da ‘Prefeitura Velha’, próxima à choparia do Roberto. Não longe dali morava também uma rapariga, amante do Dorgival.

Dois anos depois, com o Santana já em Belém, o Dorgival nem imaginava mais qualquer tipo de vingança. Numa madrugada, ele deixou a mãe na agência de ônibus que ficava ali perto do atual Camelódromo e depois foi para a casa da amante. Enquanto, distraído batia na porta, um pistoleiro veio por trás e lhe deu um tiro de 22 no ouvido, prostrando-o sem vida. Com certeza foi o Santana ou alguém a mando dele, porque era o único inimigo de Dorgival. Mas ainda era o tempo em que se podia matar sem qualquer infortúnio policial e também judicial.

Três dias depois, eles pagaram a um motorista de táxi para dizer que tinha sido o autor do disparo, com a promessa de que o tirariam da cadeia logo em seguida. De fato, alguns dias depois, vieram dois advogados de São Luís, conseguiram que ele fosse transferido para lá e nunca mais se falou nada sobre o assunto.

Na eleição seguinte, o coletor Xavier ganhou as eleições mas governou por poucos dias, porque o governador Pedro Neiva de Santana enviou uma porção de gente de São Luís para ser secretários aqui e o Xavier não aceitou. Deram lá o jeito deles, cassaram o mandato do Xavier e no lugar puseram o Raimundo Silva, que governou os 38 meses restantes.

Depois do Xavier, foi eleito aqui um oficial da Polícia chamado Euripão, que venceu Manoel Ribeiro. Na apuração aconteceu um coisa muito engraçada. Manoel Ribeiro conseguiu impugnar duas urnas que continham a maioria dos votos para Euripão e, assim, por algumas horas foi declarado prefeito de Imperatriz. Havia aqui também um açougueiro muito forte, que tinha os braços mais monstros do mundo e era amicíssimo de Manoel Ribeiro. Quando soube que o amigo havia sido eleito, foi até ele, enfiou a cabeça entre as suas pernas e saiu pulando com ele nas costas pela cidade afora. Manoel Ribeiro gritava de dor, porque nos solavancos ele sempre batia com os testículos nos ombros do açougueiro, que entendia aquilo como satisfação por ter ganho o pleito. Quando, enfim, foi colocado no chão, ele desmaiou e foi levado para o hospital, de onde só saiu dois dias depois, praticamente castrado e com a péssima notícia de que as urnas impugnadas haviam sido aceitas e que o Euripão era o novo prefeito de Imperatriz.

Esta cidade só teve, até hoje, um prefeito que prestou: foi o interventor Bayma Júnior, que ficou no cargo 2 anos. Ele foi deputado, diretor da CEMAR e seria muito mais se não tivesse saído da saia do Sarney. Desde que cheguei aqui, se alguém quiser qualquer coisa terá que apanhar da mão do Sarney. Teve prefeito honesto, que não roubou, como o Carlos Amorim, mas que também não sabia administrar e por isso não fez nada. A maioria, porém, foi sempre um bando de ladrões. A prova é que não há no Brasil nenhuma cidade que já teve tantos interventores. É muito difícil aqui um prefeito cumprir todo o mandato.

A primeira intervenção que tivemos aqui foi a do Raimundinho do Cartório do 1º Ofício, quando o cartório ficava lá na Rua Guilherme Cortês. Depois dele, foi uma sucessão de interventores de fazer medo. Até um diabo de um crioulo da polícia, o Sarney mandou pra cá pra ser prefeito.

Como aqui sempre a lei foi a força, não é de se estranhar que verdadeiros cartéis apinhassem a cidade de pistoleiros. Só que eles acabaram se auto-destruindo, como fazem as gangues dos morros do Rio de Janeiro. Houve uma época em que embolaram aqui, Zé Bonfim, Monoel Magarefe, Davi… e um outro que já disse que não declinarei o nome e começou a faltar espaço pra tanto bandido. E olha que eram bandidos da pesada! O cartão de visitas do Zé Bonfim com seus mais de 30 pistoleiros, por exemplo, foi matar muita gente aí perto de João Lisboa, numa fazenda que pertencia a um goiano. O seu pistoleiro mais perigoso se chamava Pedro Ladeira, um homem magro, rosto fino, braços secos, olhar manso… Ele tinha um escritório de prestação de serviço, ali na Praça de Fátima, onde hoje, embaixo, é a Ótica Real. Em cima, havia uma espécie de sótão: era o escritório do Pedro Ladeira, onde se podia contratar um pistoleiro para eliminar qualquer desafeto. O vereador João Palmeira foi morto por ele. Recebeu mais de 75 tiros. Ficou mole como se fosse uma minhoca.

Como aqui só tinha valor quem mandasse matar, Pedro Ladeira se tornou um dos mais importantes cidadãos de nossa cidade. Era respeitado pela Justiça e pela polícia, como talvez não seja hoje o próprio presidente da República. Logo criou uma rede de farmácias e andava tomando dinheiro em seu nome e comprando as coisas em nome de outros. Gerente algum ousava não emprestar. Como os prejuízos causados aos bancos já estavam sendo insustentáveis, e vendo ele que já havia atingido o limite, aplicou um golpe sensacional. Fez-se de doente e foi para Goiânia para tratamento. Por lá matou um ou comprou um corpo (há dúvidas quanto a isso), pôs num caixão, lacrou, entregou a doze de seus mais confiáveis pistoleiros e, embora todos soubessem da trama, foi velado com grandes honras. Não acredito que já houve em Imperatriz um enterro com mais gente. Todas as autoridades estavam presentes. O estranho cadáver foi sepultado aí no nosso cemitério. Os bancos ficaram no prejuízo e hoje ele é um dos maiores fazendeiros do Uruguai.

O Zé Bonfim dava nó em pingo d’água. Quando chegava a cabarés, ninguém nem passava por perto. Ali todo mundo tinha que fazer o que ele ordenasse. As mulheres tinham que desfilar nuas e passar pelas maiores humilhações. Nunca pagava nada, nem a ninguém. Ele simplesmente ia buscar. Até avisava os que iam ser roubados para que deixassem tudo pronto. O último de quem tomou tudo foi João Menezes. Ele ligava pro João e dizia: João, amanhã vou mandar os carros lá pegarem tantas reses. E assim fazia e ninguém tomava providência. Quando acabou o gado, ele tomou até a fazenda do João Menezes, que preferiu perder a fazenda, mas ficar vivo.

O Manoel Magarefe não era propriamente pistoleiro, embora fosse muito perverso. Ele era um açougueiro do Zé Bonfim. Um dia, porém, a vida dele foi encomendada e os pistoleiros do Zé Bonfim crivaram a casa dele de bala, mas só mataram um de seus filhos. Logo depois mataram o outro filho e, finalmente, ele mesmo, lá pro lado de Pernambuco. O sogro do Magarefe era outra praga. Ele chegou a morar perto de mim. Matou a mulher com um tiro na boca. Foi pra cadeia e já saiu de lá com outra. Alguns dias depois, matou aquela também com outro tiro na boca. Era o diabo. Por ser um valente burro, logo apareceu morto ali perto do Ribeirãozinho, porque havia outros comandos que temiam pistoleiros atrevidos e inconseqüentes como ele.

Mas, com o passar do tempo, as coisas foram ficando difíceis para os pistoleiros. Zé Bonfim foi sendo perseguido pela lei, até que foi preso na Bahia e depois fugiu, indo quietar lá no Rio Branco. Está pobre. O que acabou mesmo com o Zé Bonfim foi a morte do pai dele, mentor de muitas atrocidades.

O Davi está durando porque trocou o poder da imposição pela força, pelo poder político: mais catastrófico, porém, legalizado. Embora os dois destruam na mesma proporção, o segundo, graças à imunidade parlamentar, é tido como natural. Mesmo assim, hoje, aqui ele está desgastado. Nem as sacolinhas funcionam mais. Imperatriz mudou muito! Há ladrões por todos os lados, mas já se pode protestar, denunciar, criar-lhes problemas e continuar com a chance de permanecer vivo.

O ‘Manoel Goiano’ ficou famoso aqui quando comandou a expulsão de mais de 200 pessoas de uma fazenda invadida. Ele e os seus pistoleiros foram chegando, jogando gasolina nos paióis de arroz, nas casas e ateando fogo. Aquilo virou um inferno. Calculou-se mais de trinta pessoas mortas. Daí pra frente as portas se abriram pra ele. Começou a crescer. Em pouco tempo fez o Parque Alvorada, onde guardava a maior parte de seus homens de confiança.

Ele tem um advogado que ainda mora lá. Fala bonito, tem ares de moralista, mas que foi e talvez ainda seja um dos principais mentores de todas as suas falcatruas. Bem se diz que gado ruim por si se junta. Normalmente… você pode olhar: todos os amigos do Davi são pessoas suspeitas que fizeram e até ainda fazem todo tipo de jogo sujo. Há aqui, por exemplo, um grande e respeitado comerciante, que se juntou com ele e cresceu financeiramente de um dia para o outro. A última que fizeram foi tomar aquele supermercado ali do entroncamento. O prefeito Renato Moreira havia desapropriado e pago a área a um senhor de Araguaína. Quando Davi foi prefeito, mandou sua gente ir lá e apanhar os documentos velhos. O tal comerciante deu entrada na compra e ele como prefeito, assinou. Um juiz com trombose no pé – hoje parece que está lá em Porto Franco – deu ganho de causa e eles ficaram com a área. Um absurdo!…

Tente só calcular quanto custa o Hotel Fazenda, o Hotel Anápolis, a Rádio Terra, as dezenas de outros imóveis aqui, as fazendas por vários estados do Brasil, o maquinário de suas firmas, a mansão de Brasília… e tente imaginar tudo isso conseguido em poucos anos por um caboclinho esquálido, sem instrução, que aqui chegou pedindo pousada na casa do Senhor Doca!

Tente também olhar o que seu antecessor possui hoje, depois de ter entrado na política e se tornado um vencedor. Com o que conseguiu na política, pode estender a rede numa sombra por mil anos.

Em 1955, foi prefeito aqui o Simplício Moreira, pai de Renato Moreira. Os Moreiras sempre foram muito honestos, tanto que o velho Simplício, quando terminou o mandato, colocou o dinheiro que tinha em caixa num saco (na época não tinha banco, nem estrada para São Luís ainda), arreou o cavalo, foi até Barra do Corda, tomou um motor e seguiu pelo Mearim até Pedreiras. Ali já havia estrada e ele tomou o ônibus até a Capital, onde devolveu o dinheiro que sobrara. De 1970 a 1973, foi prefeito o seu filho Renato Moreira. Nesse tempo ele foi honesto como seu pai, mas quando foi eleito com o Davi, transformou-se. Já era outro Renato: um Renato com fome de dinheiro e com muita vontade de resolver os problemas financeiros de todos familiares e até de amigos mais íntimos. Por terem sempre sido honestos, os Moreiras foram sempre de remediados a pobres. Mas, talvez por sentir as facilidades que sempre se teve aqui de usar o dinheiro do povo em causa própria, Renato fraquejou. Isso não agradou ao Davi, que não abria mão de seu quinhão. Logo, logo, ele foi executado, talvez como o último dos crimes bárbaros de nossa cidade.

No outro dia, Davi estava lá de sentinela, lamentando o crime. Sem duvidar da autoria, a viúva botou ele pra fora. Não sei por que sempre foi costume dos mandantes daqui fazerem sentinela pra quem mandavam matar! O velho Quincas era a mesma coisa. Em 1963 tinha aqui um velho metido a corretor e que fez a besteira de discutir com ele. À noite, ali perto do Entroncamento, ele estava tomando um guaraná quando dois pistoleiros do Quincas chegaram e o executaram, friamente. À noite, no velório, estava lá o Quincas com aquela costumeira calça de linho larga, fazendo sentinela. Ele chegava e ainda se lamentava: – Coitado, se avexou e morreu! Nos tempos de glória dessa gente, se precisasse discutir, era melhor brigar logo… e brigar para matar ou morrer, porque do contrário só iria morrer mesmo. Pelo menos se brigasse ainda tinha a chance de, pelo menos, morrer como homem valente.

O Quinéu, um piauiense lascado, desse tamanhinho, vendedor de alho e de cebola, chegou aqui e casou com uma mulher bonita. Mas ele era feio que nem o diabo. Porém, acabou ganhando muito dinheiro. Tinha também nessa época, um tal de Manduca, um gigolô safado que vivia arrumando parceiros para as mulheres casadas que corneavam os maridos. E ele vivia arranjando encontros de diversos homens com a mulher do Quinéu. Deixa que o Quinéu veio a saber, mas não disse nada. Chamou o próprio sogro e disse: – Você me deu uma mulher safada pra viver e agora vai ter que matar o cabra que anda me chifrando. Sem desconfiar, o Manduca foi se encontrar com o Quinéu, bem ali perto onde é hoje o posto do Jabour. Enquanto conversavam, o Quinéu deixou-o bem na posição que havia combinado com o sogro. De repente, o gigolô estava lá esticado, crivado de balas. O Quinéu tentou socorrê-lo, lamentou-se com todos que acorreram e foi pra casa jantar com o sogro que já o esperava. No outro dia pagou o enterro e tudo ficou por isso mesmo.

Agora vou mexer com você. Você é capixaba, não é? Pois bem, você ouviu falar nuns tais Ulianas, lá do Gurupi. Pois é, um deles, o Elias, em 1964, chegou à minha sapataria, ali onde é hoje o Bazar Ipanema e encomendou 150 sapatões por 3 mil cruzeiros cada par. Trabalhei dia e noite para fazê-los e entregá-los dentro do prazo combinado. Exatamente no dia, ele mandou o Zaudino, irmão mais velho dele, apanhar a encomenda. Eu ainda carreguei os 3 sacos de sapatões e botei dentro do Toyota. Ele entrou no carro e disse que depois passaria para pagar. Tentei argumentar, mas ele era metido a brabo mesmo e nem olhou para trás.

Como era de se esperar, ele nunca passou para acertar a conta. Um dia, o Piauí, um amigo meu, disse que ele estava na cidade e com dinheiro, pois ele mesmo havia pago 900 mil cruzeiros a ele. Aí eu fui à casa da Dolores, uma esperta mulher que tinha um hotel e era amigada com ele. Deixei o recado para que ele não fosse embora sem falar comigo. Amolei minha faca de sapateiro, botei na cintura – você sabe, naquele tempo, na terra de sapo, de cócoras com ele – e fiquei esperando. Ele veio, mas apenas pra dizer que não iria pagar porque as botinas não prestavam e mesmo porque eu não tinha documento para provar que ele me devia. Falou assim e foi arrancando.

Eu fiquei por alguns minutos sem saber o que fazer, depois, meti minha lambreta no pé e saí à procura dele. No caminho encontrei um amigo que me aconselhou a procurar a polícia antes de qualquer loucura. Fui então a um tenente que tinha aqui e o tenente mandou dois soldados para levá-lo até ele. Ao ser encontrado, ele quis reagir mas os soldados meteram a mão no revólver e ele recuou. No caminho, ele me disse: – “Você é muito espertinho, não é, mas pode esperar que você é quem vai me pagar.”

Mesmo na frente do tenente ele disse que não pagaria. O tenente acabou perdendo a calma e mandou prendê-lo até que se decidisse. A cadeia era ali pertinho donde é hoje a sede da Academia Imperatrizense de Letras. No caminho, ele mandou voltar, pois se decidira a pagar. Deu-me apenas 100 mil cruzeiros e só aceitei porque o Ribamar dentista garantiu os outros 50.

Ele foi embora, mas na quinta-feira seguinte, o irmão dele que havia encomendado os sapatões, Elias, veio para me matar. Eu estava na porta quando ele passou e ainda avisou: – Olha, cabra vagabundo, eu vou ali em cima e já volto pra vingar o que você fez com meu irmão. Eu apenas retruquei dizendo que cachorro que late de longe não morde ninguém. Mas, na verdade, eles mordiam. Em Gurupi eles tinham até um cemitério particular. Até cortar cabeça de peão com motosserras, eles faziam.

Apertado, sem saber o que fazer e pra não morrer como um covarde, eu afiei a faca, pus na cintura e saí atrás dele. Encontrei-o ali onde é hoje a Casa São João. Ele estava conversando com um amigo meu, o Zé Gago. Eu fui chegando e subindo em cima das pontas das botas dele, metendo a mão esquerda por trás e segurando a faca com a direita. Nariz com nariz eu disse o que tinha a dizer e fiz tudo pra que ele me desse a chance de jogar o fato dele no chão, mas ele ficou imóvel, tremendo como uma vara verde, como se estivesse com sezão. Aí o Zé Gago chegou, puxou ele pra trás e separou a gente. Eu pensava que quando ele ganhasse distância fosse querer puxar a arma, mas não o fez.

Ele passou cinco anos tentando me pegar para dar um tiro, mas nunca teve o momento certo. Depois disso, resolveu fazer amizade comigo. Pra ser sincero, achei que era uma armadilha, mas fui. Ficamos em Belém por 3 dias, jantamos juntos, fomos à boates… Eu sempre de olho nele, mas de fato, ele queria mesmo era ter a certeza de que eu não iria matá-lo. Graças a Deus… ou ao diabo, um belo dia, acabaram com ele em Xinguara.

Pois é, meu caro, eu poderia ficar aqui lhe contando história o resto da noite: sei de muitas. Hoje, nós estamos no paraíso. No passado, porém, ou se transformava num autômato covarde, ou ia se ‘banhar’ no Tocantins. Só Deus sabe o que fizeram os nossos respeitáveis homens de hoje!”

 CAPÍTULO 13
Conta-nos a história que no início da década de 1960, um Jeep empoeirado deixava no hotel do senhor José Lopes (talvez o único da cidade naquela época) o novo juiz da comarca, o Dr. Guimarães. Nesse hotel, a categoria luxo em que o MM se hospedou, dispunha apenas de rede, lamparina e penico. A violência, naquele tempo, talvez só iria perder para os tempos áureos dos Bonfins, Magarefes e companhia, que, segundo os noticiários, fomentaram a pistolagem por vários anos.

A situação seria tão grave que, em dezembro de 1982, Moacyr Spósito, em seu Café da Manhã, perguntou a Davi:

– Que responde você àqueles que o chamam de pistoleiro?

Ao que ele, “rápido no gatilho da língua”, respondeu:

– Todo homem sério e trabalhador que chega aqui em Imperatriz ganha logo um nome: é corno, veado ou pistoleiro. Felizmente, a mim me chamam de pistoleiro.

Pois bem, quando o Dr. Guimarães aqui chegou, dificilmente um homem de bem tinha coragem de sair à noite. “Muitos já jantavam de pijama”. Era comer e pular na rede.

Na primeira noite, ainda antes de o galo cantar, já era ele incomodado por frenéticas batidas na porta. Era o prefeito João Menezes avisando que o capitão Braga o acusava de haver mandado assassinar um cabo e dois soldados da polícia e que, por causa dessa suspeita, preanunciara sua morte em represália. Como precaução, deixara o vice, Pedro Guarda, na Prefeitura e cuidava de se guardar. O Dr. Guimarães prometera, então, que no outro dia ele seria reempossado.

Terminada a conversa, João Menezes despediu-se. Mal o Dr. Guimarães ajeitara-se na rede, eis que novas batidas acontecem.

– O que é agora? – responde ele já um tanto irritado.

Era o capitão Braga, que desrespeitando o habeas-corpus do pai do hoje acadêmico Sálvio Dino, assegurava que mataria o prefeito tão logo pusesse os olhos nele.

– Nós não cabemos na mesma cidade – desabafou ao MM, o capitão.

– Então pode arrumar as malas e dar no pé – respondeu o Dr. Guimarães.

Pois bem, depois de tantos tropeços, lutas, ameaças e sofrimentos, o Dr. Guimarães acabou se aposentando, passando a exercer a advocacia. Em 1981, por brincadeira do destino, era ele advogado da senhora Nita, esposa de João Menezes. Os anos foram seguindo, sem pressa, mas também sem interrupção.

Em dezembro de 1982, saía eu de uma academia de ginástica que ficava quase ao lado da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, quando fui abordado por três elementos armados que me arremessaram para dentro do Opala de minha propriedade.

Na primeira tentativa de explicar-me, eles me deram com o cano do revólver na cabeça, enfiaram-me entre as poltronas e avisaram que o negócio deles era sangue e que, se eu abrisse a boca outra vez, seria executado ali mesmo. Havia mais de 50 pessoas na Praça de Fátima e muitos viram os 3 elementos me seqüestrando, mas foi como se aquilo fosse a coisa mais natural e corriqueira possível. Já estava sendo comum um cadáver passar meio-dia estirado na calçada, sem que a população se aglomerasse.

Eles arrancaram a toda velocidade, levaram-me para debaixo das mangueiras que ainda hoje existem no Loteamento Alto Boa Vista, ao lado da Vila Lobão. Ali me tiraram de dentro e me jogaram no porta-malas do carro, arrancando outra vez. Era véspera de Natal e, como testemunhas, agora, eu só tinha os trovões, relâmpagos e vanguardeiros grossos pingos de chuva que avisavam da tempestade iminente.

Sem qualquer chance de revide, firmei-me com os pés e mãos pelas laterais do porta-malas e agarrei-me a Deus: único que poderia, naquela circunstância, livrar-me do fim. Embora os solavancos, os trovões e a chuva fizessem um barulho enorme, eu podia ouvir os planos do macabro trio. Iriam executar-me, amarrar um peso no meu pescoço e lançar-me dentro de uma lagoa. Deduzi, então, que estava sendo levado para algum lugar com água. Dois insistiam na execução, mas um terceiro discordava, dizendo que eu era um homem de bem e que isto poderia dar-lhes problemas.

– Problemas só os vivos dão! – Argumentavam os dois mais dopados. Com certeza, os bandidos daquele tempo já estavam acostumados com a impunidade: ela vem de longe neste nosso País!

Quando o carro, depois de bater algumas vezes contra mourões de cerca, parou, e ouvi o coaxar de sapos, senti uma reação estranha perpassar-me todo o ser. O sangue pareceu vir-me todo à cabeça; o coração disparou; os pensamentos se misturaram incrivelmente. Sentindo a proximidade do fim, num esforço supremo, agarrando-me aos fiapos de fé que me restavam naquele instante de quase desespero, consegui de Deus a calma de que precisava. Uma grande serenidade me invadiu e, sem que eu entendesse, não me parecia mais que estava entregue nas mãos de perigosos bandidos.

Eles abriram o carro e saíram para algum lugar. Os trovões já ribombavam ao longe e apenas o barulho monótono dos últimos pingos batucavam em cima do porta-malas. Com a cabeça em cima do macaco, coloquei-me numa posição mais confortável. Lembrei-me de um cartão de natal que havia deixado pela metade e que seria enviado à minha mãe. Lampejos e relances sutis divagavam pelos meus pensamentos, misturados sempre a curtas orações.

De repente, ouvi murmúrio e vozes. Eles se aproximaram, deram socos em cima do porta-malas e gritaram:

– Está vivo ainda, filho de uma puta.

– Estou – foi minha curta resposta. Que minha santa mãe me perdoasse pelo assentimento involuntário e forçado.

– Então vai sair para morrer, agora.

Sobressaltaram-me todos os prazeres de que não me contive: meu egoísmo, minhas incompreensões…, tudo o que eu havia feito de errado na vida, fora insensata ilusão. Como eu gostaria, naquela hora, de ter sido sempre um exemplo de filho, de irmão e de amigo. Ninguém jamais imaginará o quanto me foi custoso, ao ver a proximidade do fim, lembrar de minhas fraquezas! Nunca havia me sentido tão dependente de um pai: o nosso Pai. E Ele veio, em mais uma prova de que não abandona quem pede seu auxílio, ainda que como uma criança desesperada. Deixo agora, aqui, a confissão mais sincera de minha vida: Deus existe e socorre os filhos que Lhe gritam o nome.

O porta-malas foi aberto por um deles e dois ficaram, um em cada lado, com os revólveres apontados para mim. O que abriu o porta-malas ordenou que eu me despisse. Tirei a camiseta, a bermuda e joguei para trás. Zangado, ele gritou que era tudo. Descalcei os sapatos-tênis, os soquetes e continuei de sunga. Ele então engatilhou o revólver (escutei o clique do cão) e disse que não falaria outra vez. Ordenou que, depois de despido, eu caminhasse para o lado de uma cerca que havia à esquerda.

Tirei a sunga, entrelacei as mãos no cogote, desci do carro e fui caminhando para a direção estabelecida. Para ser sincero, pensei em correr, mas acabei tentando falar pela segunda vez. Ainda não havia terminado a segunda palavra quando ouvi o estampido de um dos revólveres. Parei de chofre, acreditando no que me diziam, ou seja, que a gente não sente a perfuração da bala na hora exata em que acontece. Apenas balbuciei: meu Deus!… e continuei parado. Ouvi, em seguida, as portas do carro baterem, o motor sendo ligado e o carro saindo do lugar.

Uma brisa acariciante como se fosse as mãos de minha mãe na minha cabeça, varria meu corpo febril. Respirei fundo, olhei algumas estrelas que reapareciam no céu entre rasgos de nuvens carregadas que se dissipavam da tempestade e, pela alegria de haver renascido, gaguejei soluçando: obrigado, meu Deus!

 CAPÍTULO 14
Depois de alguns minutos ali parado, os pensamentos, lentamente, começaram a se ordenar. Sabia que precisava tomar uma decisão e sair dali, e o fiz indo em direção contrária à deles. Não me permitia, sequer, correr o risco de reencontrá-los, talvez com o carro quebrado, ou atolado em alguma poça de lama. Infelizmente, a estrada fora construída por extratores de madeiras e terminou num amontoado de velhas toras.

Então, precavido e temeroso como um gato assustado, passo a passo, parando e afinando os ouvidos em cada curva, fui desfazendo o caminho. Um hora depois cheguei a um casebre que tinha dependurado na cerca que o protegia algumas peças de roupa. Embora os cachorros me acuassem ameaçadores, retirei um pano para cobrir minha nudez e comecei a chamar pelo dono da casa. Depois de muita insistência, ouvi uma voz de mulher:

– Zé, acorda home, tem gente chamando!

– E isto lá é hora de alguém tá chamando?

– Pode ser doença, home!

Enquanto cochichavam lá dentro, eu ia explicando o que havia acontecido comigo, assegurando que estava em apuros e precisando de ajuda. Depois de leves ruídos e de uma fraca luz de lamparina mostrar sua claridade sem presteza por entre as frestas do barraco, vi meia-porta abrir-se e um grosso cano de espingarda mirando em minha direção. Com apenas a blusa de uma criança amarrada na cintura, ergui os braços e pedi pelo amor de Deus que não atirasse. Seria muito azar, depois de, com a ajuda de Deus, ter me livrado de perigosos marginais, morrer nas mãos de um caboclo simplório que detestava ser acordado pela madrugada.

O homem meteu a cara na greta, fez um acurado exame, baixou o trabuco e mandou que eu entrasse. Obedeci com o rosto pegando fogo como quando ouvi o veredictum dos assaltantes, decidindo por minha execução. Enquanto a mulher se retirava em respeito ao pudor, um outro homem aparecia de um quarto contíguo. Era um parente da família, recém-chegado de Goiânia (fiquei sabendo a seguir). Possuía mais ou menos a minha compleição física e, fraternalmente, ofereceu-me uma de suas bermudas.

– Tu é um cabra de sorte, home! – observou o caboclo. Ocê não seria o primeiro que nois tinha que avisá do cadave. É difici um fim de semana sem um presunto por essas juquira. Quando a gente escuta os tiro de noite, no outro dia nem vai oiá: busca logo os home da lei. O Charco da Gia é o lugá preferido deles.

Cada palavra do caboclo aumentava minha gratidão àquele que me livrara. Mudar a decisão daquelas cabeças cheias de maconha, não deve ter sido fácil nem para Deus. Espero jamais me esquecer disso.

Foi nesse dia que vi o quanto Imperatriz era favorável a tudo o que se fizesse de errado: um verdadeiro paraíso para qualquer tipo de marginal. Depois de pedir ajuda às polícias Federal, Rodoviária, Civil e Militar, senti outra vez, a forte angústia dos primeiros dias em que aqui cheguei. Corporação alguma se prontificou. Não queriam interromper o descanso daquela noite chuvosa. Voltei para minha casa e apenas me deitei: seria mentira se dissesse que dormi.

Dois dias depois encontrei meu carro batido nas cercanias da cidade e mais alguns dias, estando eu com meus familiares no quintal de minha casa sob a sombra de mangueiras, eis que um verdadeiro contingente da Polícia Civil, comandado estranhamente por um libanês – então proprietário do Supermercado Verdão – acercou-se de mim. O comandante observou:

– Dá cheques sem fundo e vive como se fosse o homem mais tranqüilo do mundo!

Depois de explicar a eles o acontecido, de lembrar-lhes que havia na delegacia uma queixa registrada no mesmo dia do seqüestro contra os assaltantes que me roubaram, levando carro, dinheiro, talões de cheques… o libanês pediu desculpas e os policiais se retiraram envergonhados. Demonstrando total desconhecimento do proverbial apego dos árabes ao dinheiro, eles foram passar um cheque falsificado, exatamente para um libanês: três dias depois, já eram reconhecidos e presos pela Polícia Federal.

Fiquei sabendo que se tratava de um perigosíssimo pistoleiro de nome Janes, de um seu irmão de triste fama equivalente e, pasmem, de um advogado muito inteligente, filho do Dr. Guimarães. A polícia prendeu os acusados, mas, em menos de 24 horas, já estavam na rua. Um agente da Polícia Federal que concluía o curso de Direito no Campus II da UFMA mandou avisar-me que não mexesse mais no caso, pois se o fizesse não teria uma segunda chance. Os cartéis que, anos depois, solapariam o dinheiro, as leis e a dignidade de Imperatriz, estavam apenas se instalando, e já eram os que decidiam quem devia ou não viver por estas bandas.

Exatamente nesse final de ano, o original de meu primeiro livro “CONTOS”, estava pronto, motivo que me aproximou de vários amantes da arte que ainda hoje sustentam, a duras penas, o GRULI e a ASSARTI. Num belo dia, descia eu a Dorgival Pinheiro de Sousa, acompanhado de um dos maiores amigos do movimento cultural, o compositor e cantor Henrique Guimarães, autor da bonita composição “EMBIRAL”. Enquanto o carro deslizava no asfalto, falávamos sobre as muitas dificuldades de desenvolver a arte num município cujos governantes eram avessos à cultura.

Pelo mundo dos assuntos, acabei por contar ao amigo o que havia acontecido comigo. Cabisbaixo, sentindo o duro golpe que, involuntariamente eu lhe estava aplicando ele, silencioso, ouvia tudo. Quando terminei, ele ergueu a cabeça, esfregou a mão direita na barbicha, arrumou o óculos em nítido sinal de desconcerto emocional e, quase gaguejando, explicou-me:

– O Dr. Guimarães… é meu pai… e o Júnior… meu irmão.

Pela terceira vez em menos de duas semanas, eu senti a forte sensação de ter todo o sangue de meu corpo acumulado no rosto. Jamais eu diria aquilo ao Henrique se soubesse que o Júnior era seu irmão. Pela dignidade que sempre demonstrou, pelo homem exemplar que sempre foi, pela admiração e amizade que sinto por ele, certamente eu não o faria.

 CAPÍTULO 15
Enquanto vivo, ser humano algum poderá vangloriar-se de que, por viver corretamente, por ser manso, compreensivo, educado, religioso…, jamais terá problemas. Às vezes, pessoas assim se vêem envolvidas em perigo, mesmo sem ter merecido ou procurado. Quando jovem, o mano Jayr, que hoje é pediatra na cidade de Linhares, no Espírito Santo, estudava comigo: cursávamos o ginasial no Colégio Estadual Conde de Linhares, em Colatina.

Nossas aulas terminavam às 21 horas, horário em que, normalmente, os filmes exibidos em segunda sessão estavam por terminar. Faltando 10 ou 15 minutos, as portas dos cinemas eram abertas e alguns alunos adentravam para ver o final. Numa bela noite, o mano e eu entramos, puxamos um pouco a cortina da entrada e ficamos, ali mesmo, assistindo ao final de Ben Hur. Mal metemos o nariz, um grandalhão mal-encarado bateu nas costas do mano e disse:

– Qual é cara? Pensa que vai mexendo com a namorada dos outros e que a coisa vai ficar por isso mesmo?

Totalmente surpreso e inocente, sem saber, sequer, a que o homem estava se referindo, o mano, para não apanhar, teve que dar muitas explicações. Só quando um dos professores – que milagrosamente passava pelo local – assegurou que ele estava em aula até minutos antes é que o grandalhão deixou o mano em paz.

– Você vai me desculpar, cara, mas se não foi você, foi sua alma. Vai parecer assim nos infernos! – ainda vociferou o irritado homem em sua desistência.

Refeitos do impasse respiramos fundo e durante os outros 3 anos que ali estudamos, nunca mais vimos qualquer fim de filme!

Pois bem, assim me vi depois que fui seqüestrado. Embora desse o incidente por findo, as pessoas de certa forma envolvidas, não pensavam da mesma maneira. Era gente dizendo que eu me cuidasse; gente aconselhando a me mudar da cidade; gente tentando convencer-me que devia contratar um pistoleiro para eliminá-los antes que fizessem isso comigo; gente com as mais diversas opiniões, todos relutantes ante minha idéia fixa de esquecer tudo aquilo.

Por coincidência, no ano seguinte, mais precisamente no dia 14 de setembro de 1981, o Janes Carlos Marinho, o mais perigoso deles, seria executado com 5 tiros na cabeça, pelo próprio companheiro de pistolagem, Daniel Ozéas, que se dizia filho de Manoel Magarefe, no interior de uma casa onde funcionava o Veloso Açougue, na Rua Ceará, perto das Quatro Bocas. Enquanto os jornais e a polícia anunciavam motivos vários, uma senhora me dava a versão dela, dizendo que o Janes havia sido executado por ter sido contratado para matar o prefeito de Graça Aranha. “Ele passou na cidade vários dias, conheceu a vítima, mas não o executou porque ainda não tinha recebido a parte combinada para realizar o trabalho. Nesse ínterim, um tal de Santos – que fora um homem pacato – revoltado com o assassinato de seu irmão, então prefeito de São Domingos, resolvera vingar-se do mundo. Levando consigo o próprio filho, chegou a fundar um escritório onde era possível contratar homens para serviços de execução sumária. Janes fazia parte desse time, mas tivera a desdita de aceitar o serviço de eliminar o prefeito de Graça Aranha, sem imaginar que o mesmo era parente do revoltado Santos. Avisado, o prefeito inverteu a situação e, diferentemente do outro, pagou logo o serviço ao Daniel. E numa tarde qualquer, enquanto se maconhavam nos fundos de uma casa, o Careca, filho do Santos, entreteve o Janes e o Daniel o executou friamente com vários tiros na nuca.”

Assim, o primeiro dos meus algozes era riscado do mapa. O irmão dele desapareceu e nunca mais se teve notícia. Fala-se em conversão, dizendo que se tornou pastor lá para os lados de Goiás; e o Júnior, numa noite qualquer, apareceu morto com dezenas de facadas e incontáveis tiros por todo o corpo.

Eu, até hoje, abstenho-me de sair de casa, principalmente à noite. Não freqüento clubes e só vou a festas quando delas não consigo escapar. Gosto de ficar sozinho, no aconchego de meu escritório. Sinto-me o homem mais feliz e realizado do mundo, tendo onde escrever, alguns livros para alargar a minha fraca cultura e um quintal para me sujar as mãos cuidando de flores. Mesmo assim, nas horas em que preciso sair, sempre encontro pessoas, às vezes, até inconvenientes. E foi assim que um dos meus maus conselheiros, depois de saber que dois já haviam sido mortos, bateu-me nas costas e observou sarcástico:

– Você, com essa cara de santinho, não é mole não, hein!

Foi aí que, mais uma vez, percebi a degradação moral que invadira a cidade. Como era simples desconfiar, acusar e aceitar que alguém mandasse tirar a vida dos outros, ainda que por motivos graves. Na maioria das vezes, o conceito de um homem até ficava em alta quando esbravejava, esmurrava ou matava alguém. A pessoa que me pusera em tão deprimente suspeita jamais saberia que eu, até hoje, prefiro ser morto a carregar na consciência a angústia de ser um assassino.

Enquanto eu lia nos jornais o relato de seguidos crimes sem solução, à boca pequena, o povo apontava culpados, quase sempre um dos três – Bonfim, Davi e Magarefe – que na época eram acusados de formação de cartéis de pistolagem.

Com o clima de que as coisas deviam ser conseguidas pela força, outros acontecimentos deprimentes se desenrolavam pela conquista de terras. Posseiros invadiam cantinhos de latifundiários; latifundiários executavam posseiros; políticos a favor e políticos contra, conforme a previsão deles dos votos que a posição tomada pudesse assegurar… Até alguns padres entraram em defesa dos mais fracos, o que custou sérios danos a eles e à própria Igreja.

Dom Pascásio, bispo de Bacabal, chegou a denunciar em Brasília, ao então ministro Leitão de Abreu a arbitrariedade mancomunada entre a juíza Florita Campos Pinho, o governador do Estado e a polícia, aos quais acusava de “cabos eleitorais do PDS”. Eram as primeiras investidas de grileiros famosos que, pela força e pelos crimes, enriqueceram e tomaram o poder, ostentando-se como homens de bem, forjando até serem adeptos das lutas pela moralidade e pela dignidade. Nada dizer aos que de fato se redimem: afinal, não é outra a luta e a esperança de todos nós que erramos a cada minuto que passa!

Sete meses depois da denúncia de Dom Pascásio, Dom Celso Pereira de Almeida, bispo de Porto Nacional, pronunciava-se, também, contra determinadas firmas e homens gananciosos que não tinham escrúpulos em expulsar de seus domínios lavradores que ali viviam há mais de duas décadas. Dom Adalberto Paulo da Silva chegou a excomungar o fazendeiro José Francisco da Silva por ter agredido um padre de Mearim que defendia os sem-terra.

A Igreja Católica sentia a crueza de toda a transformação. Optando mais abertamente pelos pobres, ela encontrou resistência de ministros conservadores e angariou a antipatia de muitos latifundiários. Consecutivos acontecimentos escandalizaram os humildes cristãos que jamais imaginaram que pudesse haver intrigas e desentendimentos entre os ministros de Deus. O padre Marcos Passarine que havia sido expulso da Igreja por Dom João da Mota e Albuquerque, um velhinho retaco, manso e bom que fora meu bispo nos tempos de seminarista em Vitória, no Espírito Santo, deixava definitivamente o Maranhão; o próprio Papa fora duramente criticado várias vezes, como se um ancião humilde e manso pudesse interferir ou atrapalhar aqueles cujo deus é a força e o poder. Diante dessa tomada de posição da Igreja Católica, surgiriam os primeiros mártires em nossa região. O Bico do Papagaio seria o quartel general das desavenças, e a escada que se inicia num prédio da Dorgival Pinheiro de Sousa, onde hoje funciona um serviço de xerox, o palco da cena mais dramática: o assassinato do padre Josimo. Por esse crime, os pistoleiros e mandantes só seriam julgados e condenados, em junho de 1997, com diversos bispos e padres presentes, numa ação lobista silenciosa, mas muito eficiente.

Começava no vale do Pindaré, nas imediações de Buriticupu, em Cidelândia, em Imperatriz…, em suma, em todo o Maranhão, a luta desumana pela posse da terra: luta que iria custar muitas vidas de humildes posseiros, de fazendeiros inocentes e até de ministros da Igreja. Enquanto a Igreja, o PT, a CUT e outros aficionados lutavam pelos menos favorecidos, criando sérios transtornos aos latifundiários e aos governos, a UDR, tendo à frente, no Maranhão, o coronel Guilherme Ventura, encarregava-se da resistência. Com isso, muitos inocentes iriam perder a vida e muita anarquia o País iria viver.

CAPÍTULO 16 
Hiroshi Bogéa, o biônico Jurivê, Jane, Henrique Polary, José Fiquene, a perseverante Maria Leônia, Edmilson Bezerra, Marcelo Rodrigues, Dema de Oliveira, Edmilson Sanches, J. Morada, Machado, Gilberto Freire, Francisco Torres, Paulo Rodrigues Alves, L.A.R…., alguns sempre, outros com assiduidade relativa, outros ainda esporadicamente, escreveram a história de Imperatriz em 1982. Graças a esses heróis, hoje podemos ter uma idéia bem clara do passado e de quem foi quem em nossa região.

O jornalista que se identificava por L.A.R., dando uma demonstração clara de que não é preciso nascer na terra para ter por ela interesse e conhecimento, quase que diariamente discorria sobre algum fato histórico de Imperatriz e região. A propensão à desordem que, segundo meu ponto de vista, é um castigo que toda região paga para crescer, aqui parecia mais arraigada e cruel do que nos outros lugares. L.A.R. parecia não discordar. Contou-nos ele:

“O padre Carvílio era deputado federal por Carolina e na passagem de ano de 1899 para 1900, mais precisamente no dia 31 de dezembro, estava ele iniciando a bênção do Santíssimo Sacramento, quando 40 praças cercaram a igreja pretendendo matá-lo por ordem dos políticos de então.

O padre salvou-se deixando o Santíssimo Sacramento exposto e entrando debaixo do altar, onde ficou até os praças irem embora, já que nenhum deles procurou o sacerdote debaixo do altar.

O padre fugiu para os lados do rio Parnaíba, aonde chegou no dia 11 de fevereiro de 1900, e o atravessou. Logo chegou a polícia chefiada por Nicolau Pena que, sabendo que o padre Carvílio tinha atravessado o Parnaíba, virou-se para seus policiais e disse:

– Voltemos, camaradas! Só quem mata padre é Deus.

Porém, a soldadesca, na volta, toda desenfreada, invadia as fazendas, matava gados, roubava, deflorava moças indefesas… Os habitantes das moradas, às vezes, fugiam, abandonando tudo com medo de morrer. Sem qualquer pergunta, eles invadiam as casas, forçavam os baús roubando tudo o que encontravam. Comiam e se abasteciam do bom e do melhor. Assim devastaram todo o sertão do município de Grajaú.

Depois, voltaram a Carolina, onde foram chamados pelo governador Benedito Leite, conhecido por “Peça Ordinária” pela historiadora Adozinda Luzo Pires, no seu livro: “MEU MUNDO ENCONTRADO”. Mas os policiais desses anos de 1900 ainda antes de saírem de Carolina aprontaram mais uma: ficaram sabendo que um menor de 12 anos havia matado o próprio pai, iludido por um inimigo deste. Acorreram para o lado de Goiás, onde o menor iria se casar com a filha do homem que o seduzira a matar o próprio pai. Prenderam-no, tencionando levá-lo para São Luís, mas acabaram executando-o do outro lado do riacho Cipó Grande. Deixaram o cadáver à mercê dos urubus. O ‘Pai Eduardo’ que vinha de Santa Rosa deu sepultura aos restos mortais deste pobrezinho sem sorte.”

Agora – refiro-me ao ano de 1982 – quando marginais começam a se tornar importantes pela riqueza conseguida por expulsões, assassinatos, roubos e todo tipo de falcatruas, muitos estranham, sem saber que as sementes do coronelismo que aqui foram plantadas desde o aparecimento dos primeiros desbravadores nasceram e se tornaram frondosas árvores, difíceis, muito difíceis de serem arrancadas. Muitos anos ainda serão precisos para que tais inimigos de Imperatriz e região sejam banidos para sempre. Até lá, a angústia dos verdadeiros filhos continuará elevando-se aos céus e atenazando a paciência do Criador, tentando forçá-lo a tomar, palpavelmente, o partido dos oprimidos e injustiçados.

Assim, Imperatriz ia servindo de estalagem a todo tipo de gente e a Igreja Católica continuava pagando o alto preço por sua tomada de posição. No âmbito mundial, reacendia-se o escândalo do Banco do Vaticano, onde o arcebispo Paul Marcinkus era acusado de envolvimento fraudulento com o Banco Ambrosiano. Prova maior de ações desonestas se deu quando o ex-presidente do Banco, Roberto Calvi, apareceu enforcado debaixo da ponte Blackfriars no rio Tâmisa, em Londres.

O Papa, pela grande influência demonstrada em suas tomadas de posição, começou a sofrer seguidos atentados das facções prejudicadas. E para fechar as fofocas religiosas em nosso mais humilde meio, o padre Vítor Asselin lança em São Luís, o livro “GRILAGEM, CORRUPÇÃO E VIOLÊNCIA EM TERRAS DO CARAJÁS”, revelando nomes de influência, comprometidos com a grilagem de terras. Entre os tantos, é citado o advogado Agostinho Noleto, um homem até então sem qualquer suspeita em envolvimento ilegal com terras devolutas. Atuante da Campanha da Fraternidade, da qual era Coordenador da Comissão de Justiça e Paz, e líder do movimento de Cursilhos de Cristandade, Agostinho Noleto reagiu veementemente, dizendo que, se cometeu erros e falhas na propalada Fazenda Pindaré, foi com a melhor das intenções e nunca por escusos interesses financeiros e políticos.

Foi nesse tempo que tive a feliz oportunidade de conhecer o bispo da prelazia, Dom Alcimar Caldas Magalhães. Apesar da minha passagem pelo seminário onde convivi por longos anos com centenas de sacerdotes, nunca havia encontrado em qualquer deles tanta simplicidade em tão alto cargo. O bispo conversava com a gente como se fosse um velho amigo de botequim e não tinha qualquer escrúpulo em usar o vocabulário adequado ao assunto. Não sei a razão, mas eu conseguia ver, até em seus possíveis termos chulos, a mais doce e suave das orações. Mais tarde, estremecendo um pouco minha admiração pelo Bispo, alguém me dizia que, infelizmente ele não conseguira tornar-se imune à vaidade de voltar ao Alto Solimões, onde sua família exerce total domínio político e fundiário.

Nesse tempo eu vivi uma das maiores crises existenciais de minha vida. Graças a ele e ao então padre Lourenço, consegui dar a volta por cima sem graves conseqüências. Mais tarde, Dom Alcimar seria enviado para a Amazônia. Certa vez, quando minha mãe estava muito mal, encontramo-nos num vôo para Brasília. Com seu jeito de menino feliz, ele me relatou suas novas façanhas junto aos aborígines do Solimões. Sua linguagem era peculiar e envolvente. Quando o avião aterrissou e nos despedimos com um forte abraço, sinceramente, senti uma grande vontade de chorar. Eu não tinha qualquer motivo para duvidar de sua amizade sincera.

CAPÍTULO 17
Já bem no final de 1982, o sonho dos imperatrizenses de verem criado o estado do Tocantins, com Imperatriz sendo a capital, ruiu de vez. Muito bem informado, Siqueira Campos afirmou que apenas o estado de Goiás sofreria a divisão e que a capital seria projetada. Araguaína, que lutava pela privilégio, também ficou de fora.

Com o término das eleições, toda a farsa vinha à tona. Os preços que, por interesses eleitoreiros, haviam dado uma leve parada, agora disparavam abruptamente. Mas isso não importava! Afinal, a que deram mais prioridade os nossos políticos até hoje, senão a luta pelo poder? Desde que estejam lá com regalias impraticáveis até nos países de primeiro mundo; desde que estabeleçam seus próprios salários; desde que se enriqueçam, ora roubando acintosamente, ora usando suas próprias portarias para investir em empreendimentos que serão levados a efeito no futuro; desde que essas coisas e muitas outras, inconfessáveis, se processem de acordo com o interesse deles, o País e o povo que se danem.

Não é por menos que, principalmente pessoas inescrupulosas, procuram a política para resolver seus problemas pessoais; e é por serem, na maioria, inescrupulosos, que os históricos acintes contra a dignidade humana, contra a justiça, contra o País e contra o povo são cometidos pela maioria dos políticos. Só para se ter uma idéia, nesse ano, Luís Rocha, que se candidatou a governador pelo PDS e, por sinal, ganhou, teve seu nome estampado em diversos jornais com manchetes que dificilmente são estampadas para qualquer adolescente sem o mínimo senso do ridículo:

“Luís Rocha e seus dois companheiros (Sebastião Murad e outro companheiro de farra) chegaram juntos ao Bar Executivo, na Praia Olho d’Água, uma das mais freqüentadas da capital. Ao ali chegarem solicitaram uma “caipiríssima” (caipira com vodca). Quando atendidos, Luís Rocha solicitou à garçonete que ‘tirasse a roupa’, no que foi repelido pela mesma. Diante da recusa – ainda segundo os mesmos comentários – Rocha e seus companheiros começaram um quebra-quebra no bar, aos gritos de que queriam mulher para relações sexuais. Consta que teriam mesmo invadido um…”

O artigo segue recheado de ignomínias que poria qualquer pobre coitado atrás das grades, com direito a pancadaria e escoriações graves por todo o corpo. Contrariamente, candidatos que, merecidamente ou não, eram acusados de patifarias, de pistolagem…, foram exatamente os que se elegeram. A culpa não fora totalmente dos eleitores porque, embora antigo, valia mais que nunca o dito popular: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!”

Não houvesse uma certa disciplina estabelecida pela lei eleitoral, metade da população do Maranhão teria se inscrito para tentar resolver sua vida de uma vez por todas: três candidatos a governador; três a vice-governador; três a senador; três a suplente de senador; trinta e três a deputado federal; noventa e dois a deputado estadual…, para falar apenas dos maiores escalões. No meio deles, pessoas acusadas pelos mais diversos crimes e atos indignos: pessoas que estavam à altura de um povo ingênuo que nunca soube diferençar dignidade de indignidade.

Sem instrução, sem enxergar um palmo além do nariz, o chamado “povão” deleitava-se com comícios chulos onde qualquer um investia contra a moral do outro, sem que nada acontecesse. Quem fosse capaz de gritar mais alto, falar mais asneiras, denegrir mais a imagem do adversário…, esse era o homem de que uma terra sem lei estava precisando. Foi aqui, nesse período, que vi que ainda estávamos na era da Pedra Lascada, ou que a humanidade, em relação ao porvir, ainda não tinha descoberto a escrita. Negociatas incríveis eram levadas a efeito em pleno meio-dia, no banco de qualquer praça. Vendas de votos por bicicletas, lotes…, e até um quilo de farinha de puba, eram realizadas, sem contrato, mas sacramentadas pela ameaça tácita de quem se reputava o privilégio de adivinhar a traição.

Eu que vira o principal acusado destas manobras, o senhor Davi Alves Silva, um ano atrás organizando festas e distribuindo o lucro aos mais necessitados, jamais imaginaria que estivesse – como faria o mais inescrupuloso e esperto dos políticos – preparando o terreno para o golpe infalível e cruel aos destinos de Imperatriz. Por esse tempo ele esteve em minha casa, afinal, éramos 32 votos que não fariam mal a ninguém. Sinceramente, não fossem longas horas de reflexão, eu teria acreditado nele.

Eu diria que 1982 foi o ano em que esta cidade compareceu ao tribunal de seu destino, para assinar um longo período de estagnação. O que iria se ver daí para muitos anos seriam coisas inadmissíveis para um tempo em que o ser humano já investia na informática; jatos supersônicos cruzavam os céus; corações eram substituídos…, um tempo em que se esperava que todo ser humano houvesse evoluído também em dignidade.

Carlos Amorim, que deixaria em breve a Prefeitura, com sua fleumática maneira de ser, recebia duras críticas por ter aceitado um cargo sem disposição para exercê-lo. Fora um prefeito honesto, mas pouco proveitoso para o município. Foi com ele que entendi que, para se exercer dignamente um cargo político, é necessário um pouco mais que honestidade.

“A opinião tem sido unânime: Carlos Amorim, o prefeito de Imperatriz, é um excelente homem, bom médico, amigo dos amigos e até tolerante com os inimigos, notadamente os políticos de ala contrária à sua; bom companheiro e muito simples – basta encontrá-lo em qualquer mesa de bar, deliciando sua cerveja no contato com qualquer tipo de pé-rapado que encontre no seu caminho, e lá está ele a cumprimentar seu humilde admirador. É um homem simplíssimo, mas, politicamente, tem ele, também, ao seu lado, os afilhados e seus padrinhos. São coisas da política. A corrupção, por exemplo, jamais poderá andar desquitada da democracia, ou seja, uma não sobreviverá sem a outra, e vice-versa …”

Foi também ao lado do Juçara Clube, numa participação esporádica nos entreveros entre Fiquene e Renato, quando o primeiro, em poucas e derradeiras urnas, tirava a vantagem de seu adversário, que conheci um homem de minha idade e, à primeira vista, com a minha mesma maneira de pensar e ver as coisas. Por simples casualidade eu, que de nascimento, sou um anti-social, simpatizei com ele e passamos a ser amigos de confidências. Ele havia nascido em Imperatriz, conhecia e até participara de atos indignos levados a efeito por homens hoje tidos como grandes em nossa cidade.

Em poucos meses, era rara a semana em que não vinha a minha casa para tomar um açaí com leite e conversar sobre Deus e o mundo. Aliás, foi com ele que aprendi a preparar guloseimas regionais. Hoje, entre as coisas que mais me fazem lastimar ter demorado 43 anos para me mudar para Imperatriz foi ter perdido a oportunidade de conhecer mais cedo o açaí, a bacaba, o murici, o bacuri… há mais tempo. O que me contou foram e continuam sendo fatos de estarrecer: fatos evidentes de enriquecimento vertiginoso, jamais compatível com o trabalho honesto de qualquer cidadão de um país atrasado como o nosso, mas totalmente deixados de lado pela justiça, no caso, verdadeiramente vendada.

 CAPÍTULO 18
Com seu fadário traçado: o destino de ser grande contra tudo e contra todos, Imperatriz ia conseguindo espaço e atenção até mesmo do mais alto mandatário do País. Pela segunda vez, em pouco tempo, descia em nosso aeroporto o presidente Figueiredo.

Principalmente por ser um ano político, ele esteve aqui. Assinou convênios, animou os garimpeiros, entregou mil títulos de terra a produtores rurais, falou, prometeu, sorriu, pediu…, e voltou para a Capital. Estava consumada mais uma dura tarefa política. Ainda bem que, ao menos para se manterem no poder, eles perdem noites e têm que trabalhar! Nessas horas iniciam obras, prometem, mentem, fingem, batem nas costas de qualquer um, sorriem até para cegos, juntam-se a inimigos…

O montante de dinheiro gasto com obras iniciadas somente para engabelar eleitores é qualquer coisa que foge aos limites da racionalidade. Mesmo assim, o povo pisoteado ainda perde horas numa praça para ouvir verborréias de fanfarrões que o usam desde o descobrimento do Brasil.

O pequeno número que já começa a perceber essas degradantes manobras, infelizmente, tem sua voz sufocada pela grande maioria de ignorantes. Mesmo assim nossa política vai perdendo dignidade e correndo o risco de entrar no Aurélio como sinônimo de corrupção.

Numa posição privilegiada, Imperatriz, entre as cidades do Nordeste, vai, cada vez mais, se tornando o centro das atenções. Com um grande curral eleitoral capaz de fortalecer até senadores e presidentes, e “livre” até das normas elementares da ética, vai se transformando num ninho de víboras que poderá atrasar seu desenvolvimento por longos anos.

Figueiredo foi um presidente intempestivo, talvez corrupto como tantos outros, mas que se comovia ante o povo sofrido. Não foram poucas as vezes que tomou decisões surpreendentes diante de acontecimentos inesperados. Usar o poder para mandar prender alguém que o incomodasse, ou tomar uma decisão fraterna diante de um olhar sofrido, era quase uma constante em suas andanças.

Foi assim que, depois de uma pequena entrevista com a irmã Dulce, no Hospital Santo Antônio, na Bahia, ele assegurou a um repórter: “Eu conseguirei recursos para terminar o seu hospital, nem que tenha de assaltar um banco”. Não fosse ele o presidente, certamente sua emoção lhe teria causado sérios dissabores.

Também por ser um ano de possíveis mudanças políticas, Serra Pelada, apesar do perigo que ceifava vidas, foi reaberta em abril. A euforia era geral. Camionetas improvisadas, caminhões paus-de-arara, ônibus e aviões, cruzavam estradas e céus, numa sofreguidão doentia. Hotéis (principalmente os que se punham entre Imperatriz e os garimpos) ficaram lotados; botecos e quiosques com cuspidas e escarros, de rastaqüeras, pelo chão; músicas bregas, palavrões e vantagens, confundiam-se numa algaravia infernal. “Deixei minha cidade, Floriano, em 1955, à procura de ouro e pedras preciosas. Do menino ainda recordo o nome – Admilson. Da mulher, nem mesmo o nome lembro mais. Seu Zé, bote aí uma nota no jornal para a minha família no Piauí saber que ainda estou vivo”.

Estimava-se que mais de 40 mil homens deixariam seus empregos, suas famílias, suas cidades longínquas, para tentar a sorte fácil. O movimento atingiu tamanha proporção que os próprios políticos das regiões circunvizinhas estavam assustados diante das transferências de títulos de outros estados para o do Pará. Também o comércio e as agências bancárias estavam preocupados. Numa hégira de sonhos e ilusões, os garimpeiros se contaminavam e mergulhavam na crença de que iriam resolver suas vidas de uma vez por todas.

Mais uma vez, o povo iria cair na armadilha política. Curió receberia votação maciça em Serra Pelada. A coisa ficou tão clara que o TRE paraense impugnou as urnas. Curió então desabafou, dizendo que num país em que se anistiavam ladrões e assassinos, e que esses votavam e até se elegiam, o TRE se preocupava com votos “em área particular”. Por sarcástica e hilariante coincidência, na página seguinte às declarações de Curió, Davi agradecia ao povo, os 18 mil votos recebidos, dizendo que estaria sempre ao lado do povo que viu nele a solução para Imperatriz.

Serra Pelada já se tornava conhecida no mundo inteiro. Eu que, no Espírito Santo nunca ouvira falar de garimpo, agora incentivava meu cunhado Vicente a que não desistisse. Nem era preciso, porque talvez não houvesse lá um garimpeiro mais sonhador que meu cunhado. De 15 em 15 dias ele chegava com as mãos vazias, mas sempre com os olhos brilhando, dizendo que já estava com os pés em cima do ouro. De tanto repetir essas mesmas coisas, um dia nós o agarramos e passamos a limpar-lhe as unhas dos pés, na gozação de que estavam cheias de ouro.

Apesar da insistência dos garimpeiros que ainda não haviam esquecido o áureo ano de 1980, quando a produção do precioso metal chegou a 6.595.325,46 gramas, era notória a decadência de Serra Pelada quanto a sua produção manual. Os barrancos se tornavam cada vez mais profundos; as barreiras desabavam; a água inundava… Muitos ali perderam a vida! Em 1981, já a produção havia caído para 2.581.003,50 gramas. Foi quando o garimpo foi fechado para rebaixamento. Reaberto, não obstante o delírio dos garimpeiros, a coisa continuou impraticável. Numa região de muitas chuvas pelo inverno, tornava-se impossível bombear as águas das torrentes para fora da imensa lagoa que se formava a cada toró. Mesmo assim, levando prejuízos, arriscando a vida, os homens não desistiam: nós não desistíamos. Quando o Departamento Nacional de Produção Mineral comunicou que Serra Pelada seria fechada em dezembro e entregue à Companhia Vale do Rio Doce, o murmúrio foi geral.

 CAPÍTULO 19
Quando os chineses, mil anos antes de Cristo, inventaram o ábaco (instrumento para cálculos), não imaginavam que, 3 mil anos depois, ele seria considerado por muitos como o parente mais distante de nossos mais sofisticados computadores. De Blaise Pascal, Leibniz, Joseph Marie Jacquard, passando por Charles Babbage, George Boole, Herman Hollerith, Konrad Zuse, Alan Turing, John Von Neumann, para falar da luta individual; e a seguir pelas equipes dos Laboratórios Bell, IBM…, que congregaram aficionados da eletrônica em busca de maior aperfeiçoamento, a humanidade acabou se deparando, em nosso século, com os gênios Bill Gates e Paul Allen, fundadores da Microsoft, hoje criadores do Windows 95 e proprietários da maior companhia de software do mundo… e também da maior riqueza do planeta. Aproximadamente 350 mil reais entram em suas contas a cada hora do dia.

Embora a história registre o aparecimento desses sofisticados cálculos há tantos séculos, Imperatriz só ouviu falar deles em 1982, através do professor Raimundo Vitório de Sousa, titular da pasta de Processamento de Dados do Colégio Graça Aranha. Através de 2 micros NEZ80, ele pretendia dar cursos aos estudantes interessados. Mas, na verdade, foi o advogado e hoje acadêmico Agostinho Noleto o primeiro a adquirir, em 1984, um computador. Ficou com ele por pouco tempo, pois o Clerton Silva, único técnico da época na cidade, não encontrava tempo para dirimir as tantas dúvidas de nosso pioneiro. Sem manual em português, sem tirar qualquer proveito e sem ninguém para orientá-lo, Agostinho o devolveu à loja vendedora, argumentando que a “coisa” não funcionava.

Em 1986, o hoje acadêmico e proprietário da Ética Editora, Adalberto Franklin, interessou-se pela informática, constituindo-se num dos maiores conhecedores da área. Ele foi, não o pioneiro, mas o seu principal incentivador na cidade. Graças a ele, centenas de pessoas e empresas já utilizam as benesses dessas maravilhosas e sofisticadas máquinas.

Nesse tempo eu já alimentava a idéia de editar as histórias engraçadas acontecidas com meus familiares e amigos. Sem qualquer experiência, busquei informações com o professor José Geraldo da Costa (a melhor memória que conheci) e com o professor Vito Milesi, de quem (sem que hoje me sinta frustrado) mantive a impressão de ser o mais culto, mais sensato e o mais íntegro de nossos cidadãos.

No dia 16 de outubro, um escritor paraense lançou um livro no auditório da Prefeitura. Fui sorrateiro e fiquei lá nos fundos, bem escondido, observando o que era lançar um livro. Só Deus sabe quanto me custou a timidez ao tentar fazer parte do rol dos que escrevem! Na época eu ouvia o José de Ribamar Fiquene proferir discursos recheados de adjetivos e os jornais o cognominarem “Pai da Educação” de Imperatriz. Um dia, timidamente fui à casa dele, na Rua Monte Castelo, 205.

Como todo político que se preza, a varanda estava cheia de pedintes e, para não desistir sem ao menos tentar, falei de meu propósito a um moreno alto que estava atendendo as pessoas. Duas horas depois (havia muita gente a minha frente), o moreno voltou e, educadamente, avisou-me que ele estava muito ocupado e não podia atender-me naquele dia. Que eu voltasse em outra oportunidade. Frustrado, “sem pai nem mãe”, voltei com meus originais debaixo do braço. Lembrei-me, então, de uma brincadeira que me fizeram quando tentei aceitar o convite da ASSARTI para fazer parte do grupo. Desengonçado, sem nenhuma propensão a reuniões e similares, sempre retraído, logo ganhei o apelido de “Bicho do mato”. De fato, naquele tempo, eu não me definiria com outras palavras!

Na região de onde eu viera se, durante a missa ou no decorrer de qualquer reunião, alguém facultasse a palavra, o silêncio seria sepulcral. Nem coagido, qualquer participante falaria. Diferentemente, aqui, qualquer pessoa inteligente que presida uma sessão pensa duas vezes em facultar a palavra, pois, além de todos se proporem, ainda o fazem de modo exaustivo. O final de 82 pareceu-me o início da arrancada cultural de Imperatriz. Era como se o povo começasse a tomar consciência de que sua ignorância era a principal causa de seus sofrimentos.

Não obstante crimes e conluios acumulassem a cidade de ignomínia, a cultura fazia parelha, nascendo, crescendo, melhorando…, caminhando paralela, como se fosse um tentáculo de polvo pronto a defender-se, ainda que com palavras, dos absurdos que aqui estavam sendo praticados. Lançava-se o projeto de criação de uma universidade para Medicina Veterinária, Enfermagem, Mineração e Geologia; Fiquene, viajava a Curitiba, a fim de dar palestras sobre nosso potencial educacional, desviando, assim, a atenção daqueles que só conheciam nossa cidade através de manchetes sangrentas; o diretor da TV Educativa no Maranhão prometia instalá-la também em Imperatriz; jovens como Gilberto Freire, Henrique Guimarães, Mauro Soh, Henrique Barros…, reuniam-se quase todos os dias no Paço da Cultura, onde hoje funciona a sede da Academia Imperatrizense de Letras, para “fazer” teatro e organizar concursos literários; enfim, uma nova mentalidade ia tomando corpo, fazendo frente e se armando para protestar contra os desmandos políticos que imperavam a céu aberto, sob as vistas complacentes e coniventes da polícia e da Justiça… diga-se de passagem, de mãos e pés atados.

Saudade me vinha do tempo em que ser juiz era prerrogativa de homens inteligentes, cultos, sensatos, equilibrados e honestos. Tão logo passou a, praticamente, ser cargo político, a Justiça teve seus alicerces morais abalados. Muitos juízes ficaram caolhos, com o lado cego virado para seus padrinhos. Hoje, ladrões de galinha passam anos atrás das grades, enquanto Pecês, Quércias, Alves da vida… desfilam livremente como salvadores da Pátria. Nada me frustra, humilha e envergonha mais do que saber, ouvir ou ter comprovação de que certo juiz protegeu, com seu poder, falcatruas e roubos de políticos. Para mim, a frustração equivale a Deus protegendo o mal.

 CAPÍTULO 20
1993 aparece cheio de novidades. Os novos eleitos tomam posse. No povo uma pontinha de esperança naquele que sobe ao poder pela primeira vez, ou que, pela segunda, tanto prometeu em campanha. Para nós aqui de Imperatriz, restou a conduta duvidosa de Luís Rocha no comando do Estado (haja vista os incidentes registrados pelos jornais durante as eleições); José de Ribamar Fiquene, político que parecia já ter sido descoberto lapidado, tal a desenvoltura que logo demonstrou na subserviência interesseira e cega aos Sarneys, e Davi Silva, acusado pelos adversários de crimes e desvios como nosso, pasmem, “representante maior na Câmara dos Deputados”.

Com Luís Rocha nos tratando conforme os seus interesses políticos, com os Sarneys sempre de olho na hegemonia do poder no Maranhão e com o Davi, arguto visionário obcecado em realizar sua catarse de homem sofrido, Imperatriz estaria fadada a passar os anos mais tristes e atribulados de sua história.

Muita gente pacata, porém mais esclarecida, pegou nas armas (a caneta) para falar, apontar, reclamar, protestar contra aquilo que imaginavam inadmissível em pleno século XX. Pior ainda era quando se mostravam o abuso, o lugar, a quantidade, o nome, o endereço e até o telefone do acusado, e nada acontecia.

Edmilson Sanches, o eterno Jurivê, Sebastião Negreiros, Henrique Polary, Maria Leônia, J. C. Machado, Vidigal, Vito Milesi, Aureliano Neto, Sérgio Macedo, Nilson Santos, Eunice Rosa Neves, Deuzimar Meneses Negreiros, Paulo Rodrigues Alves, Francisco das Chagas Torres, Marilene Rodrigues, Luís Gomes, L.A.R., Freitas Filho, professor Vitório, Sálvio Dino, Maria da Penha Araújo, Newton Sponholz, Marcelo Rodrigues, Jucelino P. da Silva, Coló Filho, Corbiniano Noronha Lô, Ferreira, Clemente Barros…, estão entre os nomes encontrados em nossa mídia escrita, alguns comentando, outros protestando, enfim, cada um contribuindo com seu ingrediente para maior conscientização de um povo que não iria viver para sempre, sob o jugo de determinados rastaqüeras da política.

Ildon Marques à época, era vice-prefeito de Imperatriz. Fiquene, prefeito que fora eleito, curiosamente – com votação maciça nas 5 derradeiras urnas – em suas andanças (e que não eram poucas nem rápidas), era substituído pelo vice. Não era preciso mais que algumas semanas para que a cidade sentisse a virada dos ventos. A quem se der o trabalho de lembrar, ou se a memória não for das boas – pesquisar os jornais de 1993 – verá que o interventor tinha um pensamento fixo de administração. Tão logo Fiquene viajava, ele tratava de mudar muita coisa, mormente aquelas infames, injustas e contra o desenvolvimento. Depondo malandros, saneando as contas, tirando de lugares públicos “votos” comprados…, logo recebeu os protestos e a antipatia desses que, como aqueles que ali os colocaram, entendiam que tinham o direito de viver às custas do município. Fiquene não concordou e Ildon, percebendo a farsa, retirou-se frustrado de sua idéia fixa de oferecer aos imperatrizenses uma cidade saneada, limpa e digna. E, de companheiro e amigo, passou a ser de Fiquene, um dissidente de seu modo de administrar. Contudo, ele teria muito tempo para provar sua boa intenção, pois era portador do vírus político, até hoje incurável como o do AIDS.

Mas Imperatriz não se isolava na descrença. Diante da verdadeira anarquia política, o povo brasileiro, sem acreditar na máxima de que todo “direito dele emana”, ao invés de reagir, preferia fazer humor com sua própria desgraça. A demonstração mais acentuada desse pouco caso foi a eleição de grande maioria com a pior “folha corrida” possível. Embora a safra fosse terrível, oferecendo aos segadores, joios e trigo peco, ainda assim seria mais sensato o trigo peco ao joio viçoso. Como tiro fatal na moralidade, 90%, entre bandidos, pessoas comprovadamente de mau caráter e homens sem qualquer competência para o cargo, foram eleitos. O índio Juruna, moralmente ilibado, mas sem saber ao menos o que era política, foi eleito. Sinceramente, a frustração do povo era tamanha que, se permitissem a um sapo candidatar-se, certamente seria eleito.

O que a princípio pareceu brincadeira ingênua do povo, aqui foi se transformando em uma das maiores calamidades. Verdadeiros cartéis começaram a disputar a hegemonia do crime organizado. Tiroteios aconteciam em praça pública e comentava-se à boca miúda que um tal de Magarefe, um outro de sobrenome Bonfim e o então deputado eleito, Davi Silva, eram os que municiavam, protegiam e formavam tais bandos. Mas, se apenas com provas palpáveis e contundentes uma coisa se torna verdadeira, eles são os homens mais inocentes do mundo. Até hoje ninguém sabe se Davi, que é acusado de saquear o erário público, é culpado ou não, pois jamais a Justiça e a Câmara permitiram que se fizesse uma devassa em suas contas. Assim como o povo judeu, os imperatrizenses continuam esperando que ressurja o Salvador: um juiz que exija o cumprimento da justiça. Esse “messias” implantará a moralidade… ou enriquecerá nossos altares com mais um mártir… o que acho mais provável.

Logo em janeiro, o vereador Justino retrucava a Olívio Viana e no auge do desentendimento proferiu em alto e bom som dentro da Câmara: “O meu revólver eu o tenho e uso há muito tempo, e o seu eu o tomo e lhe enfio…” Ainda assim o povo ria. Talvez precisasse mais de tétricos humoristas para fazê-los esquecer o descalabro da cidade, do que de homens sérios para solucionar seus problemas.

Sem fugir à regra, Fiquene também começou sua gestão impressionando. Encheu a rua de garis, mandou que sujassem de cal os meio-fios, enaltecendo sempre seus atos, com acurada coleção de adjetivos. O povo inocente e ingênuo batia palmas, afirmando: “até que enfim, um homem que trabalha!” Elogios partiam até de seus adversários e houve quem arriscasse documentar sua esperança em caloroso artigo. Em abril, porém, a limpeza caía de ritmo.

A pressa que os políticos têm de levar a efeito o ideal de sempre usar a política para seu próprio enriquecimento é qualquer coisa doentia. São exímios como Garrincha no drible ao povo, mas muito imbecis quanto à dedução de que são eternos.

Enquanto isso, Davi continuava no amanho de sua terra. Sempre ao lado de qualquer reivindicação que viesse de qualquer segmento, ele se apresentava como o político mais atuante da região. Era só saber que os madeireiros, os pecuaristas, os posseiros…, estavam com alguma reivindicação, que no outro dia ele apresentava o problema à Câmara. Nunca resolveu nada, mas o povo ficava satisfeito, como o doente que consegue uma consulta pelo INPS: apenas cumprimenta o médico e, às vezes, recebe vermífugo para sua arritmia, mas sai com a alma lavada por não ter gastado nada.

Embora os adversários de Davi lutem para destruí-lo na política, ele continua presente. Quando sente que vai perder, junta-se aos vencedores.

Imperatriz não parece ter tido ainda um filho político que a amasse de fato. Desta mãe, todos parecem só desejar o leite. Todo maníaco, consegue adeptos radicais. Com sua maneira peculiar de se impor como homem, como macho, como bonito: “UM HOMEM NOVO, SADIO, FORTE, BONITO E QUE GOSTA DE APARECER COMO EU NÃO PODE DEIXAR UMA BOCA DESSA PARA OUTRO”, Davi ia fazendo seus adversários engolirem cobras e lagartos.

 CAPÍTULO 21
Nunca a ganância pela riqueza e pelo poder falou tão alto em Imperatriz! Muitos dos que não tinham “cacique” para desatar o nó górdio político tentavam a segunda opção: os garimpos.

Mesmo assim meu cunhado já apresentava sinais visíveis de cansaço e desânimo. No começo, ele chegava com os olhos brilhando, com um palavreado que nos fazia tirar os pés da terra: sonhar com carros importados e mansões nos Três Poderes ou, quiçá, em São Paulo. Agora, apenas enaltecia a perseverança como uma virtude que tem limites.

O dinheiro obtido com a venda de uma quadra inteira no centro da cidade de Marabá já tinha acabado há tempo. Mesmo assim – como tantos apregoam e nunca foram desmentidos – a gente, que havia combinado aplicar apenas aquele capital no garimpo, já começava a tirar dinheiro de lugares que afetavam, até mesmo, nossa modesta conta bancária.

Serra Pelada já não apresentava mais condições de garimpo manual, mas, como cegos apaixonados, todos teimavam arriscar a vida e perder o capital que haviam acumulado com suor digno e custoso. Para evitar que o projeto de mecanização que tramitava no Ministério de Minas e Energia fosse levado a efeito, Sebastião Curió, representante dos garimpeiros e amigo íntimo de Figueiredo, manipulava o problema com maestria. Afirmava que o garimpo já havia colocado nos cofres do Banco Central 17 toneladas de ouro e que seu fechamento criaria um grande problema social, com mais de 35 mil desempregados que, automaticamente, passariam a viver às custas do governo, através do salário desemprego. Para o governo era importante conservar os votos e evitar que milhares de pessoas, mais quebradas que nunca, encontrassem tempo para despertar dos falsos e loucos sonhos.

O ano todo foi mais de brigas que trabalho. Quando em vez o governo ameaçava fechar Serra Pelada para em seguida atender os reclames dos garimpeiros: além de não proibir o garimpo manual, ainda custeava os rebaixamentos. Com isso, um contingente de quase 50 mil votos ia sendo garantido.

E, naquela luta de vai-e-vem, de dinheiro que não parava de sair e de ouro que nunca chegava, resolvemos, em reunião, convencer o nosso cunhado de que já havia passado a hora de reconhecermos nossa estupidez. Sim, porque o excesso de perseverança em projetos quase impossíveis passa a se transformar em burrice. Estávamos ainda negociando nossos barrancos, quando num outro em que havíamos comprado 1% descobriram uma pepita de, aproximadamente, 60 quilos. O Vicente pegou nossa parte, bateu a poeira dos sapatões e nem sequer procurou vender os nossos barrancos. Nunca mais pensamos em garimpo…, nem ele pisou mais lá.

Os jornalistas da região não tiveram problema de matéria em 1993. Uma semana não passava sem que roubos, desvios, desmoronamentos, assassinatos, conluios e todo tipo de trama acontecessem em Serra Pelada. Clemente Luiz de Barros, numa de suas crônicas, dizia:

“O fenômeno ‘Serra Pelada’ marcou época. Futuramente a história irá registrar as duas etapas: A.S.P (antes de Serra Pelada) e D.S.P. (depois de Serra Pelada). As influências (da crise) já estão se fazendo notar em detalhes característicos.

O Bamburrado é facilmente identificado: D-10 5 estrelas do tipo Super Série, enfeitada com Santo Antônio, luzes por todos os lados, lembrando o Chão de Estrelas do velho Orestes Barbosa; bandeirolas, carpetes, pneus tala larga, rodas de magnésio, som bárbaro (Estrada da Vida e Fuscão Preto, as preferidas) e tantos outros macetes; relógio Mido tipo oval, de preferência, amarelo (da cor do ouro); óculos Pince-nez made in Manaus ou São João do Meriti, que abundam nas vitrinas das estações rodoviárias; bota Sanfona ou de cano longo e camisa de cores berrantes, normalmente abertas na frente para deixar à mostra o bruto cabo de aço banhado em ouro, pendurado no pescoço, no qual balança um medalhão com o perfil de Cristo, Querubim alado ou Santa segundo a devoção.

Felizes daqueles que, apesar das extravagâncias, voltaram ao seio da família. Porque muitos fascinaram-se com o canto da sereia que cativou o moço guerreiro que atravessou a nado o rio Tigre. A estes, creio eu, o dinheiro não trouxe felicidade, senão essa efêmera que somente dura enquanto existe o vil metal. Não retornaram cobertos de glórias (ou de dinheiro). O fogo da riqueza fez com que esquecessem a família. Aquela mulher de cara de jenipapo maduro, pernas de sabiá cheias de varizes, envelhecida prematuramente pela freqüência de partos sofridos nas mãos de parteiras ignorantes; aqueles meninos subnutridos, remelentos, buchos protuberantes, plenos de vermes conhecidos e desconhecidos, foram trocados por uma sirigaita do 30, próspero povoado nas proximidades da Serra, onde cabrito pasta deitado com medo de rebarba de tiroteio, como diria Stanislaw Ponte preta.”

E L. A. R. confirmava:

“Lembro-me da corrida do ouro para Cumaru, acontecida há 2 anos, 1980, quando vi na Rodoviária de Imperatriz, Maranhão, uma senhora chorosa, com filhos no colo acenando para o ônibus que saía e do qual, na janela, seu marido respondia aos acenos, também com lágrimas. Parecia que aquele pai de família ia para a guerra.

Muitos maridos que não bamburram ou não acham ouro não têm coragem de voltar para casa pior do que saíram, achando mais de 10 bocas passando fome. Ficam por lá. Outros bamburram, vão até ao 30, perto de Marabá, e gastam tudo com outras mulheres.”

O presidente Figueiredo afirmava que Serra Pelada seria definitivamente fechada em novembro daquele ano, a fim de evitar a catástrofe de um desmoronamento ocasionado pelo início do inverno. Infelizmente, antes ainda de sua previsão, a catástrofe aconteceu. Em julho, 19 pessoas foram soterradas e mais de 53, feridas. Nos meses subseqüentes, os acidentes continuaram e era rara a semana em que garimpeiros não sofriam acidentes graves. Ao invés de desistirem, como caboclos fiéis à supersticiosa tradição de que as mortes marcam o início de boas novas, os que se safavam ficavam ainda mais esperançosos.

Mesmo antes de os corpos serem resgatados, o trabalho reiniciava. E para sorte das forças que apregoam a superstição, mesmo com tantos acidentes consecutivos, Serra Pelada vendeu, em apenas um dia de julho, 400 quilos de ouro à Caixa Econômica Federal. Com as primeiras chuvas de novembro e com a tentativa de os garimpeiros prorrogarem por mais 5 anos o garimpo manual, Figueiredo foi taxativo: “Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que, nos termos dos artigos 59, parágrafo 1 e 01, item IV da Constituição, resolvi vetar totalmente o projeto de lei da Câmara nº 205 de 1983 (nº 2.284, de 1983, na casa de origem).”

Mas, apesar de projetos, de condescendência e de imposições, de leis, de vetos, de concessões, de mortes…, de tudo quanto acontecia diariamente no garimpo e nas autarquias afins, Serra Pelada sobrevivia, resistia, enriquecia, matava, desolava, empobrecia…, graças à teimosia daqueles que sonhavam – como disse Clemente Luiz de Barros – com camionetas enfeitadas, mulheres do 30, grossos cordões de ouro no pescoço…

CAPÍTULO 22
Ali pelos fins de julho de 1983, estava eu na calçada de minha casa, olhando a cidade mais ao fundo, quando comecei a notar um aglomerado de gente no Posto Santa Fé, frente ao 50º BIS. Um carro propaganda estava sendo usado para fazer barulho e atrair gente o mais possível. Isso não era muito comum em Imperatriz e, por isso mesmo, ganhei o portão e desci até onde hoje funciona a Tocauto, a fim de matar minha curiosidade.

Tratava-se da chegada triunfal de um dos maiores radialistas de nossa cidade, o Manoel Cecílio, que estivera preso, acusado de porte de maconha. Em abril, a polícia havia encontrado dois tambores cheios da erva em sua residência. Não obstante Cecílio jurasse que a maconha estava ali por acaso, já que seu empresário, o “Baixinho”, havia pedido a ele o favor de guardá-la, a polícia o prendeu, e a Justiça o enviou a Pedrinhas. Prejudicara o radialista, a agravante de que certa menor afirmara que Cecílio a havia coagido a fumar maconha e a comandar uma venda da erva no km 100. Com a verdade ou sem ela, o radialista era pobre e, como tal, não passou pelo “crivo cego da lei”.

Enquanto isso, os acusados de formação de gangues, de cartéis, de perversos crimes de pistolagem, desfilavam pela cidade. A máxima de que, neste país, só ladrões e criminosos pobres vão para a cadeia vem de longa data…, não mudou…, e acho que não viverei até o dia de ver a definição mudada.

Ainda nesse mês, comentava-se que também o Janes seria solto. Quanto a esse, surpresa alguma, já que Imperatriz curtia o degradante auge do mando de formadores de cartéis do crime organizado. A bem da verdade, não havia organização alguma, pois tudo era feito na marra e às claras, sob as vistas coniventes, complacentes e impotentes da polícia e da Justiça.

Eu ficava lendo as notícias, sabendo dos fatos e sentindo um misto de revolta e de angústia. Teria sido certo eu tirar meus familiares de uma terra mansa e pacata para metê-los num mundo tão hostil? Eram tantas coisas que aconteciam que, se castigos fossem impostos por Deus, eu diria que estava zangado comigo.

Estávamos construindo nossas casas de alvenaria, devagarinho, pois nossas condições financeiras não permitiam pressa. No loteamento não havia água encanada. O cano da CAEMA parava na Vila Lobão e a Senhora Helena, nos tempos da granja, havia puxado um ramalzinho, clandestinamente, até próximo onde morávamos. O cano estava partido há quase um ano e a água que vazava dia e noite havia formado um verdadeiro igarapé. Fui à CAEMA e disse que, se me permitissem, eu ligaria a água até nossos barracos de taipa. Quando nada, o desperdício seria menor, já que nossas torneiras não ficariam abertas as 24 horas do dia.

Negaram-me o pedido, alegando que somente depois da aprovação do plano de expansão para aquele loteamento a ligação seria permitida. Já um tanto calejado, não mais tão sensível ao que era legal ou não, voltei, comprei os canos e fiz a ligação à revelia. Até hoje, um cano fininho continua lá no quintal, suprindo nossas necessidades todas as vezes que o poço precisa de uma limpeza ou que a bomba dá problema.

A água surrupiada da CAEMA sofria constantes interrupções e por isso resolvemos fazer um poço e construir uma caixa para 30 mil litros. A caixa ainda estava em construção, quando um sobrinho de criação, arteiramente, resolveu subir até o topo. Uma das tábuas escorregou-lhe dos pés e ele caiu, batendo primeiro nos andaimes, depois no telhado do barraco e, por fim, no chão. A gritaria foi geral: italianos já falam alto, mesmo quando contam segredos, imaginem o comportamento deles num acidente grave!

Mesmo antes de ver meu sobrinho, corri até a garagem, apanhei o carro e já cheguei com as portas abertas. Jogaram-no dentro e saí como um bólido para o Hospital Santa Maria. Só fui olhá-lo quando o estenderam na maca. Depois de examiná-lo dos pés à cabeça, o médico deu alta, dizendo que não havia acontecido nada de grave. Ao voltar, encontrei meus familiares em desespero: gesticulações frenéticas, gritos alucinantes, clamores desesperados…

Ninguém ousava perguntar como meu sobrinho estava e quando ele saiu do carro com um largo sorriso, houve quem quase desmaiasse, imaginando assombração. Dias depois, ainda comemorávamos a graça divina, quando nova algaravia tomava corpo na casa de meu irmão Ildebrando. Como um bando de maitacas escorraçado, voamos para lá. Encontramos o filho dele, o Anderson, exangue, com a cabeça quebrada: uma parte do crânio estava fraturada e funda.

Escondido dos pais ele resolvera passear de bicicleta na Bernardo Sayão: foi colhido pelo estrado de um caminhão madeireiro. O impacto afundou-lhe parte do crânio. Mesmo desvairado e todo ensangüentado, ele conseguiu retornar, sozinho, ao loteamento. Não dizia coisa com coisa e apresentava um aspecto desolador. Nova gritaria, nova correria, novo desespero.

Cabeça, fratura… morte! Não era outro nosso pensar. Desde criança aprendemos que coração e cérebro seriam intocáveis, como goleiro dentro da pequena área. O doutor Valter – cujos problemas familiares o forçariam a deixar a cidade mais tarde – fez a operação e, mais uma vez, diante de perspectivas tão graves, nada aconteceria.

Havíamos vivido no Espírito Santo, a maior parte de nossas vidas, sem acidente algum, e, agora, em menos de 5 anos, por sorte ou milagre, nossa família não sofrera duras baixas. Eram coisas assim que me levavam muitas noites de sono… e, provavelmente, tirar-me-iam alguns anos de vida. Só Deus sabe quantas vezes arrependi-me da decisão de trazer meus familiares para cá! Devo ter cobrado isso de meu saudoso pai, pelos tantos conselhos que nos dava para tentar a sorte por outras plagas.

CAPÍTULO 23
“Foi no dia 16 de julho de 1852 que, pela primeira vez, desceu no porto do rio Tocantins, para fundar a povoação que mais tarde se tornaria a cidade de Imperatriz, o sacerdote Manoel Procópio do Coração de Maria. Não vinha por acaso, mas por determinação do governo da Província do Grão-Pará, a fim de fundar um povoado que ficasse na divisa  com a Província do Maranhão. Um erro de cálculo do padre fez surgir a Vila de Santa Teresa, em terras do Maranhão”.

Encravada num ponto, podemos dizer, estratégico, Imperatriz dista, aproximadamente, 600 km de Belém, de São Luís, de Teresina, de Goiânia…, e um pouco mais, um pouco menos, de outros grandes centros urbanos. Talvez por isso se desenvolveu rapidamente, tornando-se o centro de apoio de outras cidades que não puderam acompanhar-lhe o desenvolvimento.

Até julho de 1993, segundo um levantamento do jornalista Edmilson Sanches, 12 bilhões de cruzeiros haviam sido emprestados ao município.  Mantenho viva lembrança de Imperatriz toda esburacada com a ação do Projeto Cura. Se todo o dinheiro que foi despejado aqui, tivesse  sido utilizado como rezavam os contratos, não duvidem: Imperatriz seria uma das maiores, mais belas e mais bem estruturadas cidades do Nordeste. Ainda antes do projeto, da cidade, já falava o jornalista Edmilson Sanches:

“Sua majestade, a cidade de Imperatriz, completou 131 anos no dia de 16 de julho (1993). E continua crescendo. Seu território cede lugar a gente da Amazônia, do Nordeste, do Brasil e do Mundo.

Comprovadamente heterogênea, sua população se constitui, segundo o censo de 1980, de 22% de nordestinos, 67% de origens diversas e tão somente, 11% de maranhenses. É Imperatriz oferecendo seu corpo a gentes cosmopolitas, cidadãos do mundo que aqui trabalham e sofrem, constroem e edificam.

Cheia de realeza, esta é a ‘Princesa do Tocantins’, e sendo, antes disso, Imperatriz. Cheia de títulos, esta é Imperatriz, o ‘Portão da Amazônia’, a ‘Capital Econômica do Estado’.

Esta é Imperatriz. Sede de uma região de mais de 60 mil quilômetros quadrados onde estão encravados uma dezena de municípios.

Esta é Imperatriz. São 890 estabelecimentos comerciais, 406 prestadores de serviços e mais de 200 indústrias; 9 hospitais, 15 clínicas e postos médicos. São esses os números – provavelmente já ultrapassados – do Departamento de Pesquisas e Estatísticas da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal.

Esta é Imperatriz. Arrecadação em 1982, de 1 bilhão e 100 milhões de cruzeiros (município) e, na Receita Estadual, 1 bilhão e 515 milhões e, mais ainda, 505 milhões de cruzeiros na receita federal. Esta é Imperatriz que, na metade deste ano, já arrecadou, só de ICM, mais de 1 bilhão de cruzeiros.

Esta é Imperatriz. Que fala para o Brasil e para todo o mundo, via Embratel, com os serviços de Telecomunicações do Maranhão e sistema de Discagem Direta para todas as distâncias nacionais e internacionais. São 5 mil terminais telefônicos e cerca de 150 aparelhos teleimpressores (telex).

Esta é Imperatriz. O progresso da cidade é acompanhado, comentado e registrado por 2 jornais diários, 1 semanário, 1 radiodifusora, 3 canais de televisão. Há 11 bancos e 3 outras instituições de crédito, com um saldo de 15 bilhões de cruzeiros (estimativa) investidos na cidade.

Esta é Imperatriz. As idéias e as forças do trabalho – e as pessoas que as carregam – chegam à cidade em grandes e pequenos aviões, em confortáveis e desconfortáveis ônibus. O que representa, no mínimo, uma grandessíssima vantagem em relação a Frei Manoel Procópio, que aqui chegou de canoa, há, exatamente, 131 anos e 3 dias (hoje, 19/07/93). As idéias e as forças do trabalho – e as pessoas que as carregam – aqui chegam em vôos diários de empresas aéreas locais, regionais e nacionais. Aeroporto com pista iluminada, habilitada ao pouso  diuturno de aviões de grande e pequeno portes. Confortáveis e desconfortáveis ônibus atendem 15 linhas de âmbito nacional, 3 intermunicipais e 3 circulares.

Esta é Imperatriz. A energia do progresso vem a nós, trazendo o vosso reino, em alta e baixa tensão, com mais de 20 mil ligações feitas em 1980. Vem a energia de Boa Esperança, controlada pela Eletronorte.

Esta é Imperatriz. Escolas e colégios muitos – apesar de insuficientes. Maternal, pré-primário, ginásio, básico, científico, comercial, primeiro e segundo graus, para os diversos graus e estágios e anos da vida. Da infância à caduquice: ABC e Mobral. Supletivo também.  E duas universidades (estadual e federal) com 5 cursos e promessas de mais outros.

Há também o Campus Avançado da Universidade Federal do Paraná, cujos garbosos acadêmicos prestam orientação e assistência a uma parcela do povo imperatrizense.

Esta é Imperatriz. Dois clubes esportivos profissionais, estádio Municipal para milhares de pessoas, centros poliesportivos, bons clubes recreativos, diversos bons hotéis, restaurantes, churrascarias, choparias, pizzarias e outras “arias” e iguarias para as varias do estômago e desvarios da cabeça.

E há ainda, claro, os “nigth-clubes”, as boates, os “inferninhos” – na verdade, o paraíso de homens e mulheres, que colidem e coleiam seus corpos numa dança íntima de prazer e amor.

Esta é Imperatriz. Do 50º Batalhão de Infantaria de Selva. Mas tem mais gente de farda: temos um Batalhão da P. Militar, o 3º BMP, a 1ª Ciretran (Circunscrição Regional de Trânsito). E temos gentes e (agentes) sem farda também, “ex-officio”: uma Delegacia da Polícia Federal, a Polícia Civil, Secretaria Regional de Segurança e, quem sabe, SNI também. Homens da ordem e da lei. Temos Comarca de Terceira Entrância, 8 juízes, 8 promotores, uma dezena de cartórios. Inúmeros advogados e seção da OAB.

Esta é Imperatriz. Temos classe, aliás, classes, associações classistas: comercial e industrial, rural, dos arrumadores, dos bancários, dos trabalhadores rurais, dos médicos, clube lojista, 5 lojas maçônicas, SENAI, SESI, SENAC, COBAL, CPT, Mater Clube, Casa Dom Bosco. É…, temos classe de gente (políticos, grileiros etc.)  e gente de classe também (professores e funcionários públicos)  que sobrevivem com o salário-miséria do mês, trabalhando o dia todo, todo dia, para ganhar o pão de cada manhã e, às vezes, somente este.

Esta é Imperatriz. De gente forte. E de doentes também. E,  por isso, os muitos hospitais, clínicas, postos médicos. E médicos, mais de  200 médicos, bioquímicos e dentistas em mais de 20 especialidades que cuidam do corpo e da mente, da cabeça aos pés, que assistem a criança que nasce e o velho que, enfim, morre.

Esta é Imperatriz. Das coisas e loisas. Alhos e bugalhos. Pulso e impulso. Imperatriz de nenhum filósofo, de nenhuma tradição, mas de muito trabalhador rural, urbano, braçal.

Esta é Imperatriz. De homem fortes – inclusive o sertanejo. De gente-nordeste, cabras da peste. Terra de fulano. De sicrano. E de beltrano. Esta é terra de gente da terra inteira, sem eira nem beira. Às vezes sem parente. E, sequer, aderente.

Esta é Imperatriz. No interior do Maranhão, o Portão da Amazônia, peito aberto ao Mundo. Esta é Imperatriz: 131 anos.”

Esta era Imperatriz, a Imperatriz que via pela televisão a despedida de Garrincha, o ponta direita de pernas tortas que deu todas as alegrias ao torcedor brasileiro, esquecendo de separar uma para si; Imperatriz que se assemelhava a uma gota de mel derramada, onde milhares de insetos apareciam de cada recanto para saciar a fome; Imperatriz do baixinho “Pé de Vento” que, embora tenha recebido de Deus o dom de ser campeão nacional em corrida de resistência, limitou-se ao esporte como modesto  campeão maranhense e de todas as corridas regionais;  Imperatriz dos garimpos e dos garimpeiros e muitos homens sem escrúpulos. Foi nesse ano que se formaram grupos políticos que até hoje se arregimentam para evitar que o povo (ordeiramente) tenha o prazer de experimentar o comando de um homem verdadeiramente preocupado com a justiça e o bem-estar social.

CAPÍTULO 24
O mundo se despedia de mais um ano de existência, deixando para trás um rastro de acontecimentos estonteantes: terremotos no Japão com 54 mil mortos e 35 mil feridos; mortes no campo pela posse da terra; execuções ao vivo na China contra criminosos políticos ou não; escândalos no casamento entre o príncipe Charles e a princesa Diana; o reaparecimento glorioso dos rapazes de Liverpool, os Beatles; a saída da prisão de Mike Tyson e sua volta aos ringues; o assassinato de Yitzhakc Rabin por um compatriota, estudante de direito;  participação de uma cientista  na expedição ao espaço. Ao lado de Boris Yeltsin, Bill Clinton não contém o acesso de riso mais célebre do mundo; os cientistas implantam uma orelha no dorso de um rato; a Bósnia se esvai num mar de sangue numa guerra civil estúpida; cenas horripilantes de policiais executando, sob a mira das câmeras, um transgressor da lei; verdadeiras guerras nos campos de futebol de Lisboa, Roma, Londres, Porte Alegre e São Paulo; os computadores invadem o mundo, com o Brasil apresentando uma estatística de mais de 1 milhão de aparelhos adquiridos…

E tudo isso nos era passado por um jornal que nasceu pequeno (como tudo que nasce), mas que, como uma sementinha de mostarda, cresceu, evoluiu, aperfeiçoou-se e hoje constitui o meio de comunicação de que mais nos orgulhamos. A vida do jornal  “O PROGRESSO” é a mesma de um menino pobre que sobrepujou as dificuldades e venceu na vida. A historiadora e acadêmica Edelvira Barros, assim o parabenizou pelo aniversário:

 “Ano passado atingiu a maioridade. Agora é “cidadão” em plena fase adulta: 22 anos. Quem hoje é grande, já foi pequeno. E para nascer, alguém o gerou. Deste início, as festas e os cumprimentos se omitiram. De seu fundador ninguém falou, ninguém fez caso, como se nosso amado “O PROGRESSO” tivesse nascido ali atrás do oitão da casa, da noite pro dia, pela força mágica da Natureza.

Ano de 1966. Imperatriz era uma explosão de progresso, de entusiasmo, de fé nas mudanças e transformações. Criava corpo e pose de cidade. Recebia migrantes e imigrantes. Cada um trazia, conforme sua individualidade, sonhos, ilusões e ideais. Ideal: força  mágica que não só faz o homem transmudar montanhas, descer as profundezas do mar, alçar vôo às estrelas, mas também, faz fundar JORNAIS.  Você acha fácil fazer um jornal? É, dos ideais, o mais nobre e difícil de se pôr em prática, porque lida com a alma humana através da palavra, da opinião, da informação, do debate, da habilidade de separar o joio do trigo nas notícias quentes dos furos jornalísticos, onde nunca há uma só cara, um só vértice ou um único ângulo, dificultando assim a versão clara e límpida dos acontecimentos.

Pois Imperatriz – mistura de todas as raças – no apogeu de sua transformação de menina tímida em mulher feita, ganhou um jornal – O PROGRESSO – criado graças ao ideal de um dos seus migrantes, o jornalista José Matos Vieira, que trazia experiência e conhecimento do ramo. Quando jovem trabalhava com o tio Antônio Teixeira, que,  em Caxias, editava , então, o jornal “A ESCOLA”. Antes de aportar em Imperatriz, morando em Marabá, era colaborador direto do jornal “MARABÁ”, onde passou a admirar e a acreditar no jornalista Hélio Monção.

Aqui chegando, começou a difundir a idéia da criação de um jornal. A idéia foi contagiando uns e outros. No Banco do Brasil encontrou um ponto de apoio. Era Dorian a lhe dar força, e Pedro Braga, cronista, a se oferecer como colaborador, e até o sisudo Henrique Veras prometia assumir a Coluna Social.

Vieira plantando, semeando… Foram quase 4 anos de faina contínua. Mas, para tristeza de muitos, Vieira não se decidia a fazer a coisa. E os amigos cobraram:

– E aí, Vieira, o que é que falta para esse jornal sair?

– Falta o redator chefe. Só lanço esse jornal se conseguir trazer, de Marabá, o Hélio Monção. Será a alma do jornal.

Hélio Monção era a pessoa em quem ele realmente confiava. Inteligência privilegiada, o pena brilhante. Mas Hélio, ligado de alma e coração a sua querida cidade, não atendia os convites de Vieira. E nós aqui no molho da espera. Até que um dia – tem sempre um dia –  o Renato Moreira procurou o Vieira:

– Achei o homem. O homem que pode substituir teu amigo Hélio Monção. É entusiasmado, “um cobra”. Escreve bem. É um jornalista de primeira linha.

– Quem é o tal?

– Jurivê de Macedo.

– Apresente-me o homem.

Não deu outra, depois do encontro, a vida do jornal tomava forma e a data, 1º de maio  era a escolhida para o lançamento. Entre as providências, há a criação do logotipo. Todo jornal que se preza tem seu título abrilhantado por um bonito logotipo. Conseguiu um artista que caprichou na obra. Desenhou, no entanto, as letras caindo docemente umas sobre as outras. Ao vê-lo, Vieira protestou:

– Não serve!…

– Ora, por quê? Isto é uma obra prima, precisa, perfeita…, opina o Braga.

– Não, não quero. Assim não serve. E circunspecto: Se “O PROGRESSO” já começar deitado, quem irá acreditar nele?

Ganhou! O título saiu empezinho, simples, límpido. Apesar dos esforços, o jornal não foi editado no dia 1º de maio. Somente no dia 03 foi às ruas, ou melhor, entrou nas casas dos imperatrizenses. Estreou sem alarde, sem foguetes, sem divulgação. (Ora, veja quem iria fazer a divulgação, se aqui não havia outro órgão de comunicação?!…)

A Tipografia Violeta, de propriedade de José Matos Vieira, assumiu os gastos. Ali era feito “O PROGRESSO”, composto letra por letra, até alta madrugada. O jornal estava criado, o ideal havia sido alcançado e tão abençoado que vicejou. Outras mãos assumiram a direção, outros redatores apareceram e, há 22 anos, “O PROGRESSO” informa, denuncia, instrui e, além do mais, divulga o nome de Imperatriz.”

O jornal, datado de 3 de maio de 1970, estampava, na primeira página, a foto do então prefeito Renato Moreira e a do governador José Sarney.

CAPÍTULO 25
A cidade, encolhida de medo, ciciava às escondidas a luta pela hegemonia de 3 forças inescrupulosas. Comentava-se que Davi, Magarefe e Bonfim estavam achando a cidade pequena para os 3 ao mesmo tempo. As mortes, misteriosas ou não, aumentavam a cada dia que passava. Pessoas estranhas e mal-encaradas perambulavam pela rua. Um clima de tensão, medo e opressão pairava no ar.

            A imprensa, por ser empresa e viver da venda de notícias, tinha a seu dispor o material de que precisava: crimes misteriosos, assaltos e corrupção. A coisa chegou a tal ponto que, no dia 11 de fevereiro, a maior e mais surpreendente manchete da mídia local era, exatamente, a falta de assassinatos. Tomando quase meio folha do jornal, lia-se: “INCRÍVEL VERDADE: 24 HORAS SEM CRIME”.

No contexto nacional, a esperança não era maior. Os mesmos de sempre, aqueles que já estavam desgastados, desacreditados…, aqueles que nunca haviam amenizado as injustiças sociais, continuavam no poder. Quando em vez, uma troca de cargo para engabelar o povo ingênuo, incurável na esperança.

Hernane Gouveas, Camilo Pena, Saraiva Guerreiro, Antônio Delfin Neto, Délio Jardim de Matos, Jarbas Passarinho, Mário Andreazza, Valter Pires, Rubem Ludwig, Esther de Figueiredo Ferraz, Amauri Stábili…, eram alguns entre os tantos que compunham o governo de Figueiredo e que, embora sempre estivessem metido na política, nunca haviam feito nada para diminuir a desenfreada corrida do País ao caos.

Esse grupo incapaz ou inoperante, não obstante as eternas promessas de austeridade, não mais encontrou ressonância no Exterior. O Brasil, desde os tempos de Napoleão, tinha sua segunda pior recaída: não parecia,  mesmo, um país sério. Cansados, os credores internacionais se negavam a emprestar mais dinheiro, mas não podiam deixar de acrescer os juros à dívida em forma de novo empréstimo como última esperança de um dia, quem sabe, receber alguma coisa.

As mordomias e o empreguismo continuavam: a fome dos políticos pelo poder e pelo que restava do País era insaciável. Acreditando que nem mesmo a nossa Pátria, uma das mais ricas do mundo, iria resistir por muito tempo, muitos começaram a acelerar o envio de seus saques para o exterior. Empobrecido ainda mais, o povo começou a ver, no lugar da pretensa esperança, o seu maior desespero.

Sarney – de quem o Maranhão, como um todo, não poderá reclamar em qualquer hipótese –, e que seria, em breve, presidente da Nação, por pouco não ficou com o prêmio “Justo Veríssimo”, instituído jocosamente pela “Folha Ilustrada” de São Paulo. Conseguiu um modesto quinto lugar, graças à pouca propaganda feita em seu Estado. Sem saída, o povo inocente sentia-se feliz em fazer humor com a própria infelicidade.

Em nossa cidade, enquanto os crimes se sucediam, a câmara estava às voltas com seu mais grave problema: retirar do seu salão de entrada do prédio a “catarse” do Davi: um quadro com a fotografia dele. Fortalecido politicamente na região graças a seu tirocínio de escolher sempre o lado da situação (Tancredo, Luíz Rocha…),ele era tido como o único representante que ainda podia fazer alguma coisa por Imperatriz.

Embora muita gente o deteste, Davi, segundo o conceito que ora grande parte do povo brasileiro tem de política, é um dos militantes mais espertos do ramo. Como menina de programa, ele se deixa usar ao mesmo tempo que usa aqueles que o menosprezam. Ladino, inescrupuloso, esperto…, ele, como a Fênix mitológica, sempre ressurge das cinzas para ameaçar a paz e a prosperidade de Imperatriz.

Há tantos anos moro aqui, e tudo o que sempre ouvi de seus adversários é que ele é corrupto, pistoleiro…, que chegou um dia à casa do Doca com sua esposa e bolsinha em que não cabiam três mudas de roupa…, que hoje é um dos homens mais ricos do Maranhão…, que tudo o que tem foi, literalmente, roubado da Prefeitura…

No entanto, ainda hoje, ele anda sem segurança pelas ruas da cidade; nunca perdeu uma eleição e, como parece ser seu maior sonho, continua   sendo o centro das atenções. Nunca teve suas contas verificadas e nas triagens do próprio Romeu Tuma, saiu ileso.

Enquanto seus adversários formados em grandes universidades não conseguem, sequer, alcançar uma vereança, ele está sempre protegido sob as asas dos maiores políticos do País. Hoje, com o Maranhão entregue nas mãos dos Sarneys, com os altos postos judiciários e policiais sendo cargos políticos, ele desfruta da perniciosa imunidade de ser um entre os 150 milhões de brasileiros com o direito de praticar tudo o que considerar necessário a seu bem-estar, sem que lei alguma o incrimine.

O atrevimento chegou a tal ponto que no dia 8 de junho, por ocasião de uma intervenção do major Assis numa assembléia de garimpeiros, ele proclamou sem nenhum cuidado, diante de centenas de pessoas que, se o Major não fosse lhe pedir desculpas ele o poria pra fora de Imperatriz. Para tanto, teria uma conversa de pé de ouvido com o governador Luíz Rocha.

Jamais Imperatriz teve e, acredito, nunca terá alguém que mandou mais, fez mais o que bem entendeu aqui do que Davi Alves Silva. E como contra a força não há argumento, seus adversários ainda hoje preferem a ele se unir a enfrentá-lo nas urnas… Que o digam os Sarneys.

Quanto a mim, mero espectador dos fatos, vivia a tranqüilidade de saber que nunca houve neste mundo poder perpétuo e que seu fracasso era apenas uma questão de tempo, uma questão de aparecer uma força que lhe fosse superior. Essa força viria do nada, como os tufões do vento: viria do próprio povo.

CAPÍTULO 26 
Num belo dia de manhã, estava eu parado em frente à agência do Banco do Brasil, aguardando, juntamente com muitos outros, que uma jamanta manobrasse no meio da avenida, quando percebi pelo retrovisor um Passat que se aproximava em alta velocidade. Como a distância era pequena e não houvesse por onde passar, logo deduzi que havia qualquer coisa de errado. Em fração de segundo, ele, como veio, bateu na traseira do meu carro, só não me quebrando o pescoço porque eu já estava esperando o impacto.

Meu carro foi jogado em cima de outros e, no final das contas, quatro carros foram amassados. Tendo passado o primeiro susto, muito tonto, fui perguntar ao rapaz o que estava se passando com ele:

– Sou mecânico e apanhei este carro para consertar os freios. Não imaginava encontrar o trânsito interrompido.

– Pelo amor de Deus! – retruquei – sem freios e correndo dessa maneira, em plena rua principal?

Fomos todos parar na delegacia. O rapaz era pobre, nada mais possuía do que uma imensa irresponsabilidade. O delegado Valber Dourado perguntou-nos se queríamos que colocasse o infrator na cadeia ou se achávamos melhor mandá-lo embora. Fomos unânimes em reconhecer a inutilidade de qualquer ação.

Ainda falávamos com o delegado quando o advogado José Clébis   chegou com um documento na mão, dizendo que já estava na justiça um pedido de habeas corpus em favor de seu cliente José Ribamar Bonfim, acusado de participação de furto de caminhão, com morte de seu proprietário, Saul; de roubo de gado e coisas piores… Clébis afirmava, todavia, que as denúncias eram infundadas e a sofreguidão da polícia, injustificada.

Como o delegado estivesse se mostrando impaciente e nervoso, nós nos retiramos até mesmo sem nos despedir. Do lado de fora, porém, enquanto calculávamos nossos prejuízos, ouvi um grupo de curiosos comentando sobre o fato maior: o envolvimento do temido Bonfim com a polícia. Era perspectiva de um novo bangue-bangue na cidade.

1984 foi mais um ano difícil para o bom nome de Imperatriz. Foi o clímax dos absurdos, a consumação de fatos  inteiramente incompreensíveis para uma época em que o mundo se alvoroçava com cirurgias do coração, envios de foguetes e satélites ao espaço, com a invasão dos computadores…, enfim, um período que se nos apresentava como marco de um novo tempo.

Era quando eu lia os jornais ou escrevia meu diário para futuramente falar desta terra querida, que meu coração se angustiava perante o mundo de maus exemplos que eu escolhera como escola para meus familiares. Da cidade donde eu viera, qualquer assassinato era motivo para comentários por um mês inteiro. Aqui, só os mais hediondos eram citados. Abater a tiros na Getúlio Vargas, em pleno meio-dia, já não dava tanto ibope, a não ser que a vítima fosse pessoa importante.

As ameaças de morte eram constantes a todos que ousavam repelir os desmandos. A própria polícia não escapava dessa macabra deferência quando tentava agir. E a notícia de que aqui era uma terra sem lei, espalhava-se à velocidade da luz. Logo passamos a ser tristemente lembrados, até mesmo pelos mais assistidos programas de humor do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Um mês depois, o sogro de Magarefe, tido como um dos 3 elementos mais perigosos da cidade, era morto de emboscada por pistoleiros de outras facções.

Tudo era tão descarado que, enquanto não se falava senão na prisão dos pistoleiros que infestavam a cidade, o maior deles desfilava em famoso Opala branco, conhecido em toda a região. Diante dessa situação vexatória, a polícia, armada até os dentes, partiu para Lajeado, com a intenção de prendê-lo e a seus comparsas. A gente sabia que tudo  iria dar  “numa imensa pizza com sobremesa de marmelada”, mas mesmo assim era emocionante ver aquela turma de policiais fortemente armados, passar com suas sirenes ligadas pelo meio da cidade. A garotada vibrava.

O povo, em seus sussurros de esquina, sabia de tudo: tinha nomes, cor, lugar, endereço…, alguns até previam com exatidão o que iria acontecer. Infelizmente, tudo o que o povo arriscava era sussurrar e não sem antes olhar bem para os lados.

CAPÍTULO 27 
Paralela a exemplos estonteantes de crimes e ações humanas com requintes de perversidade, a tecnologia caminhava, deixando no ar a suspeita de conivência por diminuir a necessidade do homem nas fábricas. Não é nada fácil para qualquer homem ver-se sem emprego, tendo sobre si a responsabilidade de muitos dependentes.

Com o aparecimento de máquinas pesadas, robôs, computadores…,  os seres humanos menos qualificados começaram a se sentir inúteis e desprezados. O mundo todo se ressentia desse mal, vendo as máquinas tomarem os lugares dos homens, sem definir convincentemente se isso era bom ou ruim.

Na época, o IBAMA distribuiu uns formulários a quem se interessasse em dar sugestões a respeito de como continuar usando a terra e suas riquezas naturais sem destruir tanto nossos recursos naturais. Era preciso conciliar natureza-indústria, sem causar impacto na economia madeireira, principal fonte de renda de nosso Estado e de quase toda a  Região Norte.  Lembro-me de que, depois de justificar minha volta ao tempo, sugeri que se proibisse o uso de tratores e máquinas pesadas para o aproveitamento das madeiras de nossas matas. Minha intenção não era ser contra a tecnologia, mas, sim, a favor dos desempregados.

Na verdade, sequer responderam ou avisaram de que minha proposta ultrapassada havia chegado. Não fiquei decepcionado, mesmo porque isso fora previsto. Sabia que aquela pretensa preocupação não passava de mais uma farsa. Como vivi mais de 20 anos no ramo, pude dizer a eles o quanto as máquinas pesadas destruíam inutilmente as florestas. É que os tratoristas desinformados e sem qualquer educação ambiental vibram quando saem empurrando tudo, quebrando tudo, jogando ao chão árvores que bem poderiam ser poupadas.

Se o serviço fosse manual, nenhum trabalhador sairia do estritamente necessário, pois é elementar que um homem normal não ficará derrubando árvore só para ver o tombo. Não é por outra razão que, nas extrações manuais, nenhum vestígio se nota depois de 5 anos, enquanto os estragos levados a efeito por possantes tratores permanecem por mais de meio século.

Depois de tudo, um D-60, por exemplo, representa um gasto e uma produção equivalentes a mais de 100 trabalhadores. É bem verdade que lidar com pessoas não é nada fácil, mormente diante de leis trabalhistas que lhes asseguram direitos de remuneração quase iguais ao tempo em que trabalhou. Mas, com certeza, a automação cria o desemprego e este, a maior parte das distorções humanas. Só Deus sabe o que pode engendrar a cabeça  de um homem cheio de energia, de desejos, de necessidade,   de fome… e sem dinheiro.

Embora haja sempre uma segunda intenção no empreguismo público, não se pode descartar a preocupação dos governos em ocupar as pessoas e garantir-lhes o sustento. Para isso, criam-se órgãos e mais órgãos, a maior parte deles inoperantes, desnecessários ou incompetentes.

Só mesmo quem passa quase uma vida em determinado ramo poderá discorrer sobre ele com relativo conhecimento. Como passei um terço de minha existência lidando no ramo madeireiro, posso dizer o quanto é inadmissível e forjado, por exemplo, o plano de Manejo Sustentável. Só para que tenham uma idéia, as indústrias que o implantam, não poderiam consumir um metro cúbico de madeira que não fosse extraído de seus limites. Uma firma como a COPAL do Itinga, por exemplo, consumiu (conforme informação de seus compradores de madeira em toros) num único ano, 70 mil metros cúbicos. Para que isso fosse dentro da lei, ela teria que utilizar um projeto de, aproximadamente, 7 mil alqueires de floresta, o que lhe daria uma despesa anual superior à receita. Acredito que nem todo o estado do Maranhão possui essa quantidade em projetos regularizados, ou melhor, todos os projetos de Manejo Sustentável do Maranhão não dariam para justificar o consumo de madeira de uma única firma do porte da COPAL…, e existem dezenas delas.

Por ser algo estúpido e impraticável, as serrarias escolhem alguns alqueires de floresta e gastam nela um absurdo para que possam se justificar perante a lei. No entanto, 95% das madeiras que consomem vêm clandestinamente, de fazendas ou de terras devolutas ou, pelo menos, ainda não documentadas.

Não bastasse isso, depois de cair na armadilha do projeto, quem se dignar fazê-lo assumirá a responsabilidade de cuidar dele durante 40 anos, tendo que  responder por invasões, fogo e tudo o que possa descaracterizá-lo. Acontecendo uma dessas coisas, terá que,  literalmente,  subornar os fiscais, ou  pagar uma multa superior ao valor da terra em questão. Vejam que o que estou dizendo é a verdade cruel que acontece, não o que a lei determina.

Agora mesmo, tentando legalizar um canto de minha fazenda, procurei o amigo Lula para que me orientasse. Como minhas terras ficam no Pará, ele agiu apenas como orientador. Entreguei-lhe os documentos e 375 reais para as primeiras despesas que ocorreriam com fotocópias e outros papéis. Dias depois, recebi a notícia que um engenheiro do IBAMA de Belém queria 5 mil reais livres de qualquer despesa, apenas para  vistoriar a área e dar seu parecer favorável.

Depois de concluir que os mil metros de madeiras que eu iria conseguir não dariam para sanar as despesas com o projeto, resolvi esquecer o assunto, perdendo apenas o que já havia investido. O que se gasta com essa farsa diante das exigências de certos  “defensores do meio ambiente”, principalmente com gorjetas e subornos, só no outro mundo os curiosos irão saber. O Manejo Sustentável, como projeto econômico, é qualquer coisa que fere o mais elementar princípio de inteligência e sensatez humanas.

Quem não se lembra da farsa de Tucuruí? Recordo-me ainda (e os jornais noticiaram) que o que a Eletronorte matou de animais selvagens e domésticos, com seus agrotóxicos (agente laranja) e por afogamento, daria para madeireiros e caçadores se divertirem durante muitos anos. No entanto, alguns centímetros de fita mostrando canoeiros retirando tatus e cobras de dentro da represa foram considerados bastante para camuflar a realidade. Na época foi feita uma denúncia à ONU de que até pessoas estavam morrendo envenenadas. Quando os prejudicados se reuniram para protestar, o exército entrou em ação e impôs a lei… Com certeza, a lei só existe para ser aplicada quando convém aos políticos que a promulgaram. Como os reclamantes eram todos humildes proprietários de pequenas áreas de terras, nada foi considerado.

Enquanto Norman Myers, consultor americano para a preservação ambiental, afirmava ser a destruição das florestas nos trópicos a responsável pelo aumento da incidência do sol e, conseqüentemente, pelo descontrole do clima no planeta, nosso IBAMA fazia a média perseguindo velhos Chevrolets e deixando que espécies animais e vegetais, quase totalmente desconhecidas, fossem criminosamente destruídas na construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.

CAPÍTULO 28
Em abril eu estava indo para o Araguaia a fim de capturar uma espécie de inhambu, cientificamente conhecida como Cripturellus Tataupa tataupa e, vulgarmente, por nambu-chintã. As que eu havia trazido do Espírito Santo pereceram e eu queria recuperar a espécie em meu criadouro. Sabendo que elas  marcavam presença na margem esquerda do rio Araguaia, junto com um auxiliar, fui para lá.

Era uma manhã de sol forte e por isso eu aguardava a travessia da balsa sobre o rio Tocantins, dentro da boléia de meu carro: uma D-20 usada. De repente notei um alvoroço em cima da balsa e saí para ver do que se tratava. Por incrível que possa parecer, apesar de o céu não ter limite e estar límpido, dois aviões se chocaram, a menos de um quilômetro de nós. Após o choque, os dois, avariados, numa descida perpendicular  contrária, levaram seus tripulantes para incríveis destinos. O que alcançou a margem esquerda, explodiu vitimando os passageiros: todos gente muito importantes da região; o outro, que transportava gente humilde, caiu dentro das águas e todos saíram ilesos.

O trabalho dos canoeiros  foi admirável, pois antes que os destroços imergissem, eles retiraram os passageiros. Por causa disso, nossa balsa só fez a travessia quase 3 horas depois. Não fiquei irritado, pois também comungava a grande curiosidade de todos.

Imperatriz que já contava, além de nosso pioneiro “O PROGRESSO”, com outros jornais menores e também com “O IMPARCIAL” e o “JORNAL DE HOJE”, ambos da capital, agora iria contar, também, com “O ESTADO DO MARANHÃO”. Concomitantemente, a TV Educativa passou a emitir imagens. Isso deixava claro que nossa cidade crescia, não apenas em crimes e corrupção. É estranho, mas aceitável, que a mídia sobreviva de notícias, mormente as ruins, mas também é evidente que a vida ficaria insuportável sem ela. É o que poderíamos definir como “mal necessário”. A gente tinha, diariamente, uma visão razoável do que andava acontecendo e mudando.

De 1980 a 1984, nossa cultura foi tratada como “tapa buraco” de jornal: aquela noticiazinha para preencher a falta de qualquer outra matéria. Eu mesmo já havia lançado alguns livros sem que a mídia fizesse qualquer alarde. Hoje, numa rápida retrospectiva, percebo que quase 100 livros foram lançados nesses últimos 18 anos. Disso, porém, só os escritores sabem e apregoam.

Um dos mais comentados foi o livro de Domingos Cézar, e toda a divulgação se resumia nisso: “Imperatriz após a Revolução” é o título do livro de Domingos Cézar, redator do “Correio do Tocantins” de Marabá (PA) e cujo lançamento nesta cidade acontecerá no próximo dia 18, no Teatro Ferreira Gullar. A noite de autógrafos contará também com um show musical por grupos de artistas locais, no mesmo teatro.”  Isto estava num cantinho escondido da segunda página.

É bem verdade que jornais, rádios e televisões são empresas que visam a lucros e maior verdade é que, se uma delas desejar falir, é só basear sua programação na cultura e na moralidade. Não é por outra razão que, para ver os programas educativos da Globo, tem-se que madrugar. Para um país em que  a preocupação dos governantes é fazer com que o eleitor saiba apenas assinar… ou desenhar o nome para votar, até que a Educação em nossa cidade não estava indo tão mal. Devagarinho, como lutador de boxe que ataca os flancos, professores e idealistas afins iam incutindo na juventude uma nova e real forma de cidadania. Aquela sementinha – a história comprovaria mais tarde – seria o início de um novo tempo.

Instalaram-se aqui algumas escolas particulares que, embora se preocupando também e bastante com a parte financeira, retribuíram os custos com  formação digna de muitos de nossos filhos. A Escola Santa Teresinha é uma delas. Em homenagem aos seus 60 anos de existência como representante das demais entidades de ensino, transcrevo aqui um breve trecho de sua história:

“A Escola Santa Teresinha nasceu do coração do Bispo Prelado daquela época, Dom Roberto Colombo, que solicitou ao Assessor  da Congregação das Irmãs Missionárias Capuchinhas – Frei Estêvão de Sexto São João – um pequeno grupo de irmãs para trabalharem neste imenso rincão do Maranhão: Imperatriz.

Era o ano de 1924… quando tudo era, ainda, praticamente, informe e vazio. Aqui chegaram as primeiras missionárias Capuchinhas: Madre Judite, Irmã Águeda, Irmã Júlia e Irmã Eleonora, enfrentando as mais diversas intempéries, viajando de barco durante penosos dias, mas com a alma e o corpo enlaçados na promessa das mãos, dos pés, da voz, do olho e do espírito, para construírem, juntamente com os padres Capuchinhos, esta grande e maravilhosa seara do Senhor, até então entregue à ausência e ao esquecimento missionários.”

Apesar de todo o sacrifício e da aceitação que hoje a Escola desfruta, ela já teve seus entreveros e, diga-se de passagem, os mais sérios possíveis. Durante o ano,  a diretora andou demitindo, estranhamente, alguns professores, o que soou como injusto para muitos da classe docente. Houve declarações duras de parte a parte e, quando  Gilda Muhlen disse: “Com a não aceitação de professoras casadas e com a demissão de gestantes, tem-se  a clara impressão de que a Irmã se orienta por critérios empresariais contrários aos princípios de humanidade e aos objetivos que julgamos imprescindíveis em educação” – abriu-se um guerra sem precedentes.

Para impedir que as agressões continuassem, o próprio jornal emitiu uma nota no final de uma das respostas, dizendo que se qualquer parte voltasse ao assunto, teria de fazê-lo como “matéria paga”. A polêmica parou por aí, deixando mais uma vez, a certeza de que, nos campos de batalha onde a arma usada é o interesse e o  ódio, nem os contendores ficarão sabendo quem foi o vencedor. Todo revide sob forte emoção não é digno de fé.

 CAPÍTULO 29
Meu sonho – nem tanto sonho – de livrar-me dos problemas financeiros num lance de sorte, aos poucos murchava ante as condições impraticáveis do garimpo de Serra Pelada. É bem verdade que não tínhamos mais serviço lá, mas muitas porcentagens continuavam vigorando. Enquanto isso, a ganância pelo ouro persistia em milhares de pessoas que sonhavam esbarrar a ponta da picareta numa pepita de muitos quilos.

Entrava ano e saía ano, sempre em contínuas querelas entre garimpeiros, Companhia Vale do Rio Doce, ministro César Cals, deputado Sebastião Curió…, sendo que muitas e muitas vezes o próprio Presidente da República teve que interferir. Serra Pelada atendia a todos os sonhos: os dos políticos, que disputavam os votos; os dos diretores, que manipulavam dinheiro fácil e os dos garimpeiros, que jamais deixaram de sonhar com milagres.

Em maio, com a diminuição aparente das chuvas e com os garimpeiros inativos há muitos meses, ainda era dúvida se Serra Pelada seria reaberta ou não. Instigados por Curió, os garimpeiros marcaram uma concentração na Praça Brasil,  onde, entre discursos e ameaças, seria exigida a reabertura do garimpo. Muita gente já havia morrido nos desmoronamentos; muitos, mortos em desavenças; outros, já haviam se despedido desta vida com um tiro na cabeça,  por causa de frustrações… Mesmo assim, eram unânimes os gritos de que Serra Pelada teria de ser reaberta… e já. Policiais de Goiás, Maranhão e Pará estavam de prontidão e uma equipe da TV Globo fazia a cobertura, segundo seus componentes, para apresentarem ao Brasil e ao mundo, através do Fantástico, o que era e o que se passava num dos maiores garimpos do mundo.

Contudo, Serra Pelada não foi reaberta e mortes também não aconteceram: tudo ficou, como é de praxe neste nosso País, em promessas e adiamentos. Nem mesmo as ameaças do Quincas Bonfim de que iria invadi-la e ocupá-la à força foi motivo bastante para remover os princípios elementares da sensatez. De fato, o trabalho manual se tornara impraticável: isso era evidente. Curió e outros “interessados”, como sempre lucrando com a manipulação de tantos sonhos, vivia semeando esperanças na terra mais fértil do mundo: o coração dos garimpeiros.

Apesar de não estar localizado no Maranhão, o garimpo de Serra Pelada foi o acontecimento que mais mexeu com a cidade de Imperatriz e, porque não dizer, a descoberta que mais tornou a região conhecida em todo o mundo. É quase impossível encontrar um brasileiro que já não tenha ouvido falar de Serra Pelada e, conseqüentemente, de Imperatriz.

Primeiramente, Jairo Duarte Bezerra escreveu  “Serra Pelada – seu ouro, sua gente”. Depois, o repórter Ricardo Kotscho, que escrevia reportagens para a “Folha de São Paulo”, lançou o livro “Uma Ferida Aberta na Selva”. Poucos best sellers foram mais vendidos! Jairo Bezerra, tendo vivido e trabalhado lá, discorreu com grande felicidade sobre as gírias, os termos, as leis, a organização, as falcatruas, os bamburros, enfim, foi um garimpeiro escrevendo biografias, das quais, a sua talvez fosse a mais fascinante.

Kotscho, abordou mais o aspecto social e ecológico, sem contudo esquecer o dia-a-dia de homens rebeldes e sonhadores. É possível que, nem mesmo lendo esses livros, alguém tenha total compreensão do que foi e ainda continua sendo o garimpo de Serra Pelada. É quase impossível encontrar algum jornalista, compositor, fotógrafo, teatrólogo ou escritor da região que já não tenha buscado nela  inspiração para algum trabalho. A vida de cada garimpeiro, os bamburros, o bate-papo, as discussões, os acidentes, as brigas, as chuvas, os furões, as negociatas…, forneciam  matéria a cada minuto a quem desejasse preencher um livro com mil páginas. Jornal da região que quisesse vender todos os exemplares, era só dar ou até inventar uma notícia sobre Serra Pelada. Vejam o que escreveu Jurivê de Macedo no dia 5 de outubro de 1994:

“Chega o garimpeiro de Serra Pelada e solta a notícia que corre Imperatriz e chega à redação:  –  O garimpo teve a reabertura novamente adiada, agora, só mesmo dia 9.

No aeroporto, o cidadão que vem de Brasília afirma a um amigo:  –  Li hoje, no Distrito Federal, uma notícia, a de que a reabertura do garimpo foi novamente adiada.

A notícia vem novamente à redação, que procura confirmar o assunto. Qual a fonte mais indicada? O Sindicato dos Garimpeiros de Serra Pelada, de onde, naquela hora, só colhemos a indefinição:  –  …é, o boato existe, mas não está confirmado…, foi um engenheiro quem falou isso, mas ele não entende dessa coisa para falar…, a notícia está vindo da Rádio-cipó e nós não temos nada que a confirme. Vamos contatar com o Dorival, que já passou por Serra, foi a Itaituba e já está em Belém. Amanhã a gente tem a posição definida.

O jornal não podia ficar à espera da confirmação, mesmo porque o boato já corria Imperatriz inteira. E se não a déssemos, outro órgão de informação a mandaria ao leitor ou ao ouvinte. Era a luta pelo furo de reportagem.

Demos a notícia com a devida cautela, frisando que os boatos correm, que um jornal brasiliense a deu, mas que o Sindicato não a confirmava (ainda).

O DIA SEGUINTE:

Pelo amor de Deus… o telefone do Sindicato não pára. Aqui já vieram mais de mil pessoas, só agora de manhã… você nos botou numa boca!… Sabe como é, muita gente lê mas não entende… outros ficam só na manchete, não compreendem o que foi dito na notícia que dá as duas versões do fato… a televisão já amanheceu o dia aqui…

Chega o jornaleiro:  –  Pô, hoje o jornal não chega para quem quer. Vendi todos. Bota aí Serra Pelada, amanhã, de novo!

É assim Serra Pelada: a paixão do Norte do Brasil. Embora garimpo, o nome feminino (serra… e ainda por cima, pelada) faz dele a fêmea mais cobiçada e da qual se tem mais ciúmes, de Araguaína ao Cabrobró do Judas, lá no Inferno da Pedra. E é falar nela  –  Serra Pelada  –  que logo a reação começa, cresce, transborda.

CARA E COROA:

O bom de Serra Pelada é que sobre ela só se pode dizer o lado bom ou, melhor, o lado que os seus amantes querem ouvir. Não importa que o que diga seja verdade, mas se for do interesse do garimpeiro, isso é que vale. Acontece lá (como já aconteceu) desmoronamento com morte, mas se você disser:  –  Lá não aconteceu nada, não morreu ninguém… é o que vai valer para o garimpeiro. A Serra é para ele intocável do ponto de vista fama.

 –  César Cals anuncia que a garimpagem será suspensa em Serra Pelada, dizia a notícia.

 –  A Vale do Rio Doce assumirá Serra Pelada, vinha a televisão gritando.

 – O governo vai suspender a garimpagem manual, diziam os jornais.

As notícias eram nacionais e as fontes eram do próprio Ministério das Minas e Energia, mas os garimpeiros culpavam os jornais, a rádio e a televisão.

 –  É mentira! Essa gente é contra o garimpo. Esse moço não gosta da Serra!

DE REPENTE:

 –  Serra Pelada não está na área da Vale do Rio Doce, bradava a manchete que logo repercutia:  –  Cê viu o que o jornal tá dizendo? Essa é que é a verdade. Taqui ó, o que está dizendo.

 – Serra Pelada volta aos garimpeiros, dizia a televisão, e os foguetes espoucavam. A notícia agradava e era “correta”, portanto.

“PACIÊNCIA TAMBÉM TEM LIMITE”, dizia a manchete principal de “O PROGRESSO” no dia em que a rodovia Belém-Brasília foi tomada pelos garimpeiros. E naquele dia eles mesmos compram toda a edição e eles mesmos proclamavam:   –  Viram?… O jornal está com a gente, está falando a verdade!

CAPÍTULO II

Reabertura falada para o meio do ano. Adiada para outubro. A notícia corria e logo vinha a queixa:  –  Ah…, isso é invencionice de jornal. Vai ser em maio mesmo. Não foi.

 –  Reabertura da Serra adiada. Aconteceu um problema que provocará o adiamento, diziam: televisão, rádio e jornal.

 –  É mentira, diziam os garimpeiros. Lá não aconteceu nada, não tem rachadura. Está tudo em ordem. Isso é jogada!

Começa a correria: papéis para regularizar a situação. Gente indo e vindo, até que surgem os boatos de novo:

 –  Não vai ser mais no dia 9…

 –  É mentira. É que o jornal gosta de fofocas.

E assim é a vida, assim é o entendimento do garimpeiro em relação à Serra: se a notícia é de seu agrado, tudo bem, mas se ela o desagrada, o culpado é o jornal, é a rádio, a televisão. E pior que isso: até determinados líderes deles, temerosos talvez da reação, não se acham capazes de uma interpretação da notícia. Aceitam, unicamente, a reação em contrário. Houve deles, na crise passada, que até insuflavam o garimpeiro contra a imprensa.

CAPÍTULO III

 –  Levi, da Cooperativa, na Serra, diz que a notícia espalhada lá não se confirma. O garimpo começa mesmo no dia 9.

 –  Dorival confirma também: o garimpo começa dia 9, não tem problema algum.

 – Araguaína também confirma que não existe nada sobre adiamento, foi tudo um boato que saiu lá do garimpo. Vai ser dia 9 mesmo.

Mas para os que procuram saber detalhes, o culpado só tem um nome:  –  É a imprensa que está inventando isso. Foi o jornal que disse isso.

CAPÍTULOS SEGUINTES:

Eles virão depois. E na dependência deles a Imprensa ficará, ou bonita ou feia para os garimpeiros. As notícias que você dá de apoio ao movimento dos garimpeiros; as entrevistas que você   faz com os líderes dos sindicatos e das cooperativas; os editoriais e artigos assinados defendendo a garimpagem manual; os espaços que você abre na televisão para o Sindicato explicar e até defender-se; isso ninguém reconhece. Eles só lêem e  –  o que é pior  –  só entendem as notícias que não são do seu agrado. E por essas quem paga são os jornalistas. Esquisito mesmo esse mundo do Rei Midas!”

No fundo mesmo, garimpeiros e Imprensa se completavam. Os garimpeiros porque necessitavam das ilusões para continuarem sonhando; a Imprensa  porque precisava alimentá-las para vender seu produto. Com certeza o garimpo seria reaberto. E como sempre, centenas iriam perder os bens e a vida, e uns  “gatos pingados” esbarrariam em filões e se veriam ricos do dia para a noite.

CAPÍTULO 30
O prefeito de Imperatriz, conhecido por muitos pelo proverbial hábito de obras relâmpagos, mas desestruturadas – aparentemente eleitoreiras – acabava de chegar de mais uma de suas intermináveis andanças. Trazia na bagagem: a instalação do SENAR (profissionalização rural), FUNDEC (Fundo de Desenvolvimento de Pequenas Comunidades), implantação de um núcleo de casas populares com mil residências para pessoas de baixa renda e implantação do velho sonho de um Distrito Industrial.

Até hoje, pouco se sabe sobre tantos convênios, assim como os benefícios que os mesmos trouxeram à população. A verdade é que a maioria dos políticos, quando nos vêm com a graça da honestidade,  gastam mal o dinheiro público. Mas o mais comum mesmo são os desvios, porque, com certeza, não deve ser nada fácil deixar de apanhar pra si, neste País da impunidade, tanto dinheiro fácil. Para isso, no Brasil, basta apenas não ter escrúpulo, ou medo da justiça divina.

Meu velho e saudoso pai não se cansava de alertar-nos para o perigo das ocasiões: “Filhos, embora alguém tenha que ocupar determinados cargos, procurem sempre se esquivar daqueles que tentam a honestidade. Vocês sabem que ‘todo homem tem seu preço e que a ocasião faz o ladrão’. Se um dia tiverem que assumir um cargo assim, não se esqueçam de meditar alguns meses sobre a caducidade da vida e o perigo de terem que apresentar contas a Deus, num tempo bem mais próximo do que imaginam”.

Quando meu pai dizia essas coisas, ele estava forte: era nosso herói, nosso protetor, nossa fortaleza. Hoje, guardo dele, além da saudade, apenas  alguns fiapos de seus cabelos brancos, exumados da sepultura onde foi enterrado há quase duas décadas.

Suas lições, porém, ressoam forte como um sino de catedral. Sei que ele estava coberto de razão, principalmente agora,  quando vejo a política que se desenvolve aqui em Imperatriz. Depois de anos seguidos de saques e roubos, hoje vivemos numa cidade esburacada, cheia de obras eleitoreiras, com tudo  a fazer. Mesmo assim, dezenas de políticos lutam pela Prefeitura, indo das mentiras, da difamação…, à inconseqüente eliminação de quem ameaçar obstar-lhes o caminho.

Estou certo de que, se houvesse um jeito de se proibir os desvios e os roubos, ou ao menos torná-los passíveis de punição, só à força alguém se apresentaria para ser candidato. Abro exceção para certas bênçãos singulares, como o aparecimento esporádico de um idealista que resolva doar sua vida em prol de uma comunidade, na crença de que vale a pena desejar e querer para o próximo aquilo que imagina pra si. Mas isso é tão raro como a passagem do Halley.

A classe política está desacreditada, e a tendência, de acordo com o que se evidencia, é aumentar o descrédito,  até chegar ao limite da paciência humana e ocasionar a catástrofe de uma revolução. Nestes 18 anos em que aqui vivo, sou testemunha de desvios, de obras iniciadas ou precariamente realizadas, com o único objetivo de ganhar votos ou de praticar rapinagem.

Só Deus poderá avaliar  quantas verbas já foram liberadas… e desaparecidas… para conclusão de obras como o Projeto Cura e melhoria de infra-estrutura de Imperatriz…, sem contar com centenas de obras feitas às pressas em toda campanha, sem qualidade, sem estudos: um verdadeiro acinte àqueles que, embora enxergando todo esse descalabro, pouco podem fazer além de acusar, falar, protestar, lamentar, escrever…

Quando olho para trás e vejo que quase todos os políticos de há 18 anos são os mesmos que nunca fizeram nada de extraordinário e que aí vivem vendendo fantasias e promessas milagrosas, dá-me uma dor funda no coração: dor de quase desespero por saber que meus olhos dificilmente verão um homem honesto e capaz no poder.

CAPÍTULO 31
1985. Ano muito importante para o Brasil. Não por causa de mais uma mudança de regime, mas sim porque o povo começou a tomar maior consciência de sua força. No fundo, o que os políticos civis desejavam não era senão tomar o poder dos militares, mas o povo, mesmo continuando ingênuo, começou um período de hostilidade à corrupção.

Os caras-pintadas  demonstravam mais comoção que consciência política. Com certeza, pouca coisa é mais perigosa e inconseqüente  que a emoção. Por sorte, embora o povo, inocentemente, estivesse lutando para mudar de oportunistas, ficou implícito no ato a certeza de que  era possível impedir que eles se assenhoreassem indefinidamente do poder.

É bem verdade que toda transição representa  nova esperança, mas quando vi que o presidente eleito, Tancredo Neves, passou a nomear para os ministérios, velhos e conhecidos políticos que nunca apresentaram qualquer feito relevante à Nação, minhas esperanças começaram a se diluir como éter exposto ao sol. É bem verdade que para se administrar um país, pessoas politicamente entendidas são necessárias… entendidas,  mas  honestas e responsáveis. Por honestidade  sempre entendi, não somente não furtar descaradamente, mas também aplicar a lei àqueles que furtam. Por isso, jamais considerei honesto o político que, mesmo diante das dificuldades da Nação, concorda com salários exorbitantes, aposentadorias aviltantes, direitos inadmissíveis, mordomias criminosas…, incompatíveis com a  realidade de um país do Terceiro Mundo. Para mim, o maior acinte ao tão badalado “Direitos Humanos”, no  século XX, é um grupo de oportunistas legislar em causa própria.

Logo depois, com um reinado mais curto do que o do papa Estêvão II, Tancredo deixava, certamente à revelia de seu desejo, a presidência ao vice José Sarney. Eu que vivi todo o desenrolar dessa importante e triste página de nossa história, fiquei atônito diante de minha própria convicção religiosa. Quando vi pela televisão orações intermináveis, que iam de Dom Helder ao pajé Pataxó, fiquei certo de que não falhariam as promessas bíblicas do pedi e recebereis; de se até o pai carnal, que é humano e cheio de defeitos, atende seus filhos, quanto mais vosso Pai Celestial…No entanto, depois de fumegarem velas e despachos na portaria do hospital onde se encontrava toda a esperança do povo sofrido, Tancredo expirou. Tentando explicar, ou tornar apenas aparente a inutilidade de tantas orações, escrevi:

“Há um tempo em que se tem de provar que tudo nesta vida é incoerência e paradoxismo. Einstein, para alguns, duvidava de nossa imortalidade e clamava, mesmo assim, por Deus, embora Ele nos assegure uma alma imortal; Gandhi foi religioso, mas viveu em querela interminável com Deus por que permitia ao mundo tantas ignomínias e desajustes; Jesus disse: Deixa que primeiro sejam fartos os filhos, porque não é bem tomar o pão dos filhos e lançá-los aos cães. E mais adiante, durante toda sua pregação, defendeu a igualdade: sem cor, sem riqueza, sem crenças específicas…

Há um tempo, como este, em que somos tentados a duvidar da eficiência das orações. Parecem ter falhado os milhões de pedidos   pelo restabelecimento da saúde do presidente Tancredo Neves.

O povo esperou,  rezou porque o presidente se transformou num  símbolo de esperança, e mais que isso, a certeza de um Brasil lavado e enxaguado da nódoa da corrupção impune.

As orações, funções, ritos, atos e até despachos umbandistas, fumegaram e invadiram os arredores do Instituto do Coração, na expectativa  de que Tancredo fosse a única esperança de transformar o Brasil numa nação digna e mais justa.

E o povo – sem o saber – imolou por assim dizer, seu filho mais ilustre, e a nuvem sacrossanta envolveu, desde então, o tabernáculo de nossos corações. Paulatinamente, Deus foi falando  em cada boca apática, criando sentimento em  cada coração empedernido, quebrando as arestas de cada cérebro inescrupuloso. Esta Nação sem fé, agora parece crer, parece ter esperança, parece confiar no futuro!

E Sarney, sem ter nada com o peixe, vê-se envolvido nesse emaranhado de mistérios que envolveu o povo e Deus. Tenho pena de um homem quando tem que cumprir o que outro prometeu! E é aí que Deus entra com seus hieróglifos, com sua escrita certa por linhas tortas. Quem tiver pressa de entender que tente, embora as explicações estejam determinadas para o futuro.

Há de se imaginar que Deus levou Tancredo à revelia de nossos pedidos e também de nossa fé. O povo rezou por ele e Deus ouviu as preces, sim, dando a ele e ao Brasil o que havia de melhor. Tancredo morreu como mito, como herói, como remidor da corrupção, deixando nos lenços brancos, nas flores e nas lágrimas, o poema mais lindo e eterno da abnegação, da esperança e da coragem socrática de vencer a própria morte em prol dessa multidão sacrificada. Em vida ele jamais faria tanto por esta Nação! Como Pelé, parou na hora certa. Foi cheio de graças para os céus, nas asas benevolentes  do amor e da amizade unânime de 130 milhões de brasileiros.

Quem nos assegura que essas mãos que agora atiram flores amanhã não atirariam pedras? Que essas mesmas mãos que agora se juntam em orações e atiram papéis picados, amanhã não se poriam em riste, na impetuosidade das acusações? Infelizmente, ninguém conseguirá, jamais, provar aquilo que não aconteceu, mas ainda não pisou nesta Terra um homem… ou um Deus que agradasse a todos.

Ah!, quantas orações – tantos dirão – inúteis! Deus não se importou com a gente, não se comoveu com as lágrimas, nem com a dor, nem tão pouco cumpriu a promessa de seu Filho: Porque todo o que pede, recebe  – dirão tantos outros mais.

Mas Deus ouviu sim os rogos do povo brasileiro, e hoje, mais do que nunca, podemos estar certos de que, nos campos da esperança os renovos brotarão virentes, e cada brasileiro poderá ver um novo sol brilhar, tendo dentro de si, o prazer de estar incluso entre o Oiapoque e o Chuí.

Contudo, se tudo isso não acontecer, então poderemos justificar, em nossa debilitada inconstância, que Deus não se importou mesmo com as nossas orações, nem tão pouco com a doutrina que mandou Jesus pregar… ou ainda… nossa dívida é tamanha que somente as gerações futuras irão usufruir e provar os frutos, cujas sementes foram plantadas com tanta dor e sofrimento.

Eu vi lágrimas, mãos postas, olhos intumescidos, esperanças, dor; lenços brancos, repuxos faciais de emoção… um avião singrando o céu azul, levando no bojo o corpo inerte do presidente. Vi o avião, no alto, em circunvoluções sobre a cidade de São Paulo, bem lá em cima,  mais perto de Deus, onde devemos procurar, sempre, a solução de todo e qualquer problema.

Ele semeou a crença de que é possível comover os políticos que gastam milhões em mordomias, que aceitam e partilham da corrupção, semeando a fome e a miséria entre seus irmãos brasileiros.

Um amigo meu contava-me que seu ano de trabalho com 23  empregados, 2 tratores e 2 caminhões, renderam-lhe, 80 milhões de cruzeiros e que tal importância não daria para sanar a despesa mensal de uma única mansão ministerial.

Eu sei que sua imolação não foi inútil, Tancredo! Você nunca foi tão grande como o foi na hora extrema. Sem ela, você seria (desculpe a sinceridade) apenas mais um político desta amargurada safra.

Nós apertamos a Deus e Ele não teve como escapulir. Agora acredito que, num tempo de décadas, o Brasil será uma, socialmente, grande nação, com mais justiça para aqueles que sempre sofreram mais. E todos nós, filhos desta geração, nos orgulharemos de haver nascido envolto numa fralda verde-amarelo.”

Hoje, relendo a crônica e vendo que o Brasil, embora bem devagar, vai consolidando sua democracia e atingindo um maior grau de justiça social, sinto que não foram em vão aquelas tantas orações enviadas a Deus.

CAPÍTULO 32
O povo, sempre levado pelo emoção e não menos crédulo e confiante em milagres, acreditou que sua vida iria mudar logo no mês seguinte. Eu sentia o entusiasmo da classe sofrida! Funcionários sem qualquer qualificação, em menos de uma semana, já falavam em salários justos e em sonhos de possuir um vídeo, uma bicicleta ou um som de primeira qualidade. Eram nessas ninharias que muitos brasileiros   baseavam seus sonhos. Nunca se deram ao trabalho de imaginar que, como filhos de um dos países naturalmente mais ricos do mundo, tinham os mesmos direitos daqueles que os escravizavam.

Olhando para trás e raciocinando um pouco, eu sentia   que, ao velho sofrimento a que sempre estiveram submetidos, ainda teriam que somar, agora, o peso da desilusão. Não que eu achasse que o problema brasileiro fosse eterno, mas sim porque sabia que, sendo os políticos de agora os mesmos de sempre, só mesmo uma intervenção divina poderia fazê-los renunciar às facilidades e mordomias que o poder escuso sempre lhes conferiu.

Mas, para Imperatriz, que sobrevivia há mais um ano da criminalidade impune, era concebível que pior não pudesse ficar. Ao iniciar 85, a primeira manchete estampava: “O ANO DE 1984 CHEGOU AO FIM COM A MESMA VIOLÊNCIA COM A QUAL COMEÇOU. MUITAS MORTES – ASSASSINATOS E ACIDENTES  –  ASSALTOS NO MEIO DAS RUAS E AOS MORADORES EM SUAS RESIDÊNCIAS. UM RASTRO DE SANGUE BANHOU A CIDADE. OS PISTOLEIROS MATARAM SEUS DESAFETOS E MUITOS INOCENTES PAGARAM PELO CRIME NÃO COMETIDO. NO ÚLTIMO DIA, 84 DEIXA O PANO CAIR COM MAIS CRIMES CONTRA O CIDADÃO”.

A população pacata vivia atordoada com o zunzum do confronto entre aqueles que eram apontados como verdadeiros chefes de quadrilhas.  As pessoas andavam tão amedrontadas que, se alguém ousasse falar do assunto em lugar público, muitos se retiravam do recinto. Enquanto as mortes aconteciam, os mistérios se multiplicavam. Os três estavam tanto em voga que até dos crimes de que nem tinham conhecimento eram acusados pela população. Valia o velho provérbio: “Faça a fama e fique na cama”.

Tudo isso, acrescido à crise, fazia com que suicídios em escalas nunca vistas acontecessem em nossa cidade. Era difícil o mês em que alguém não aparecia pendurado numa corda, até mesmo dentro de seu quarto. Serra Pelada contribuiu, e bastante, para o desespero de muitos pais sonhadores.

Hoje guardo, embora vagamente, muitas lembranças do que o ouro significou para muitos de meus amigos. Recortes e notícias de companheiros bamburrados; lágrimas em cima do caixão de um outro que não suportou o desespero de se ver sem nada depois de investir tudo num sonho dantesco e estúpido.

Enquanto o escritório de Diomedes, da Madeireira Soberana, não cabia de amigos que o felicitavam pela sorte das primeiras pepitas em seu barranco, a casa do industrial Cícero Carvalho dos Santos (entre os amigos, Cícero Feio) amargurava o pranto pelo seu descontrole.

Diante da calamidade que se abatia sobre Imperatriz, com pistoleiros agindo sob a única represália de seus próprios concorrentes e com os políticos atuantes preocupados apenas com o poder, pessoas que aqui imaginavam terminar seus dias começaram a procurar outras cidades para viver. A coisa piorou ainda mais quando a dinastia Sarney –  esperança de muitos para a moralidade e a justiça – começou a dar mostras insofismáveis de que, também, para ela, a prioridade era o poder.

1995 talvez tenha sido o início das lutas que alimentariam a esperança de ver o Brasil transformado numa grande potência mundial. Como acredito nas mudanças e transformações de todas as coisas materiais, sei que, também ao Brasil será dado o privilégio de se firmar como uma grande nação.

Ainda que a mídia esteja sempre prenhe de notícias desoladoras (crimes, corrupção, impunidade, conluios…), a gente percebe que os culpados já não passam tão em branco. Mesmo que ainda só se prenda o motorista, o mordomo ou os testas-de-ferro, já se tem coragem e liberdade para acusar os principais e verdadeiros culpados. Devagarinho, passo a passo, quase que despercebidamente, lá e cá aparece um político honesto e idealista, um homem de boas intenções que vai mostrando o que seria nosso País, se as pessoas e o governo fossem um pouquinho mais competentes e honestos.

Embora lentamente, o povo vai tomando consciência do maior acinte à sua inteligência, não admitindo tão passivamente que a classe política legisle em causa própria, estabelecendo suas regalias, seus salários, seus direitos…, e jamais falando ou cumprindo plenamente suas obrigações.

A pistolagem aberta, desenfreada e desavergonhada, como tal, está diminuindo e os políticos mais corruptos já têm que se precaver mais para que suas tramas não promovam grandes revoltas. Não que, por enquanto, temam a cadeia ou fiquem preocupados em perder o que ganharam, mas simplesmente porque determinados escândalos os afasta, temporariamente, do poder, o que não admitem.

CAPÍTULO 33
A violência parecia ter sido escolhida como forma de justiça. Porque  os maus políticos manchavam a Pátria com atos indignos, o povo procurava defender-se à sua maneira. A violência generalizada – criminal, moral e financeira – foi a maneira mais fácil que encontrou para se vingar da classe política.

Ela mandava, desmandava, agia, deliberava…, sem que nenhum outro poder pudesse impedir. Passou a ter influência direta no Judiciário, pondo em dúvida as deliberações do único poder que por séculos se mantivera digno e respeitado… e tido como freio a tanto poder escuso. Por isso, pessoas inescrupulosas e com qualquer chance disputavam os pleitos, não fazendo qualquer restrição de atos para conseguir o intento. O povo, sem  reconhecer a força de que dispunha, tentava vingar-se votando aleatoriamente. Com tanto pouco caso, só em São Paulo um gigantesco rinoceronte africano recebeu 100 mil votos para vereador. Era tudo o que os políticos queriam: que o povo não atentasse para o grande valor de seu voto.

Na impossibilidade do cargo, altamente disputado e com vagas restritas, muitos tentavam criar um poder paralelo, formando verdadeiras quadrilhas. Afinal, a diferença estava apenas na forma de matar: repentina ou lentamente. Imperatriz vivia um clima assim, com várias pessoas violentas imitando o que hoje se faz pelo tráfico de drogas nas favelas e cercanias das grandes cidades. Com o grito de ordem de quem manda faz a lei, quem desobedecesse aos fiscais (pistoleiros) logo era chamado à “disciplina”. Foi assim que o marchante Manoel Magarefe teve que fugir da cidade, mas foi, conforme manchete do dia 16 de janeiro em “O PROGRESSO”, encontrado e fuzilado em Pernambuco.

Lembro-me de que ali por meados do ano de 1995, eu estava no Bradesco enviando uma ordem de pagamento para a Landroni, quando uma senhora passou distribuindo uns folhetos a todos que estavam na fila. Era um artigo que criticava o proceder de Onofre Correa, arredio à lei que mandava pagar o salário mínimo estabelecido pelo governo em sua loja de São Luís. Como sempre evitei política e para não me revoltar ainda mais, li apenas as primeiras linhas. Calma e escondidamente, comecei a amassar o papel para jogá-lo ao lixo, quando um homem adentrou e, bruscamente, tomou os papéis da senhora que os estava distribuindo, criando um alvoroço singular.

Vendo-se em apuros, a mulher começou a pedir socorro, no que foi atendida por alguns clientes e, a seguir, por seguranças do Banco. Procurei inteirar-me do que se tratava e fiquei sabendo, pelos jornais, que a mulher que distribuía era a vereadora  Neodemes Preta. Ela tentava denegrir a imagem do político e concorrente Onofre Correa, então, candidato à presidência do PMDB em Imperatriz.

Nesse tempo, falar sobre política era muito perigoso. A sanha pelo poder era qualquer coisa que fugia à minha compreensão.

Entreveros, os mais esdrúxulos, apareciam em cada noticiário. Em julho, época em que os partidos estavam formando seus diretórios, a coisa ficou ainda pior. Os ataques aos concorrentes não obedeciam a  qualquer princípio. O importante era vencer. No meio desse tiroteio de injúrias, eu ia perdendo, também, a confiança na própria mídia. Diziam-se horrores de tudo e de todos e para se saber que o santo de um era o demônio do outro, bastava, apenas, mudar de estação.

Foi assim que o comunicador Roberto Chaves teve que medir mais suas palavras difamadoras contra o então prefeito de João Lisboa… Depois de ser atacado incessantemente,  o prefeito resolveu mandar um recadinho para o comunicador e apresentador da TV Curimã, avisando-o de que aquela seria a última vez que ele falava em seu nome. Isso valeu um telex ao ministro Fernando Lyra. Roberto Chaves, precavido,  moderou suas acusações e o prefeito, satisfeito, deu o assunto por encerrado.

Como frisei no início, o comportamento político incentivava o povo a que fizesse justiça com as próprias mãos. Se alguém tinha algum entrevero, dificilmente preferia procurar a polícia ou um advogado para dirimir o impasse. Diante disso, viam-se barbaridades como a acontecida com Rosângela Rodrigues de Oliveira, que, por ciúmes, foi seqüestrada, manietada, queimada com ácido muriático e deixada a esmo em Ribeirãozinho.

O Brasil, por causa de tantos ladrões, começou a ficar sem dinheiro.  Foi se parecendo com um naco de carne podre, infestado de larvas de varejeiras.   Por serem muitas larvas, e pouca a carne, logo a luta pela hegemonia foi se tornando cruel e desumana.

Pela irresponsabilidade demonstrada, nossos credores externos fecharam as portas.  Com a escassez, os bichos acirraram a disputa. Iniciava-se, assim, um arremedo de moralização. A primeira devassa foi  no INAMPS: um dos maiores focos da corrupção nacional. Ao anunciar a devassa, em menos de um dia o ministro Jarbas Passarinho já recebia ameaças de morte.

O termômetro da desonestidade é o déficit nas contas do governo. Onde há honestidade e competência, os impostos suportam a justiça social. Isso já está provado em todos os países que trilharam esse caminho. Enquanto isso não acontecer aqui, é sinal de que a corrupção continua viva e  ativa.

CAPÍTULO 34
A humanidade se postava numa incógnita entre o desespero e a apatia, com a AIDS atravessando fronteiras em progressão geométrica estonteante e se definindo, para muitos, como castigo de Deus ao excesso de promiscuidade. Apesar de se dizer que comigo não vai acontecer, algumas famílias de Imperatriz já podiam, tristemente, contestar o velho chavão. Paulatinamente, um invisível vírus tomava o lugar dos anjos bíblicos, para forçar a humanidade de “dura cerviz” a entender que todo excesso é prejudicial e condenável. E grande parte dos seres humanos estava ultrapassando os limites dos vícios e da prostituição.

Erroneamente, a propaganda de prevenção, ao invés de pregar a moral e os bons costumes, sugeria o sexo acautelado, como se fosse garantido passar por dentro de um atoleiro e não se sujar de lama…, apesar de todas as precauções. E nossos governantes, deixando doentes morrerem nos corredores dos hospitais e crianças sem escolas, financiavam a propaganda, a compra e a distribuição de “camisinhas”, numa demonstração inequívoca de despreparo, principalmente moral.

Embora muitos países estejam investindo verdadeiras fortunas no afã de combater o vírus, de 1981 (quando a doença foi reconhecida formalmente em Atlanta, nos Estados Unidos) até agora, o único meio de não morrer pelo vírus da AIDS é não contraí-lo…, e o único caminho para não contraí-lo é levar uma vida sóbria, decente e verdadeiramente humana. É por fugir das regras de vida que nos foram preestabelecidas, que não só a AIDS, mas toda e qualquer doença (para ser enfático) acomete os seres humanos.

Assim, estarrecido, eu via pela primeira vez uma vítima de Imperatriz sendo levada ao cemitério. Quando abriram o caixão para a última despedida, tive a impressão de que haviam exumado um cadáver depois de meses já enterrado: um verdadeiro esqueleto. Eu ainda morava no Loteamento Alto Boa Vista, local de onde tomei consciência plena do pior mal que já acometeu a humanidade, desde seu surgimento há milhões de anos.

Somada a isso, a decepção de mais um ano de politicagem. Enquanto se noticiava que “…a  receita da Prefeitura era de quase 2 bilhões de cruzeiros… e que sendo a folha de pagamento de apenas 200 milhões, muito iria sobrar ao prefeito para iniciar um amplo e audacioso programa de obras públicas, transformando Imperatriz numa das mais bonitas e modernas cidades da Amazônia” – nossa cidade continuava esburacada, feia, suja e nojenta.

Como paliativo,  o prefeito procurava dar mais atenção à Educação e à Saúde, investindo em postos médicos nos diversos povoados do município. Seu pecado maior era (e ainda hoje parece ser) a conclusão de obras sem infra-estrutura adequada. Obras apressadas em fim de mandato, demonstrando claramente a preocupação pelo voto e pela continuidade no poder. Outro mal era a posição indefinida. Isso ficou mais contundente quando em março (pasmem: ao lado de Davi) saiu pelo Bacuri distribuindo cimento às famílias carentes. Até hoje os dois tentam camuflar uma velha aliança que, contudo, emerge a olhos vistos a qualquer um com um mínimo de senso crítico. Intercalando-se no poder escuso, a aliança parecera inevitável, oportuna e extremamente indispensável às forjadas aprovações de contas obscuras.

Aparentam ferrenhas oposições, mas nos bastidores, nada de insultos: apenas estudos sobre a próxima estratégia para engabelar o povo ingênuo. Isto sempre foi o que mais me doeu na classe política. Enquanto em reuniões públicas com a imprensa presente criticam, fazem previsões  interesseiras (boas ou más), apresentam sugestões milagrosas, agitam os punhos cerrados, ofendem e agridem seus adversários…, nos bastidores se abraçam e riem dos “babacas” que, por vezes, dão a vida por aqueles traiçoeiros e fingidos discursos.

Não que eu desconheça a utilidade da Política no mundo. Seria ingenuidade duvidar do enunciado de Platão de que “o homem é um animal político”. Tenho mesmo a convicção de que todos os nossos atos (inclusive esta minha postura), têm cunho político embutido. Mesmo descaracterizada, violentada por homens inescrupulosos, a Política continua sendo, em sua mais pura e esterilizada definição, a ciência de bem governar os povos; aquela cuja incumbência sublime é implantar a justiça social.

Minha luta e minha revolta é porque ela hoje, no Brasil, e, principalmente em nossa cidade, transformou-se num jogo sujo onde qualquer meio justifica alcançar o espúrio fim de enriquecer ilicitamente, livre das amarras da lei; minha revolta hasteia-se na fragilidade de minha força por ver, mais claro que um dia de sol a pino, a luta vã de um povo massacrado e faminto.

Não consigo entender como quase a totalidade dos políticos ficam milionários em 4 ou 5 anos de mandato, sem que jamais um tenha sido colocado atrás das grades por roubo e corrupção, enquanto a polícia, literalmente, mutila um infeliz que, sem a educação prevista pela lei, defende-se do sistema cometendo pequenas infrações ou contravenções penais. Destrói-se o doente infectado pelo sistema e deixa-se o sistema vigorando e infeccionando continuamente. A falta de honestidade política e a ingenuidade do povo me doem e me revoltam.

Davi, definindo o povão por si mesmo, satisfê-lo desafiando altas autoridades, desobedecendo juízes e até submetendo-os a seus caprichos. Por tanto arrojo, seu valor foi logo reconhecido, unanimemente, pela Câmara que, através do vereador Cláudio Roberto, outorgou-lhe o título de “Cidadão Imperatrizense”. E o povo, qual frágil hiena, vibrava com o banquete dos leões e esperava, pacientemente, pelas migalhas que poderiam sobrar.

CAPÍTULO 35
Em 1985, eu viajava muito pela Transamazônica. O ano tinha sido de muita conversa sobre a Reforma Agrária e o então presidente do INCRA, Paulo Yokota, dava entrevistas afirmando que resolver o problema dos Sem-terras era apenas uma questão de vontade política, porque condições financeiras havia com sobras. Ele falava em 130 mil famílias alocadas, graças a recursos externos no valor de 320 milhões de dólares.

As margens da Transamazônica estavam sendo usadas para um desses projetos. De um lado e do outro, em faixas de 20 alqueires, milhares de pessoas haviam sido beneficiadas. Lembro bem que, todas as vezes que era preciso parar por causa de atoleiros,  carro quebrado ou para informações, os colonos atendiam-nos apressados, no afã de que se tratasse de gente interessada em suas terras.

Hoje, são raras as famílias pioneiras do projeto que ainda se encontram por lá. Os que apóiam a Reforma Agrária esbravejam dizendo que é preciso pôr a mão na consciência e distribuir a terra  improdutiva que está retida nas mãos dos latifundiários; e esses  esperneiam rebatendo: os Sem-terras só as querem para explorar as riquezas mais fáceis e em seguida vendê-las ao primeiro que aparecer.

O certo é que há latifundiários que cuidam bem de suas posses –  quando nada resguardando as terras para o futuro. Conservam as matas, protegem os animais, enfim, mantêm o ambiente natural. É possível  que por trás de tudo isso haja resquícios de egoísmo, de desnecessária ganância e de planos de um bom rendimento no futuro.

Também entre os Sem-terras há homens dignos de receber um pedaço deste Brasil imenso, para que possam viver dignamente, criando suas famílias. Há gente boa e gente má dos dois lados. O grande problema é decantá-los.

Diante disso, o problema fundiário e o da Reforma Agrária continuam se arrastando num sem-fim de discussões, de angústias e de mortes. Para ser sincero eu, que na maioria das vezes acho que a culpa maior é dos maus políticos, nesse caso, os redimo. De fato, não é fácil lidar com pessoas que agem sempre com segundas intenções; pessoas que têm uma coisa na boca e outra no coração.

Muitos acreditavam que as promessas iriam se cumprir, mas eu estava certo que não. Se o próprio Deus há muito aposentou sua varinha de condão, por que haveria eu de acreditar que nossos políticos iriam realizar esse milagre? Mas, devagarinho, quase imperceptível, o Brasil ia seguindo seu destino de um dia se tornar (pelo tempo que a todas as nações é destinado), um país desenvolvido: uma grande potência.

Aqui mesmo em nosso Maranhão, era criado o Centro de Lançamentos de Alcântara, uma base espacial toda construída por brasileiros e capaz de enviar foguetes com satélites para cobrir todas as nossas necessidades de sinais. Imperatriz, como segunda maior cidade do Estado, lutava para livrar-se de pessoas indignas que, através de seus atos, denegriam sua imagem e punham em dúvida o seu futuro.

Ao tempo que um pequeno grupo matava, outro não maior lutava, tendo como armas apenas a caneta e a expressão. Sérgio Godinho na direção, e Antônio Costa na redação, faziam de “O PROGRESSO” uma arma poderosa no combate aos formadores de cartéis de Imperatriz. Gilmário Café, Jussara, J.C. Machado, Edmilson Sanches, Itamar Dias, Marcelo Rodrigues, Willian Marinho, Dipinho, Aldeman, Gilberto Freire de Santana, João Patrício Viana, Ribamar Silva, Gilmar Pereira, Nilson Santos, Graça Godinho, Jairo Duarte Bezerra e outros mais, ora com suas crônicas, ora com suas poesias, iam resistindo bravamente aos estereotipistas que exportavam nossa imagem de “terra de pistoleiros”.

O incansável Gilberto Freire, a quem a arte e a cultura de Imperatriz já devem uma enorme gratidão  e um eterno reconhecimento, juntamente com outros companheiros de luta, por meio da ASSARTI e do GRULI, sob tetos desabando do hoje Ferreira Gullar e das paredes mofadas do Paço da Cultura, ia tornando possível o aparecimento de cantores, compositores, poetas, atores…, como Zeca Tocantins, Neném Bragança, Henrique Guimarães… dos quais muitos hoje já são reconhecidos nacionalmente.

Através desse foco de cultura, livros começaram a ser lançados: a poetisa Edilamar lança “Raça” e Benedito Batista o livro, também de poesias, “Canto Ocasional”. A essa altura, dezenas de pessoas ligadas ao mundo artístico, levadas pelo entusiasmo, também começaram a escrever. Hoje, muitos livros estão engavetados por falta de condição financeira de editá-los mas, comprovadamente, se todos o fossem, teríamos em menos de 18 anos, bem mais de 100 livros escritos aqui em nossa cidade.

Seria essa nova avalancha que, mais tarde, iria bater de frente com o poder desumano – até então considerado invencível – e, finalmente, suplantá-lo.

CAPÍTULO 36
No dia 14 de março de 1996, fui à minha fazenda no Pará, situada no município de Vila Rondon, no quilômetro 25 da PA-70. A bem da verdade, no 25 fica apenas a entrada, já que até o igarapé Nascente, onde tenho minhas terras, são mais 85 quilômetros de chão batido. Imperatriz vivia o auge do inverno. A ponte sobre o córrego Barra Grande havia cedido em uma das cabeças e muitas barreiras haviam obstruído o aclive da estrada. Aos trancos e barrancos, ganhamos a vicinal da PA-70. Logo na frente, uma cena comum: várias pessoas à beira da estrada.

Apesar de sempre reclamar a presença de gente pedindo carona,  parei o carro e mandei que subissem. No meio do pessoal, um crioulo atarracado, de bigode prolixo, dentes de marfim, todo enlameado e sorridente. Convidei-o a entrar na boléia e logo começamos a nos vasculhar a vida.

 –  Meu nome é João Brás, mas aqui todo mundo me conhece por João Tigre. Sou de Pedra Azul, lá das Minas Gerais – disse-me ele. – Moro logo ali na frente, no Córrego da Prata. Tem muitos anos que moro ali. Sou o quinto dos 18 filhos de Dona Santos Gomes da Silva (Maria do Carmo), a mulher mais velha do mundo.

 –  Aquela de 125 anos, que apareceu na televisão e entrou para o livro dos recordes?

 –  Essa mesmo. Agora ela está morando em Belo Horizonte. Tem mais de 20 anos que não a vejo.

– Pra ela isso deve representar apenas alguns meses – interferi tentando ser espirituoso. Sem entender minha observação, ele prosseguiu:

– Para ser sincero, depois de muito tempo fora fiquei sabendo dela através da televisão. Pessoas que a viram brincaram  dizendo que se parecia muito comigo. Quase caíram de costas quando disse que era minha mãe. Porque viveu demais, ela ficou importante: até no carnaval ela desfilou. No final do ano recebi carta dela e logo, logo vou levar toda a minha família para ver ela outra vez. É, acho que nem posso demorar. Deus já me deu chance demais de ver ela com vida!

 –  Brincadeira!…  –  desabafei. – É inacreditável como este mundo é pequeno! Como eu poderia imaginar que aquela velhinha, que também vi pela televisão, tivesse um filho por estas bandas?

 –  Pois é. Tenho 63 anos e sou apenas o quinto filho. Dona Santos teve 18 filhos, mas apenas 12 viveram. Meu pai era  –  que Deus o tenha  –  um homem viciado na bebida. Todos nós fomos criados pelo trabalho de minha santa mãe. Meu pai saía de casa e passava semanas desaparecido. Quase sempre a gente achava ele caído nas estradas ou nas ruas das vilas mais próximas. Eu até nem consigo entender como minha mãe, com tantos filhos, tanto trabalho, tantos sofrimentos, conseguiu viver tanto tempo. Como o senhor vê, trabalho não mata ninguém não.

 –  Puxa!, eu gostaria muito de ler e tirar uma cópia da carta que sua mãe lhe escreveu.

 –  Eu trago pro senhor. Chegando lá na entrada, eu mostro a casa em que vou deixar. Quando voltar da fazenda, o senhor pega.

Passei 3 dias na fazenda. Foi difícil disfarçar a emoção daquele contato. Quando voltei, fui até à casa indicada e a carta estava lá. Escrita numa folha de caderno, com os punhos cansados da mulher que rompera o século, lia-se:

“12.12.1995  Soudaco

João eu esto liescrevedo somente prada asmia notisa e qerusabe As Suas João vose mada fala comigo eu sepri liamei e vivo moredu di Sadadi di voses choro noiti e dia porcauza di vose eu moro enbelorizoti com geni qui mora na rua mariazone dus Santos nº 152 baro guanabara eu já foi eitrevistada na rede globo e falei tudu pra ujornalista.

Eu resebi mutas vizita logi por cauza da idadi so vose qi não olha prous meu setimetos meus irmãa ja moreu cuais todus so te vivo dois dus mavelhos todus daqi mada lebraça pravose  Agenor e Ageor filho e monica e jeonidis mada Abraço pra vose olha João eu tei muto netos lidus esis os nomi ondimanico Vivilha Viviani loana  as di Ageno e as di jeonidis debora são lidus etis  netos termico um forti Abraco da sua mae qe não lisqese nuca na vida por favo eitrega esta carta Acilira pra mi ta”

Concomitante ao ato de digitar tal qual estava escrito, eu via pequenas e enrugadas mãos rabiscando sentimentos que o tempo não conseguira destruir. Naquele peito arfante, peito que foi manancial de vida, ainda batia um coração de mãe, cheio de saudades, de amor e de ternura. 125 anos!..

Sinceramente, sinto-me um privilegiado por abrir este parêntesis em minha história!

Cada ruga, uma página, uma história diferente. História triste, história sem importância, história feliz: muitas histórias. Hoje é um livro fechado, de folhas amarelecidas pelo tempo: todos o acham ultrapassado. Mas não sabem que é um livro verdadeiro, um livro que conhece os mistérios da vida, esse mesmo mistério que tantos morrem sem desvendar. Tivesse em minha memória registrados, os fatos que ela presenciou; no meu coração, as chagas que a desiludiram; no meu semblante, as marcas cruéis que o tempo impingiu-lhe… Se tudo isso se passasse agora em mim, certamente minha vida seria diferente a partir deste momento.

Maria do Carmo ou Dona Santos nasceu no povoado de Serrinha, no sul de Minas Gerais, e hoje (1998), está morando em Itajubá. Somente aos 100 anos ela conheceu o mar. Em outubro de 1997, no Rio de Janeiro, ela foi recebida pelo papa. Seu aniversário de 127 anos foi comemorado num hospital  onde, fraca, alimentando-se por sonda, aguarda a momento que Deus lhe reservou para deixar este mundo e descansar para sempre.

CAPÍTULO 37
Em 1986, a pistolagem parecia atingir o clímax. Era comum, encontrarem-se corpos crivados de balas pelas cercanias da cidade. Novamente o problema parecia se tornar insustentável e fugia da esfera municipal. Somente até julho, o chamado “Mutirão Contra a Violência” já havia recebido, do Maranhão, 185 denúncias: Imperatriz e adjacências encabeçavam a lista. Pelos exemplos da história, reacendia em mim a esperança de que estava bem próximo o fim da pistolagem desavergonhada e totalmente impune. É que sempre a luta é mais acirrada e danosa quando o fim se aproxima.

Macarrão, filho de José Bonfim, provocava badernas e tiroteios. Mesmo assim, só em abril o delegado Brandão resolveu dar 30 dias para que ele se apresentasse. Ele não se apresentou e tudo ficou por isso mesmo.  A inoperância policial chegou a tal limite que, em maio, Francimar Moreira fez duras acusações ao delegado de polícia de Imperatriz, afirmando que o mesmo tinha ligações comerciais com o então chamado “pistoleiro José Bonfim”.

Eu lia as notícias e ouvia os comentários. Nunca duvidei que todos os baderneiros, ladrões e criminosos, se não são capturados e presos, é porque gozam da proteção de um dos órgãos públicos responsáveis, pagos para proteger a sociedade. Sempre há o apadrinhamento de um político, de um delegado ou de um juiz (ou dos três) a uma pessoa que matou, roubou ou praticou crimes e vive trafegando livremente pelas ruas. Isso é mais claro que a luz do sol em pleno meio-dia de verão.

Hoje, as pessoas estranham ver alguém, acusado de executar uma criança, atender tranqüilamente no balcão de seu comércio; olham atônitos para outro que executou um rival por motivo corriqueiro; ficam perplexos diante da naturalidade de um fazendeiro que contratou um pistoleiro para lavar a honra de um amigo traído…, mas não estranham que Collor, os anões do orçamento, a máfia dos títulos públicos e os milhares de políticos ladrões continuem por aí arrebanhando cartéis e preparando novas investidas contra o erário público e o povo sofrido.

Não estranham ou já se acostumaram com a farsa das Comissões Parlamentares de Inquéritos, que jamais colocaram atrás das grades, pra valer, qualquer um dos maiores ladrões da Nação. Todas as CPIs só serviram, até agora,  para repartir o dinheiro que alguém desviou, deixando como justificativa, alguns mordomos e testas de ferro atrás das grades.

A grande desgraça que assola nosso País é, sem dúvida alguma, os partidos que conseguem maioria e tomam o poder. Eles nomeiam subalternos (delegados, juízes…) que, ante o prestígio da posição e a necessidade do salário, obedecem cegamente às ordens, mesmo as adversas a seus princípios e à sua consciência. E, na hierarquia do poder, chega-se até aos mais baixos cargos, todos obedientes e dependentes das migalhas que caem do comando supremo.

Não foi por menos que hoje, após o hediondo crime de Açailândia, o delegado George declarou: “Os pistoleiros são protegidos por políticos e é exatamente nesse caso que fica difícil a prisão. Olha, enquanto a segurança andar coligada com a política, nada poderá ser feito”.  Uma declaração dessa, se dita até num dos países mais atrasados da África, talvez mobilizasse os aborígines numa reação de protestos. Aqui, porém, como bois que obedecem ao berrante, somos sempre subservientes… ou covardes.

Por enquanto, todo esforço será em vão: nossa safra de políticos está deteriorada, infeccionada… e tudo termina no chulo desabafo popular: Podemos mudar a merda, mas as moscas serão sempre as mesmas.

Em novembro, as manchetes fortaleciam nossa classificação de cidade mais violenta do país: “Na semana passada o comerciante Zé de Paula foi morto a tiros; anteontem um corpo foi encontrado dentro do cemitério, esfaqueado e degolado; ontem mais dois homicídios  –  um por esfaqueamento e outro a tiro  –   sendo que um fazendeiro goiano foi assassinado em plena Avenida Getúlio Vargas, ao meio-dia, por dois homens que circulavam em um Voyage, caracterizando, mais uma vez, um crime ‘de encomenda’. A polícia está desorientada e tem poucas chances de solucionar esses casos”.

O povo sussurrava pelas esquinas e os três sobre os quais  pesavam mais fortemente as suspeitas, desfilavam pelas ruas e eram entrevistados por jornais e pela televisão. Felizmente, a sina do ser humano é se tornar dependente de suas virtudes ou de seus vícios, originando assim os santos, os heróis e os ladrões e criminosos irrecuperáveis. Foi por não parar que a situação foi se tornando insustentável e absurda. Diante de tanta humilhação e descalabro, em novembro, Zé Bonfim era preso em Imperatriz e recambiado para Salvador, por meio da “Operação Albatroz”, acusado de formação de quadrilha, chacina de lavradores no Pindaré, roubo de automóveis e tráfego de cocaína. Alguns de seus parentes foram no roldão.

A cada dia eu ficava mais assustado e temeroso, principalmente quando via gente muito conhecida, companheiros de esportes, sendo acusados de envolvimento em crimes e roubos.

Diante do quadro insustentável, a Polícia Federal foi chamada a intervir.  Os crimes diminuíram rapidamente, mas era apenas uma estratégia dos cartéis com o fito de diluir mais rapidamente a presença de policiais federais em nossa cidade. Ainda estaria longe o remédio que iria debelar em nível aceitável os crimes de uma cidade do porte da nossa. Isso, em qualquer situação e lugar, não se faz do dia para a noite.

Paralelamente, era comentário e manchete de jornais:  “Davi fala”; “Davi distribui alimentos”; “Davi é acusado de matar”; “Davi é acusado de receber propina”; “Davi apela a Sarney por causa da violência (?)”;… Na verdade, jamais os Sarneys se envolveram tanto com pessoa suspeita que lhes desse  mais  retorno que  Davi. Foi graças ao abominável acordo que hoje a simpática e eficiente Roseana tornou-se governadora.  A meu ver, foi um mal que veio para bem.

Usando e sendo usado Davi, até hoje,  representa o maior trunfo para quem deseja se manter no poder em nossa sofrida região. E, como não há objetivo maior para os políticos do que alcançá-lo, pouco irá lhes importar se a ajuda vem de Deus ou do diabo. Mas haverá um dia em que nossos filhos serão esclarecidos; haverá um dia em que um líder inteligente  brotará da cinzas como Fênix, para semear, cuidar e ver florescer, aqui, um pouco mais de paz e de justiça.

 CAPÍTULO 38
Em 1986, os formadores de cartéis descobriram que também para eles havia um limite. O maior mal da impunidade é servir de escola para quem não tem  escrúpulos. Através do mau exemplo recebido, muitos começaram a lutar por aquilo que desejavam, sem olhar nem respeitar a  decência dos meios.

Talvez não houvesse no Brasil um lugar mais propício que aqui para o surgimento de tantos abusos. Encravada entre o Nordeste e o Norte, Imperatriz, bem denominada pelo escritor e acadêmico Agostinho Noleto de “Portal da Amazônia”, tornava-se o esconderijo perfeito para aqueles que jamais acreditaram na Justiça.

Geograficamente privilegiada,  rica em garimpos próximos e em terras férteis, embelezada por  rios e lagoas, a Região Tocantina passou a ser disputada  por aventureiros de todos os naipes. A Igreja Católica foi a primeira entidade a intervir, a protestar e a defender os pobres colonos que haviam desbravado regiões hostis e agora se viam expulsos e mortos por latifundiários gananciosos.

O Bico do Papagaio, conhecido no mundo inteiro pelos fatos que ali se desenrolaram, passou a ser uma região minada e perigosa. A tensão era constante e ninguém, posseiro ou forasteiro, podia garantir a volta ao sair de casa. Enquanto uns eram, literalmente, expulsos de suas terras, outros eram executados em tocaias pelas margens das vicinais.

E foi nessa luta que a Igreja perdeu um de seus mais ferrenhos idealistas: o padre Josimo. Eu descia a Dorgival Pinheiro com uns papéis para fotocopiar, quando percebi correria e alvoroço, bem na entrada do setor de fotocópias. Vi, no meio da multidão, pessoas que carregavam,  apressadamente, alguém com barba e cavanhaque ensangüentados. Um filete escarlate descia pelos cantos da boca.

No outro dia, pelo jornal, fiquei sabendo que se tratava do padre Josimo Moraes Tavares, da diocese de Tocantinópolis,  vigário da paróquia de São Sebastião, na região do Bico do Papagaio, no ainda estado de Goiás. Fora alvejado pelas costas quando subia as escadas do prédio de propriedade da Diocese de Carolina, situada bem no final da Dorgival Pinheiro de Sousa. É incrível admitir, mas também para mim, aquilo não parecia tão surpreendente. Matava-se por qualquer coisa: talvez até pelo desejo de experimentar a arma, quanto mais a quem atrapalhasse planos financeiros.

Não houve aqui um que, protestando  contra os desmandos ou prejudicando os cartéis, viveu em paz: foi expulso, transferido ou morto. A esperança do povo era o milagre da chegada de um promotor duro e justo, cujas denúncias encontrassem ressonância no Judiciário. Eles chegavam mas eram logo transferidos para cidades pacatas, onde não precisassem demonstrar o caráter e a dignidade. Assim foi com Veloso, Oriana, Cutrim, Bastos… Havia uma íntima ligação entre os mandarins do Maranhão e os cartéis aqui instalados. Com certeza, enquanto os focos não fossem eliminados, o problema continuaria.

Após a execução do padre Josimo, o pistoleiro fugiu calmamente. Os presentes puderam, inclusive,  vê-lo e anotar a cor,  a marca e a placa do carro. Pela graça de Deus, o sangue do sacerdote não foi derramado inutilmente. Campanhas e protestos, agora avalizados por altas autoridades eclesiásticas, chegaram aos ouvidos do chamado “xerife” Tuma que, em poucos dias, minou a região com agentes federais.

Mas, como das outras vezes, tudo não passaria de paliativos: um aviso de que estavam exagerando, nada mais. Os implicados esconder-se-iam, quietariam por alguns meses para voltar em seguida e colher os frutos de suas pretensões. De qualquer forma, eu acreditava que quando a cidade crescesse mais, quando aqui aparecessem faculdades e universidades, quando o povo fosse mais educado politicamente, essas coisas iriam diminuir e… mesmo desaparecer. Até que essas coisas acontecessem, muito sofrimento e sangue ainda clamariam aos céus por justiça.

“A situação é desoladora  –  dizia-me um cidadão revoltado  –  pois não há oposição verdadeira e honesta: há sim, um bando de políticos mascarados com siglas diversas, mas todas estas siglas, porém,  subjugadas à dinastia Sarney. É ledo engano imaginar que aqui haja um partido com intenção de promover a justiça. Entra e sai prefeito, e jamais se cobram os roubos e saques que foram feitos ao erário por seus antecessores.”

Sarney, mesmo acusado de proteger com sua benevolência os formadores de cartéis de Imperatriz, imediatamente designou o Ministro da Justiça Paulo Brossard, e o diretor-geral da Polícia Federal, Romeu Tuma, para resolver ou acalmar – não saberia precisar – a revolta da população indefesa e encurralada.

Foram dias de muita apreensão, de muita tensão…, de muita esperança. Cada um dava sua opinião. Dizia “O ESPARÇO”: “Povoamos o nosso Brasil com uma população sem ambição, propensa à desorganização e à marginalidade. Tudo isso, em grande parte, deve-se ao clero que, veementemente, condenou e condena o controle natalício, alegando um pecado que levará ao inferno”. “…a exemplo do padre Josimo, cujos suspeitos, suponho, são tantos quantas propriedades rurais ele mandara invadir”.

E enquanto a Igreja e os partidários dos Sem-terras enalteciam as virtudes de Josimo, cognominando-o de “Mártir da Pastoral da Terra”, a “UDR” rebatia: “Nós nunca tivemos condições de fazer com que as verdades sobre o padre Josimo fossem difundidas. Este homem nunca cumpriu sua função pastoral e passava todo o tempo acompanhado de outras não menos agitadoras, que se dizem freiras, como Beatrice e Madalena, insuflando e promovendo invasões de propriedades privadas e pregando a luta armada”.

Pelos adversários, padre Josimo era acusado de agitador, de promover badernas e invasões, de ser filiado ao PT, de ser amante da ex-freira e agente de pastoral Lurdes Lúcia Goi, de envolvimento na morte de Sebastião Theodoro Filho e de ser autor da frase: “Mais forte do que as leis é a união e a decisão do povo reunido para enfrentar a luta por seus direitos”.

Enquanto acusações eram desfechadas pelos dois lados, era preso em Goiânia o pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa. Confessou o crime e disse ter recebido 50 mil cruzados dos irmãos fazendeiros Osmar e Guiomar Teodoro da Silva. Desceu do avião, deu língua para os repórteres curiosos e disse: “Só quem sabe de mim sou eu mesmo”.

Notava-se nenhuma preocupação. Era como se alguém que não nos conhecesse nos prendesse e entregasse ao nosso próprio pai. As pessoas faziam barbaridades e ainda se vangloriavam. Isso, para mim, era prova  incontestável de que havia uma forte e escusa ligação com a cúpula política de nosso Estado, que manietava polícia e Justiça através da nomeação.

CAPÍTULO 39
Sempre fui um aficionado pela nossa fauna, embora lhe tenha causado uma destruição digna de reclusão. Para maior angústia, fui detentor de quase todos os tristes troféus disputados na cinegética. Para caçar, só não conheci os estados do Sul. Quando ainda se tinha que viajar, pelo Nordeste, 2.800km por estradas de chão, eu saía do Espírito Santo e ia para o Mato Grosso, mais especificadamente para o rio Septuba, no município de Nortelândia.

Entre chão e asfalto, eram 3.128km que cortavam 109 cidades (sem contar as que ficavam um pouco distante da estrada). Voltando, anotei as principais: Nova Olímpia, Barra dos Bugres (rio Paraguai), Jangada, Cuiabá, Jaciara, Rondonópolis (rio São Lourenço), São José do Planalto, Alto Garças, Alto Araguaia, (rio Araguaia), Santa Rita do Araguaia, Cacilândia, Paranaíba, Aparecida; atravessamos o rio Paraná e entramos no estado de São Paulo: Presidente Vargas, Santa Fé do Sul, Urânia, Jales, Fernandópolis, Votuporanga, Tanabi, Bálsamo, Mirassol, São José do Rio Preto, Catanduba, Topinas, Itabobó, Araraquara, São Carlos, Rio Claro, Limeiras, Americana, Aparecidinha, Campinas, Jundiaí, São Paulo, Aparecida do Norte, Guaratinguetá, Itatiaia; aqui penetramos no estado do Rio de Janeiro: Rezende, Barra Mansa, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Alcântara, Tribobó, Araruama, Cabo Frio, Macaé, Campos, Morro do Coco (rio Itabapoama); aqui entramos no Espírito Santo: Iconha, Vitória e, enfim, Linhares, onde eu morava.

Caçadas – juntamente com o futebol – foram duas manias sem as quais não imaginaria viver nos meus tempos de juventude. A primeira, abandonei poucos anos antes de me mudar para Imperatriz; a segunda, em 1995, quando já não havia times para velhos cansados com  55 primaveras nas costas. Mas o importante mesmo foi reconhecer, embora tardiamente, a estupidez de perseguir os alígeros, que só enfeitam o mundo e nos transmitem paz… e a sutileza do Criador.

Comecei, então, a passar minutos extasiado diante de um sabiá-da-mata engurujado, cantando comoventemente sobre a nascente que deslizava para o grotão; a decantar a maviosidade da azulona que chororocava na encosta… e pude formar uma  idéia da extensão de meus crimes contra a natureza. Agora, doía-me ver o “Mané Mineiro” tirar da sacola 23 chororós e se deliciar, contando vantagens da maldita proeza. Machucava-me ver as queimadas irresponsáveis varrendo os campos e os capões de mata,  destruindo todo e qualquer ser vivo. Cheguei a pensar que havia vindo para cá para pagar os crimes que havia cometido contra a natureza, tamanha a dor que me invadia. A satisfação de abater um animal é a mesma que se encontra no adultério: logo após, o achaque de uma grande angústia; a certeza de que o erro não vale a pena.

Do belo e majestoso Tocantins, agora, apenas o lindo pôr-do-sol.  Suas águas devem sentir saudades dos caíques dos Xavantes, Xerentes, Xambioás, Acroás, Caraôs, Naraguagés, Apinagés…; suas remanescentes árvores ribeirinhas, dos imensos angelins, jatobás, paus d’arco… um mundo que fora tão belo e que agora está praticamente  reduzido a amontoados de lixo e a margens esburacadas pela erosão.

No lugar dos caíques aborígenes, temos velozes voadeiras e luxuosos iates; no lugar da sombra da jarana ficou a areia quente das praias; no lugar do mutum preguiçoso que gemia nas margens, morenas esguias a tagarelar; dos bandos de saíras multicores, alguns curiós soturnos, engaiolados e tristes…

Jamais tornaremos a ver o pirarucu distraído mariscando pelos remansos, nem  o dobrar das vergônteas dos uxis sob o peso das ciganas. Foi um mundo que passou: um paraíso que o homem destruiu.

Essa visão que agora me transportava ao passado bem poderia ser a penitência imposta pela natureza, pelos crimes que cometi, contribuindo para afear o mundo. Que a natureza me perdoe… e que o mundo reconheça, enquanto houver tempo, que jamais faremos coisa melhor do que aquela que Deus nos deixou.

CAPÍTULO 40
Como massa gelatinosa entre pedras, “alguns idealistas, como o homem que falava na praça”, começaram a despertar consciências cívicas adormecidas. Agostinho Noleto, William Marinho, Gilmário Café, Marcelo Rodrigues, Aureliano Neto, Sérgio Godinho, Antônio Costa, Edmilson Sanches, Aldeman, José Martins, Etevaldo de Oliveira Alves, Adalberto Franklin, Venâncio da Silva, Antônio Leal… iam acompanhando, noticiando e protestando através dos jornais contra acontecimentos ilegais que ocorriam na região.

Carlos Andrade lança seu “PROCISSÃO DE AVENTUREIROS” e eu me atrevo a lançar o quarto trabalho: “ESTRANHA PASSAGEM”. Era confortador sentir que a imprensa, aos poucos, estimulava e dava mais valor à arte. Antes de 1986, as referências eram diminutas e inexpressivas, difíceis até de serem encontradas num pequeno canto das últimas folhas.  Agora não: com fotografias e tudo, já se tinha quase meia página para ressaltar o acontecimento.

Desde 1982, entocados no Paço da Cultura, no Ferreira Gullar ou em qualquer recinto que encontrassem vago, uma equipe de pioneiros de nossa arte e de nossa cultura (Zeca Tocantins, Henrique Guimarães, Ariston França, Mauro Soh, Ribamar Silva, Goreth, Herinque Barros, Wilson Zara, Tasso Assunção, Fernando Fernandes, Luciney Moraes, Gilmar Pereira, Jucelino Pereira, Horácio Vilanova, Gilberto Freire…) criaram e mantiveram através de supremo esforço, o GRUPO TEATRAL OÁSIS,  o GRULI e a ASSARTI. Acompanhados de outros aficionados da arte, desde então eles vêm minando a fortaleza da violência e da ignorância, e fortalecendo os reais valores que devem responder pelo progresso da região e pelo resgate de nossos reais valores.

Hoje, todas as entidades culturais e literárias de Imperatriz devem reverenciar esses heróis, e eles, a Pedro Hanaye, que, já em 1975, criou o Príncipe Teatro (hoje, Teatro Ferreira Gullar): quartel-general de tantos heróis desconhecidos da população.

Esses heróis, por sua luta, pela determinação e persistência, jamais deverão ser esquecidos. Hoje, março de 1996, quando escrevo este capítulo, já quase não se fala nos velhos “coronéis da pistolagem” e Imperatriz pode gloriar-se de ser – proporcionalmente à sua população – a cidade que mais produz literatura e arte no Brasil.

Mas não foi fácil conservar a vida dessa semente que nossos bravos pioneiros fizeram germinar. Convidado a participar, um dia estive no ateliê deles, numa das salas do Paço da Cultura, hoje sede da Academia Imperatrizense de Letras. Encontrei rapazes e moças vestidos com simplicidade, sujos de poeira e tinta, armando seus palcos, fazendo a decoração, ensaiando diálogos… Sinceramente, não pude furtar-me a um sentimento de pena. Jamais imaginei que iriam conseguir. Conseguiram!… Sem dúvida, as coisas possíveis dependem apenas de nós.

Alguns prefeitos, dizendo-se preocupados com a Educação, ajudavam com remendos efêmeros, paliativos eleitoreiros, próprios de sua maneira de governar: não duravam um ano sequer. Outros, como Davi Alves Silva, honesto ao menos em sua descrença dos valores culturais, nem ao menos tomava conhecimento da existência de tais sonhadores. Sem esmorecer, nossos heróis iam à luta e, graças a isso, mantinham a chama acesa. Eles mesmos saíam pelas indústrias e pelo comércio, angariando fundos para alimentar os sonhos de tirar Imperatriz do caos através da Educação.

Foram eles que mostraram a Edmilson Sanches, Vito Milesi, Adalberto Franklin Pereira de Castro, Dom Affonso Felippe Gregory, Eucário Rodrigues de Oliveira, José de Sousa Breves, José Geraldo da Costa, Jucelino Pereira, Lourenço Pereira de Sousa, Lourival de Jesus Serejo, Paulo de Tasso Oliveira Assunção, Raimundo Jurivê Pereira de Macedo, Sálvio de Jesus de Castro e Dino e Sebastiana Vicentina de Motta Mello, que era possível se criar uma entidade literária com mais peso e maior projeção: seriam eles, sem o saber, os principais responsáveis pelo semente  da Academia Imperatrizense de Letras, que germinaria  em 27 de abril de 1991.

Por causa deles, hoje temos nomes que já avançam fronteiras no mundo da música e podemos acreditar que nossa cultura continua preservada. Mas isso não foi conquista fácil.  Carlinhos Veloz, Wilson Zara, Chiquinho França, Neném Bragança, Zeca Tocantins, Luís Carlos Dias, Henrique Guimarães, Erasmo Dibel…, perseguem o ideal palmo a palmo, desde que os conheci. Em março de 96, José Henrique, Neném Bragança e Zeca Tocantins eram recebidos em Imperatriz quase como heróis, pelo sucesso alcançado na Capital, cantando no Circo Voador. Lia-se em alguns jornais: “A crítica gostou, o público aplaudiu e a galera vibrou com os imperatrizenses”.

No primeiro FABER (Festival Aberto do Balneário Estância do Recreio), diante de uma platéia estimada em mais de 20 mil pessoas, Zeca Tocantins, com o chorinho  “Depois do Tiroteio” – música que enaltecia Imperatriz em contraponto com a violência desenfreada – foi o vencedor. A música pareceu servir de marco transitório entre o arrefecimento dos formadores de cartéis e o surgimento de uma nova mentalidade. Em sua crítica, o então jornalista Adalberto Franklin frisava: “Imperatriz começa a despontar como um pólo de cultura, que até poderá superar a notoriedade da cidade em substituição à violência, que ela carrega como estigma”. De fato, a cidade já estava sendo pequena para nela caberem duas tão grandes forças. Enquanto a mais forte definhava, a mais fraca se fortalecia.

Foi um dó que os festivais tenham resistido, seguidamente, por apenas 5 anos. Mas foram bastantes para demonstrar o valor de nossos cantores e compositores. Depois do primeiro lugar do poeta, cantor e compositor Zeca Tocantins, foi a vez de Carlinhos Veloz (2 vezes), respectivamente com “Imperador Tocantins” e “Eu e a Viola”, seguido de Chico Aafa, com “Cantiga para um Menestrel” e de Erasmo Dibel, com “Filhos da Precisão”.

Depois do espaço aberto, criou-se o FAIMP, que vem tentando substituir o FABER, mas já nem tanto com o calor daqueles primeiros festivais. Como dizia o amigo recém-falecido Werner Bokerman: “Melhor que nada”. O FABER só voltaria a acontecer em novembro1997. Seria fraco, sem entusiasmo. Pouquíssimas pessoas iriam prestigiá-lo. Clauber Martins o venceria com “Canta Brasil”.  Neném Bragança seria o segundo colocado e Luís Carlos, o terceiro.

Pelo mundo, fatos históricos e estonteantes aconteciam. A ciência, guardiã da hegemonia dos  humanos como seres pensantes, dava mostras de irresponsabilidade ao criar monstros indestrutíveis como a energia atômica. E foi assim que a usina nuclear de “Chernobyl” na Ucrânia, cercada por mais  de 50 mil pessoas e tendo mais outras 3,5 milhões a uma distância de 100km, causou o maior desastre nuclear até então registrado na história. Ainda hoje, mutilados do acidente perambulam pela Ucrânia. A Europa toda, ora em maior, ora em menor intensidade, está sendo afetada pelo mal daquele ato inconseqüente.

Talvez por causa disso, Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchev, os dois maiores líderes mundiais, tenham assinado o memorável tratado de controle de armas. Ficou claro que as bombas nucleares em estoque (mais de 400 usinas já se encontravam em funcionamento no Reino Unido, nos Estados Unidos, na França e no Leste europeu), se explodidas, ou mesmo através de vazamentos acidentais simultâneos dariam para destruir nosso planeta 10 vezes. Também foi assunto para reflexão dos afoitos cientistas a explosão da Challenger em sua décima missão, vitimando os 7 tripulantes. Depois desses fatos, eles pararam para pensar um pouco mais. As missões espaciais, por exemplo, só foram retomadas 2 anos depois, com o ônibus espacial Discovery.

O Halley cruza nosso firmamento em sua visita quase secular. Não pude vê-lo e sei que morrerei sem saciar essa curiosidade. Segundo os astrônomos franceses Edmond Giraud e Alain Snette, ele se desintegrará  em fevereiro de 1991. Mas não importa: enquanto ele caminhar perdido por nossa galáxia eu ficarei daqui de meu “asteróide”, alimentando a imaginação e sonhando com os mistérios que só ele conhece.

Como o raro cometa, Airton Senna desponta na Fórmula 1. Hoje vejo que os dois tinham muito em comum: os maiores, mais raros, melhores e mais efêmeros… se os astrônomos franceses estiverem com a razão.

O mundo girava e Imperatriz – um ponto inexpressivo no contexto mundial – ajeitava-se no tempo, buscando na dor, na luta e no sangue de muitos inocentes a solução para seus problemas. Mais uma vez eu me punha a pensar sobre o preço que alguns pagam para o bem-estar de outros. Sempre foi difícil para mim, entender porque alguns têm de sofrer e chorar para que outros sorriam e sejam felizes.

CAPÍTULO 41
1986 foi também um ano marcante no mundo dos softwares  – essa maravilha que funciona sem que saibamos como. Embora ainda trocando as pernas, a menina dos olhos da tecnologia recebia o apoio e a admiração do mundo inteiro. A informática era o assunto e o desejo de todos os países. Os Estados Unidos foram os primeiros a assimilar a técnica.

O computador talvez tenha sido a descoberta comercial mais importante da humanidade. Ele agiliza o trabalho, diverte e facilita a vida de qualquer empresa ou pessoa. Mas, em 86, ele ainda se nos assemelhava às primitivas “maquininhas” de somar. A ignorância técnica dos usuários, somada aos milhares de problemas que qualquer coisa sofisticada sempre apresenta, era motivo suficiente para que a nova descoberta fosse o assunto do ano.

A cada dia que passava, os computadores iam apresentando maior  versatilidade e o mundo, apaixonado, disputava sua tecnologia num afã histérico. Aos poucos, as máquinas de escrever, mesmo as eletrônicas, foram se tornando obsoletas. Somente os países do Terceiro Mundo ainda iriam fazer dela uso por bom tempo. O milagre de se criar surpresas e resolver problemas num simples tocar de uma tecla iria, como se podia claramente prever, transformar-se numa obsessão.

Concomitantemente, no México começava e terminava com muita dor, para o Brasil, a décima terceira Copa do Mundo. O mês de festas juninas foi também o mês de sonhos desfeitos. Ainda não apareceu na terra – para os brasileiros  –  um esporte mais emocionante que o futebol. Para a maioria de nós, os resultados são sempre convertidos em sorrisos ou em lágrimas. E o Brasil, embora não tivesse perdido nenhum dos 5 jogos que disputou, acabou ficando de fora e em quinto lugar, ao ser eliminado por pênaltis pelos franceses.

Lembro-me bem de como nossas ruas estavam enfeitadas: penduricalhos  com as cores de nossa bandeira na maioria das casas; de um lado a outro das ruas, papéis verdes e amarelos tremulavam ao vento; no asfalto, a criatividade dos amantes do esporte nos mais variados desenhos. Mas, apesar de toda a corrente, de todo o entusiasmo, o Brasil voltou mais cedo. Uma hora depois da partida em que o Brasil foi eliminado por pênaltis pela França por 4 x 3, parecia-me enxergar na fisionomia de cada brasileiro uma tristeza só comparável à perda de um familiar estimado.

No entanto, pela graça de Deus, ao mesmo tempo em que as intempéries do final do inverno destruíam as bandeirolas, diluindo-as ao vento, as últimas enxurradas apagavam as tristes lembranças do asfalto. O tempo se encarregava de apagar de nossa alma a dor da derrota. E cada brasileiro, em menos de um mês, já esquecia aquela frustração e passava a engendrar planos para a próxima que viria depois de 4 anos de espera angustiada.

Cada um foi tomando consciência da realidade, voltando-se para seus problemas e os de sua cidade. Imperatriz inaugurava seus semáforos, dando um ar de cidade grande aos visitantes. Como norma ou castigo de tudo o que é ruim e mal feito, eles iriam causar mais problemas do que diminuí-los. Continuamente com defeitos, não era raro carros se enroscarem sob eles, com a alternativa de razão para todos os implicados. Durante mais de ano, no lugar de somar pontos, aquela sucata ultrapassada passou a ser uma marca registrada de quem a colocou. Haverá um dia  – assim espero – em que nossos governantes porão a mão na consciência e não mais abusarão de quem vem de longe, sem almoço e andando a pé, para sufragá-los numa urna, na esperança de que sejam honrados, honestos, idealistas e cumpridores de seus deveres.

O plano cruzado, nos estertores da morte, ainda era o lenitivo para a classe espezinhada desde o descobrimento do Brasil. Dilson Funaro, seu criador, não fosse ministro de um presidente que via na hegemonia do poder seu principal objetivo, talvez tivesse tido maior sucesso. Sem meios e pulso suficientes, o senhor José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, nosso advogado, jornalista, escritor e presidente José Sarney, continuou permitindo a anarquia e os abusos políticos.

Ainda lembro quando o Senador Chiarelli, relator da comissão parlamentar do Senado que investigava casos de corrupção no governo federal, denunciou 29 pessoas. Entre elas, o presidente Sarney e muitos ministros eram acusados de liberação de recursos públicos e de favorecer determinados grupos privados para a prestação de serviços ao governo federal. Como sempre aconteceu até agora, o processo foi arquivado. Menos mal, pois evitaram-se escandalosos gastos com a farsa de reuniões extraordinárias e CPIs para engabelar o povo. É bem verdade que, pelo poder, mais tarde, eles destituiriam Collor. Toda aquela pantomima não passou de uma encenação alardeante para corruptos: o Brasil, em termos de moralidade, em nada mudou.

Sarney foi naqueles dias o que ainda hoje é: um homem calmo, privilegiado pela oratória, um estrategista que antevê suas chances de continuar no poder, sem se importar tanto com os rumos da nação. Não impôs qualquer ação mais dura para impedir tantas aberrações. Foi complacente demais para quem tem a obrigação lógica de ser enérgico. Com a retórica que possui, com a experiência que tem, se fosse enérgico, desprendido e sincero, teria sido certamente o presidente que todo o país gostaria de ter.

Seu poder de persuasão é tão marcante que, quando ele esteve em Imperatriz para dar uma força ao Fiquene, que estava se vendo em apuros com o Renato Moreira, meu cunhado Vicente comentou: “Fiquene já é o prefeito de Imperatriz”! Suas palavras têm o dom de convencer e só mesmo pessoas afinadas a um raciocínio mais acurado são capazes de decantar a falta de sinceridade. Não foi por outra razão que, em seu primeiro ano de governo, o Brasil conheceu uma inflação de 255,16%, o que desencadeou o Plano Cruzado.

Acreditando ainda na era dos milagres, Sarney extinguiu a correção monetária, instituiu o Índice de Preço ao Consumidor, congelou os preços, estabeleceu o gatilho salarial e terminou a ilusão com o golpe inconseqüente do seguro-desemprego: aberração contraditória de quem pregava um país com justiça social. Contudo, foi um sonho bom para muitos…, e como todo sonho é uma brincadeira do inconsciente, logo acordamos. Jamais haverá qualquer coisa que dê certo se a intenção for espúria. Não há sinceridade em nossos políticos: o egoísmo infectou a classe.

Em decorrência disso, logo as mercadorias começaram a desaparecer das prateleiras, os fornecedores começaram a cobrar ágio…, a inflação disparou. Aos trancos e barrancos o governo manteve o congelamento até às eleições, e o povo, inocente, mesmo diante da clarividência do fracasso, preferiu iludir-se mais uma vez, mantendo-os no poder.

CAPÍTULO 42 
A inflação começou a fugir do controle; a carne desapareceu dos açougues. Muitas mercadorias só eram conseguidas através do famigerado ágio dos oportunistas; daqueles que também jamais se preocupam com o País ou com a sorte de seus irmãos. Sem pulso para frear os abusos o governo com sua equipe econômica logo pensaram em novos planos: alguma coisa que pudesse justificar a escolha deles como os melhores para salvaguardar os interesses do povo.

Nosso prefeito, como Collor em seu tempo e, atualmente, Fernando Henrique Cardoso, vivia viajando. Jamais o progresso repetiu tanto a manchete “FIQUENE CHEGA HOJE”, do que no ano de 1986. As charges e críticas eram constantes: “Alô!!! Fiquene? Você tem certeza de que é você mesmo? Ah! é INTERURBANO, né? só podia ser… eu sei, o LAGO SUL é fascinante… que clima, heim? Calma, eu sei que é uma viagem de TRABALHO, todo mundo sabe; afinal de contas é aí que está o mapa da mina, né? O quê? Estão fabricando o MURO DE ARRIMO aí para depois trazê-lo para Imperatriz? De caminhão? Não? Ah!… no TREM DA ALEGRIA do Cafeteira? Você hoje tá que tá; até parece que está feliz com a candidatura do Ildon Marques. Aliás, você sabia que estão dizendo  que você é o mentor intelectual disso tudo? Calma, olha a descarga de adrenalina; não perca a linha… credo, é só a gente falar nessas coisas que você fica todo assanhado… mas eu não te conto a última… calma, não fique nervoso… o Luís Rocha disse que vai apoiar  a Prefeitura em termos de dinheiro, mas você terá que ficar com o Castelo para governador… calar a boca por quê?  Estou falando demais? Isso era segredo? Uai… desligou!”

Também a posição irredutível do interventor Ildon Marques que, por sinal, no exato momento em que escrevo este capítulo está entregando o cargo ao senhor Dorian Menezes, já era, em 1986, conhecida: “Ildon Marques mais parece uma folha de CEBOLINHA, enxertada com QUIABO: não tem lados e escorrega mais que pau de sebo”.

Na verdade, para obter recursos de fora, nada melhor do que pleiteá-los. Tudo isso seria normal e até louvável, não fosse a má aplicação dos empréstimos conseguidos. Como Imperatriz, depois de Fiquene, teve a desdita, ainda, de cair nas mãos de Davi e Salvador, acabou por ser conhecida e reconhecida como uma cidade saqueada, sem ruas, sem higiene, sem educação, sem saúde…, sem o mínimo de infra-estrutura: um caos.

O que veio de recursos  (segundo os jornais) para Imperatriz na administração Fiquene, certamente daria, pelo menos, para que as obras de seu governo fossem feitas para durarem alguns séculos. Na época, porém, mais que agora, política municipal podia ser definida como a arte de conseguir tanto quanto fosse possível para fazer o que bem entendesse. E nessa particularidade, muitos de nossos prefeitos foram exímios administradores. Não é por outro caminho que, vindos do nada, alguns deles hoje estão enquadrados entre os homens mais ricos do País.

A meu ver, o maior pecado de Fiquene, como político, é a subserviência cega aos Sarneys. Esse tipo de fidelidade exagerada tolhe a personalidade e sempre é prejudicial e nefasto para qualquer político. Acredito que todos saibam disso, mas para eles o mais importante sempre será ganhar o pleito. Para tanto, unem-se a criminosos, a ladrões, a tudo o que possa ajudá-los a vencer. Fosse apenas isso, não seria tão mau. O pior é que, as pessoas inescrupulosas não fazem nada de graça. Logo vem a cobrança, a troca de favores e, um pouco mais, todo tipo de corrupção.

Hoje, os nossos políticos se misturam de tal maneira que nos é até difícil, se não impossível, separar os que não prestam dos que prestam para alguma coisa.

Ontem, numa conversa informal com um desconhecido que tomava um café na lanchonete de minha cunhada, fiquei sabendo que “o apoio clandestino que Davi e Fiquene se retribuem é sempre em troca da aprovação das contas escusas um do outro, já que há anos fazem rodízio no poder usando e abusando dos recursos que deveriam ser públicos.”

Eu continuo achando que o mais imoral em certos políticos é a péssima aplicação que fazem dos recursos. Se as poucas obras que constroem  fossem sólidas e bem feitas, não haveria tanto do que reclamar. A catástrofe maior aqui em Imperatriz é que tudo o que tentaram fazer, fizeram-no pessimamente, o que acaba dando mais gastos e trabalho para recuperar depois. Por isso, hoje temos escolas desabando, Beira Rio desmoronando, esgotos entupidos, asfalto esfacelado, pontes caindo, ginásios servindo de abrigo a marginais…, enfim, um caos total. Das obras do Projeto Cura, cujos gastos, no papel,  foram astronômicos, pouco resta funcionando hoje.

Poucas cidades no Brasil tiveram a oportunidade que Imperatriz teve de ser a mais bem estruturada e a mais bela: poucas cidades têm hoje o estigma de ser a mais violenta e mais suja. Sarney sempre foi muito generoso com seu Estado, disto jamais poderemos duvidar.  Tanto mandou dinheiro para cá, como investiu na cidade através de seus parentes mais próximos. O grande problema sempre foi a aplicação escusa de tais recursos.

Visitou várias vezes a cidade e talvez tenha tido a infelicidade de entregar sua fortaleza política a soldados gananciosos demais. Mesmo assim, por se encontrar numa zona privilegiada, distando, aproximadamente, 600km  de outros grandes centros, Imperatriz caminha  para seu grande destino: o de se tornar a maior cidade do Norte-Nordeste.

Feliz ou infelizmente, mais um ano passou. Por bem ou por mal, com roubo ou sem ele, os que sobreviveram continuam mantendo a esperança de que um dia apareça um idealista, um homem que resolva trocar a efemeridade do falso prestígio, por um nome perene no rol dos verdadeiros benfeitores de Imperatriz.

  CAPÍTULO 43
Professor titular do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Membro da Classe Corresponding Fellow da AOU, The American Ornithologists’ Union; a Corresponding Member of the Sociedad Venezolana de Ciencias Naturales. Membro do Club des Explorateurs e Voyageurs Français. Membro fundador da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza. Membro do Conselho de Valorização de Parques Nacionais e Reservas Equivalentes, do IBDF,  Ministério da Agricultura. Bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas. Membro de muitas outras instituições e associações científicas do País e do exterior. É detentor de 14 medalhas de ouro, várias de mérito nacional, honra ao mérito, todas em função de suas atividades científicas. É autor de várias obras sobre Botânica, Zoologia e Ecologia, tendo publicado mais de 400 trabalhos; tem participado em congressos nacionais e internacionais, com apresentação e aprovação de todas as suas contribuições aos mesmos. É engenheiro agrônomo. Tem o curso de bacharelado em Direito. Curso da ADESG. Todos obtidos e realizados no Brasil, durante os anos de 1940-1970….

Não fosse a fantasia que os títulos representam, dir-se-ia que fui companheiro de um dos homens mais importantes do mundo. No auge de minha obsessão pelos tinamídeos, conheci Augusto Ruschi, detentor dos títulos acima. Capixaba, conterrâneo, também dependente da ornitologia, viveu para os animais e, podemos dizer, morreu por eles.

Era uma figura excêntrica e esdrúxula, como quase todo cientista. Quando morava no Espírito Santo, tinha eu,  no fundo do quintal, um viveiro com mais de 200 tinamídeos, muitos levados para lá de Rondônia, Mato Grosso, Pará, enfim, de todo o Brasil. Na esperança de completar a coleção, tornei-me um expert em reproduzir seus piados e a capturá-los. Isso valeu-me conhecer cientistas ligados à ornitologia, como o diretor do Parque Zoológico de São Paulo, Werner C. A. Bokerman; o diretor da Zoo-botânica Mário Nardelli,  Pedro Mário Nardelli e o conterrâneo Augusto Ruschi – para citar os mais importantes.

Hoje, 3 de junho de 1986, fico sabendo que, enfim, ele não resistiu a uma “cirrose virótica”, falecendo no Hospital São José, em Vitória, capital do Espírito Santo. Não era de muita conversa mas, se o assunto fosse passarinhos, ele se transformava num tagarela incorrigível. Lembro bem de quando um dia, ao atender à porta, senti um calafrio a me correr pela espinha. A  minha frente, um senhor de uniforme cáqui, acompanhado de outros tantos, também devidamente uniformizados.

Era o cientista Augusto Ruschi. Queria apenas alguns pássaros de meu viveiro para seus estudos no museu de Santa Teresa. Diante de minha relutância em entregar-lhe aqueles que eu já amava como se fossem meus filhos, ele me pediu uma máquina de escrever emprestada e, ali mesmo, escreveu:

“MUSEU DE BIOLOGIA PROF. MERLO LEITÃO – SANTA TERESA – ESP. SANTO :

Augusto Ruschi, diretor do Museu de Biologia Merlo Leitão, portador da carteira de cientista nº 19, emitida pelo IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, autoriza pela presente, o senhor Livaldo Fregona a capturar para o referido museu acima citado os seguintes pássaros: macuco, inhambus, jaós e aracuãs. Santa Tereza, 26 de julho de 1971. Augusto Ruschi”

Para ser sincero, capturar pássaros foi uma doce mania que me fez perder muitas noites de sono. Imaginar que alguém entrasse numa floresta e voltasse depois de algumas horas com um macuco debaixo do braço era qualquer coisa que ninguém acreditava. Foram centenas de tentativas fracassadas, desde as primitivas arapucas àquilo que hoje chamo de quase perfeito: um simples lacinho de nylon que se carrega na palma da mão. Para quem não conhece, os macucos são as aves mais ariscas da floresta. Mesmo um exímio caçador se sente realizado quando consegue abatê-lo a tiro. Imagine entrar na mata com um pio e um lacinho,  e duas horas depois voltar com ele debaixo do braço!

Depois de um mês em Mato Grosso com 17 auxiliares, o saudoso Werner me escrevia: “Tudo o que conseguimos foi quebrar o pescoço de uma azulona (macuco) que dormia no poleiro”. Enciumando-o eu dizia que podia capturar até oito tinamídeos em oito horas. Num belo dia, quando menos eu esperava, baixou em Linhares  um avião da Orniex, vindo de São Paulo com o Werner e mais dois donos de criadouros dispostos a comprovarem. Eles queriam ver para crer. Viram e creram.

Pois bem, hoje dói-me sobremaneira a perda desse amigo e grande homem. Seres humanos que dão a vida por um ideal estão praticamente extintos em nossos dias. Viveu estudando os animais. Apesar de tanto saber, era simples a ponto de se submeter às pajelanças  dos caciques Raoni e Sapaim, que usaram fórmulas primitivas para  retirar do seu organismo a peçonha adquirida do sapo Dendrobata, manipulado por Ruschi, para estudos, na Serra do Navio, no Amapá.

Pareço ainda ver os noticiários mostrando o cientista estendido numa maloca, sendo defumado por ervas medicinais. Como ainda hoje acontece, ninguém conseguia entender como um homem tão inteligente se prestava a tão primitivo cuidado. O certo é que ele mesmo admitiu que, se não fosse aquele tratamento, ele seria condenado a uma morte lenta, progressiva e dolorosa. A ele, em nome de todos que doam a vida por algo tão puro como estudar a natureza, minha saudade e meus votos de que Deus dê a ele um vale florido onde possa descansar ouvindo o canto dos colibris.

 CAPÍTULO 44
“Enquanto a Prefeitura não tem acesso ao imposto que lhe é de direito, a paisagem urbana de Itaituba se deteriora a olhos vistos, acarretando aos visitantes desavisados  perplexidade diante do singular contraste entre o lixo nas ruas e as 130 lojas de compra de ouro espalhadas pela cidade”.

Quem fazia esse desabafo era Alberto Magalhães, secretário municipal de Itaituba. Ficava claro que os absurdos não eram privilégio apenas de Imperatriz. O exemplo dado pelas  nossas autoridades, sempre cautelosas em combater aquilo que tanto praticavam, incitava a todos a se defenderem como pudessem. E nisso o brasileiro é bom aprendiz. Percebendo a falta de seriedade dos políticos e sabendo que ninguém pode exigir o que não pratica, a maioria da população sonegava, praticava o contrabando…, usava a lei de “Gerson” plena e constantemente. Resultado: um Brasil anarquizado.

No caso de Itaituba, estipulou-se uma arrecadação de 1 bilhão de cruzados, enquanto a Prefeitura recebia de retorno pelos negócios das 130 lojas que compravam ouro, a insignificância de 100 mil cruzados  mensais. A diferença do imposto era sonegada. Segundo os lojistas, era apenas uma questão de opção, ou seja, se os impostos devidos deviam ser entregues aos políticos ou permanecer com eles.

Serra Pelada continuava a via sacra de sempre: um intercalar ininterrupto de especulações. Não obstante a Companhia Vale do Rio Doce tentasse por todos os meios obter a mineração para si, os milhares de garimpeiros, determinados e persistentes, jamais cediam às pressões. A luta sempre fora uma constante, desde 1981. Para explicar a justa ganância de qualquer um, basta dizer que só o “rejeito” dos garimpeiros – aquela terra de pouco ouro que escavavam e jogavam fora – segundo estimativa, continha mais de 30 toneladas de ouro, o equivalente a 300 milhões de dólares.

A Vale do Rio Doce, solidamente baseada na impossibilidade da garimpagem manual que já havia causado 50 mortes, lutava para retirar os garimpeiros da região; os garimpeiros, sem outro emprego, obcecados pela profissão e sonhadores eternos de um enriquecimento rápido, não se importavam com o que dizia a Vale nem com o que lhes pudesse acontecer.

Milhares de pessoas, quais formigas incansáveis, literalmente removiam a montanha. No lugar, uma cratera cercada de íngremes barrancos, ameaçadores como um lunático de metralhadora na mão. Mas os garimpeiros não olhavam para cima, não pensavam: não queriam olhar nem pensar. Numa persistência inglória, sempre que a coisa ficava insustentável, eles lutavam denodadamente até conseguir que o governo cedesse, dando-lhe, ainda que precárias, condições para que continuassem sonhando. Assim, conseguiram uma prorrogação por mais 2 anos. Foi reaberto em agosto.

O entusiasmo cegou ainda mais os garimpeiros, que invadiram todos os recantos, não se importando nem com as regiões de grande risco. Em outubro, o pior: um grande desmoronamento na parte conhecida como “Terra Preta” soterrou centenas de garimpeiros, levando muitos deles à morte.

Diante das perspectivas de novo fechamento por causa do grave acidente, os garimpeiros vivos logo trataram de culpar a firma que rebaixou,  o sindicato, o governo federal e o estadual…, tudo e todos, com o fito de salvaguardar suas esperanças. Houve motins, conflitos armados, invasões na delegacia e na sede do sindicato. O saldo foi mais alguns mortos nos tiroteios. Mas, com briga ou sem ela, com mortes ou sem elas, Serra Pelada iria continuar ainda por muitos anos. O sonho houvera sido bom demais para terminar num simples decreto. O ano de 1986 terminou nessa demanda.

Nesse tempo, a gente já não fazia parte do mutirão sedento de riqueza fácil. Imaginávamos, então, como fora possível nos iludir tanto! Só agora percebíamos que em cada mil garimpeiros 1 apenas enriquece. Os demais, normalmente, perdem o que possuem: uns até a família e a vida.

CAPÍTULO 45
Ao mesmo tempo que o chamado Grupo dos Sete e a União Européia compensavam a Ucrânia com 2 bilhões de dólares para que fechasse a Usina de Chernobyl, responsável pela morte de 152 mil pessoas, o Instituto de Pesquisas da Amazônia afirmava que também os estados do Norte, principalmente o Amazonas, seriam afetados pelo maior acidente nuclear do planeta, principalmente pela ingestão de produtos contaminados. Embora  a usina tenha sido coberta com argamassa de cimento, hoje vejo pelos jornais que grandes rachaduras estão acontecendo e que, mais uma vez, a inconseqüente ação humana põe em risco a vida saudável do planeta.

A guerra iniciada em 1980 entre Irã e Iraque (mais por causa do medo de vingança  de Khomeini à Saddan Hussein, que havia apoiado os movimentos que culminaram com a expulsão do líder iraniano, do que propriamente por qualquer ação concreta de Khomeini) ia tomando proporções assustadoras. Em vista da inimizade, o Iraque temia que lhe fosse bloqueado o transporte de petróleo pelo Golfo Pérsico. O que a princípio pareceu apenas a realização de uma catarse doentia a respeito do incontrolável espírito bélico dos muçulmanos…, mais tarde iria amedrontar a humanidade sensata com a possibilidade de uma terceira guerra mundial.

O mundo iria passar esquivo por mais essa ameaça, mas apesar do avanço cultural e tecnológico, apesar de os seres humanos, a cada dia, parecerem mais evoluídos, nunca estaremos livres do inferno das guerras. Isso só acontecerá no dia em que o egoísmo de alguns países for derrotado pelo bom senso e pela fraternidade. Enquanto os seres humanos não absorverem a verdade de que somos irmãos, de que todos sentem os mesmos desejos e têm as mesmas aspirações de uma vida digna, o mundo estará sujeito a sofrimentos e catástrofes inesquecíveis.

Além desses dois fatos, as constantes viagens do papa João Paulo II talvez tenham completado o terceiro mais importante fato do ano de 1987. Karol Wojtyla, nosso João Paulo II, tomou posse em outubro de 1978, em vista da morte prematura do sucessor de Paulo VI, João Paulo I. Ele é o primeiro papa não italiano desde o século XVI. Conservador em questões morais, está tentando acalmar a ala progressista da Igreja. Foi dessa ala que surgiu a Teologia da Libertação, pregada, principalmente, pelo frei Leonardo Boff. Por causa da maneira infrene com que Boff e seus adeptos começaram a pregar a opção pelos pobres, várias vezes o Papa teve que intervir.

Inversamente a seu conservadorismo moral, manteve as relações diplomáticas em níveis satisfatórios.  Por mais de 30 vezes ele já esteve viajando, visitando todos os países possíveis. Embora não escapasse mais tarde de atentados e de escândalos, como a falência fraudulenta do Banco Ambrosiano, João Paulo II, sob meu ponto de vista, foi o Papa de que a Igreja Católica estava precisando para despertar de seu comodismo.

Mas como tudo que fazemos se torna eterno, embora adormeça por séculos, também as tentativas da ala progressista não foram totalmente sufocadas ou em vão. Aliás, não me pareceu essa a intenção do Papa. Sua luta era para impedir o radicalismo e a pressa exagerada, que sempre são perniciosos a qualquer intento.

Os religiosos, por causa da proteção e mesmo da participação de muitos padres e bispos na luta pelos pobres, mormente os Sem-terras, ocasionaram  sérios distúrbios à Igreja Católica. Pelo eterno egoísmo de muitos de se acharem diferentes, de se considerarem únicos no desejo de possuir bens e viver dignamente, os conflitos estavam deixando, para trás, um rastro de sangue. A luta pela Reforma Agrária tem sido uma guerra constante para que haja mais justiça na divisão daquilo que deveria ser de todos: a imensidão de terras do País.

A luta é justa, sim, embora muitas vezes, não, os meios. Do mesmo jeito que percebemos a ganância de alguns latifundiários, não nos tornamos cegos ante os especuladores e aproveitadores: verdadeiros incentivadores de invasões injustas com o fito de levar alguma vantagem; do mesmo jeito que há terras improdutivas e que devem ser repartidas com quem tem o desejo de viver e criar seus filhos nela, há outras que são criminosamente saqueadas por autômatos, manipulados por facções políticas que tentam desestabilizar qualquer regime ou partido que esteja governando.

E, assim, numa verdadeira bagunça institucional, igrejas e governos  vão tentando aplicar a lei aleatoriamente, intercalando justiças e injustiças numa verdadeira barafunda. Infelizmente, essas convulsões político-religiosas parecem ser uma constante em todos os países que buscam sua acomodação social. Nunca irei entender, mas a história parece ser pródiga em demonstrar que o sangue é sempre o exigido para a solução.

Muitos se revoltam e dizem que deixaram sua religião por causa da intromissão de padres naquilo que não é da conta deles. Na verdade, jamais qualquer igreja perdeu um só de seus fiéis por causa de qualquer tomada de posição. Os verdadeiros cristãos – como é óbvio – seguem os ensinamentos de Jesus Cristo e não há, literalmente, nada que possa desfazer sua convicção. Todo aquele que se revolta e tenta culpar padres e pastores por sua apostasia não passa de um hipócrita que, finalmente, tirou a carapuça. Não há como misturar Deus e os homens. São infinitamente diferentes.

A pressa dos sem-terra é apontada pelo governo como insensata e  a demora deste, como abusiva e cruel. E nesse jogo de empurra que se arrasta há mais de 50 anos, centenas de inocentes vão perdendo a vida. Infelizmente, nada se consegue (parece uma constante não só aqui, mas em todo mundo) sem sangue. O preço da justiça, embora não devesse ser assim, sempre foi a vida de muitos inocentes… e de muitos idealistas. O mundo ainda não atentou para o cruel embuste de que, acima das leis humanas  há uma força maior, representada pela trilogia: ganância, egoísmo e poder. Milhões já foram exterminados, varridos da face da Terra, simplesmente por discordar dessa verdade.

CAPÍTULO 46
Com a economia atingindo níveis claros de  hiperinflação,  e com o tempo das eleições ainda um pouco distante, o governo fazia das “tripas  coração” para manter a farsa do sucesso do plano econômico. Foi diminuindo os salários e aumentando os funcionários: o famoso empreguismo diante do qual país algum consegue progresso e estabilidade.

“Na explosão apocalíptica da carestia – terrível bumerangue atirado pelo plano da inflação zero, o Brasil consegue, em apenas 45 dias, desmontar todas as conquistas da população de baixa renda no congelamento redistributivista do ano passado. Os 70 milhões de brasileiros que vegetam no rodapé da pirâmide social estão perdendo no salário defasado (com gatilho e tudo) e no emprego atrofiado. O esmagamento da camada inferior da população começa a exibir os primeiros sinais da sinistrose real: a recarga súbita dos índices da violência urbana ou da criminalidade de rua.”

Os bancos pagavam 45% ao mês a quem deixasse o dinheiro aplicado. Enganosamente, parecia não haver melhor negócio. A classe média entrou de cabeça, vendendo os bens e aplicando o dinheiro. O Brasil caminhava para a bancarrota. E Sarney, mesmo percebendo o mal que fazia ao País, continuava, criminosamente, o jogo. Pacote sobre pacote, ministro após ministro… ia ludibriando o povo, fazendo-o acreditar em seus propósitos. Funaro – a quem reservo o direito de boas intenções  – ao ter conhecimento do embuste político, retirou-se decepcionado; Bresser não passou de piada: antes que 1987 se despedisse, ele o fez primeiro. E para Sarney, nunca os dias devem ter sido mais longos.

Quando protesto contra tais descalabros, certamente não me refiro, senão, ao contexto geral. Para o Maranhão, direi sempre:  o Brasil não mais terá um presidente como José Sarney. Foi um dó que tivesse confiado a raposas o cuidado de seu galinheiro.

Minha revolta maior sempre se fundamentou no egoísmo de alguns políticos. De qualquer forma, penso que quando uma coisa tem solução e esta  não é encontrada, a culpa se deve a quem comanda. Conter a inflação, punir os culpados, promover a justiça…, tudo isso é possível. O que falta é honestidade e capacidade de quem comanda. Que seria mais justo  e louvável do que a  humildade em reconhecer as limitações? Que patriota é esse, que amor tem à terra em que nasceu, aquele que prefere destruí-la com sua incapacidade, saqueá-la com sua ganância a passá-la a outrem?

Há pouco tempo, fui recriminado por causa de minha revolta diante de tantos desmandos políticos. Ora – disse-me um político derrotado – como reclamam se vocês elegem os que não prestam?

Em princípio, a idéia faz sentido, porém nem tanto, se imaginarmos as tristes opções que nos são oferecidas  e também a possibilidade de eu ter sido um dos derrotados. Quem poderia me acusar de ter eleito o demônio, se o capeta era seu adversário? A safra com a qual vivemos é a pior da história. Praticamente não temos escolha: se corrermos o bicho pega; se ficarmos, ele come.

A situação está se tornando tão grave que já é praticamente impossível termos um homem honesto no poder. Às vezes aparece um novato: um Collor da vida. Enchemo-nos de esperanças, e quando ele chega ao poder, revela-se um ladrão mais refinado que os já conhecidos.

A sorte deste país ainda é o tempo exíguo de mandato. É graças ao esforço supremo de se manterem no poder que, de quatro em quatro anos temos a sorte de algumas obras eleitoreiras. Quase sempre inacabadas ou acabadas de qualquer jeito, mas as temos. Mesmo enganados, vivemos um curto tempo de esperanças e de relativo progresso.

CAPÍTULO 47
Em 1987, a Constituinte: a sétima desde a Independência. Nosso país que, desde de 1985, houvera sido devolvido aos civis não parecia ter tido melhor sorte do que nos 21 anos de militarismo. O que muitos cognominaram de tempo de opressão não tem de mim o pleno aval. Houve alguns excessos de moralização por causa da censura exagerada, assim como os há agora de liberdade excessiva, através de demonstrações agressivas à moral em nome da arte e da livre expressão. Não saberia precisar qual a mais danosa.

Até hoje não tenho notado qualquer melhora. Se houve corrupção no militarismo, agora ela continua, com a única diferença de ser mais livre e totalmente impune. Na justificativa de “tropeços de transição”, Sarney foi o presidente que mais permitiu a degradação da Justiça. Até os dias de hoje, a imensa corrupção que grassou em seu governo, afetando a quase totalidade dos políticos, não teve como ser controlada.

E assim, sob vaias e protestos, em março, a Constituinte era instalada. No plenário, gente passeando, rindo e batendo papo, como se definir os direitos e os deveres dos cidadãos fosse brincadeira sem importância. A televisão mostrou parlamentares discursando ao vento, enquanto a balbúrdia de descaso, e mesmo vaias, ecoavam pelo plenário.

Nossa última Constituição foi a mais vexatória de todas. Com os políticos preocupados apenas com eles mesmos e permitindo a pressão de classes interessadas na hora das votações, ela não podia deixar de retratar, senão, um país recém-abatido, entregue ao repasto de vilões. Pouco se pensou na Pátria. A preocupação era angariar a simpatia dos lobistas para não perder os votos da respectiva classe.

É simplesmente revoltante a hipocrisia de muitos políticos! Aprovaram para si benefícios e direitos; instalaram o famigerado empreguismo, confirmaram a criminosa estabilidade no emprego público…, inventaram um paraíso ilusório impossível de ser mantido por qualquer nação séria. Nossa Constituição acabou se transformando na mais terrível forma legal de se praticar a injustiça. Por causa de tudo isso e de muitos outros absurdos, até hoje vivemos na luta inglória de desfazer todas aquelas irresponsabilidades praticadas por aqueles, escolhidos por nós para agir exatamente ao contrário.

O Brasil saiu das mãos dos militares, definidos com todos os difamantes adjetivos, e veio para mãos civis: faltam-nos adjetivos, porque outros ainda piores devem ser acrescidos ao nosso vocabulário de insatisfação. As coisas continuam do mesmo jeitinho de sempre, senão, piores. Não há um mês que não estoure um escândalo; não houve até agora, um ladrão de “colarinho-branco” na cadeia… ou mesmo que tenha devolvido um pouquinho do que surrupiou. Vejam como andam nossos políticos acusados, hoje, no exterior, ou, falando mais perto de nós, em Brasília.

Quando se denunciou o atraso com manchetes garrafais, dizendo que “brigas pelo poder atrasavam a formação das comissões”, alguémretrucou: “Com efeito não é o parlamento um lugar reservado pela sociedade para que os diversos grupos “briguem” por suas idéias e seus interesses?”

Em minha santa ingenuidade política, jamais irei concordar com certas coisas que me parecem prerrogativas, não só do Brasil, mas do mundo inteiro. Não consigo entender como apenas uma classe imponha o que é melhor para os índios, para os agricultores, para a Educação, para a Saúde etc. Temo morrer assim!

Na minha maneira de ver as coisas, uma constituinte deveria ser formada por alguns representantes de cada setor: médicos, advogados, sertanistas, políticos, professores, cientistas, industriais… Se assim o fosse, todas as vezes que se votasse alguma coisa, enquanto o interessado  “puxasse a brasa”, haveria outros tantos para retirá-la no caso de ser injusto. Por ser formada apenas de políticos é que  vivemos a revolta de ter de admitir que legislem em causa própria estabelecendo, para si, salários e regalias exorbitantes. E o pior é que nada se pode fazer senão espernear, porque é lei, lei que nós, covardes idiotas, permitimos que aprovem todos os dias.

Se a Constituição é um pacto político que define a organização do Estado e fixa os parâmetros mínimos para o funcionamento da sociedade, certamente a última parte foi cumprida. Hoje, o povo mostra sua revolta com assaltos, seqüestros, drogas e crimes, sem nunca entender que seu direito foi castrado no dia em que permitiu que outros estabelecessem o que lhe poderia ser melhor.

Foi nesse ano que um político inteligente e sem escrúpulos, notando a carência do povo, aproveitou-se para investir em sua revolta. Vendo a classe política desacreditada, os desmandos acontecerem, conhecendo a fundo aquilo que ele mesmo praticava, Collor de Melo tirou do monte de entulho uma pequena parte da corrupção que grassava, usando-a para iludir o povo com a possibilidade de moralização.

Denunciando os inesquecíveis “marajás” e atacando o presidente Sarney como fraco e pusilânime, ele descobriu o slogan que o faria  escrever mais uma página triste de nossa história. Todo político que, como Jânio Quadros com a “vassoura”, Davi com as “sacolinhas”, Collor com os “marajás”…, descobrem algo que mexa com a emoção popular, certamente vencerá as eleições. O povo, sempre ingênuo e de curta memória, jamais deixará a mania de se iludir.

CAPÍTULO 48
“Se longe é um lugar que não existe, este é o rincão a que não resisto.” Com estas palavras o professor José Geraldo da Costa terminava seu depoimento a respeito da criação do Maranhão do Sul. O surgimento desse novo estado nunca estivera tão iminente. Até ele, sempre descrente e desconfiado, entregou-se à euforia do momento. O movimento que se criou nesse sentido, talvez tenha sido um dos raros em que a sinceridade parecia sobrepujar os  interesses pessoais e egoísticos.

Naquela oportunidade – 6 de maio de 1987 – ele já falava como Coordenador do FÓRUM TOCANTINO, uma entidade civil sem registro em cartório, mas fundamentada e mantida graças à determinação de mais de 40 entidades de classe: sindicatos, associações profissionais e de bairros, lojas maçônicas e clubes de serviço. Mal sabia ele que aquela semente, mais tarde, através do empenho do advogado Ulisses Braga, iria comandar o mais importante movimento político da cidade de Imperatriz.

Políticos de todos os partidos se mobilizaram e até o nosso hoje acadêmico José Geraldo da Costa, sempre com um pé atrás quando se trata de acreditar ou não na boa intenção de nossos poderes constituídos, iludiu-se. O movimento chegou a tal ponto que em maio, numa reunião ocorrida na Câmara de Vereadores de Imperatriz, com a participação de uma plêiade selecionada de pessoas de nossa cidade, o deputado Siqueira Campos, relator da Subcomissão dos Estados na Assembléia Nacional Constituinte, ousou arriscar: “Neste ato e nesta ocasião, está aprovada a criação do Estado do Maranhão do Sul”.

Sinceramente, eu também acreditei. Se foi mais uma trama política, foi a melhor que arquitetaram até agora. Ninguém chegou, sequer, a desconfiar de qualquer farsa. Nossos jornalistas apregoavam a irreversibilidade do processo e aqueles que, como Cafeteira, demonstraram frieza ao movimento, era execrado sem piedade. Em 1987, sonhamos alto…, e caímos pesado. Gente de todos os naipes, do mais alto político ao mais humilde gari, sonhou transformar Imperatriz na mais nova capital da Federação.

No dia 22 de maio, estive no Juçara Clube: tornava-se difícil não ser contagiado por aquela comoção social. Muitos ficaram de pé. Dezenas de oradores falavam e eram aplaudidos, mas nenhum o foi como Edmilson Sanches, que propalara aquilo que o povo desejava ouvir. Não bastasse, estava imune ao nosso crivo da suspeita político-partidária. Davi, um dos grandes batalhadores pela criação do Maranhão do Sul, em sua eterna preocupação em ser considerado o mentor da idéia, alongou-se tanto em seu discurso que muitos começaram a se retirar do recinto. Seu nome foi proferido por ele mesmo 47 vezes.

Mas, como tudo o que é bom dura pouco e todos os que sonham acabam acordando, já em julho a certeza não era tão grande. Políticos oportunistas como  Lobão e alguns outros, notando que o Planalto e o Palácio dos Leões eram contra e que o tiro poderia sair-lhes pela culatra, esfriaram, preferindo ficar em cima do muro. Os otimistas, porém, apregoavam que o processo era irreversível e que seria em vão qualquer esforço para impedi-lo.

O tiro de misericórdia veio mesmo em novembro, quando aquilo que nos parecia, pela primeira vez, união política, apresentou o que sempre vimos: interesses particulares, inveja e tudo o que acontece  quando algum político suspeito resolve participar de um ato digno. Cid Carvalho chegou a dizer e os jornais noticiaram: “Esta proposta, na realidade, parte dos que querem fazer um bazar eleitoral no Estado: esta é uma medida eleitoreira.”

E assim, sem fugir à regra, mais uma vez o povo via seus sonhos serem desfeitos ante a ganância, o interesse e a vaidade política. No auge dessa vaidade, Davi teve a petulância de dizer: “Eu preciso que este Estado seja criado. Será um presente de aniversário que esta Comissão me dará.” O emprego da primeira pessoa, quando tantos estavam lutando pelo mesmo ideal, sacramentaria o fracasso. Com cada um querendo para si os louros da conquista, os que sentiram que estavam ficando de fora perderam o interesse: o apregoado interesse de lutar pelo povo e pelo bem de todos.

E a Constituinte que iria aprovar ou não  a criação de novos estados, notando em alguns apenas um famigerado interesse político-partidário, acabou considerando apenas os pedidos do Amapá, de Roraima e do Tocantins.

Se a classe política tocantina fosse mais unida; não houvesse nela o eterno interesse de levar vantagens; se se despojasse da vaidade do “eu fiz”; se aquelas palavras que andavam dizendo fossem sinceras e honestas, certamente hoje Imperatriz seria capital do Maranhão do Sul. Mas, como sempre acontece em qualquer frente em que políticos se engajam, o “ou eu ou ninguém” se fez valer mais uma vez. Como prêmio da ganância e do egoísmo, a eterna subserviência aos caprichos de São Luís.

E a memória curta dos eleitores deixaria de funcionar mais uma vez, sufragando Lobão quase em massa na eleição seguinte. Assim foi e, infelizmente, parece que assim sempre será. Não tenho nada contra ninguém, mesmo porque não vejo escolha. Por mais meticulosos que sejam nossos critérios, o máximo que podemos conseguir é eleger “um menos ruim.” Encontrar um político idealista, totalmente voltado para o bem comum, não está sendo nada fácil… nem com boa lupa.

CAPÍTULO 49 
Em abril, Sarney autoriza o Ministério dos Transportes a iniciar as duas maiores ferrovias do País: a Norte-Sul e a Leste-Oeste. Por iniciar, entende-se aqui, o lançamento da concorrência e a elaboração de documentos.  Essa seria sua obra faraônica, aquela que o tornaria imortal como mentor. Como tantos sonhadores, também ele imaginou receber as obras prontas no prazo exíguo de 2 anos. Até parecia desconhecer os entraves que seriam suscitados por aqueles que não iriam levar vantagem.

Já em maio, na primeira concorrência, fortes indícios de fraude. O próprio presidente anula e manda que se abra sindicância. É que na luta pela divisão do bolo, as empreiteiras se uniram, achando que, com as facilidades existentes, melhor seria ficar com menos do que sem nada. A Norte-Sul já começava assim, dentro das normas, infelizmente vigentes, da imoralidade.

O povo esperneia, os políticos do contra reagem. São tantas as prioridades que talvez a maior delas fosse criar um ministério para julgá-las. Falta de  estradas vicinais, de porto, de navio, de asfalto, de saúde, de transportes urbanos, de educação…, meu Deus!, só mesmo um iluminado para filtrar entre tantas necessidades, a prioridade justa.

Aproveitando o primeiro indício de corrupção, Joelmir Beting investiu: “A Ferrovia da vergonha não passa pelo teste da moralidade. O escândalo da concorrência fraudulenta, denunciado pela ‘Folha de São Paulo’, amarrota a discussão da viabilidade técnica e da oportunidade econômica do projeto. A anulação da licitação das empreiteiras, pilhadas no jogo de cartas marcadas, não basta para resgatar a idoneidade administrativa do governo. É preciso realizar um inquérito digno do nome. Com a punição exemplar de homens e empresas comprovadamente envolvidos na bilionária falcatrua.” Como percebem, Joelmir também gostava de encerrar seus comentários com sarcástico humor.

Mais uma vez as velhas ameaças, as tais que, em 500 anos da descoberta de nosso País nunca deram em nada. Só acreditarei que este País mudou no dia em que eu ver um político ou um homem de grande riqueza metido por longos anos na cadeia após comprovação de desonestidade. Até lá sei que não irei viver: até lá, tentarei fugir da Justiça como talvez não o tente dos marginais. Antes que se escandalizem com isso, peço apenas que rememorem os milhares de casos de corrupção denunciados até hoje contra essa gente e depois me respondam, quantos pagaram seus crimes na cadeia… ou mesmo foram forçados a devolver o que tomaram indevidamente.

A VALEC, administradora do projeto, principal suspeita nas falcatruas, foi convidada a responder a inquérito administrativo. Isso foi o mesmo, como disseram alguns, que “escalar o vampiro para tomar conta do banco de sangue”. Acordo daqui, acordo dali, enfim, elegeu-se a Comissão Parlamentar de Inquérito, tendo à frente um dos  maiores incentivadores da Norte-Sul, o senador João Menezes. Estava claro e assim o foi, que tudo daria “em pizza com sobremesa de marmelada” e que a ferrovia iria ter suas obras iniciadas. Mudaram apenas as precauções, a fim de evitar que os dissidentes descobrissem e criassem problemas.

Que a Norte-Sul é importante; que nós, como maranhenses devemos eterna gratidão a Sarney por isso e por tantos outros investimentos, inclusive em nossa cidade; que ele jamais esquece a terra em que nasceu; que é um luxo para quem vive no Maranhão saber que, atualmente, ele é o mais influente político do Brasil…,   tudo isso é mais que verdade. A única coisa de que não podemos nos orgulhar é de seu excesso de condescendência ao governar. Penso que Deus, ao dar a um homem o dom de ser líder, certamente não esqueceria a fibra e o pulso para desempenhar bem a função que lhe foi confiada.

Esquecendo-se disso, enquanto ele demonstrava sua generosidade ao Maranhão, o Brasil ia se afundando na desorganização e no descrédito internacional. A hiperinflação rondava ameaçadora, e nós, o povo, mais nos parecíamos com formigas envenenadas:  desorientados, sem direção, sem entender o que estava acontecendo.

Diante de tanta coisa errada, tantos roubos e desmandos, a situação começou a se tornar insustentável. Nem o dinheiro para sanar os juros de nossa astronômica dívida externa havia mais. Foi então que muitos políticos tido como honrados (Ulisses Guimarães, por exemplo) começaram a pensar num calote àqueles que nos haviam emprestado, imaginando que o faziam a um país sério. O dinheiro vindo – pelo menos a maior parte dele – sempre fora rateado inescrupulosamente. As obras  foram apenas iniciadas, o retorno não aconteceu e agora, ao invés de se punirem os culpados readquirindo o dinheiro desviado, achavam melhor deixar os credores vendo estrelas e o nome do País na lama. Graças a Deus, pelos méritos de alguns mais sensatos ainda continuamos deixando em dúvida a afirmativa de que não somos um país sério.

Haveremos de acentuar aqui o desabafo de Dom Eugênio: “No Brasil coexistem duas realidades. Uma revela todo o progresso e pujança desta Nação. Os números o comprovam. A outra mostra a corrupção, o empreguismo, a ausência de dignidade. Imensa riqueza, a par de negra miséria. Evidentemente há algo errado e, em conseqüência, um forte apelo à emenda desses desvios.”

 CAPÍTULO 50
O Brasil e o Maranhão iam driblando seus eternos e constantes problemas. Imperatriz, minúscula demarcação onde moram meus sonhos, ia também se transformando. Não que os crimes tivessem parado ou, sequer, diminuído, mas sim porque, paulatinamente pessoas honestas e de peso moral, intensificavam seus protestos e denúncias. Já não era tão simples assassinar alguém em praça pública e continuar caminhando pelas ruas como se nada tivesse acontecido. Morre Raimundo Lima Bonfim, irmão de José Bonfim, sempre acusado de roubos e assassinatos; Macarrão, seu filho, é preso, juntamente com um irmão… A família toda parecia acuada. Começou então mais um velho filme sem inovação alguma. De antemão eu sabia que todas aquelas prisões, depoimentos e ameaças faziam parte da trama para engabelar os ingênuos que esperam sempre que a justiça seja aplicada a todos.

Mais adiante, (como sempre acontece), fugiriam das prisões, seriam recapturados, fugiriam novamente… Passariam o resto de seus dias caçados, impiedosamente, como animais perigosos. À angústia de viver assim, talvez fosse melhor a prisão.

Davi, sempre responsabilizado pelos opositores como mentor de tudo o que de ruim acontecia na cidade, agora era tido como suspeito de participar da morte de um tal de Ventão, pois o Monza preto utilizado no crime era de sua propriedade. Sabia eu que tudo aquilo não passava de manchetes para vender jornais, mas mesmo assim vivia curtas esperanças de que o povo, timidamente, começasse a reagir.

Embora crimes aqui fossem comuns, um muito especial chamou-me a atenção. Foi o bárbaro assassinato do advogado recém-formado, José Guimarães Júnior, filho do advogado, pastor e assessor jurídico do prefeito Fiquene, José Guimarães Sobrinho. Segundo os jornais, “Ele era o caso típico do mocinho de boa família que vira bandido. Seu passado foi marcado por ações criminosas, que lhe valeram o apelido de “Lonely Blue”, quando ainda morava em Brasília, onde foi processado por assalto à mão armada, formação de quadrilha e outros crimes. Em Imperatriz respondia a processo por tráfico de drogas, estupro e roubos de carro..

 Eu o conhecia bem! Passei 4 horas  seqüestrado por ele, o pistoleiro Jane e o irmão. Embora houvessem roubado um Opala de minha propriedade,60 mil cruzados em dinheiro, uma caneta de ouro, um revólver e diversos talões de cheque, fiquei devendo ao Júnior a minha vida. Foi ele – e disto nunca esquecerei  – quem impediu que eu fosse executado. Fiquei sabendo depois – que, escalado para executar-me, atirou no chão e correu para o carro dizendo que a missão estava cumprida. Era noite escura e chuvosa e os outros dois não puderam ver nada, pois já se encontravam no carro com o motor ligado.

Mas, enquanto essas coisas aconteciam diariamente e os autores continuavam pelas ruas, coisas que em relação às piores poderiam ser desconsideradas, estranhamente, eram rigorosamente punidas. E foi assim que o  radialista  Manoel Cecílio acabou indo passar uns tempos em pedrinhas, acusado de envolvimento com a venda de maconha.

Nesse tempo, eu trabalhava com meus familiares em Buriticupu. Hoje (e peço desculpas por esses apartes que me concedo), vésperas de um acontecimento político de grande monta aqui em nossa cidade, assisti a uma entrevista feita com o deputado Luís Vila Nova. Com seu chapéu de palha costumeiro, fez-me lembrá-lo alguns anos antes, quando era tido na região do Pindaré como agitador e cabeça de todas as invasões de terras que lá aconteciam. Até hoje fico imaginando como tem gente que dá tanta sorte em manter-se vivo. Pelo que eu ouvia de fazendeiro a ameaçá-lo, sinceramente, seria generoso garantir-lhe a vida por mais uma semana. No entanto, ele sobreviveu, venceu na política e hoje parece estar convergindo dignamente sua luta aos menos favorecidos da sorte. Menos mal! Afinal, esta é a luta digna de todos nós pecadores.

Ao mesmo tempo,  Davi, acusado de tudo o que de errado acontecia em Imperatriz, caminhava sozinho e tranqüilo pelas ruas de nossa cidade. É possível que se sentisse um leão nas estepes do Serengheti.

Esperto politicamente como sempre foi, ele sabe que Imperatriz já não é o campo ideal para seus “investimentos”. “Lugar de coronel é nos sertões” e já falam as más línguas que ele anda investindo em lugares bucólicos onde ainda é fácil encontrar poleiros para cantar de galo, maravilhando galinhas grotescas e intimidando galos covardes. Meu amigo me segredou que lá para as bandas do Pará o nome dele já é bastante conhecido. Velha raposa que é, a suspeita faz sentido.

Imperatriz, à revelia de seus inimigos, cresceu muito. As pessoas estão ficando cada vez mais esclarecidas, os movimentos de bairros e a presença do Fórum da Cidadania e da Sociedade Civil Organizada, são-lhes entraves consideráveis. Quanto a Davi, a dinastia Sarney mais o engole do que apóia; mais o explora do que respeita. Diante de sua decadência política, certamente ele será preterido, sacramentando definitivamente seu enterro político por estas bandas.

No dia 25 de junho de 1987,  Davi, de Brasília, garantia: “Um político que apresente um projeto sem pretender tirar proveito pessoal com a sua execução, não é político: é burro e não merece ser votado.” Referia-se à luta pela criação do Maranhão do Sul, onde, certamente, ele contava ser o primeiro governador.

CAPÍTULO 51
Em outubro, os jornais estamparam uma foto onde, entre muitos políticos, via-se a figura inconfundível e irreverente de um dos maiores jornalistas do Maranhão: Vitor Gonçalves Neto, hoje patrono de um dos  fundadores da Academia Imperatrizense de Letras, acadêmico Edmilson Sanches.

Poucos jornalistas considerei mais livres que ele! Escrevia o que lhe vinha à cabeça e não hesitava em dizer o que pensava, ainda que fosse a alguém que lhe fizera qualquer benefício ou favor. Por causa disso, até os amigos o temiam.

Uma de suas crônicas mais interessantes foi dirigida a Eugênio de Barros, amigo de infância que venceu na política, chegando mesmo a governador do Estado, quando o convidou a fazer parte do secretariado. Não obstante, nunca houve jornalista que criticasse tanto o governo! Tratava o governador  de você, o que Barros detestava; contou pra Deus e o mundo que o então governador “chegara a Caxias montado numa jumenta e trazendo uma tabuada no bolso da bunda”; que “Caxias seria sempre uma merda enquanto o povo se lembrasse de que Gonçalves Dias ali havia nascido” e, finalmente, para sacramentar seu atrevimento e irreverência, publicou a ousada quadrinha popular que lhe valeu a exoneração: “Adão foi feito de barro/de barro bom e batuta/mas esse Ogênio de Barro/ô barro filho da puta”.

Embora escrevesse essas coisas, não deixava de visitar o amigo sempre que possível. Sem jamais entendê-lo, Barros o recebia, oferecendo-lhe uísque importado ou cachaça Sucupira, dependendo de seu estado de espírito. Sem fraquejar em seu ponto de vista, mesmo quando, aos 90 anos, Barros morreu no Rio de Janeiro, ele deu fim à intriga, dizendo que ele fora um bravo e que, como tal, viraria estrela e brilharia para sempre em nosso firmamento…, mas que fora bom que “seu corpo fino não fosse sepultado em Caxias”.

Nosso Estado e, principalmente, nossa região são pródigos na arte de produzir literatura. É com muito orgulho que hoje faço parte desta plêiade que torna a Região Tocantina, em termos relativos, o espaço físico onde mais se publica obras literárias. A coisa parece estar no sangue do povo maranhense, porque, mesmo contra o descaso político oferecido a todos os que se dedicam à arte em Imperatriz, ela consegue sobressair quando comparada às demais cidades da Nação.

No ano de 1987, a gente já podia ler páginas inteiras de “O PROGRESSO”, dedicadas a crônicas, contos e poesias, como “In Mural” “Página de Cultura” e “Janela Literária”, encabeçadas, entre tantos, pelos obcecados membros da Assarti e do Gruli,  Gilberto Freire de Santana e Ribamar Silva, que nada deixavam escapar sobre cinema, música, cultura, televisão, teatro, shows, arte e literatura. Víamos o caxiense José Matos Vieira, aqui residente desde 1966, recebendo o título de Cidadão Imperatrizense, por fundar a Tipografia Violeta e o primeiro jornal de nossa cidade em 1970:  o “O PROGRESSO”; escritores lançando livros, como A MENINA SEM NOME, JABINO: O PREDESTINADO… e, por fim, a segunda tentativa de se criar uma Academia de Letras.

Ainda na década de 70, fora feita a primeira tentativa frustrada de se ter aqui uma Academia. Na época, o professor Benedito Batista, o jornalista Sebastião Negreiros e o poeta José de Ribamar Fiquene chegaram a fundá-la. No entanto, por problemas políticos, ela teve vida curta. Agora, estava sendo feita a segunda tentativa, novamente desacreditada por alguns  e até chamada de “pretensiosa” pelo jornalista Edmilson Sanches. Mas, quais nuvens que forçam  a aridez do deserto, a idéia ia avançando, para em 1991, fazer chover a realidade dos sonhos. O próprio Sanches  encabeçaria o movimento.

Mas, se tanta coisa boa estava emergindo ou, pelo menos para Imperatriz, despontando como esperança, mais adiante, a Literatura Brasileira sofreria um dos mais duros golpes de sua história: morria em Itabira, sua cidade natal, Carlos Drummond de Andrade. Ele e José Chagas certamente representam os expoentes            da poesia brasileira. Pela graça de Deus, ainda não ficamos totalmente órfãos, porque José Chagas vive… e com muita saúde. Quase que concomitantemente, outro duro golpe literário nos vinha de Recife, onde aos 87 anos de idade, falecia o pernanbucano e autor de “Casa Grande e Senzala”, o sociólogo, pintor, antropólogo, historiador e fundador do Instituto Joaquim Nabuco, Gilberto Freire.

Do lado religioso, no dia 29 de julho, o “L’Osservatore Romano” anunciava a criação definitiva da diocese de Imperatriz, dirigida interinamente pelo simpático bispo de Carolina, Dom Alcimar Caldas Magalhães. Em seu lugar veio o gaúcho de Estrela, Dom Affonso Felippe Gregory, escritor, filósofo, poliglota… que até então exercia seu ministério como bispo auxiliar do Rio de Janeiro. Imperatriz, antes e depois, ficou esplendidamente servida.

Dom Gregory, parecendo-me bastante liberal, desenvolve sua opção por maior justiça, tentando dignificar os menos favorecidos pela sorte. Apóia a Reforma Agrária de maneira sensata, lutando por maior compreensão de ambas as partes, com o fito de solucionar o problema sem que o preço seja a vida de muitos inocentes. Com sua experiência, luta contra o descaso político que sempre permite que os Sem-terras busquem seu quinhão através de invasões indiscriminadas e que os proprietários defendam com armas, até mesmo terras improdutivas.

Sabia que Imperatriz ainda não se libertara da violência e que, para ser morto, bastaria prejudicar alguém que não tivesse o escrúpulo de puxar o gatilho. Fora assim que o padre Josimo se despediu mais cedo deste mundo…  Disso o bispo não esquecia.

 CAPÍTULO 52
Bem no comecinho de 1987, Fiquene dá uma entrevista e enumera as obras que seriam executadas ao longo do ano: “Serei enérgico com o material e com as construções  nas ruas; irei asfaltar as ruas da cidade, pois tenho já para isso duas usinas de asfalto: a quente e a frio; a praça Mané Garrincha receberá a estátua do craque; instalarei 16 postos telefônicos nos povoados; entregarei 100 salas de aula com capacidade para absorver mais 15 mil matrículas; darei 2 ambulâncias ao setor da Saúde; reativarei o programa “O povo merece”; cobrarei com rigor o ISS e o IPTU; combaterei a violência com a ajuda do governador; implantarei a Escola Agrotécnica; darei à cidade um Corpo de Bombeiros; instalarei um distrito industrial a fim de diminuir a poluição no centro da cidade e cercanias e, finalmente, darei aos imperatrizenses o tão esperado cais do porto. A verba pra isto já foi liberada…”

Muitas outras coisas Fiquene, ora apenas começou, ora entregou mal-acabadas. Os semáforos, por exemplo, estavam instalados, mas viviam mais apagados e dando problemas do que apresentando-se como solução para os inúmeros acidentes nos entroncamentos de maior movimento.

O certo é que sempre faltou a Fiquene a preocupação para com a infra-estrutura no que manda executar. Não sei se pela pressa, ou por falsa idéia de economia… ou coisa pior, as obras são sempre muito ruins, acabando por se tornar num problema ainda maior do que sua ausência. Não fosse isso e também a quase doentia subserviência ao grupo Sarney, certamente ele poderia ficar na história como nosso maior e melhor político. O visual é sempre efêmero: o que perdura é a solidez e o funcionamento.

Mesmo com tantas promessas, as ruas viviam cheias de lixo; os entulhos das obras de construção, espalhados pelas calçadas e a violência continuava espalhando o terror pela cidade. Imperatriz comemorava seus 135 anos de vida e pouca coisa parecia ter mudado quanto à violência. É que os “coronéis” que aqui se instalaram desde os primórdios só agora começavam a sofrer algum tipo de represália através de seguidas denúncias, principalmente dos órgãos de comunicação.

Muitos dos graves problemas de Imperatriz nunca foram resolvidos devido à amizade espúria entre políticos gananciosos, policiais apadrinhados, Justiça autômata e por aí afora.  Em maior ou menor escala,  sempre há ligação entre determinados bandidos importantes que nunca vão para a cadeia, com políticos, juízes, policiais, e pessoas  financeiramente bem sucedidas… É que dificilmente os gananciosos se livram dessas amarras e ligações. Não é por outra razão que ainda hoje se diz que “rico não vai para a cadeia”.

Por isso é inútil qualquer CPI que envolva membros da corja. O tal “rabo preso” impedirá sempre que haja justiça. É o juiz que foi nomeado graças à intercessão do pai do bandido; é o policial que está no posto por nomeação do tio do implicado; é o pedido do amigo rico que lhe socorreu financeiramente… E aí é escolher entre a honra e o emprego.  Não é por menos que, tão logo apareça alguém honesto, alguém que brigue por isonomia e equanimidade, é deposto, transferido e até morto. No entanto, não perco as esperanças. Sei que, embora lentamente, o povo irá tomando consciência de sua omissão, lutando mais e  mais por seus direitos e dificultando mais as tramas diabólicas.

CAPÍTULO 53
O futebol sempre exerceu um doce fascínio sobre mim. Desde criança, eu achava que o mundo seria incompleto se os ingleses não o tivessem inventado. Ainda hoje, se fecho os olhos, posso ver-me em milhares de campos espalhados por grande parte do Brasil. Sinceramente, se fosse possível emendar todos os quilômetros que corri atrás de uma bola, certamente  daria  para completar dezenas de voltas em torno da terra.

Dos 5 anos de idade – quando me lembro de ter visto uma bola pela primeira vez – até aos 56, três vezes por semana, ora treinando, ora em campos de pelada, ora em jogos oficiais, eu pratiquei, religiosamente, esse esporte. Por causa dele, nunca fumei, nunca ingeri bebidas alcoólicas, nunca perdi noites, sempre evitei alimentos não compatíveis e jamais usei qualquer tipo de drogas.

Hoje, estou aqui juntando troféus para oferecê-los ao confrade Cícero Marcelino de Melo, autor de “Becos da Vida” e pároco de Cidelândia. Durante meio século, fui juntando lembranças de proezas, conseguidas no frescor da juventude. Os anos se passaram e, de repente, comecei a receber taças pelos feitos que havia realizado e não pelos que estava realizando. Era hora de parar.

Como nunca me apeguei a nada que não use ou utilize, achei por bem entregar os que restavam ao pároco de Cidelândia, para que ele substituísse as etiquetas e voltasse a oferecê-los a outros atletas: jovens que retomavam, com sonhos e entusiasmos, o mesmo caminho que, religiosamente, trilhei.  Se não foi uma ação sensata a meu esforço passado, foi ao menos à minha realidade presente, onde aqueles troféus só estavam servindo para acumular poeira e me fazer espirrar. Entendo que as coisas só justificam a existência até o momento em que são úteis. Com certeza, alguns jovens irão erguê-las novamente, cheios de felicidade.

Até 1987, embora eu sentisse a cada dia que as forças me abandonavam, continuava em campo. 87 foi também o ano em que Imperatriz teve seu melhor time de futebol, quase chegando ao título estadual. Por isso, todas as vezes que havia jogos no Estádio Frei Epifânio d’Abadia, num cantinho qualquer do lado esquerdo das arquibancadas, estava eu lá, juntamente com meus sobrinhos.

Nessa época, o James, que eu sempre chamava  para ajudar a Laminadora Paraná F. C.  quando o adversário era forte, estava em plena forma. Não esqueço o dia que o Imperatriz jogava uma partida contra um dos times mais fortes da capital, tendo entre os espectadores o presidente do Flamengo do Rio de Janeiro. É que a fama do James já corria fronteiras e os grandes clubes já estavam de olho.

O James se saiu muito bem, fazendo, inclusive, um belíssimo gol de fora da área. Dias depois, ele estava treinando na Gávea. Mas, como a vida é cheia de surpresas, ou porque, segundo os supersticiosos, melhor para ele era não ficar lá, acabou retornando alguns meses depois. Frustrado,  ainda jogou um pouco de tempo nos clubes de nossa cidade, deixando em seguida, o futebol. Foi um dó que não tivesse a virtude da persistência, porque na verdade, ele desperdiçou um grande dom dado por Deus.

Retrocedendo ao passado, eu me via na figura do James, como alguém que Deus agraciou com um dom, mas que não foi digno de recebê-lo. Quando eu estudava em Belo Horizonte, nosso seminário jogou uma partida de futebol contra os juvenis do Atlético Mineiro. O Seminário do Calafate abrigava mais de 500 seminaristas e não é de se estranhar que entre tantos jovens se pudesse formar uma boa equipe.

No final do jogo que ganhamos por 2 x 1, um baixote calvo me procurou na surdina e me passou um cartão no qual me convidava para comparecer na quinta-feira seguinte ao estádio do Atlético Mineiro. À época eu não tinha consciência do tipo de futebol que jogava.

A tentação foi grande! Tanta que acabei mentindo ao reitor e, juntamente com um amigo inseparável, hoje engenheiro do DNER em Belo Horizonte,  consegui uma licença para ausentar-me do internato na quinta-feira à tarde. Jamais irei perdoar a sensibilidade ou o escrúpulo de minha consciência, pois não consegui passar pelo portão do estádio. Estava modelado de tal forma que, se tivesse treinado naquele dia, talvez me sentisse mais condenado que Calvino na época da excomunhão. Por isso, voltei, desisti. Como o James, não fui digno do dom com o qual Deus havia me presenteado.

Naquele tempo, porém, eu achava ter vocação para ser um sacerdote secular. Perdi a oportunidade de fazer o que mais gostava na vida, exatamente por não ter descoberto a tempo que não havia nascido para ser padre. Talvez seja por essas distorções que tanto me ative em tentar  entender os desígnios de Deus. Hoje, porém, mais conformado, aceito a vida como ela é e já não lamento o passado. Acho a vida linda e são raros os motivos que me impedem, temporariamente, de brincar, sorrir e agradecer a Deus por haver nascido.

CAPÍTULO 54
Em 1988, a briga pelo ouro dos garimpos teve uma trégua forçada. O governo, através da Companhia Vale do Rio Doce, pretendia (e ainda pretende) vencer os garimpeiros através do cansaço. O tempo sempre favorece aos mais fortes financeiramente.

Mas o governo estava certo de que isso não aconteceria a curto prazo. Os garimpeiros são a classe de trabalhadores mais persistente e determinada que se conhece. A busca de ouro e pedras preciosas tem a magia dos sonhos, a terrível e ao mesmo tempo doce ilusão das surpresas: a eterna esperança de que, numa picaretada milagrosa, estampe-se a realização de todos os seus sonhos e fantasias.

Desde que os filões de Serra Pelada foram descobertos, o governo vem procurando um meio de afastar de lá o trabalho manual. Até agora não conseguiu… e certamente terá que esperar ainda um bom tempo. Muitas já foram as tentativas, mas os garimpeiros, determinados, ainda que ao preço da própria vida, defendem o direito de sonhar.

No começo do ano, o primeiro conflito. Segundo notícias – diga-se de passagem  muito sensacionalistas – quase 100 garimpeiros foram mortos numa represália da polícia em Marabá. O presidente da junta que dirigia o garimpo, Nelson Marabuto, denunciou o massacre. O governador do Pará, Hélio Gueiros reagiu, dizendo que era mentira e que não aceitava a intromissão de forasteiros em sua área. Aconteceram, como é de praxe, acusações recíprocas e, no fim, tudo ficou como estava: os garimpeiros com seus mortos; os acusados da chacina,  livres de qualquer pena e Serra Pelada lá, como uma deusa satânica, estendendo os braços a quem quisesse sonhar. Como se fosse uma réplica moderna da esfinge grega, podia-se pressupor que suas entranhas guardavam labirintos cheio de ouro, e a fatídica máxima: “Ou me ache, ou te devoro.”

A Vale não menosprezava o faro apurado dos garimpeiros, que eram unânimes em afirmar que havia muito mais ouro pelos derredores de Serra Pelada, do que propriamente onde estavam trabalhando. Com métodos sofisticados, os técnicos da Vale tinham certeza disso e procuravam, estrategicamente, impedir que os garimpeiros confirmassem essa suspeita.

Hoje, tudo isso já veio à tona e não adiantou o tempo nem os documentos, pois os garimpeiros ainda lutam por aquilo que chamam de “seus direitos”. Com certeza, acontecerão mais mortes – todas elas impunes – mas, no fim das contas, a Vale extrairá, sossegadamente, todo ouro que foi descoberto pelos garimpeiros.

Para ser sincero, não sei a razão que envolve a ganância desmesurada de muitos homens. Seria mais racional, mais coerente com quem pensa, admitir que as coisas que Deus deixou para todos fossem, de fato,  repartidas com equanimidade. Se não as criamos, se não as levaremos quando partirmos deste mundo, com certeza é burrice pôr em jogo a própria salvação. Mas não é só com as minas de ouro que as injustiças e a ganância acontecem!…

Agora mesmo, julho de 1988, os índios estão acampados aqui em Imperatriz, no núcleo regional da Funai. São índios das tribos Gavião, Krikati e Guajajara, comandados pelo cacique Guará, os quais também dizem não ter sido poupados da corrupção dos brancos. É que a Eletronorte, há 4 anos, assinou um contrato de indenização pela passagem da rede de alta tensão em suas terras e até aquele momento tudo continuava em promessas.

Apesar de aparentemente humildes, os índios também têm orgulho e lutam pelo que acham correto. Infelizmente, vão levar muito tempo para saber que a arma mais poderosa  dos brancos é a mentira e a simulação. Evoluímos muito para o lado do mal e retrocedemos nas sãs virtudes. Porque ainda não haviam se adaptado ao jogo sujo dos brancos, eles continuavam esperando as 100 reses prometidas e o dinheiro para as melhorias de suas aldeias.

“ Falei com Brasília e eles mostraram papel, documento dizendo que o dinheiro tinha vindo para índio do Amarante, mas o dinheiro não aparece. Zé Pedro tem de dar conta do dinheiro. Índio quer a verdade. Foi índio quem pediu que Zé Pedro fosse administrador, agora Zé Pedro foge de índio, não conhece Guará. Zé Pedro fica prometendo coisa pra índio e nada aparece. Índio vai brigar, falar com Brasília outra vez para saber a verdade. Todo esse tempo eles ficam enrolando índio. Fizemos uma grande pastagem, mas o gado não apareceu. Conversamos com o Zé Pedro e ele disse que não tinha dinheiro para comprar os bois. Cacique falou sério com Zé Pedro mas Zé Pedro leva tudo na brincadeira. Índio quando fala sério, não brinca. Tem filho de índio que não fala língua de branco porque professor falta muito e ensina pouco. Você escreve tudo que índio falar, porque tem imprensa que é comprada pela Funai e não fala o que índio quer. Sou apenas um sofredor, como a minha comunidade. Já estamos cheios de promessa. A casa aqui é nossa. Foi feita para índio. Não estamos pedindo favor ao governo. Estamos reivindicando o que é nosso. Tem índio que quebrou o braço e índio mordido de cobra e nós é que estamos pagando a conta.”

Depois de muitos dias de sofrimento e fome, os índios receberam a promessa de que os “brancos” iriam cumprir o prometido e, para que saíssem mais rapidamente e animados, a Vale (segundo Zé Branco) pagaria a dívida atrasada em dobro. Satisfeitos, os índios retornaram. Os brancos se vangloriaram da suja estratégia.

Meses depois, vencidos os prazos e nada cumprido, os índios voltaram à luta. O índio Martins, responsável pelo posto indígena Governador, realmente do lado dos seus, foi despedido pela Funai e resolveu o impasse à sua maneira: “Eu disse pra eles que não aceitava e eles me disseram que a ordem veio de rádio lá de Brasília. Mas eu disse que se a ordem veio de Brasília foi porque alguém daqui pediu. Eles prometeram que vão fazer alguma coisa para consertar isso.” E, de fato, a ordem foi desfeita. A borduna, às vezes, é mais persuasiva que muitos decretos!

E, enquanto os remanescentes indígenas lutam pelos seus direitos, usando como leis a verdade, a honestidade e a simplicidade, milhares de oportunistas, travestidos de protetores, infiltram-se em suas bases, usando a ingenuidade dos silvícolas para realizar seus aviltantes planos. A Funai, para mim, é um órgão criado pelo governo com a finalidade de ludibriar, de acalmar, de descaracterizar a cultura indígena, fazendo com que eles desapareçam sem o perceber. Como a Funai, muitos outros dizem lutar por eles, mas a finalidade quase sempre é preparar armadilhas para invadir suas riquezas e tomar suas terras. Com o tempo nossos índios não terão mais lanças, cocares, tacapes, língua, costumes, terras ou tradição. A civilização é o veneno sistêmico que está corroendo o âmago das tribos. E, embora imaginem direitos, o que conseguem é apenas um pouco de esperta piedade dos “brancos”, quando aceitam certas exigências. Os “brancos” sabem que, se quiserem, eliminam os índios num piscar de olhos. Se ainda não o fizeram num repente é porque sabem que não precisam de pressa. Mas os índios serão absorvidos  tão logo a civilização ache por bem. Assim sempre foi, assim será.

É inadmissível não falar sobre isso sem citar o que se escreveu por ocasião da Constituinte, quando cada grupo desse País se achava no direito de pressionar os parlamentares a que resolvessem seus problemas pessoais. Quando se votou matéria sobre o problema indígena, um deputado escreveu:

“Os  índios na espera. 10 dias levaram, pedindo um acordo. Das mesas fizeram tambores de festa. Fumaram cachimbo. Transaram magias. Rezaram promessas. E pragas rogaram aos votos contrários dos que não sabiam se iriam votar. Vestiram cocares. Riscaram as caras com a tinta vermelha do pó do urucum. O certo é que estavam, aos olhos de todos, quais iscas chamando piedosa atenção. Atrás (ou na frente?) mil interesses vestidos de índios faziam pressão. Saí do plenário. E eles dançavam! Quem eram! Não sei. Uns poucos pintados, vestidos de índios, que um dia viveram e logo morreram por falta de leis.”

CAPÍTULO 55
Ainda que muitos estivessem lutando para cultivar e manter a cultura regional, nossa Educação era precária e deficiente.  Orgulhávamo-nos das tantas agências bancárias, dos jatos pousando diariamente, dos jornais que praticamente infestavam a cidade, das rádios e televisões que disputavam espaço… Em contrapartida 95% de nossos vestibulandos eram reprovados. Era um claro exemplo do descaso pelo ensino, que sobrevivia às custas de abnegados professores, nada mais. Não havia ambiente, merenda, carteiras, material… não havia escola nem escolaridade.

José Geraldo da Costa, Vito Milesi, Mercedes Veras, Edmilson Sanches, Paulo Guimarães, Jonas Ribeiro, Gilmário Café, Willian Marinho, Tasso Assunção, Sebastião Negreiros, Ulisses Braga, Jucelino Pereira…, eram alguns que, entre outros, mantinham as informações diárias em nossos jornais.

Colhendo informações locais, nacionais e estrangeiras, nossos jornalistas e escritores ofereciam uma boa noção de como andavam o mundo e a região.

Infelizmente, enquanto a mídia caminhava lepidamente, nossa educação rastejava a duras penas. Era quase humilhante a gente perceber o quão pouco sabiam nossos estudantes! Logo em janeiro, o Campus II ofereceu 50 vagas aos imperatrizenses e houve 441 inscrições. Apenas sete conseguiram aprovação, deixando a Universidade num dilema:  abrir o curso ou não. Em julho foi feita nova tentativa com o objetivo de completar o número mínimo de alunos para abrir o curso: 429 se inscreveram, 16 conseguiram aprovação. Feliz ou infelizmente, como no Brasil em tudo se dá um jeito, o curso acabou acontecendo à revelia do regimento.

Percebia-se que a  cidade estava, embora desordenadamente, sofrendo transformações. Nossa Banda de Música recebia novos instrumentos e os músicos os experimentavam com um forte brilho nos olhos; o Juçara Clube comemorava seus 16 anos de fundação; o III Faber se cobria de êxito; o Fiqueninho era inaugurado; livros eram lançados; o Movimento de Cursilhos de Cristandade, que fora fundado em 1973, fortificava seu ideal de tornar mais fraterno e cristão o relacionamento humano; artistas da cidade homenageavam o prefeito pelo mínimo de atenção a eles dedicado com as reformas precárias de alguns centros artísticos. Paralelamente, o outro lado, o  negativo, o de crimes e desmandos também não esmorecia: continuava firme, arredio à toda lei.

A inveterada Dalva, que, nos 18 anos que aqui me encontro intermitentemente é presa e solta por aliciar e prostituir menores, mais uma vez era presa… e mais uma vez era solta; a hanseníase tomava proporções assustadoras, principalmente no bairro Bacuri; Valdimar Barros e seu adversário sindical quase chegavam a vias de fato por causa da presidência da entidade; Davi ia acreditando cada vez mais que aqui se podia fazer o que bem entendesse… e, na parte da pistolagem, a situação encontrava-se ainda em nível insustentável.

Em janeiro, não havia uma manchete de qualquer jornal maranhense que não estampasse em letras garrafais a fantástica fuga de 5 dos mais famosos criminosos da região: José Bonfim, seu filho Hilton Bonfim (o Macarrão), Péricles Moreira (o Perla), José João e Maria dos Santos Oliveira (a viúva Porcina). Saíram tranqüilamente pelo portão da penitenciária de Pedrinhas. Até detalhes, como a placa e a cor do carro que os apanhou foram anotados. Eis a síntese de um jornal:

“Na manhã do dia 18 de novembro de 1986, Zé Bonfin era preso pela primeira vez, por agentes da Polícia Federal. Na mesma tarde, ele foi levado de avião para a capital do Estado. De lá foi levado para Salvador, onde ficou vários meses, de onde veio duas vezes para depor em Imperatriz sobre os crimes a que responde nesta Comarca. Solto por falta de provas em Salvador, teve sua prisão preventiva decretada em Imperatriz, permanecendo  preso no quartel do 50º Bis, de onde foi levado para Pedrinhas.” De lá, como já foi dito, voou para a liberdade passando pelo portão da frente.

Assim sempre foi e só Deus sabe quando terminarão tais peripécias.  Bonfim era acusado da chacina do Pindaré e da de São Pedro da Água Branca, quando mais de 10 pessoas, entre elas até crianças e idosos, foram barbaramente assassinadas. Dessa chacina fez parte o Janes, o mesmo que me seqüestrou, ameaçou-me de morte, mas que, pela graça de Deus, não consumou a ameaça.

Zé Bonfim ainda era acusado da morte de Zé Pretinho e a um companheiro, ocorrida havia anos; de planejar o bárbaro assassinato do motorista Saul e de, posteriormente, mandar matar o pistoleiro que executou o motorista; de roubos de caminhões e de gado. Mesmo assim, nunca encontraram provas para mantê-lo na cadeia.

Sinceramente, essa questão de provas é a mais aviltante agressão à nossa condição de seres racionais. Há coisas tão evidentes, tão visíveis, tão dedutíveis…, testemunhadas visualmente; enfim, há fatos acontecidos que não há como negá-los. Mas, se não houver uma prova escrita, confessada por diversas vezes pelo criminoso e registrada em cartório, nada acontecerá. Se depois de tudo isso, o acusado vier a ser preso, ainda há, para quem puder pagar, o portão das penitenciárias para evitar que se machuquem pulando o muro.

Nunca vi, até hoje, nada desorganizado funcionar! Nossa polícia é precária, nossa Justiça  – desde que fugiu dos verdadeiros e sérios concursos e passou a ser cargo político – perdeu a áurea de respeito e de confiabilidade. Nossas leis não passam de um emaranhado de contradições onde quem as aprende fica tendo nas mãos o poder de soltar bandidos e de prender inocentes.

CAPÍTULO 56
1988. Ano da ascensão galopante  de Davi. Durante alguns anos, entre elogios e acusações, ele seria o nome mais comentado. Paulo Rodrigues, Gilmário Café, Moacir Spósito e Josué Moura, entre outros, seriam seus mais ferrenhos contestadores. Não houve em Imperatriz ninguém que se assemelhasse ao jornalista Josué Moura nessas invectivas. Pela fama que imputavam a Davi e pela agressividade dos ataques que Josué lhe desferia, muitos amigos deste, mostravam-se preocupados em fazer-lhe companhia.

Endeusado pela população pobre da periferia e resguardado sob o jaquetão de muitos políticos fortes e interesseiros, Davi teve seu auge de glória e de mando. Deve ter mesmo chegado a pensar que era o maior, “o galo”, como ele mesmo costumava definir-se. Não media palavras, não escolhia lugares, não considerava tamanhos nem autoridades. Em janeiro, Gilmário Café noticiava: “Davi, lá nos corredores da Prefeitura, distribuía bilhetinhos para dar direito a recebimento de carradas e ainda dizia aos solicitantes que podiam esperar que os transportadores seriam os carros da Prefeitura. Falou e agiu como quem manda e é obedecido. Audácia e boa voz não faltaram ao deputado, quando despachava dentro da Prefeitura.”

É bom lembrar que estava acompanhado, nada mais nada menos, de seu apregoado adversário político, Fiquene. Na verdade, os dois sempre se entenderam muito bem, através de clandestinos acordos pela necessidade de se manterem no poder.

Davi usa de forma impecável a fórmula que o transforma em super-homem da periferia. Desobedecendo a juízes, governadores e presidentes, ele consegue angariar do povo ingênuo uma admiração ímpar. Aprendendo rápido que política é passatempo sem qualquer compromisso, que entre eles tudo pode ser dito e feito com apenas a obrigação de algumas explicações esfarrapadas quando em vez, Davi emergiu do nada, para em pouco tempo, ser visto como o meteoro mais brilhante de nosso triste céu político.

Em agosto, segundo o sindicalista Cosmo Rodrigues de Araújo, ele, desrespeitando uma ordem de Sarney, que havia desapropriado a fazenda Taboleirão, em João Lisboa, para assentamento dos sem-terra, mandou para lá, 6 de seus mais mal-encarados homens, impedindo o assentamento e desobedecendo à ordem do Presidente. Talvez por essa demonstração de atrevimento, ele seria convidado, mais tarde, a fazer parte do grupo que elegeria Roseana.

Em setembro, em cima de um palanque, quando falava em favor de Leonardo Queiroz, de Açailândia, ele ameaçou o deputado estadual Petrônio Gonçalves: “Tenho pena de você, Petrônio. Em janeiro você terá que prestar contas comigo”. Petrônio foi pedir garantia de vida ao governador Cafeteira.

No dia 1º  de novembro, a manchete de primeira página estampava: “DAVI DIZ NÃO ACREDITAR EM HOMEM QUE NÃO MATA”, e dava detalhes: “Não acredito em homem que não mata. O autor da frase é o deputado Davi Alves Silva, em entrevista ao Jornal do Brasil.” Entre outros crimes, Davi confessa sua participação na guerra com a prefeita de Lago de Junco, Mary Barbosa, em 1987 – um conflito que resultou na morte do marido e dois filhos da prefeita, que hoje vive sob a proteção da Polícia Federal, em São Luís. “Essa senhora mexeu com muitos amigos do Davi Alves Silva e houve contra-ataque mesmo”, admitiu ele na entrevista.

O candidato do PDS à Prefeitura de Imperatriz ameaçou novamente o governador Epitácio Cafeteira, valendo-se de seus costumeiros recursos verbais: “Se eu souber que o governador Cafeteira quer me matar, eu não morro, mas ele vai dançar”. Entre outras frases de efeito tétrico pronunciadas por Davi em sua entrevista, existe a de que não sabe “por cima de quem” vai ter que passar para fazer uma reforma na agricultura de Imperatriz, embora na Constituinte ele tenha votado contra a Reforma Agrária. A Paulo Brossard, então ministro da Justiça, ele disse: “Prefiro viver 2 anos com “moral” do que 500 anos desmoralizado”… “Desmoralizado eu não vou ficar, um dia, nessa Prefeitura”; “Se eu fizer tudo que estou planejando na Prefeitura de Imperatriz, será tranqüila  minha eleição para o governo do Estado”; “O povo vai perceber que Davi é tudo isso que dizem, mas faz”.

Essa irreverência, esses atrevimentos, essa vergonha indelével aos nossos homens da lei e da justiça, talvez tenham sido  as mais importantes cartadas para sua votação maciça e surpreendente diante de um eleitorado fundamentado na ignorância, na descrença e no sofrimento.

O sistema de distribuir sacolinhas de  que tanto as críticas dos adversários inconformados se valiam para difamá-lo, surtiu mais efeito na população faminta do que as milhares de promessas vãs de políticos fanfarrões. Foi aí que percebi que a fome é o fator mais importante na vida de todo ser vivo e representa, em última análise, a supressão do raciocínio lógico. Foi aí também que vi o perigo que a revolta de um povo desiludido provoca. Diante da miséria reinante, da falta de emprego…, diante de tudo o que andava acontecendo, a população carente se apegaria ao próprio diabo se ele aparecesse prometendo-lhe um quilo de farinha-de-puba. Jamais nosso povo sofrido tentou pensar nas conseqüências de seus atos e no que encerrava de verdade ou mentira aquilo que lhe estava sendo dito, quando vendia o voto por alguns quilos da merenda escolar. Vendia sem saber que, além de afetar sua dignidade, ainda prejudicava seus filhos, que não teriam com que matar a fome na hora do recreio.

E talvez, pela ânsia de mudar, Davi, com suas sacolinhas e ataques aos até então considerados intocáveis, com sua soberba e atrevimento em desafiar altas autoridades e quem lhe tentasse obstar o caminho, literalmente cantou de galo, conseguindo, sozinho, mais votos do que todos os seus adversários juntos: 47.537. Léo Franklin teve 13.900; Paulo Rodrigues, 6.004; Moacyr Spósito, 3.627; Jomar Fernandes, 3.378 e Francimar Moreira, 603 votos. Pouco adiantou o “sortilégio” do médico André Paulino, que em outubro armou suas premissas: “Se Davi foi o pior deputado que a Assembléia Legislativa do Maranhão já teve; se está sendo o pior constituinte, como poderá ser ele um bom prefeito?”

No entanto, o pobre e ignorante povo jamais quis saber o que era “constituinte”, “legislativo”, “assembléia”… Certamente, se alguém tentasse, fraternalmente, explicar-lhe não iria entender mesmo. Ficava claro que o resultado da eleição era a prova mais contundente de como funcionava nossa Educação… apesar de aqui morar o que se cognominava  “Pai da Educação”. Ficava patente pelo resultado da eleição que, em Imperatriz, somando-se os politicamente analfabetos, os pistoleiros, os ladrões, os hipócritas, alguns ingênuos e os irrecuperáveis egoístas, aqueles oportunistas que vivem esperando eleições para tentar um cargo na  “administração”, o resultado ultrapassaria a casa dos 80%.

Aparentemente, os Sarneys haviam sido derrotados. Se política fosse coisa séria ou quando nada, se nossos políticos honrassem suas ideologias, talvez a dinastia tivesse mesmo sofrido uma grande derrota. No entanto,   alianças estranhas e, porque não dizer, indecorosas, começaram logo  acontecer. E o povo mais esclarecido, sem saber quem era quem, sem uma opção para mudar, ora votava em Davi, ora em Fiquene…, sem atentar que todos obedeciam à norma de prioridade pelo poder. Seria um período duro que se abriria para Imperatriz: anos de desmandos, de falcatruas, de impunidade…, de verdadeiros atentados à nossa condição de seres inteligentes.

Embora perdesse a maioria na Câmara, em menos de mês, vereadores em cuja personalidade a gente depositara toda a confiança  já haviam se vendido por “dinheiro” ou por “lábia”, passando-se para o lado do prefeito. Seus assessores (entre eles José Clébis, Salgado, Divino Garcia, João Macedo, Damião Benício, José Garros, Ildon Marques de Souza…), homens e nomes dos mais ligados e comentados em nossa vida pública, fariam grande parte das polêmicas futuras de nossa cidade.

Ildon Marques, que a gente não admite estar afinado com o que muitos já imaginam normal na política imperatrizense, ou seja, os desmandos e falcatruas, foi aproveitado por Davi pois este precisava de sua honestidade para enxugar certos gastos inúteis que diminuíam sua escusa rentabilidade. Ingenuamente – como o fez quando vice de Fiquene – Ildon passou a cortar funcionários, enxugando a folha e aumentado “as sobras”…  e os inimigos. Davi, que havia dito que não se importava com seu secretariado porque eles fariam exatamente o que ele quisesse, não demorou a bater de frente com Ildon Marques que, de certa forma, tem algo em comum: a intransigência.

Como aconteceu com Fiquene ao querer acorrentá-lo a suas idéias, não demorou a acontecer também com Davi: simplesmente, Ildon Marques retirou-se. Seu dia chegaria.

CAPÍTULO 57
Hoje, através da Internet, vejo em manchete num dos jornais do País: “De acordo com a lei 9.096, os partidos vão dividir a quantia de 31,1 milhões de reais, para as campanhas deste ano”. Ao mesmo tempo, várias CPIs eram criadas de Norte a Sul do Brasil, 99% delas para verificar denúncias de falcatruas políticas. Todo brasileiro sabe que não há, atualmente, uma só classe no País que seja mais desacreditada do que a dos políticos. Diante do quadro que se agrava dia a dia, alguns do ramo tentam ludibriar o povo, agora com essa farsa chamada CPI.

Como sempre – a não ser quando encontram “uma ovelha desgarrada”, a lei é aplicada a algum “mordomo”. No mais, como já se tornou proverbial, “tudo resulta em pizza, em marmelada, emmaracutaias…”. Nunca será diferente, pois qualquer ser humano sem escrúpulos seria ingênuo… ou burro, se sancionasse uma lei que viesse dificultar seus atos indignos.

Vejam, por exemplo, nesse ano que lhes falo (1988), o que se escreveu e constatou:

“Se o Presidente da República for o culpado, que o Senado o julgue por crime de responsabilidade e o destitua do poder; se o ministro, que caia; se for um funcionário, que se demita.” A opinião era do então senador Fernando Henrique Cardoso (PMDB – SP), líder do PMDB na instalação da CPI que apurava as acusações de corrupção na administração pública e, mais especificadamente, as denúncias de que o ex-ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira, havia liberado verbas mediante o pagamento de comissões.

“Essa comissão vai restaurar a dignidade dos políticos brasileiros, que anda abaixo da média”, disse o senador Afonso Camargo (PTB-PR), mal chegou ao recinto da CPI. “Estamos assinando um contrato de risco com a fadiga, mas é fundamental a disposição para investigar até o fim – acrescentou o relator da comissão, Carlos Chiarelli (PDS-RS), propondo que, após cada depoimento, nenhum culpado saísse dali “sem ser devidamente caracterizado como tal”.

Mansueto de Lavor (PMDB-PE) chegou a fazer uma comparação com os interrogatórios políticos que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas. “Não vamos transformar isso aqui numa República do Galeão, mas também não vamos fazer dessa CPI um teatro de fantoches”. Mas foi o líder Fernando Henrique Cardoso, o mais veemente dos oradores: “Neste momento, é tarefa fundamental para o Senado tomar com muita seriedade a questão da corrupção”. Afirmou  que toda vez que o tema ganhou as manchetes dos jornais isso significou mais desagregação da República:

“Toda vez que as denúncias sobre corrupção se avolumam, alguma coisa no âmago do poder começa a ser abalada: foi assim na segunda quadra do governo Vargas, quando as denúncias de corrupção fizeram com que o País se voltasse contra um governo eleito. Foi também assim na crise do regime militar. E agora temo que outra vez estejamos diante de um fato da mesma gravidade”.

Para Fernando Henrique, ou o Senado apurava até às últimas conseqüências as denúncias contra a administração federal, ou não existiria mais condição de os senadores exigirem respeito da sociedade“Não podemos mais deixar que dúvidas pairem. Se nos palácios houver pacto com a corrupção, que seja o Senado quem o diga. E se a acusação for leviana, que se puna quem acusou”. Disse ainda que o que estava por  trás do processo de corrupção era uma luta política. Ele pediu aos integrantes da CPI que não deixassem que qualquer ameaça pusesse em risco os seus trabalhos.

Pois bem, caros amigos, alguma coisa mudou? A CPI foi séria? Puniu mesmo os culpados? Até que destituir do cargo algum político ou meter na cadeia “o mordomo”, isso de fato já fizeram. Mas é justo apenas destituir o ladrão do cargo? Não seria o mesmo que apenas tomar a arma do assassino e deixá-lo em liberdade? Aliás, nem é preciso ficar fazendo perguntas ou enumerando aberrações, porque, querendo ou não, enquanto o povo brasileiro continuar no comodismo e na covardia de aceitar ser pisado, jamais as coisas mudarão. Das tantas mentiras vomitadas, restou-nos o direito de não mais respeitar os senadores.

A corrupção política é sempre legal porque não lhes parece injusto receber num mês o que um assalariado talvez não consiga com uma vida de trabalho. Também acham que não devem nada a Deus por escreverem e aprovarem leis que tornam legais seus absurdos e ilegal o simples ato de um faminto apanhar um pão escondido.

E nessa nova tática de iludir o povo, Collor veio fumegando com seu ataque aos marajás. Na esperança da vingança, o povo, mais uma vez, foi iludido…, pelo maior de todos eles.

 CAPÍTULO 58
Pelo mundo, as principais notícias de fim de ano prendiam-se à miséria que atingia mais de 950 milhões de pessoas e ao surgimento do maior fenômeno do boxe, Mike Tyson; no Brasil, a miséria extrema, galopante e crônica, era arrefecida pelo despontar meteórico do também fenômeno humano, Ayrton Senna. Com o esporte correndo nas veias, nosso povo alimentava-se do orgulho de poder mostrar ao primeiro mundo que aqui também vivia gente de garra e capacidade.

Isso não matava a fome do povo miserável nem eliminava as acentuadas injustiças sociais, mas agia como estupefacientes drogas, fazendo com que o povo se distraísse da corrupção que grassava nos meios políticos e acabasse por rir da própria desgraça.

Em Brasília, no dia 5 de outubro, em meio a uma grande festa com direito a  salva de tiros e repicar de sinos por todo o Brasil,inaugurava-se, segundo os políticos que a escreveram e sancionaram, a nova Constituição Brasileira, pondo fim (também segundo eles) ao ciclo autoritário do militarismo. Cada lei foi escrita e aprovada sob pressão, sempre com o plenário cheio de lobistas que buscavam direitos a fim de viver mais comodamente às custas do País.

Um bando de pavões talvez não exibisse tanta pompa ao abrir seu leque colorido numa manhã de sol como exibiram os constituintes naquele dia. Corredores cheios, discursos distribuídos em diversas línguas, selo comemorativo, alguns exemplares da Nova Carta editados artesanalmente, com capa de pergaminho e uma lâmina de pau-brasil entalhada lateralmente… Medalhas cobiçadas, de tanto, suspensas por uma ação popular…, enfim, nenhum detalhe foi esquecido para que o povo ingênuo acreditasse que os parlamentares  haviam realizado um feito inédito e digno.

Sem serem diferentes às classes que os pressionaram, os constituintes consumiram muitas reuniões extraordinárias estudando suas aposentadorias, suas imunidades, seus salários…, auto-endeusando-se a ponto de poderem praticar a corrupção sob o amparo da lei. Poderá parecer radicalismo, mas a verdade é que jamais se pode encontrar amparo na lei que escreveram para incriminar um político. É praticamente impossível encontrar as provas exigidas, ainda que a corrupção seja notória, evidente e testemunhada.

A Nova Constituição foi escrita mais para enganar do que para ajustar normas ultrapassadas. Sob pressão, direitos foram outorgados, o que, num tempo exíguo, iria mostrar, principalmente diante das 872 greves logo deflagradas, o quanto eram forjadas as nossas leis. Estabeleceu-se, então, que ela seria reparada mais adiante, ou melhor, reescrita, porque pouco havia nela de aproveitável ou funcional.

Não como um pavão numa manhã de sol, mas mais que ele, Ulisses Guimarães, com as mãos trêmulas, anunciava: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.” Mal sabia ele que, para pessoas um poucomais esclarecidas, ele acabava de definir-se, juntamente com aqueles  que escreveram e aprovaram tantas coisas impossíveis de serem cumpridas.

O direito total a greve; a não intervenção em qualquer sindicato; o fim total da censura; as horas máximas de trabalho estipuladas em oito; as férias remuneradas com um terço a mais; os 120 dias de licença para as mulheres que gerarem filhos; a não fiança para os crimes hediondos; a prisão de policiais torturadores…, fazem parte mínima  da utopia que se escreveu para agradar aos diversos grupos que, ingenuamente, pensavam que a Nova Constituição iria resolver-lhes todos os problemas.

Gostaria de saber quando nossos governantes irão pôr os pés no chão! De que adianta oferecer fatias de um quilo a 100 pessoas, se o bolo pesa apenas 30 quilos? Por que essa farsa de oferecer ou prometer o que não se pode dar ou cumprir? De que adianta mentir? Para que a lei utópica e celestial de proteção ao menor, quando todo mundo sabe que  é impossível cumpri-la?

No Maranhão, a Norte-Sul – mais uma obra de Sarney que, justa ou injustamente, nunca foi sovina com seu Estado – seguia satisfatoriamente, com a média de um quilômetro de ferrovia construída por dia. Em outubro, de passagem para inspeção das obras realizadas pelas empreiteiras Cowan e Paranapanema, o Ministro dos Transportes, José Reinaldo, ainda deixou de lambuja para o Fiquene, mais de 46,677 milhões de cruzados que deveriam ser aplicados  na melhoria do transporte urbano de Imperatriz.

 Ninguém notou qualquer melhora, e, no momento, as entidades continuam se reunindo para, pelo menos, aliviar a violência de nosso trânsito urbano.

CAPÍTULO 59
Bem no comecinho de 1989, o homem mais polêmico, aquele sobre o qual iriam recair todas as honras e as desonras de nossa política municipal, tomou posse. Depois de uma vitória arrasadora em que seus votos somaram mais de o dobro dos demais concorrentes juntos, Davi se assenhoreava do poder.

Aproveitando um período em que, mais que nunca, os inescrupulosos  podiam fazer e desfazer sem que a Justiça lhes incomodasse, ele estaria começando, para alguns, a era mais negra de nossa história. Não conhecia lei, não queria conhecê-la e, como diz a sabedoria popular: tinha raiva de quem a conhecia. Para ele, lei era qualquer coisa submissa ao poder, conseguido através de artimanhas, honestas ou não.

Surpresos, seus adversários, que usaram toda a campanha taxando-o de pistoleiro e de jogar sujo, distribuindo a merenda escolar em forma de sacolinhas, agora percebiam consternados que ainda tinham muito o que aprender com o homem que talvez não soubesse redigir bem um simples bilhete. Aproveitando um período difícil de nosso povo – resultado de uma administração não menos suspeita – Davi soube explorar, por um lado, a ignorância popular e pelo outro, a ganância de uns poucos mais espertos, uns tais que sempre vivem espreitando a oportunidade de um leite fácil nas tetas do País.

André Paulino encabeçou as críticas mais duras, acompanhado, palidamente, por alguns outros que se diziam da oposição, mas que, na verdade, só estavam esperando o momento certo para venderem bem o seu apoio. Por isso, sem muita demora, usando a perspicácia que lhe é inata, Davi comprou-os, quiçá, a preço de banana e passou a ter maioria na Câmara.

 Os dias que se seguiram à sua posse foram de euforia. Os jornais noticiaram, abertamente, que no dia 4 de janeiro, só na Boca da Mata, o vereador Valmir, a mando do prefeito, distribuiu mil sacolas com três quilos de alimentos cada uma.

Mas as promessas haviam sido exageradas e o povo, talvez por causa da fome, começou a exigir sempre mais. Logo, logo, até os estoques  que diziam ser da merenda escolar acabaram. Fiquene, como bom político ou como todo político, havia deixado para Davi as gavetas limpas. Sem condições de cumprir tudo o que havia prometido, sua popularidade começou a cair vertiginosamente. Diante do quadro que se criava, o mesmo Davi que tanto havia desafiado Cafeteira, pelo dinheiro, curvou-se a ele em busca de socorro financeiro. Por causa de sua empáfia e prepotência no período eleitoral, Léo Franklin não se cansava de lembrar o fato. Humilhado, depois de muitos ataques, Davi ameaçou devolver o dinheiro, não abrindo mão de indiretas a seu feitio ao deputado situacionista.

O certo é que ele podia ainda se impor, pois jamais o Estado vira alguém com tanta capacidade de voto. Como a dinastia Sarney pretendia colocar Zequinha Sarney no Palácio dos Leões, e como Davi ameaçava concorrer ao governo do Estado caso  Léo continuasse reavivando a vexatória mendicância, logo a ordem veio para que Franklin se calasse… e, de fato, não mais se falou sobre o assunto.

Como a recomendação era apenas para não ficar lembrando a famigerada e espúria mendicância, Léo passou então a acusar o prefeito de desvio da merenda escolar. Nada era mais óbvio, mas se ainda hoje os políticos, quando praticam suas ações não dão recibo, naquele tempo o faziam muito menos. E, como todos sabemos, evidências ou testemunhas não servem. Se para cá vinham milhões em merenda; se a merenda não era distribuída nas escolas e se os mesmos produtos que vinham para ser distribuídos nas escolas estavam sendo oferecidos em forma de sacolinhas, era muito provável que as denúncias fossem verdadeiras. No entanto, na hora do recibo, parece que o prefeito não o fez. E, sem nota fiscal, nada feito para a Justiça.

Nesse tempo, Ildon Marques  era  Secretário de Administração  e, como primeira medida (o que lhe é mesmo peculiar), resolveu tirar da folha de pagamento os 2 mil  “marajás” que desde a gestão anterior apenas iam lá para receber. Fiquene, por sua vez, achou a medida justa.   Uma semana depois, Davi já havia contratado um número bem maior de seus apadrinhados. Como, em autoritarismo, Ildon Marques e Davi são parecidos, logo bateram de frente, e como aconteceu no tempo do Fiquene, também com Davi, Ildon não ficou. Talvez imbuído de reta intenção, ao perceber as falcatruas que estavam acontecendo na Prefeitura, em outubro, reunindo a imprensa, Ildon Marques disse que era preciso que as entidades comunitárias, clubes de serviços, autoridades, líderes populares, sindicatos, associações classistas e de moradores…, se mobilizassem a fim de ajudar o prefeito a resolver os problemas de nossa cidade. Essa ajuda à cidade  só viria, bem mais tarde, com a criação do “Fórum da Sociedade Civil Organizada.”

Em novembro, numa estranha e infeliz entrevista, ele afirmava que Davi estava sendo um bom prefeito. Rendia verdadeira admiração a ele por ser um homem corajoso e carismático e que o possível estava sendo feito. Apoiou a distribuição de sacolinhas, dizendo que Davi não era culpado pelos erros anteriores e que o povo faminto precisava de comida. “Coragem ele tem para dar, emprestar e distribuir para número significativo de pessoas que estão necessitando sair do estágio do medo. Dependendo da conjuntura, o prefeito pode postular o Palácio dos Leões.”  Afinal, quem de nós já não disse ou fez alguma coisa de que se arrependesse mais tarde?

O certo é que, embora já começasse a ser vaiado em algumas apresentações em público, Davi sempre foi respeitado pelos obcecados do poder, por causa do carisma político que carrega. Em consideração a isso, a dinastia Sarney nunca se importou com as denúncias que lhe imputavam de pistolagem e crescimento financeiro inexplicável e vertiginoso. Enquanto seu apoio representasse milhares de votos e, conseqüentemente, a continuidade dos Sarneys no comando do Maranhão, verdadeiras ou mentirosas, as denúncias jamais seriam levadas a sério.

Divino Garcia, também com personalidade forte, percebendo que era impossível impor qualquer idéia ao prefeito, aproveitou o período das eleições presidenciais, embandeirou-se para o lado de Fernando Collor e bem cedo livrou-se das responsabilidades futuras de fazer parte do pior governo que nossa cidade já teve. O que ele não imaginava é que, sempre perspicaz e visionário, Davi iria farejar a vitória do alagoano e, como seu ideal sempre foi dinheiro e poder, iria mandar às favas sua propalada fidelidade partidária.

Mas, o ano não terminaria com tanta coisa errada passando em branco. O desaparecimento dos equipamentos do Hospital Municipal e seu surgimento misterioso em uma das clínicas do prefeito; o Mercadão; a merenda escolar; o enriquecimento vertiginoso; a falta de prestação de contas e, principalmente, o total descaso ao legislativo mexeu com o brio de alguns vereadores que, com a iniciativa do vereador Joel Costa, esboçaram a instalação da primeira CPI. Ainda que eu soubesse do número de políticos que se encontram na cadeia, que devolveram os roubos ou que, ao menos, perderam o mandato por causa das CPIs, fiquei um pouco aliviado, pelo menos por saber que existia uma sementinha miúda de esperança… miúda e quase morta, mas que podia germinar.

CAPÍTULO 60
Há mais ou menos uma década eu vinha vivendo e percebendo os abusos políticos que os prefeitos praticavam contra o erário público, sem que nunca lhes fosse imputado qualquer castigo, desconsiderando-se esparsas e interesseiras denúncias por parte de quem, nos períodos pré-eleitorais, se dizia da oposição e de ilibada conduta. Em suma, por mais otimista que eu fosse, não conseguia vislumbrar a perspectiva de ver um dia, ainda que distante, Imperatriz sendo dirigida por um homem honesto e competente.

Assim, apesar de a gente perceber que alguns prefeitos empossados se tornavam milionários da noite para o dia, suas contas eram deixadas de lado pelo prefeito seguinte, com louvor ao espírito  administrativo de quem, manipulando simples salários, conseguira, em míseros 4 anos, sobrepujar velhas e grandes empresas industriais.

Em abril, Onofre Correa acusava Fiquene de ter desviado as verbas que tinham vindo para a construção do Hospital Henrique La Roque. Fiquene defendeu-se dizendo que o hospital estava lá, todo equipado mas deixado às traças, porque Davi não demonstrava interesse em utilizá-lo, entendendo que, se o fizesse, estaria prestigiando seu trabalho. O povo que ele “tanto amava” através da caridade das sacolinhas era saudável e  não precisava de hospital.

Mal Fiquene se restabelecia da acusação supracitada, uma outra, agora de desvio de 50 milhões de cruzados do convênio SEAC-Prefeitura, que deveriam ser usados na construção de casas populares, era-lhe imputada, conforme denúncia levada a efeito por André Paulino de Albuquerque. Novamente, como sempre acontece, foi dito que não e, pronto, tudo ficou “nos conformes”.

No dia 25 de abril, mais uma: a de que milhares de sacos de cimento haviam sido desviados por Fiquene. E enquanto as atenções se voltavam para o ex-prefeito, outros tantos milhões remetidos para o projeto “Cinturão Verde” desapareciam misteriosamente. No meio de tantas acusações, lado e outro se deleitavam com seus nomes estampados em todas as edições jornalísticas. Era o de que precisavam para se tornar mais conhecidos. Pessoas analfabetas ou alienadas politicamente votam no nome que conhecem ou de que ouviram falar, jamais se importando com o critério honestidade.

A opinião popular é como um copo d’água derramado: escorre para o lado mais baixo. Assim, quando as denúncias surgiam, Fiquene e Davi, até se defenderem, eram tidos como ladrões; depois de suas palavras, os denunciadores se tornavam falsos e mentirosos. A versão que vale para o povo é sempre a última. Não é por outra razão que nossos políticos se sentem muito à vontade, mesmo diante de graves acusações.

Em outubro – como a cumprir a obrigação das aparências – o Conselho de Contas do Município não aprovou as contas de Fiquene para o ano de 1986. Fiquene exigia que uma Comissão Técnica fosse enviada para examinar as contas, mas o presidente a isso se negava, talvez por desconfiança de manipulações. Nesse ínterim, Davi se preocupava em apagar o nome de Fiquene das obras e dos muros e esse, embora tivesse sobre si muitas denúncias, recebia a superintendência da LBA  e se preparava para concorrer na eleição seguinte ao cargo de deputado federal. Pouca coisa é mais corriqueira, simples e desconsiderada pelos políticos do que as denúncias de corrupção que lhes são imputadas.

1989 consolidou os alicerces da dinastia que ainda hoje comanda o Maranhão. Sarney, Lobão, Fiquene e, por incrível que pareça, Davi, formariam um quarteto biônico de que nossa história não iria esquecer tão cedo. Chefiando os principais cargos políticos do País, do Estado e de nosso Município, eles iriam representar a felicidade e a infelicidade de muita gente.

Durante meu meio-século de vida, nunca pude deixar de enxergar na política senão  uma verdadeira e sagaz luta pelo poder. Entre minhas decepções, encontra-se a certeza de que a maioria que acusa não passa de complexados perdedores que certamente fariam o mesmo, ou pior, se tivessem sido eleitos.

Eles sabem disso melhor que ninguém, razão pela qual as CPIs não dão em nada e toda denúncia cai no vazio. Está mais que evidente que quando alguém enriquece em poucos anos sem ganhar na loteria, sem receber herança ou sem esbarrar num filão de ouro, foi porque, literalmente, roubou. Até mesmo porque, diante de nossa legislação fiscal, torna-se impossível ganhar muito dinheiro honestamente e em tempo exíguo.

Certamente, ainda vale a sabedoria popular de que se deve roubar muito para que se possa comprar a Justiça, a polícia e, de tabela, colocar o roubado que reage na cadeia. Assim, os chamados “ladrões de galinha”, sempre são presos e os chamados de “colarinho branco” sempre provam sua inocência. Diante de tantos descalabros, Edmilson Sanches desabafou:

“Esta cidade merece os crimes e os castigos que tem. Porque sua gente, seu empresariado, suas forças produtivas, suas entidades de classe, não sabem a força que têm. Deixam-se ferrar, escalpelar, tirar o couro, mesmo. Deixam-se matar. Povo-boi. Os crimes, as injustiças, a violência, são tantas que a tranqüilidade aqui é que é a exceção. Manchete de jornal, rádio e televisão.

E onde estão aqueles moços, aquela ruma de gente que o povo botamos nas Câmaras, na Prefeitura, nas Assembléias, no Senado, enfim, no Poder? Onde eles? É quase regra: eles só vivem, só fazem, só agem pensando na eleição seguinte. Entretanto, POLÍTICA e POLÍCIA, além da proximidade gráfica, têm, para o  povo, o mesmo objetivo geral: defender os seus interesses. Isto é: os interesses do povo. E o que ocorre é que esses políticos não tão nem aí; aliás, a maioria deles não tá nem aqui. Para eles, ‘a política é a arte de governar com o máximo de promessas e o mínimo de realizações’. Estas, quando vêm, e a presença deles, quando é, estão  acompanhadas da necessidade de ‘aparecer’, fazer figura. Outros, preocupam-se mais com ‘acertos’, conchavos, manipulações, negociações (negociatas, inclusive). Acham que isso é política. Têm uma história de praticar a ‘fidelidade partidária’… ao mesmo tempo que cometem adultério com o povo. Esquecem o povo. Enganam o povo. E o nosso povo, besta, não os esquece. Porque a política é a arte de enrolar as pessoas. A linguagem política –  diz Orwell – é destinada a fazer com que as mentiras soem como verdades. E para certos políticos, o que é a verdade senão a mentira muito repetida? Essa prática tão miúda, tão interesseira, tão vil (quando não servil), é outra das violências que sofre este povo. Talvez a pior. Porque pela frente dá-nos tapinhas nas costas, e por trás, socos na cara.”

 Ao que duvidam do quanto se disse acima, bom seria lembrar os períodos de campanha. Às vezes até fico com pena e vergonha de ver os políticos descerem tanto… fingirem tanto… mentirem tanto…

 CAPÍTULO 61
“Por estranha coincidência (?), enquanto as escolas já entravam no terceiro mês sem a distribuição da merenda escolar,  15 mil sacolinhas eram distribuídas  pelo novo prefeito a seus “eleitores pobres”. Concomitantemente, o Mercadão do Povo era inaugurado, com mercadorias muito semelhantes às que eram oferecidas nas escolas em outras prefeituras. Embora não houvesse evidência maior do que estava acontecendo, o “povo-boi”, como classificou o jornalista Sanches, mantinha-se perplexo e calado, excetuando-se  tênues e medrosas insinuações.

Em maio, com a revolta e conseqüente greve dos professores municipais que protestavam contra o salário de fome e os desvios da merenda escolar, o jornal “O PROGRESSO” estampava em primeira página, que o jornalista  Coquinho, então Secretário de Imprensa e Divulgação da Prefeitura, tentara atropelar os manifestantes que, no momento, apenas oravam pela alma da companheira  Marlete Gonçalves, falecida dias atrás vítima de atropelamento. Pelo que vim a conhecer do Coquinho, aquela reação certamente não passara de forte tensão por partilhar temporariamente de uma administração avessa a seus princípios.

Embora os professores, ainda no primeiro ano, já protestassem contra o desenfreado autoritarismo do prefeito, teriam que engolir muitos outros, passar por um longo período de desprezo à Educação e às pessoas que imaginavam com ela melhorar as condições de vida de seu povo. Davi sempre soube que sua trajetória ascendente dependia da estagnação da Educação, pois somente um povo ingênuo e analfabeto pode encontrar algum valor aproveitável dentro da violência.

E nada lhe dava mais “ibope” do que ir aos meios de comunicação e dizer para Deus e o mundo que ele era homem, que era o galo, que aqui quem mandava era ele, que o Governador tinha que respeitá-lo, e coisas semelhantes. O povo simplório, em seu mundo de ignorância, achava tudo aquilo o máximo, imaginando que a desconsideração hierárquica o tornava o homem mais valente e atrevido do Estado.

Nesse tempo, Davi, Luís Vila Nova, Chico do Rádio, Daniel Silva, e tantos outros que ainda militam em nossa política, eram tidos como impetuosos, agitados e inescrupulosos pela maior parte da população consciente. E, para que se tenha uma idéia da cultura que “rolava” nos meios mais pobres da população, nenhum deles perdia qualquer eleição. Homem de fibra, para a maior parte dos eleitores de Imperatriz, era aquele que desafiava juízes e governadores e tinha coragem de matar ou de mandar fazê-lo.

Eu, que sempre vira no Judiciário uma entidade independente e soberana, começava a surpreender-me diante do desrespeito com que era tratado por um simples prefeito de uma cidade interiorana. Também me causava espanto a submissão policial que ficava alheia a tudo quanto de absurdo acontecia. Sobrevinha-me, assim, embora no momento com menos intensidade, aquela forte angústia que me acometeu quando aqui desembarquei há mais ou menos uma década.

Mesmo acreditando que nada nesse mundo é eterno, achava que as coisas estavam demorando demais. Via minhas filhas e meus sobrinhos crescerem; meus irmãos e minha mãe embranquecerem os cabelos…, e pouca perspectiva de as coisas melhorarem. Muitas vezes punha-me solitário na varanda, olhando as crianças correrem de um lado para outro, alheias ao mundo feroz que existia logo depois daqueles muros. Se encompridava o olhar, podia ver a cidade ao fundo, onde por certo, naquele exato momento, bem podia estar se tramando um grande roubo ou a morte de alguém.

Como quase sempre acontecia, para amenizar meu erro e apaziguar minha revolta, eu dizia alguma oração, pedindo a Deus um pouco de misericórdia para esta cidade inocente. Mesmo assim, no dia seguinte, podia-se ler sobre o assalto feito ao sobrinho do superintendente nacional da Polícia Federal,  Romeu Tuma, ou a queda  do avião monomotor da  Empresa Táxi Aéreo Tabalita, segundo seu piloto, sabotado pelo líder do PT, Luís Vila Nova. Diante das constantes ameaças, o piloto resolveu abrir a boca e denunciar Vila Nova também pela liderança dos sem-terra, que assassinaram a pauladas o “Baiano”, que teria ido à Fazenda Terra Bela para fazer o levantamento. Como estímulo, pasmem, Luís Vila Nova se candidataria a Deputado Estadual… e seria eleito.

Por causa de minha fé combalida e da sanha afoita da bandidagem, minhas orações pareciam improfícuas. Restava-me, então, mais uma vez a certeza de que nada no universo é eterno. Um dia, com certeza um dia, as coisas iriam mudar, simplesmente porque tudo, do aparecimento do mundo e do homem até hoje, elas sempre mudaram.  Há, nos segredos da vida, um limite para qualquer escalada, tanto para baixo, como para cima. Por isso eu sei, tenho certeza mesmo, que o rodízio sempre será uma norma de Deus e que Imperatriz terá seus dias de glória, sendo dirigida e administrada por homens responsáveis, capazes e honestos. Acredito, ou pelo menos rezo para não morrer sem ver esse dia! Com certeza, será apenas uma questão de tempo.

CAPÍTULO 62
1989: mais  um ano duro de nossa história. Não obstante vivêssemos num país democrático e de imprensa livre, era comum pagar-se caro por acreditar nisso. Em abril, o jornalista e radialista Antônio Orlando de Menezes, depois de protestar contra a violência policial, acabou sendo vítima da mesma. Apanhado numa casa noturna, foi jogado num camburão, espancado e deixado junto com marginais perigosos por mais de 8 horas, só saindo de lá graças à intervenção do presidente da Associação de Imprensa da Região Tocantina, Jurivê de Macedo, e do advogado e então Secretário de Obras, José Clébis dos Santos.

Paralelamente, carregando sobre si o destino de ser grande contra tudo e contra todos os seus mais ferrenhos inimigos, Imperatriz crescia. Havia em seus horizontes um futuro promissor que olhos aguçados de gente do Brasil inteiro enxergavam. Hoje, certamente, ficaria difícil definir se,  entre seus habitantes, o maior contingente  é de baianos, capixabas, maranhenses, goianos, paranaenses, catarinenses, paraenses ou forasteiros de outro estado qualquer. Se, por um lado, essa miscelânea étnica descaracteriza a cultura autóctone, por outro, a torna a mais rica e variada do País.

Enquanto Davi pressentia e lutava para sufocar aquilo que, como a cobra enregelada da fábula, se acalentada o picaria de morte, Negreiros, Fiquene, Agostinho Noleto e Ribamar Silva, esboçavam a fundação da Academia Imperatrizense de Letras, entidade que segregaria uma égide de intelectuais com o compromisso de implantar e divulgar nossos valores literários. Ela nasceria fraca e não suportaria o descaso político, mas serviria para, mais tarde, despertar no jornalista Edmilson Sanches, a coragem de engravidar melhor a idéia e fazê-la nascer forte e indestrutível.

Em 89 já havia muitos autores escrevendo e editando, mas o livro que mais se identificou como marco inicial, adveio  de uma modesta, inteligente e capaz filha da terra, a senhora Edelvira Marques de Moraes Barros. Em 1972, a pedido do então prefeito Renato Moreira, ela escreveu o livro “Eu, Imperatriz”, para mim o livro histórico  mais importante  aqui editado. A pequena Edelvira viu esta cidade – senão nascer, pelo menos dar os primeiros passos – amou-a com todas as forças de sua juventude e hoje, embora cansada, utiliza seu tempo na esperança de vê-la livre dos desmandos e da violência.

Concomitantemente, o também pequeno (em estatura) Vítor Gonçalves, que tantas vezes incluíra em suas andanças e boêmias a cidade de Imperatriz, era vencido pelos castigos que impunha a seu coração, por meio do cigarro, da bebida e das noites perdidas. Exatamente pela madrugada do dia 23 de junho, o fundador da “Folha de Caxias” e de o “Imparcial”, autor dos livros “Conversa tão-somente” e  “Roteiro de Sete Cidades”, o amigo particular de Monteiro Lobato, José Sarney, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Edmilson Sanches…, deixava este mundo para escrever suas histórias reais e engraçadas para os leitores de outra dimensão.

Foi sempre um irreverente, se assim se podem chamar as pessoas que dizem o que sentem em qualquer hora e lugar. Menos seus excessos de realismo e liberdade literária, parelha com Jurivê de Macedo: um dos melhores jornalistas do povo que já conheci. Num raro momento de seriedade literária e sentimental, Vítor deixou estes versos:

“Quando eu morrer, a noite entristecida

dará ao mundo a sua roupa escura

e o vento, em volta à minha sepultura,

virá contar-me histórias desta vida.

Num misto de saudade e de ternura,

minha mãe, pelos anos abatida,

há de rezar uma oração sentida

e há de chorar a minha desventura.

E passarão, juntinho a mim, silentes,

bandos de noivos, ternos, sorridentes,

virgens ainda em pleno alvorecer.

E, talvez, algum dia, um vulto amado,

venha chorar os dias do passado

no meu sepulcro… então, quando eu morrer.”

E era com a fé dos que acreditavam que somente a Educação libertaria nossa cidade dos desmandos e da corrupção que muitos idealistas iam minando a resistência e a força dos políticos inescrupulosos que se assenhorearam do poder.

Não que a pistolagem tivesse parado ou, sequer, chegado em níveis, digamos, aceitáveis. Como piolhos que se multiplicam nos estertores da morte de seu hospedeiro, assim também, diante do avanço lento, mas ininterrupto da conscientização popular, os baderneiros que sempre usaram e abusaram deste povo pacato e, sinceramente, covarde, pareciam afoitos em aproveitar seus últimos tempos de famigerada e total liberdade.

Talvez com a intenção de açambarcarem toda a região, depois de assaltarem o próprio filho do Superintendente da Polícia Federal, os assaltantes agora depenavam um índio Guajajara, da aldeia de Montes Altos, levando-lhe relógio, bolsa de documentos e até as próprias roupas. Por esse tempo, para variar, Zé Bonfim e seu filho Macarrão já se encontravam em Boa Vista, Roraima, trabalhando em garimpos. Desde que “fugiram” de Pedrinhas, quem mais sabia de seu endereço era a própria polícia.

Vasculhando algumas páginas policiais dos jornais de 89, separei algumas manchetes: “DELEGADO MATA ESTUDANTE; CARROCEIRO ASSASSINADO; LADRÕES ESTÃO TOMANDO CONTA DA CIDADE; ENCAPUZADOS ESPALHAM TERROR; AUMENTAM OS ARROMBAMENTOS DE RESIDÊNCIAS; MARGINAIS PROMOVEM TIROTEIO EM CLUBE; MOTORISTA DO PREFEITO SÁLVIO DINO É ASSASSINADO; UMA MULHER E TRÊS  HOMENS ASSASSINADOS PELO NATAL; RAPAZ ASSASSINADO COM 10 FACADAS; MULHER MORTA COM TIRO NA CABEÇA; MOTORISTA ASSASSINADO COM UM BALAÇO NO PEITO; ASSALTANTES TROCAM TIROS COM A POLÍCIA; MARGINAIS TOMARAM CONTA DA PRAÇA; ZELADOR MORTO MISTERIOSAMENTE; PISTOLEIRO MATA COMERCIANTE; PUXADORES NÃO DÃO TRÉGUAS; HOMEM É ASSASSINADO AO PERSEGUIR ASSALTANTE; LADRÕES DE CARROS DEITAM E ROLAM NA CIDADE…”

Era contra esse tipo de absurdo que alguns jornalistas e escritores começaram a protestar, usando seus conhecimentos para conscientizar o povo de que isso não mais podia continuar. Gilmário Café, sempre humilde e destemido, sem nenhum interesse político, era incansável nessa tarefa, jamais retirando uma vírgula, ainda que o assunto fosse as falcatruas do temível Davi.

Mas, a população de Imperatriz ainda iria pagar caro, muito caro por sua covardia. A dinastia Sarney, que embora não quisesse qualquer mal à cidade; que até enviava recursos astronômicos para que aqui fossem aplicados passou a apoiar, a troco de votos, verdadeiros saqueadores. O poder ficaria garantido, assim como a miséria do povo acrescida. Sempre disse e continuo afirmando: o mal do Sarney é a falta de pulso. Foi por causa dessa fraqueza explorada, que Collor chegou à Presidência da República. O Brasil dificilmente terá um político mais sagaz, mais esperto, mais “clarividente” do que José Sarney. É lamentável, que ele desperdice, talvez pela obsessão  do poder, tanto talento dado por Deus.

CAPÍTULO 63
A Região Tocantina é uma das mais belas do Maranhão. Imperatriz, como moça sofrida e maltratada, mas carregando em si a beleza dos traços de quem nasceu para ser grande e bonita, centraliza as atenções. Segunda maior cidade do Estado, sempre foi a insônia da Capital, pois, ainda que tentem sufocá-la, ela cresce e se avoluma em obediência a seu destino. Os tantos investimentos que aqui vão se processando, à revelia dos maus políticos, fazem dela um gigante que lentamente desperta. Embora desorganizadamente, possui um dos comércios mais sortidos do Nordeste. Tudo o que aqui se procura, normalmente se encontra.

Não tão distantes, as belezas do rio Farinha, as cachoeiras do Itapecuru e a beleza incomparável de Pedra Caída – um manancial com quase 40 metros de queda que se alarga numa grande piscina, onde nos parece que os anjos vêm descansar de suas andanças por nossa galáxia. É um dó que nossa vizinha cidade de Carolina também tenha se acomodado, aceitando o quase ostracismo dos maus tempos. Hoje, Carolina parece estagnada  e mal explora o paraíso ecológico que a natureza oferece.

Os que por estas bandas vivem não se dão conta dessas graças de Deus e os governos, numa demonstração inequívoca de pouco caso, pouco fazem para que o turismo seja explorado. Alardeiam interesse pela natureza, mas apontam para os cargos pessoas sem versatilidade, sem conhecimento e vivência nos campos. É comum distribuir cargos a parentes, amigos, correligionários… gente, cuja única compensação é o voto. É comum “doutores” que nunca entraram numa floresta, dirigir tais órgãos. Não se dão por outro motivo aberrações extrativistas; lutas pela terra;  desrespeito aos índios… Não que a solução seja entregar cada secretaria a pessoas do ramo, mas, ao menos, em o fazendo, a chance de falhar será sempre menor.

Hoje, continuamos vivendo um período de transição. Aliás, do início do mundo aos fins dos tempos, nunca será diferente: as coisas estarão sempre sofrendo acomodações e transformações. As matas que municiaram as centenas de serrarias de Imperatriz praticamente acabaram, juntamente com o dinheiro vindo de Serra Pelada. Há 15 anos, tinha-se a impressão de que as matas seriam inesgotáveis. As madeireiras eram abastecidas com matéria prima nunca vinda além de 40 km da rodovia principal. Agora, qualquer reserva que esteja a menos de 200 km é considerada privilegiada.

Serra Pelada, continua em seus eternos vaivéns. Não acredito que haja um grupo mais persistente do que o dos garimpeiros! Está mais que claro que a exploração manual de Serra Pelada se tornou  impraticável, mas mesmo assim eles insistem, lutam, brigam…, matam e morrem para não ver extinta a chama da esperança do enriquecimento rápido numa estocada de picareta.

Considerada a maior reserva aurífera do mundo, superior, inclusive, à mina de Morutaw, na Rússia, ela abriga, segundo estudiosos, mais de 600 toneladas de ouro e 200 de paládio. Essas “afirmações” estonteiam os garimpeiros, fazendo com que esqueçam os tantos desastres sociais já causados. Iludidos ou não, eles ainda não desanimaram, e, tenho quase certeza, não o farão nunca.

No dia 17 de junho, depois de 6 meses parada para rebaixamento, ela voltaria a funcionar, com liberação de partes da Serrinha, Montoeira, Alexandre, Pedra Preta, Babilônia, Grupo dos 50, Grupo dos 18, PPL, Buraco da Viúva e PPO. A estimativa de extração era de duas toneladas de ouro até a chegada do inverno, que aqui  inicia nos últimos meses do ano. As previsões falharam.

Foi nesse ano que os garimpeiros desconfiaram que havia jazidas ainda mais ricas nas proximidades. Devido à dificuldade ocasionada com as primeiras chuvas, os garimpeiros começaram a explorar áreas vizinhas como SNI, Tostão, Mandioca, Banana, Cutia e Espírito, sem que ninguém os incomodasse. Quando, porém, se desviaram para o Morro da Televisão, foram impedidos pela Polícia Federal, a serviço da Companhia Vale do Rio Doce. Para eles, não havia prova mais incontestável de que em volta havia minas ainda mais alvissareiras do que Serra Pelada. O tempo confirmaria ou não tais deduções.

Outro problema que nossa região vive é o do índio. Li, não lembro mais onde, que um sertanista – talvez Rondon – houvera dito em seus últimos momentos de vida, que se ia com uma tristeza na alma, pois entendia que “o problema do índio, não tinha solução”. Não é importante agora, a origem do desabafo. O importante mesmo é a gente notar a extensão do problema que avilta a justiça, deixando sem teto os verdadeiros donos da casa.

Quanto a mim, que tenho a absoluta certeza de que tudo tem seu tempo; que acredito no rodízio dos seres e das coisas, não me é novidade alguma a eliminação de uma raça que, talvez infelizmente, já tenha cumprido seu papel. Está sendo muito difícil para nossos índios, resistir ao desrespeito e à ganância dos brancos.

Ou se interrompe o aumento populacional “dos brancos”, ou eles, mais inteligentes e inescrupulosos, eliminarão os índios do mundo. Talvez seja deselegante e até desumano admitir, mas do jeito que a coisa anda  não há mais como aceitar uma raça descaracterizada, que já caça de espingarda, já bebe whisky importado, já negocia as madeiras e as riquezas de suas reservas, usa filmadoras e antenas parabólicas,…, e tem verdadeira aversão ao trabalho. Como manter-se a idéia de um ser humano nu, cocar na cabeça, peixe na fisga de madeira, quando desabafa: “O homem branco, aquele que se diz civilizado, pisou duro não só na terra, mas na alma do meu povo, e os rios cresceram e o mar se tornou mais salgado, porque as lágrimas de minha gente foram muitas.” Foi concedida a Txibae Ewororo, chefe Bororó da aldeia Meruri no Mato Grosso, a autoria do desabafo que qualquer de nossos poetas maiores assinariam.E

Em 89, os Krikatis, depois de uma espera pela demarcação de 20 anos, resolveram apelar para a força, ameaçando deflagrar uma guerra, caso o governo não tomasse uma medida séria para impedir a invasão de suas terras em Montes Altos; em junho, os índios da aldeia de Governador,  em Amarante, para obter alguns de seus direitos, seqüestraram um caminhão com seus ocupantes; em julho, o indigenista Cláudio Zanoni, juntamente com padres da Igreja Católica, denunciaram a invasão das terras dos Awas, território tradicional dos índios Guajás. Segundo os denunciantes, os índios estavam se dispersando, acossados e ameaçados por fazendeiros e madeireiros, incluindo-se, na citação, os Irmãos Galetti e a empresa Alto Turiaçu. Denunciaram, outrossim, que a reserva de 530 mil hectares dos Urubus-kaapor, Tembés e Timbiras estava sendo retalhada e vendida indiscriminadamente. Enfim, na infindável querela das remanescentes raças indígenas com o avanço ganancioso dos brancos, os primeiros iam perdendo, não obstante estivessem apoiados por centenas de leis e decretos de uma constituição fajuta.

Assim, transcendo a legalidade e  maltrato a simpatia para afirmar que, infelizmente, o fim de nossos índios é apenas uma questão de tempo…, como o foi em outras partes do mundo que hoje nos crucificam por não respeitar os direitos dos verdadeiros donos da terra. De fato, índio e branco são como água e azeite: jamais viverão misturados. Jamais será possível manter a harmonia de um jardim de tênues flores  permitindo que dentro viva um elefante. Embora seja duro admitir, o mundo ainda varará alguns séculos tendo como lei a força e o interesse. E, assim sendo, os fracos, com direitos ou sem eles, apoiados pela lei ou sem seu apoio, sucumbirão.          Hoje, 19 de abril, comemora-se o dia do índio. Alguém escreve:

“Hoje não é apenas o dia do índio, mas o dia de se pôr a mão na consciência. Urge mudar a ótica branca, negra ou morena sobre a questão indígena. Chega de falsa tutela. Não se concebe que nós, povo e autoridades, contemporâneos das luzes e dos direitos humanos, continuemos com a política genocida que arrasta as nações indígenas à extinção. Tupis, Guaranis, Xavantes, Karore, Ianomani, Kuikuru, Kraós, Tapuias, Krikati e outros mais necessitam viver…, ou vegetar à sua maneira, com sua cultura, seus direitos respeitados, sua natureza, suas terras  –  principalmente suas terras  –  reclamadas  por neófitos e outros caçadores de contendas: todos vítimas do absurdo miopismo patriótico. Os índios são os verdadeiros donos desta Pátria, que, por sua dimensão, pode oferecer espaço para todos nós. O Brasil, que somava 5 milhões de índios na época do descobrimento, não pode reduzi-los a páginas tristes de sua história. Nalguma esquina do tempo, o futuro espera que nós, brasilianos tardios, e eles, que brasiliaram primeiro, nos encontremos e nos demos as mãos.”

As honras àqueles que lutam por tudo quanto é justo. Afinal, sonhar, nunca foi pecado.

CAPÍTULO 64
Todos os anos em que ocorrem eleições, os pleiteantes a cargos descobrem ou inventam alguma coisa para atrair os votos dos eleitores. Esta é uma das razões das milhares de obras iniciadas e inacabadas, e que causam prejuízos astronômicos aos cofres públicos. Assim sempre foi, assim está sendo e é possível que jamais iremos nos livrar desse modelo aviltante.

A divisão do Maranhão em duas partes, com a criação do Maranhão do Sul, tendo como capital Imperatriz, talvez tenha sido mais um desses golpes de campanha. Duas razões levam uma pessoa sensata a duvidar: Imperatriz seria uma capital fronteiriça e todos sabemos que, embora não sendo lei, há preferência por capitais centralizadas; e São Luís talvez vá à guerra para não perder a região que maior renda lhe proporciona.

É claro que estas elementares deduções pouco se refletem na maioria que elege: analfabetos ou, quando muito, incapacitados ao menor raciocínio. Quando eu ouvia alguns de nossos políticos dizerem que tudo já estava resolvido, que eles eram o pai da idéia…, quando lia revistas dando até detalhes, sinceramente, sentia pena do povo que, como rolinhas inocentes, pisavam em laço tão grotesco. E houve gente que investiu nisso, adquirindo lotes e áreas que seriam valorizadas caso o sonho se realizasse!

O tempo, porém, se incumbiu da verdade. Passadas as eleições, o assunto foi logo esquecido, mesmo porque o Maranhão nem sequer tem dimensões geográficas que impossibilitem ou dificultem uma única administração. Mesmo assim, no dia em que dividir o Estado for conveniente  ao grupo político que o manipula, com certeza isso se fará.

À época, Léo Franklin, Jomar Fernandes, Paulo Rodrigues, Francimar Moreira, Moacyr Spósito e Davi Alves Silva, foram os que mais exploraram a idéia, cada um querendo demonstrar seu “grande amor pela cidade”. Há 18 anos, quando me mudei para cá, Imperatriz já era um mundo de problemas! Tinha, no entanto, a justificar a sede pela Prefeitura, os grandes investimentos, os muitos impostos que eram arrecadados através das centenas de indústrias madeireiras, as mãos bondosas de Sarney e o dinheiro fácil de Serra Pelada.

Com tantos meios e recursos, quase nada se fez. Parecia haver, nos que foram eleitos, maior preocupação para com eles próprios do que com a cidade. É claro que, se com dinheiro a rodo pouco se fez, sem ele, as coisas tenderiam a piorar, já que o quinhão dos políticos nunca foi diminuído, antes, aumentado, em detrimento da miséria extrema do povo. Aos poucos, nossa Imperatriz foi perdendo as vestes reais e se transformando numa maltrapilha desleixada. Ainda assim, há quem lute, desgaste-se, mate ou mande matar, para estar à frente de seu destino.

Hoje tanto falamos dos mistérios que envolvem a humanidade, tais como, um único Deus em Três Pessoas; um Deus sem princípio nem fim; o aparecimento do homem sobre a Terra…, e penso, haveremos de incluir mais um: o amor de nossos políticos pela cidade de Imperatriz. Sim, porque, em se retirando a possibilidade de mistério, fica difícil admitir que 357 candidatos, de livre e espontânea vontade, lutem e até matem para dirigir uma cidade sem ruas, sem dinheiro (?), sem infra-estrutura…, uma cidade com milhares de problemas praticamente insolúveis.

Mesmo assim, a fome é tão grande que alguns não têm a paciência de esperar os 4 anos do oponente: mandam riscá-lo do mapa.

Pelo Brasil, a politicagem não era menor. Collor e Lula logo tomaram a dianteira nas preferências. Brizola, Ulisses e mais um punhado de também “ardorosos brasileiros que ofereciam a vida pela Pátria”, logo foram sendo descartados pelos dois primeiros que encontraram slogans mais atinentes com a emoção do povo. O primeiro prometia acabar com os marajás e o segundo, fazer dos trabalhadores, marajás. Acabou vencendo o primeiro, que sabia cerrar melhor os punhos.Em verdade, no Brasil, para ser eleito, basta apenas descobrir uma palavra mágica que convença, principalmente, os donos de televisão. Dessa fábrica de emoção, saem os vencedores… e os derrotados. A voz grave de um apresentador tem a força de transformar heróis em bandidos… e políticos em heróis. As imagens completam o ciclo, adentrando e alterando as opiniões.

Para mim que já vivo desiludido com esta geração de políticos, o que mais me doeu mesmo em 89 foi a morte de Luís Gonzaga, meu herói dos tempos de menino. Pareço ver-me aos pés de minha mãe, implorando algumas galinhas para que eu as vendesse e com o dinheiro comprasse um gaita para tocar Asa Branca. Realizei meu sonho e só Deus sabe como minha mãe conseguia aturar-me o dia todo assoprando as mesmas teclas. “Quando oiei a terra ardendo, qual fogueira de São João, então eu disse: Deus do céu! porque tamanha judiação…” Quando o sol brilha forte neste limite de Norte-Nordeste, eu materializo a imagem do velho pernambucano e me permito a doce ilusão de retornar aos meus tempos de criança. Hoje, por certo, ele já tem a resposta de Deus a respeito de tamanha judiação.

 CAPÍTULO 65
O que se escreveu, se disse e se fez em 1990, merecia um sepultamento digno de dejetos radioativos, tal a petulância, tal a incoerência, tal o atrevimento com que se deu. Seria muito bom se  pudéssemos apagá-lo de nossa memória. Infelizmente, as coisas tristes e os sofrimentos são os que mais perduram.

Era o segundo ano do “reinado de Davi”, o mais polêmico político, quiçá, de todo o País. Ele manipulou quase tudo e quase todos, conseguindo que pessoas tidas como honestas e coerentes descessem aos mais baixos degraus da dignidade. Praticando os mais vis crimes contra o decoro e contra a decência administrativa, ele, literalmente, comprou vereadores, manipulou governadores, descaracterizou jornalistas…, fez o diabo.

Embora não fosse eleito pela situação, logo conseguiu dela todo o apoio de que necessitava, graças ao curral eleitoral de que dispunha: argumento mais do que convincente para aqueles cujo Deus é o poder. Foi o ano em que mais senti o peso das frustrações, vendo pessoas conhecidas, que imaginava firmes em seus ideais mudarem de “cor” como camaleões, bastando, para tanto, uma conversinha com o chefe do executivo.

E, assim, muitos jornais e jornalistas, médicos, políticos e pretensos…, uma falsa plêiade de gente ligada aos destinos de Imperatriz, ia e vinha ao sabor dos interesses pessoais, brigando, escrevendo, arranjando inimizades, ameaçando, apoiando e defendendo o prefeito como não o fizeram os apóstolos a Jesus.

Logo Davi ficou com maioria na Câmara e não tardou para que as reuniões se fizessem apenas para ratificar suas  ordens mal escritas. Foi votado e aprovado o orçamento mais absurdo de nossos tempos, dando ao prefeito a chance de endividar o município e enriquecer-se em poucos anos. Alguns espernearam, gritaram por um pouco de tempo…, mas tal era a alquimia do prefeito para calá-los e até fazê-los  passar para a defesa, que somente Deus poderia explicar.

É revirando velhas folhas de jornais durante estes últimos 15 anos que a gente percebe a mutação moral de muitas pessoas. É, se não de estarrecer, ao menos revoltante, notar como nossa cidade está infestada de oportunistas: gente que muda de partido, de crença e de verdade como se isso fosse a coisa mais natural deste mundo. E há, depois de tudo, aqueles que apontam os eleitores como sendo os culpados pelos desmandos,  por terem, pelo voto, colocado no poder homens indignos.

Como acusar um povo sem opção? Mesmo quando se pede orientação a Deus, quando se medita, quando se abrem as portas à consciência para que ela decida por si em quem devemos votar, ainda assim nos tornamos passíveis de erros. Mesmo rezando e saindo das urnas certo do dever cumprido, já votei em grandes bandidos e lapidados ladrões.

É que, normalmente, votamos segundo o que conhecemos das pessoas e segundo o que elas prometem fazer, se eleitas. E se não quisermos viver um dilema, bom é não dar a eles a chance de um bate-papo, pois poucos são mais versáteis na arte de iludir do que os políticos de carreira. Grande parte deles são exímios lobos com peles de carneiros; lapidados hipócritas, com palavreado capaz de convencer ao mais desconfiado cidadão.

Vou dedicar o próximo capítulo a recortes de alguns acontecimentos que os jornais noticiaram largamente. A conclusão ficará por conta de cada um que, imagino, terá “a desventura” de correr os olhos por aqui.

 CAPÍTULO 66
“Divino Garcia mudou de opinião em relação a Davi. Em entrevista,  ele teceu elogios ao chefe do Executivo, a quem vinha criticando. Ele entende que Davi cumpriu seus deveres como prefeito em 89.”

“Davi não está preparado para governar Imperatriz” – essa foi uma das declarações feita pelo vice-prefeito Divino Garcia Rosa em entrevista exclusiva ao jornalista Edmilson Sanches…”

Davi: “Divino é doente e não pode assumir a Prefeitura…”

“Vila Nova garante: Davi comanda invasão no Pindaré”. Nessa reportagem, Vila Nova, também acusado do mesmo pecado, afirma que Davi, utilizando carros chapas brancas, mancomunado com os ‘testas-de-ferro’ Zezinho da Mapisa e Jorge Madeireiro e mais 14 homens fortemente armados, utilizando sua  triste fama de pistoleiro, estava escorraçando as famílias dos 8.500 hectares de terras que haviam sido desapropriados pelo Governo Federal e entregues a 400 famílias.”

“André Paulino disse que o veto é mais uma prova da incompetência do prefeito e de sua assessoria jurídica. Ao acompanharem o prefeito cegamente, os vereadores mostram que não têm personalidade, insistindo em permanecer no erro.”

“Davi fechou acordo político com o médico André Paulino, líder do PMDB na edilidade, até então, um dos maiores críticos de seu governo.”

 Nunca se soube a razão de um homem de personalidade tão forte ter descido os degraus do orgulho e, de uma hora para outra, passar para o lado de Davi e ainda, humildemente, confessar: “Sou um dos arrependidos”.

“O médico e vereador André Paulino está acompanhando o serviço de escrutinação de votos e diz que medicina é bom, mas lote é melhor ainda’”

“Paulo Rodrigues entrega à Polícia Federal um documento em que, segundo ele, Davi Alves Silva é o responsável pela violência em Imperatriz.”

“Castelo afirma que José Sarney e Lobão protegeram Zé Bonfim e que, mesmo depois de a Polícia Federal o prender, mandaram soltá-lo… pela porta da frente da cadeia.”

“Castelo afirma: Fiquene terá que explicar onde foi o dinheiro das mil casas populares, recebido através do convênio celebrado com a extinta Secretaria Especial de Ação Comunitária da Presidência da República.”

“O prefeito de Montes Altos, Nelson Ricardino Castilho, disse que decidiu pedir uma devassa nos imóveis da família Fiquene adquiridos no período em que Ribamar Fiquene foi prefeito, para mostrar quem realmente é corrupto.”

“A maioria dos vereadores mostrou que, por submissão à ordem do Palácio Branco, até a Constituição Federal é violada. Só eles não vêem que estão votando contra a lógica, contra o bom senso, contra a razão e, acima de tudo, contra a lei. Causa  tristeza ver vereadores votando com voz sumida e olhos baixos, envergonhados da própria fraqueza e já condenados pela própria consciência; causa vergonha ver pessoas que, supostamente, estão aptas a defender os interesses da comunidade e que, na hora de demonstrar que são dignos dos votos que os levaram àquela Casa, o que mostram é apenas a defesa dos próprios interesses, atrelados que estão ao Executivo, a quem devem obediência cega. É prova de total incompetência e encabrestamento ficar do lado de uma atitude ridícula e repugnante como essa.”

“A partir de terça-feira, o Mercadão do Povo, de propriedade do prefeito Davi Silva e do ex-secretário de Abastecimento Damião Benício dos Santos suspenderá as vendas a prazo para seus clientes”.

“Já está nas ruas a campanha do vereador e secretário de Habitação,  João Macedo, principal nome da lista de correligionários que o prefeito Davi deseja eleger deputado estadual. Ele já distribuiu 400 lotes  e tem em mira mais 400 áreas para serem doadas. Isso, segundo ele, irá render-lhe  número expressivo de votos no pleito de 3 de outubro.”

“120 toneladas de alimentos estão sendo distribuídas pelo prefeito Davi Alves Silva à população carente de Imperatriz. Diante das críticas, Davi retruca: a melhor e mais importante crítica é aquela vinda de quem recebe a sacolinha e não daqueles que são incapazes de fazer alguma coisa que não seja eleitoreira. Vamos ouvir a opinião do povo beneficiado.”

“O povo sabe de minha [Davi] posição em relação a Sarney Filho e a Fiquene e é por isso que não pretendo estar no aeroporto para recebê-los.”

Davi: “Gostaria de, neste momento, dar posse ao José Ribamar Garros, pessoa de grande competência e que já demonstrou sua preparação para este cargo em outras ocasiões. Trago  uma pessoa de Imperatriz pra responder por esta pasta, ciente de que a escolha, com certeza, será proveitosa.” E como!…

Penso que este capítulo dispensaria todos os demais que falam do tempo em que prefeitos inescrupulosos comandaram nosso município, saqueando o erário público e, muitas vezes, até ferindo os mais sagrados princípios morais de muitos vereadores… e de muitos cidadãos tidos como de bons princípios e personalidade forte.

CAPÍTULO 67
Em 90, Davi entrou numa espécie de transe, e não seria impróprio, inclusive, afirmar que tenha se considerado, nas crises mais doentias, um deus ou, quando nada, um predestinado, um super-homem…, o “galo” que reinava soberanamente nos terreiros do Maranhão. Jamais alguém sentiu mais o poder da persuasão pelo dinheiro do que ele, e, por certo, também ninguém teve maiores motivos para desacreditar naqueles que defendiam os valores morais por estarem alijados do poder.

Tudo para ele podia ser comprado. Frustrado, eu já duvidava de minhas convicções, quando via determinadas pessoas serem manipuladas como se fossem folhas de papel. Não que eu desconheça a possibilidade de se reconhecer um erro e se redimir, mas simplesmente porque sabia que não era isso o que estava acontecendo. Não podia conceber que pessoas inteligentes, pessoas que pregavam suas verdades há anos, depois de uma rápida conversa com Davi, ou depois de uma nomeação qualquer, pudessem mudar de opinião tão rapidamente.

Quero deixar claro que não estou endereçando estas palavras, como parece, ao André Paulino ou ao brilhante jornalista Coquinho, que arranjou encrencas e inimizades, que atacou Deus e o mundo para defender Davi e que, um dia depois das eleições, encerrou suas crônicas em “O PROGRESSO”,  mas sim a todos aqueles que, claramente, vivem mudando de verdades, como se elas pudessem ser construídas, normalmente, em cima de interesses particulares. É inadmissível alguém protestar quase uma vida inteira por causa de determinadas posturas políticas e, num repente, passar a apoiá-las. Eu, não consigo entender.

Para ser sincero, não há como esconder ou desconhecer a forjada ação social de Davi, através de suas sacolinhas ou da distribuição de lotes. Estou certo de que muitas coisas ruins a ele atribuídas não passaram de manobras vis de seus adversários, indignados com as sucessivas derrotas, mas jamais acreditarei em seu amor para com os pobres.

Seu carinho pelos menos favorecidos é uma farsa maior que o beijo de Judas em Cristo. Só ele sabe quanto lhe custa cheirar pobres fedorentos, abraçar velhas desdentadas e cuspideiras, enfrentar sol e chuva para entregar com as próprias mãos um punhado de farinha com arroz. Mas essa aparente filantropia tinha seu preço… e que preço!

Sempre acusado por esse falso humanitarismo, um dia defendeu-se, dizendo que aqueles que o acusavam eram incapazes de fazer qualquer coisa com desprendimento, havendo sempre a segunda intenção de comprar o voto, ou seja, o fim eleitoreiro. Ele, pelo visto, não se dizia um desses.

Acontece que, na época, ele apoiava Castelo para governador do Estado e se sentia o dono da “cocada preta”, afirmando que ao Palácio dos Leões, subiria quem ele determinasse. No entanto, Lobão venceu. Diante desse duro primeiro golpe, ele esqueceu o amor pelos pobres: demitiu centenas de apadrinhados; suspendeu as sacolinhas; expulsou os feirantes do Calçadão, cortou o crédito de seu Mercadão e foi enfático em dizer que não estava aí para patrocinar traidores. Ficava claro que o preço de seu amor pelos carentes era-lhe a total subserviência, a obediência cega às suas ordens e a garantia de retorno de polpuda rentabilidade financeira, através do dinheiro público.

Revirando documentos, percebo com clareza que a derrota de Castelo pela chamada “oligarquia Sarney” foi o início da decadência de Davi. Jamais ele voltaria a ser aquele político carismático que pisava a elite, que desafiava governadores, que se dizia o “galo de Imperatriz”. Contudo, mesmo com ligeira queda de prestígio, continuaria sendo a insônia de seus adversários, pois jamais houve um político em nossa cidade que tivesse vencido um pleito com votação mais maciça. Haveremos de convir também que ele não pareceria tão mau, se nas acusações não houvesse sempre claros traços de despeito, inveja e incapacidade de sobrepujá-lo.

Hoje, recai sobre ele, a mesma denúncia atribuída a quase todos os políticos: enriquecimento incompatível com os salários que recebe. É lamentável que as evidências de nada sirvam, pois do contrário não haveria prova mais incontestável para fazer com que a maioria dos políticos apodrecesse na cadeia do que o crescimento financeiro vertiginoso. No Brasil inteiro, ainda, o proibido ou o perigoso não é roubar, mas, sim, assinar recibo do roubo. Desde que as provas sejam dificultadas, qualquer rico pode matar ou mandar que o façam, roubar, praticar qualquer delito, bastando apenas ignorar ou não ter medo de prestar contas a Deus.

Ser eleito, para muitos, é resolver de vez e para sempre, seus problemas financeiros. Por isso, em cada pleito, mesmo numa cidade pequena como Imperatriz, centenas de pessoas concorrem, na vã esperança de não mais pensar em inflação, recessão, miséria ou coisa parecida. E é tão clara essa intenção nos concorrentes que afirmo: se um dia houver possibilidade de se coibir os conluios e a corrupção, só teremos políticos por imposição ou por ordem judicial. Sim, porque homem idealista, honesto, sincero, íntegro…, capaz de sacrificar alguns anos de sua vida para viver o inferno de comandar uma cidade saqueada, cheia de enormes problemas, apenas por amor à sua comunidade, não estou certo se ainda há por aqui.

 CAPÍTULO 68
Vencido no primeiro round, ainda enquanto engolia o amargor das festas em comemoração à vitória de Lobão e, concomitantemente, se vingava de seus protegidos carentes que, segundo ele, haviam-no traído deixando de votar em Castelo como fora sua ordem, Davi logo resolveu mudar de estratégia. Talvez decepcionado com os fiapos de boa intenção que poderiam existir em sua cabeça, resolveu deles abdicar peremptoriamente.

Em poucos dias, depois de suspeitas conversas particulares com todos os edis, ele anunciava imprevisíveis adesões e maioria absoluta na Câmara. Aprovou-se logo o orçamento proposto por ele de 2 milhões de cruzeiros para 91. Nem um centavo seria poupado. Nossos representantes, criminosamente, selavam com aquele ato um longo tempo de sofrimento para a cidade e seu povo, injetando no bolso do maior algoz de Imperatriz a munição de que necessitava para manter viva sua triste lembrança.

Nesse tempo, a única coisa que um prefeito desonesto precisava  para conseguir dinheiro era que a Câmara aprovasse o seu orçamento. Enquanto foi possível endividar a nação com empréstimos no exterior, o governo federal jamais negou os repasses. Isso gerou um aumento astronômico de nossa dívida interna e externa, até chegar ao clímax da insolvência. Quando já não havia mais de onde tirar, pois até nossos financiadores externos passaram a acreditar no desabafo francês de que não éramos um país sério, o governo, sem dinheiro e sem ninguém que lho emprestasse, fechou as torneiras. O exterior, além de não emprestar mais, ainda passou a exigir o pagamento do que já havia emprestado. As prefeituras, mal-acostumadas, sofreram o impacto.

Hoje, o que se arrecada mal dá para pagar os marajás, os apadrinhados e, também, aqueles que de fato trabalham. Quando sobra alguma coisa (na maioria das prefeituras) a ganância política absorve. Muitos prefeitos têm que lutar quase que exclusivamente para pagar as dívidas assumidas por seus antecessores em orçamentos espúrios.

Nesse ano, muitos viveram a esperança de ver diminuída a prepotência do prefeito, quando o coronel Ventura foi designado para comandar o 50º BIS. Ele veio com a fama de durão e se comentava à boca pequena que não iria tolerar a empáfia de Davi. De fato, houve zunzuns e expectativas, mas ainda não seria desta feita. Não era bastante qualquer ação isolada: seria preciso que o povo tomasse consciência de sua força; seria preciso que um cidadão destemido e inteligente bolasse um plano, fundasse uma entidade forte e pusesse a sociedade em ação. Essa semente, os bons ventos já haviam trazido para Imperatriz. Pude notá-la no pequeno trecho abaixo:

“A juventude maranhense é a massa, o barro, a matéria com que será modelado o futuro do nosso povo e do nosso Estado… Será um PROGRAMA para o qual haverá de ser convocada a sociedade civil maranhense organizada, inclusive as Forças Armadas, as Igrejas, os clubes de serviço e, em particular, o empresariado, como também as famílias e as pessoas físicas em geral, enfim, todos os cidadãos de boa vontade. Vou oferecê-lo ao Governador e, quem sabe, ele poderá oferecê-lo ao Governo Federal, em nome do Maranhão, e também ao municipal, para uma ação integrada.”

Nessas palavras inspiradas, o advogado Ulisses Braga – como profeta e visionário – registrava a esperança de pôr fim à desordem política da Princesa do Tocantins. O tempo diria!…

 CAPÍTULO 69
Um país bem pode ser comparado a um corpo humano: quando há um problema qualquer em uma das partes, reflete-se no todo. Por isso, Imperatriz se vira logo prejudicada com a vingança de Collor, que suspendera, imediatamente, os trabalhos da Norte-Sul, iniciados por Sarney, seu mais ferrenho adversário político.

Não importava – como dificilmente importa a quem está no poder  –  se determinada obra é boa ou não. O que de fato conta ponto é derrotar ou, quando nada, diminuir o prestígio do concorrente. Por isso, as obras da Ferrovia Norte-Sul foram suspensas, não obstante recebesse apoio e aceitação até de nossos patrícios sulistas que, até então, como frisou meu patrono Othon Maranhão, sempre acharam que o Brasil “começava em Minas Gerais”. Sem sombra de dúvidas, apesar de ela representar uma obra faraônica, apesar de carregar em seu âmago a intenção de deixar seu “idealizador” na história, ela será, agora ou quando vier, de vital importância para o desenvolvimento da Região Centro-Oeste do Brasil.

Em linhas gerais, o Brasil, embora de relevo propício a ferrovias, é um dos que menos as explora, encarecendo seus produtos com os transportes rodoviários, de inteiro interesse das montadoras e das revendedoras de pneus e acessórios. Embora tenhamos a maior área agrícola disponível do planeta; embora, in loco, apresentemos os produtos mais baratos do mundo, na sua movimentação e preparação, o chamado “custo Brasil” acaba por inviabilizar a possibilidade de concorrência com o mercado externo. Mas isso pouco importava a Collor, cuja meta era diminuir ou mesmo acabar com o que sobrara de prestígio de seus oponentes.

No dia 15 de março, Fernando Collor de Mello, num Rolls Royce, chegou à Esplanada dos Ministérios. Havia 30 anos que não se via tanta pompa e tanto gasto. Mesmo diante dessa demonstração inequívoca de vaidade doentia, o povo continuava acreditando: eu continuava acreditando. Só Deus sabe quantas esperanças depositei naqueles punhos cerrados, naquela pretensa ousadia de desafiar a corrupção dos chamados “colarinhos brancos”! Por isso, como um apaixonado, eu não queria ver, e por certo me pareceram normais aquelas primeiras demonstrações de ostentação e de vaidade. Collor talvez tenha sido a última oportunidade de mudar minha opinião sobre os políticos, firmada em décadas de desmandos e corrupção. Ao invés de movê-la, ele a acentuou e hoje, mais que antes, não encontro motivos para mudar as letras de meu teclado de aversão àqueles que, diariamente, dão demonstração de indiferença para com os destinos da Nação e de insensibilidade para com o sofrimento do povo.

Quando ele confiscou o dinheiro da população, quando fez mudanças econômicas abruptas, quando carregou seu fuzil com a tal única bala, meu coração ainda pulsava cheio de esperanças. Por isso não lamentei nem fiquei triste quando confiscou o dinheiro de que dispunha nos bancos. Ainda sem revolta, ainda cheio de esperanças, eu o defendia nos bate-papos de rua, achando mesmo que, devido ao tamanho do problema, só um sofrimento à altura seria capaz de solucioná-lo.

E o Brasil inteiro, estonteado, perdido na vã esperança de que, ao menos agora os políticos estavam sendo sinceros, engoliu o maior golpe da história, aceitando que um único homem saqueasse a Nação inteira. Apenas restabelecido de um longo período de ditadura, sobrevivente de uma transição comandada por homens de pulso fraco e pouco afeitos a enfrentar os problemas que uma tomada de posição mais drástica iria acarretar, os brasileiros aceitaram pacificamente, sujeitando-se à maior humilhação a que talvez um povo já tenha se submetido.

Tendo Paulo César Farias como testa de ferro, Collor garantiu-se, em tempo exíguo,  para o resto de seus dias. Hoje, depois de deposto, depois de tanto falatório, ele vive tranqüilo, passeando pelas Bermudas e pelo mundo, como se fosse o maior dos injustiçados do País. Seu testa de ferro, PC, depois de comprar meio-mundo e ainda lhe sobrar para comprar a outra metade, acabaria sendo assassinado em queima de arquivo. E, mais uma vez, nada iria acontecer.

Por essa e tantas outras razões, por mais que eu tente, por mais que me esforce, não consigo fitar os horizontes de minha Pátria com muita  esperança. Ela está minada de uma safra podre de políticos e não há como separar um que já não esteja contaminado para apodrecer logo em seguida.

CAPÍTULO 70
Em 1990 eu atingi o ápice de minha crise existencial. Não sei a razão, mas desde criança eu fora curioso demais para com as coisas transcendentais. Faz parte de mim a angústia de ser vencido, não só em competições esportivas, como também nas de fé. A obsessão por tentar  fazer sempre o melhor tem-me custado muito!

Foi nesse tempo que passei a conhecer um jovem sacerdote muito inteligente. Um dia telefonei para ele e solicitei um pouco de seu precioso tempo para que pudéssemos discutir os meus problemas. Conversamos muitas horas durante alguns dias, o bastante para que ele percebesse que o que eu desejava ele mesmo não tinha para si. Fiquei convencido de que somos todos iguais: um poço de inconstância, de dúvidas e de insegurança.

Em julho, meu amigo e confessor entregava ao bispo uma carta-renúncia, na qual expunha motivos pessoais para “deixar a batina”. Em agosto, ele se casou, deixando para trás 12 anos de intenso trabalho no Seminário Santo Antônio de São Luís, na pastoral da Diocese e como pároco da Igreja Santa Teresa d’Ávila. Saiu com a lisura com que entrou e ainda hoje, quando escrevo, ele continua sendo um exemplo de sabedoria e dignidade. É um dó que a Igreja Católica relute em abrir, quando nada um precedente, para aqueles que acham por demais pesada a cruz da solidão, segundo  madre Teresa de Calcutá, mais terrível que a miséria e a fome. Jamais irei entender essa posição radical da Igreja, assim como sua interferência direta em assuntos não atinentes.

Tenho como certo que não somos tão culpados por nossas inclinações. Elas são definidas no ato de nossa geração e tudo o que irá contar ou descontar pontos será nosso esforço para melhorar. Quem não percebe que não é por opção que uns são calados e outros falam tanto; que uns são tristes e outros sorriem mesmo nas adversidades; que uns têm coragem e outros nascem medrosos?

A personalidade que nos define, a gente recebe ao nascer. Independe de nossa escolha. Que se tente fazer de um Mike Tyson um cantor de ópera, ou de Caetano Velozo um acrobata olímpico! É mais que evidente que não se conseguiria, porque ao serem gerados, foram programados para outras funções. Ao ser humano, apenas será levado em conta por Deus o esforço que fez em vida para diminuir seus erros ou para acrescer suas virtudes e dons recebidos.

Por causa desta “minha verdade”, continuo achando que a Igreja Católica perde muito quando deixa escapar homens íntegros, capazes de orientar muitas almas em seu ministério, por intransigência e medo de errar. Por que não permitir o casamento, ao menos como opção para aqueles que se enganaram ao escolher o celibato? Afinal, sexo normal, por amor e perpetuação da espécie, é crime? Terá Deus criado coisa tão horrenda? Quando e onde se perde mais: diminuindo o tempo integral de doação de um sacerdote ou  subtraindo totalmente sua orientação e ajuda? Coisas como estas, como as guerras entre cristãos na Irlanda do Norte e outros lugares, como o lobismo para condenar “uma ovelha desgarrada” que atentou contra os seus interesses,  como a participação direta e ativa na política, como a irredutibilidade às sugestões científicas no aborto, planejamento familiar, eutanásia…, são coisas que não entendo. A Igreja Católica deveria usar com um pouco mais de audácia o poder que Jesus lhes legou aqui na terra. Considero certos tipos de conservadorismo como alguém que tenha recebido uma fortuna para distribuir aos outros e prefere guardá-la enquanto o semelhante morre de fome.

Ainda em julho, Imperatriz, que nesse tempo ainda não disparara na arrancada literária, perde um de seus poucos aficionados: o cronista Raimundo Silva Miranda, autor do livro “Emoções Sentidas”. Com apenas 68 anos, na fase mais propícia para produzir, foi surpreendido pelo coração,  vindo a falecer, repentinamente, deixando seu segundo livro pela metade.  Raimundo Miranda, de onde estiver, poderá estar certo de que foi um dos semeadores mais profícuos dessa safra.

Com mais de 50 estabelecimentos de ensino, indo desde escolas primárias até às universidades, Imperatriz, não obstante os entraves de um prefeito totalmente avesso à Educação, seguia com garbo para atingir, num tempo não tão distante, a condição de cidade que mais lançaria livros no País.

Concomitantemente, a cidade continuava com seus esgotos a céu aberto e, nos bairros, a hanseníase alastrava-se em forma de epidemia.

Vivendo agora seu segundo ano de corrupção pública, com Serra Pelada em eterno conflito entre os que defendiam o fechamento e os que queriam a reabertura, nossa cidade não conseguiu passar ilesa pelos transtornos sociais que isso sempre acarreta. Mas o povo, essa miscelânea étnica que nesse ano já somava mais de 200 mil pessoas, seguia firme para o seu grande destino.

 CAPÍTULO 71
Durante o governo de Davi, coincidência ou não, a pistolagem tomou proporções insuportáveis e humilhantes para todos os imperatrizenses. Se por um lado muitos perdiam a vida por qualquer discordância, por outro, nossa cidade era denegrida lá fora, tornando-se conhecida como um covil de marginais. Tínhamos como duros testemunhos o aparecimento diário de cadáveres pelas cercanias da cidade. Sabíamos, sobejamente, que o mesmo acontecia  em outras cidades, acrescidos ou diminuídos conforme o tempo e a população, mas muitos se aproveitavam da situação para denegrir sempre mais a imagem de Davi.

Imperatriz foi ficando conhecida como uma terra de forasteiros, homens tidos como oportunistas e aproveitadores, gente inescrupulosa que para aqui vinham,  temporariamente, apenas para buscar o enriquecimento. Para incrementar ainda mais esta triste definição, tínhamos Serra Pelada, mina aurífera das maiores do planeta e proverbial em atrair homens gananciosos e violentos; a explosão das indústrias madeireiras e a valorização de áreas de terras devolutas e férteis, principalmente no Bico do Papagaio.

Nesse ano foram muitas as visitas de delegados federais, entre eles, Romeu Tuma, tido como homem íntegro e duro contra aqueles que infringiam a lei. Nesse tempo ele era policial, isento das amarras políticas que, se não impedem, ao menos dificultam sobremaneira a integridade de  pessoas públicas. Em fevereiro, o próprio Tuma, juntamente com o Pelotão de Operações Especiais do Exército, montou barreiras e deu uma vasculhada na cidade. Depois, afirmando que esse tipo de segurança é de competência das polícias civil e militar e que somente com dinheiro, condições e contingente seria possível trazer a normalidade a Imperatriz, ele retornou.

E a desordem continuou. Já era surpresa o dia em que os jornais e a televisão não anunciassem uma baderna ou mortes. Em abril, no chamado “showmício” que Sarney Filho fazia com Fiquene na Praça Brasil, por pouco não aconteceu uma verdadeira guerra, envolvendo soldados do 50º Bis e Polícia Civil. Como Davi sempre foi responsável por tudo o que acontecia de ruim na cidade, logo o culparam pelo incidente.

Quase no mesmo dia, Nelson Castilho, prefeito de Montes Altos, e Léu Franklin, deputado estadual, agridem-se verbal e fisicamente, dando mostras de como era fácil qualquer um concorrer a pleitos, embora eu ache que apenas as pessoas cultas, educadas, firmes mas equilibradas, deveriam ser credenciadas a responder pelo povo.

Em julho, apesar da primeira “Operação Tigre”, os assaltos, roubos de carros e assassinatos não pareciam ter diminuído. Nesse mesmo mês, puxadores de carro, ao serem flagrados pela polícia, reagiram a bala. Houve muitos mortos e feridos. O então governador João Alberto, o subsecretário de segurança, delegado Luís Moura, e o coronel José Rui Salomão Rocha, viram-se, de uma hora para outra, ameaçados de morte por Laeedson, filho do famoso Zezé, morto logo depois.  Em defesa própria e para bem da comunidade, poucos dias depois marginais começaram a aparecer pelas orlas das estradas, amarrados e executados barbaramente. Era o “Tigre” de volta, embora Luís Moura dissesse em alto e bom tom que os responsáveis seriam descobertos e punidos. No dia 28/9, estampava-se em manchete: “MAIS TRÊS CADÁVERES ENCONTRADOS”. Em outubro: “OPERAÇÃO TIGRE JOGA DURO”.

E no meio de tantas coisas erradas, talvez os certos devessem ser os desequilibrados. Era como se a gente flagrasse um cachorro comendo alface e nem estranhasse o fato. E, no meio de tamanha confusão, marginais perigosos eram confundidos com simples viciados, tendo todos o mesmo tratamento. Nesse tempo de jogo duro, os jornais abriam suas manchetes ao que mais lhes pudesse ser rentável: “MANOEL CECÍLIO PRESO”. Ele fora flagrado pelo Dr. Oliveira da Polícia Federal, no Balneário Estância do Recreio, portando 20 gramas de maconha. Por ser reincidente, acabaria sendo levado de volta a Pedrinhas, onde pagaria por relativamente pouco, o alto preço que muitos e perigosos marginais não pagavam.

Mesmo com a  “Operação Tigre” em ação, em dezembro o doutor José Itamar Santos Guará, ginecologista, 44 anos, desquitado, residente em Imperatriz havia 17 anos, foi assassinado nas proximidades da residência de sua namorada. Sua morte mexeu com o brio da classe médica que exigiu segurança, protestando contra o descaso dos governantes. Coincidência ou não, houve um tempo de tréguas…, apenas um pequeno tempo de trégua. Imperatriz ainda teria muitos motivos para não se esquecer do tempo mais negro de sua história.

CAPÍTULO 72
Por se encontrar onde, supostamente,  a Amazônia começa, o advogado Agostinho Noleto, no ano de 1972, classificou Imperatriz como Portal da Amazônia. De fato, nossa cidade foi fundada num lugar privilegiado, num lugar que, parece mesmo, mereceu as bênçãos de Deus por meio do merecimento de fiel servo, pioneiro e fundador Frei Manoel Procópio.

Servida pelo Tocantins, um rio dos maiores, mais belos e piscosos de nosso País, ladeada por campos, cerrados e florestas riquíssimas em madeiras, pródiga em terras férteis para todos os tipos de cultura, oferecendo garimpos quase contíguos, onde qualquer um se reservava o direito de sonhar, Imperatriz seguia seu destino, seu grande destino de um dia não ser um simples sinal no mapa, ou uma rainha escrava de caprichos políticos.

Se por um lado tudo isso atraía muita gente, por outro, no meio dessa gente havia oportunistas cuja única intenção era explorá-la criminosamente. Quando percebo que muitos a abandonam com a justificativa esfarrapada e pouco convincente de que aqui se tornou inviável para criar os filhos, fico imaginando seu passado: como aqui chegaram e como daqui estão saindo. São poucos aqueles que desertaram sem levar na bagagem a riqueza aqui conseguida para usufruí-la em grandes centros. Esses (salvo alguns casos inteiramente justificáveis)  não merecem nunca ser citados, ainda que num modesto artigo de jornal.

Tamanha riqueza, como já disse, atraiu gente de todos os naipes, desde o modesto agricultor até os mais gananciosos políticos. A briga pelas riquezas tornou-se inevitável. As margens do Araguaia e do Tocantins, mais precisamente o “Bico do Papagaio”, pela beleza e fertilidade do solo, logo deu início ao que hoje já se transforma em pesadelo para  todo Brasil: a luta dos sem-terra e a rejeição dos latifundiários. Invasões começaram, reações se processaram e mortes sobre mortes foram acumulando uma tensão em níveis preocupantes.

Nesse ano fui convidado pelo Dr. Rinaldo a explorar as madeiras de sua Fazenda Ciama, nas proximidades de Buriticupu, pois, segundo ele, já não estava certo se teria condição de guardar suas reservas para os filhos ou para os netos. O hoje deputado Vila Nova era acusado de incentivar as famílias pobres a invadirem os grandes e improdutivos latifúndios daquela região. Vila Nova escudava-se no PT e nas entidades que lutavam pelos desvalidos, mas os com-terra… de sobra, mesmo sendo religiosos, o odiavam sobremaneira. Quando o conheci,  ele dividia as opiniões sem deixar ninguém em cima do muro. Quem não era a favor, era contra.

Vi-o pela primeira vez numa camioneta velha, com seu eterno chapelão de palha na cabeça, escoltado por pessoas mal-encaradas, fazendo compras num boteco em Buriticupu. Confesso que sua expressão dura me causou medo. Mas, mesmo diante de opiniões contrárias, no dia 18 de janeiro de 1991, ele recebia o “Prêmio Nacional dos Direitos Humanos”, entregue em São Luís, com a presença da militância do PT. Nesse tempo ele já era deputado e como tal, já não mais tido como agitador, mas sim como importante membro na luta pela Reforma Agrária: uma das opções  encontradas pelos eternos vencidos para desestabilizar os situacionistas e chegarem ao poder. Peço desculpas pela descrença nas boas intenções de muitos desses líderes. Só acredito mesmo no ideal de uma pessoa quando ela não só prega uma doutrina, mas a vive inteiramente, como foi o caso do advogado Mohandas Gandhi, do líder negro Martin Luther King, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá… Gandhi, por exemplo, pregava a desobediência civil, o boicote aos produtos britânicos e a recusa do pagamento de impostos, mas não ostentava. Andava e vivia como o mais pobre dos párias. Por isso ele convenceu e venceu, não sem antes comover o mundo.

Enquanto eu sentir nas lideranças, apenas um meio de vida fácil, com líderes viajando em confortáveis aviões,  tomando whisky e vivendo em mansões, jamais acreditarei em suas boas intenções. Se chegarem ao poder, serão iguais… ou piores.

Poucos podem ser responsabilizados mais pela destruição de importantes reservas florestais do que o processo da Reforma Agrária totalmente desorientada. A falta de posicionamento político definitivo diante das questões agrárias pode deixar ao governo a principal responsabilidade, tanto pela desenfreada destruição das florestas naturais, quanto pelas mortes em invasões ilegais. Infelizmente, parece, revirando a história, que sempre foi e sempre será assim: justiça, só com muita luta, muita dor e muito sangue. Jamais irei me conformar com a atitude daqueles que têm o poder de decidir e não o fazem por interesse ou covardia.

Já nesse ano, graças ao descaso governamental, noticiava-se: “A Amazônia está pegando fogo… 700 focos de incêndio por dia… os rios, as matas, os peixes estão pedindo socorro, mas o governo não está sabendo escutar… hoje a área desmatada da Amazônia é de 344.706km², o equivalente a dois estados do Paraná… 40 bilhões de dólares  são perdidos só em madeira por causa das queimadas e os prejuízos ambientais podem ser 20 vezes maiores, o que corresponde a 7 vezes a nossa dívida externa… 539 lavradores mortos… verdadeiros massacres às populações indígenas…”

Diante de tantas acusações, o IBAMA, como responsável quase direto por essas aberrações, forja ação, investindo contra as indústrias madeireiras, aplicando-lhes multas astronômicas, mas jamais impedindo que fazendeiros derrubem e queimem as matas. Ficava clara a intenção financeira. Os agentes procuravam diferenças em guias e estoques e multavam impiedosamente as indústrias madeireiras. Não havia como esconder a evidência de que o interesse estava na arrecadação e não na proteção à natureza.

Se já estamos fartos de saber que não há mais como esquecer ou retroceder na Reforma Agrária, por que não se vota e aprova, urgentemente, leis para regulamentá-la? Não precisa ser lei perfeita, apenas uma diretriz para que sem-terra e latifundiários saibam até aonde podem ir.  Isso evitaria mortes! Salvaria florestas! Protegeria animais,…

Para ser sincero, eu mesmo preservava 1,2 mil hectares de florestas em Dom Eliseu, no Pará. Protegia com a intenção de deixá-los para a posteridade, fazendo, inclusive, muitas incursões pelo País, buscando animais para lá criá-los. Contudo, diante da possibilidade de ver, de uma hora para outra, centenas de famílias invadirem aquela área, resolvi explorá-la, já que é notório a preferência de grande maioria dos sem-terra por fazendas que contenham algum tipo de riqueza natural capaz de mantê-los por algum tempo.

Inegável se tornam os absurdos de tais invasões! Em Buriticupu, uma semana depois que invadiram a fazenda do Dr. Fernando, chegaram a meu acampamento na Ciama, dezenas de posseiros oferecendo-me as madeiras de suas áreas. Iniciei o negócio, mas meses depois desisti: eram tantas as pessoas que a cada minuto vinham receber, adiantado, uma árvore de ipê que havia encontrado na parte que lhe tocara, que estava sendo impossível administrar.

CAPÍTULO 73
Quando Davi começou seu governo, não usou de qualquer criatividade para engabelar o povo: cal nos meios-fios, centenas de garis pelas ruas, letreiros por todo lado enaltecendo sua administração, inscrições com seu nome em diversos logradouros, jornalistas, vereadores e outros contratados para enaltecer seus dotes de bom administrador, e por aí afora. Em sua maquiavélica catarse, gostava mesmo de comprar, exatamente, aqueles que maldiziam sua forma de dirigir o município.

Nesse tempo, nosso destino esteve estritamente influenciado por José Sarney, como Presidente da República; Édison Lobão, governador do Estado; Fiquene, como seu vice; Davi Alves Silva, como prefeito; Divino Garcia, seu vice; Romeu Tuma, como delegado da Polícia Federal, Agostinho Noleto, como secretário de Segurança Pública do Estado; Damião Benício, secretário de obras; Coquinho, relações públicas; Garros, na contabilidade; e André Paulino, como mentor e defensor das pretensões do executivo municipal.

Paulatinamente, as articulações que ainda hoje persistem entre aqueles que há anos detêm o poder em Imperatriz iam tomando forma, desafiando as leis e todo princípio de decoro político. Veja o que se dizia em janeiro de 1991, pela voz do jornalista Gilmário Café: “Na aprovação das contas do ex-prefeito Ribamar Fiquene, este teve que telefonar ao prefeito Davi, pedindo arrego. Somente desta maneira é que as contas foram aprovadas. Não acreditamos em história de ‘favor’ em política. O vice-governador vai pagar por esta aprovação ao prefeito Davi. Quanto e como? Segundo um vereador ligado a Davi, logo depois das eleições de outubro, o ex-prefeito Ribamar Fiquene teria lhe dito: ‘Vereador, você pode não acreditar, mas eu votei foi no Daniel Silva, meu amigo, devido ao prefeito Davi.’”

Antes, porém, Fiquene dizia: “Não há nenhuma possibilidade de nos compormos com Davi Alves Silva … embora na vida pública, os interesses coletivos devam estar acima de necessidades individuais.” Como nos versículos bíblicos, aí temos curtas linhas para anos de meditação.

Tendo Davi apoiado Castelo, mas sendo Lobão o vencedor, nosso prefeito passou a usar outra estratégia para conseguir seus intentos. Já que as verbas dificilmente viriam de mãos beijadas através de Lobão, Davi resolveu, literalmente, comprar alguns vereadores de que precisava para obter maioria e aprovar absurdos projetos. Como ainda era possível obter empréstimos por todos os lados, desde que estivessem dentro das previsões do orçamento aprovado, depois das devidas conversas ao pé do ouvido, todos os desejos de Davi eram satisfeitos:

“Já foram sancionados pelo prefeito os 5 projetos aprovados na sessão de quarta-feira à noite, 20, pela Câmara Municipal de Imperatriz. A matéria de maior repercussão é a que autoriza o Poder Executivo a contrair empréstimo de até 8,5 bilhões de cruzeiros para execução de obras de infra-estrutura urbana.”   É claro que isso ainda não era tudo. Para a aprovação final ainda haveriam outros trâmites, outros acordos:

“O ex-oposicionista e hoje aliado de primeira hora do prefeito, André Paulino, já previra que a casa do Bloco Resistência cairia. Crucificado na época em que aderiu ao grupo de sustentação ao prefeito, o médico, “nostradamicamente”, afirmou não saber até quando a resistência iria prevalecer.”

O próprio Coquinho, renomado jornalista, que em determinado tempo tanto defendeu a administração desastrosa de Davi, em novembro, despertando, desabafou:

“Não é sem razão que a classe política brasileira está cada vez mais em baixa. Sobretudo nas comunidades do interior, nos estados mais pobres e atrasados, porque todas as “negociações” se desenvolvem à base da corrupção, da compra e venda simples e indiscriminada dos valores morais, dos compromissos assumidos antes de qualquer eleição. Os políticos estão cada vez mais distantes da ideologia, e ainda por cima contam com o grande poder de barganha do governo, que não  encontrando um caminho decente para se impor perante a opinião pública, parte para a prestação, para o achatamento dos poucos valores que ainda restam.

No entanto, a grande arma do governo ainda é a corrupção, e nesse contexto o Maranhão merece um destaque especial, pois em toda a sua história existem marcas indiscutíveis desse aliciamento às lideranças do interior. A grande maioria se deixa corromper, buscando nas vantagens pessoais um enriquecimento ilícito, mas os valores pagos são tão baixos que essas negociações não terminam nunca. Governo após governo, a cantilena é sempre a mesma. E o que é pior, sempre sob a desculpa de defender os interesses do povo…  e que pobre povo!…

Imperatriz sempre se constitui em alvo predileto dessas avançadas do governo, tanto pelas suas próprias potencialidades econômicas e sociais quanto pela fragilidade ideológica dos seus representantes, que, acostumados ao poder, estão sempre buscando novos horizontes, cada vez mais altos, em nome da democracia, do direito de ficar do lado do mais forte, mesmo que isso torne a classe política desmoralizada, em baixa perante a opinião pública.

Recordo-me com uma ponta de tristeza de uma afirmativa do renomado comentarista Joelmir Betting de que “a parte mais sensível do corpo humano é o bolso”. Essa afirmativa não foge à regra quando envolve também os assuntos políticos e os seus promotores que se curvam diante dos ganhos fáceis e oferendas do governo quando está em jogo o direito de mandar, de liderar pela força  e fazer uso da prepotência  como mecanismo para se impor perante os eleitores.

O bolso da classe política está ficando cada vez mais sensível, e os reflexos aí estão, na capacidade de alguns vereadores se entregarem de mãos beijadas ao governador Édison Lobão, que em infrutíferas tentativas de desmoralizar, achatar a cidade de Imperatriz, vem encontrando um campo fértil na Câmara Municipal para  levar avante os seus projetos de desestabilização da sociedade política na Região Tocantina. A ideologia que se dane. Os compromissos com o povo, idem. As conseqüências morais, idem. E por aí afora, desde que os objetivos sejam alcançados.

É deprimente, vergonhoso e imoral presenciar tanta ‘vontade de trabalhar’ em benefício da coletividade, estabelecendo um preço para cada mudança de posição, para uma troca pura e simples de partido, como se o respeito, a decência e a dignidade do Legislativo não existissem, como se as cobranças populares não tivessem a mínima importância, embora se saiba que a partir de cada eleição o político fica mais distante de sua gente, e o aumento da abstenção, do voto branco e do voto nulo sejam um alarme para acabar com essa desmoralização.

Mas a corrupção vai continuar mandando enquanto existir um político, um vereador disposto a se vender, a negociar a sua consciência em nome do próprio bolso, pois dia haverá em que o político vai sentir falta do respaldo moral dos seus eleitores, da sociedade que ele representa, pois ninguém é tão idiota para continuar valorizando, elegendo esses políticos fisiológicos como seus representantes. E aí não vai haver dinheiro capaz de acabar com a sensibilidade do bolso, porque todos estarão mergulhados em um mar de lama, apodrecendo sob os efeitos da própria imoralidade política.”

O desabafo do jornalista é o meu constante desabafo e, possivelmente, um reconhecimento dele de que, infelizmente, ainda não chegou o dia em que podemos confiar na sinceridade daqueles que têm um coisa na boca e outra no coração. Também eu, em minha terra, um dia tive a desdita de escrever um artigo elogiando o mais corrupto dos prefeitos, baseado na cal branca dos meios-fios e na primeira semana de vassouradas pelas ruas. Aprendi a lição: elogio a político deve ser como canonização – só muitos séculos depois.

 CAPÍTULO 74
Pois bem, a corrupção tem sido uma constante em nosso País e, mais estritamente, em nosso Município. E não vamos imaginar que a maior parte dos políticos tenham, ao menos, o respeito de esconder as falcatruas. São articuladas a céu aberto, claramente, como se pode notar, ler ou deduzir de enriquecimentos relâmpagos.

Nossa cultura, se não ensina, ao menos erroneamente admite que tirar do País não é crime… nem pecado diante de Deus. Essa mentalidade parece atingir 99% dos brasileiros. Podem achar até fantasia de minha parte, mas mesmo aquele que estiver discordando, reexamine-se para verificar se agora ou em algum tempo de sua vida já não sonegou imposto, já não extraiu notas com preços aquém do real, já não aceitou benesses na hora do IPTU,  já não omitiu um fiozinho de energia, já não deixou de declarar honestamente seu imposto de renda, enfim, já não se esquivou de pagar o que estabelecia a lei.

É claro que faz sentido dizermos ser estupidez ou burrice qualquer sacrifício diante de tantos ladrões infiltrados na política. Não bastasse, nossos impostos estão baseados em 80% de sonegação. No fundo mesmo, somos todos desonestos, mesmo porque é humanamente custoso andar em linha reta por essas estradas moralmente tortuosas de nossas leis fiscais.

No vaivém de interesses, o povo fica conhecendo a corrupção política através dos próprios políticos. Os que ficam de fora, inconformados, denunciam. Já disse e confirmo: a opinião que hoje temos dos políticos nos foi dada por eles mesmos. Em agosto, no auge das verbas que desembocavam milhões para Imperatriz, Fiim acusou o prefeito de haver recebido mais de 1 bilhão de cruzeiros e de não ter dito nem mostrado onde o empregou.

Com a facilidade com que as prefeituras obtinham  empréstimos, Davi podia mesmo maldizer governadores e dizer que não precisava do Estado para administrar Imperatriz. Para 92, a Câmara aprovou em primeira mão, um orçamento de 30 bilhões de cruzeiros, sob protesto de André Paulino, que achava pouco e argumentava que Fiquene havia pedido muito mais. É de se supor que as obras realizadas em Imperatriz durante a gestão de Davi, ainda que somássemos o Hotel Fazenda, Hotel Anápolis, lotes, prédios e casas diversas, fazendas, enfim, todos os bens que, genialmente conseguiu através da aplicação de seus salários enquanto prefeito, ainda comprometeriam seu espírito administrativo: daria pra muito mais.

Nilson Santos, na época, assistente adjunto de Comunicação da Prefeitura Municipal, porém, não pensava assim, afirmando que Davi sempre honrou sua palavra, sem necessidade de escrever ou registrar nada em cartório. “O povo sabe que Davi não mente, que Davi não engana. Uma administração transparente como a de Davi não precisa de engodo”.

Nesse ínterim, Lobão atacava Davi, tentando demitir 20 mil funcionários arregimentados um pouco antes das eleições. E, nesse ponto, ouso lembrar “O PRÍNCIPE” de Maquiavel, livro escrito há mais de 400 anos e que, foi confrontado com a atualidade, na crônica do eminente presidente da Academia Imperatrizense de Letras, professor Vito Milesi:

 “O príncipe deve, antes de tudo, dissimular… Parecer íntegro, fiel, humano, sincero e religioso… Deve tomar grande cuidado para não deixar fugir uma só palavra que não respire as cinco qualidades que acabo de citar…Todos vêem o que pareceis, poucos conhecem a fundo o que sois e esta minoria não ousará levantar-se contra a opinião da maioria… Ora, não é absolutamente necessário  que o príncipe possua todas essas virtudes, mas que pareça possuí-las…”

As promessas eleitorais são a alavanca dos votos: elas terão valor? Eis a resposta : “O príncipe deve tratar de ser simultaneamente leão e raposa… Quanto às promessas, deve ser raposa, isto é, não observar a palavra quando desaparecem as razões que o fizeram prometer… Os príncipes que melhor souberam agir como raposas foram os que mais prosperaram”.

Como garantir a sua reeleição? Maquiavel e o seu tempo não contemplam este  “pormenor”. Mas há uma norma infalível para o príncipe manter-se no poder: “Acariciar os homens ou esmagá-los… São remédios heróicos… Para conservar o poder, precisa o príncipe de alguma fortuna (= sorte) e de alguma ‘virtú’ (= mérito pessoal), mas nem de toda a fortuna nem de toda a ‘virtù’; antes, de uma astúcia afortunada, uma habilidade feliz… Nas ações dos homens e sobretudo dos príncipes que não podem ser investigadas perante o tribunal, o que se considera é o resultado. Portanto, pense o príncipe exclusivamente em conservar a sua vida e o Estado (= o ‘status’). Se o conseguir, todos os meios que tiver empregado serão julgados dignos e louvados por todo o mundo. O vulgar (= o simplório)  é sempre seduzido  pela aparência e pelo êxito; e não é o vulgar que faz o mundo?”.

Finalmente, os assessores e especialmente  os cabos eleitorais merecem particular cuidado: “Há uma regra geral e sem exceções… O príncipe deve aconselhar-se quando quer e não quando os outros querem, sem jamais deixar-se dominar por aqueles que o aconselham… É preciso que o príncipe pense no ministro (= assessor ou cabo eleitoral), cumule-o de riquezas, de consideração, de honras e dignidade para que este tema qualquer mudança e saiba perfeitamente que é tudo com o amparo do príncipe e nada sem ele…

Em Florença, entre os mausoléus de Dante, Galileu, Miguel Ângelo, Rossini e Vittorio Alfieri, há o de Maquiavel com a simples escrita: ‘Tanto nomini nullum par elogium’. (Para um nome tão grande, não há elogio  que baste). Para muitos políticos de ontem e de hoje, daqui e de alhures, o epitáfio continua sendo verdade. Salvo engano.”

 CAPÍTULO 75
Já não saberia precisar há quantos anos venho combatendo a estupidez de se deixar agravar o problema para depois resolvê-lo. Quando o asfaltamento de uma estrada é terminado, apresenta-se impecável e, digamos, perfeito. Com o tempo, aparece um pequeno buraco ocasionado pelas chuvas ou pelo constante uso. Com o descaso, outros pequenos buracos vão aparecendo e, abandonados, transformam-se em crateras, ocasionando transtornos, atrasos, acidentes e grandes investimentos na recuperação.

Aquilo que no começo poderia ser consertado por uma única pessoa com um carrinho de asfalto, tempos depois irá precisar de uma companhia especializada que onerará os cofres públicos em bilhões: uma despesa que bem poderia ser evitada, bastando apenas um pouco menos de incompetência e um pouco mais de inteligência administrativa.

O raciocínio serve para tudo o que – como dizemos aqui no Maranhão  – se deixa de mão. Há mais de 17 anos – tempo que aqui resido – venho lendo e vendo a quantidade de vida que é ceifada por causa da morosidade do governo em estabelecer logo as regras para a Reforma Agrária.

Feliz ou infelizmente, não tenho as estatísticas sobre as mortes ocorridas entre latifundiários e sem-terra, mas sei que são muitas, pois é rara a semana que os meios de comunicação não abastecem com isso seus noticiários.

Em fevereiro, José Rainha Júnior, por apoiar os sem-terra, é ameaçado de morte; em abril, Lobão promete vir a Imperatriz acompanhado do diretor geral da Polícia Federal, Romeu Tuma, e do ministro da Justiça, Jarbas Passarinho; em julho, o deputado Vila Nova acusa Chico do Rádio de mandar 5 jagunços expulsar 28 famílias da Fazenda Lago Azul; em julho, 310 famílias invadem uma fazenda no Ribeirãozinho e outra em Cidelândia, de propriedade do senhor Zequinha Rocha; ainda em julho, Antônio Batista e Raimundo Lopes da Silva, presos por invadirem a fazenda de Cidelândia, são postos em liberdade pelo Secretário de Segurança Agostinho Noleto, que atendeu a orientação do governador Édison Lobão (era o início dos desentendimentos com Ventura, sempre contrário a qualquer tipo de invasão); no dia 31, os 100 homens que invadiram a fazenda de Zequinha Rocha começaram a praticar arbitrariedades; em setembro, Agostinho é levado à Justiça pela Associação dos Criadores do Estado do Maranhão, por haver afirmado à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa que fazendeiros haviam contratado pistoleiros para matar trabalhadores rurais; em seguida, diz que o problema foi contornado e que os ânimos haviam sido acalmados; em outubro (os pequenos buracos da estrada vão se transformando em crateras) – a tensão aumenta. Valdinar Barros desmente as acusações de que os sem-terra estavam em pé de guerra, ao mesmo tempo em que os colonos de Zequinha eram amarrados em árvores e ameaçados de morte;  em novembro, Zequinha Rocha, ao vistoriar suas roças, escapa da primeira emboscada.

Ainda no dia 26 de novembro, Zequinha Rocha envia um telegrama ao governador Édison Lobão: “O clima na minha fazenda depois do tiroteio que invasores fizeram contra minha pessoa e minhas quintas, quando procurava meu gado, dia 04-11-91, é insustentável, periclitante, inquietante e apavorante. Agora, dia 21-11, invasores, no intuito de me amedrontarem, fizeram mais  uma vez diversos disparos com armas de fogo distante 300 metros de minha residência. Temendo minha morte a qualquer momento ou a chacina de minha família, venho mais uma vez, confiado na sua sensibilidade,  fazer um apelo comovente e dramático, para que o senhor cumpra minha liminar, a fim de evitar uma tragédia, emboscada.”

Em dezembro, a Fazenda Santa Teresa, em Ribeirãozinho, volta a ser invadida. Novamente a polícia, por ordem judicial, retira os invasores de lá. E assim termina o ano: cheio de tristes previsões, sem que o governo levasse a sério o número de vidas que estavam sendo ameaçadas. Concomitantemente, proprietários e sem-terra iam se armando, se auto-destruindo. Até o mais simplório dos cidadãos sabia que, se não fosse tomada logo a decisão, mortes iriam acontecer. Ainda hoje sabemos que se o governo não estabelecer logo as normas que devem legalizar as ocupações de terras, muitas mortes irão ocorrer. Mesmo assim, os pequenos buracos vão aumentando e, infelizmente, como tudo nesse País, só depois de muito sangue, as providências serão tomadas – providências que são só uma questão de tempo, porque dia menos dia elas terão que ser assumidas. Por que, então, não fazer isso logo, diminuindo os gastos e salvando muitas vidas?

O governo nada fez e Zequinha Rocha, de fato foi assassinado pelos sem-terra, numa emboscada. Em seguida, fez-se o que devia ter sido feito antes, mas já com o sangue de mais um inocente manchando a terra e a consciência dos responsáveis diretos.

 CAPÍTULO 76
Há muito comum a gente deduzir que já existem muitos casos, quando um aparece. Como caçador, se durante o dia eu via, ouvia ou sentia a presença de 2 ou 3 animais, já afirmava que havia mais de 20. É quase impossível a gente tomar conhecimento de casos isolados que aparecem. Normalmente, os primeiros passam despercebidos ou não são levados a sério. Quando o mundo divulgou o aparecimento da AIDS, por exemplo, já países do mundo inteiro tinham seus tristes representantes.

Isso é comum a todos os setores da vida. Em 1991, o problema da violência contra os direitos humanos começou a ser divulgado mais assiduamente, o que demonstrava que o desrespeito contra as crianças, contra os lavradores, contra os índios, contra o estado de direito de propriedade…, já havia se alastrado e atingido níveis alarmantes.

Na terra, o confronto entre fazendeiros, grileiros, sem-terra, partidos baderneiros, igrejas e toda sorte de gente bem e mal intencionada, fizeram por criar um estado de anarquia. Em 1986, o padre Josimo Morais Tavares, vigário de São Sebastião do Tocantins, coordenador da Pastoral da Terra da CNBB é assassinado por  Geraldo Ribeiro Rodrigues da Costa; em 1988, o seringueiro Chico Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, também é assassinado. Embora apenas esses 2 casos tivessem divulgação acentuada no Brasil e no exterior, logo veio o dossiê da Anistia Internacional, dizendo que mais de 50 assassinatos já haviam sido cometidos, graças à displicência do governo em retardar a Reforma Agrária.

O massacre de 7 crianças na Candelária em julho de 1993, desencadeou uma série de protestos não só no Brasil, como também no mundo inteiro. Logo novas estatísticas apareceram: “7 milhões de crianças e jovens sobrevivem nas ruas das principais cidades do País. Em 1990, 427 crianças e jovens são assassinadas no Rio de Janeiro.” Em 1991, a CPI da Câmara dos Deputados revela que mais de 7 mil crianças foram assassinadas no País desde 1987. 128 pessoas são indiciadas, todas elas policiais civis e agentes de empresas de segurança. “623 estupros contra menores.” A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) confirma que, desde 1990, cerca de mil crianças foram assassinadas no estado de São Paulo por grupos de extermínio e soldados da PM.

Acho desnecessário e cansativo, esquadrinhar minuciosamente outros tipos de violência, como as 26 mortes de presos do presídio Ary Franco, no Rio de Janeiro, carbonizados em conseqüência da explosão de artefato atirado por policiais; os 111 mortos no Carandiru, em São Paulo, a maior parte friamente executada numa rebelião; e mais milhares de casos isolados nos quais, lado e outro não consideraram nem as súplicas por  clemência. No âmbito indígena, a coisa não se passa de maneira diferente. Absurdos são cometidos e continuarão a ser, porque, infelizmente, não é possível conservar a cor do leite ou do café, se forem misturados.

O certo é que só quando um ato mais drástico e comovente aparece é que o povo toma conhecimento da gravidade daquilo que já está acontecendo há muito tempo. Como disse acima, é como as epidemias: nunca se levam em conta casos isolados, embora eles venham a se transformar no motivo da epidemia. E imaginar que  há 4 milhões de anos estamos sobre a terra sem que tenhamos aprendido essas lições elementares da vida!

Outro caso irreversível é a luta inglória de se programar um jardim juntamente com a criação de porcos, ou seja, querer que o progresso da civilização viva em harmonia com a natureza intacta. Pode ser duro admitir, mas um ou outro terá que ceder e, pelas folhas da história, a derrota fica sempre com a natureza, com os índios, os pobres, os fracos e desvalidos…  ainda que esbocem reação, que tentem, que se vinguem com roubos, atentados, crimes, terrorismo…

Outro perdedor é a humanidade como um todo, porque não me parece, ao menos razoável, que o homem venha um dia entender  plenamente o sentido da fraternidade, reconhecendo que esta vida é curta, que daqui nada se leva e que há um prêmio oferecido pelo Deus dos que crêem àqueles que seguem seus ensinamentos.

Hoje é inegável a insegurança dos seres humanos! Cidadão algum, principalmente habitando em metrópoles, pode ter certeza do minuto seguinte. Os seres humanos estão vivendo em cima de campos minados, numa guerra criada pela ganância e pelo egoísmo. Embora todos os dias nossos olhos lacrimejem diante de cenas horripilantes e tristes, o mundo não muda…, nós não mudamos.

E, bem depressa, aquilo que imaginávamos ser problema só dos outros, vai se aproximando e atingindo também nossos lares. Recordo-me: e como me recordo! Há 18 anos, Imperatriz era uma cidade pequena. Há 18 anos!… Lembro – e até já falei sobre isso – por quase uma hora fiquei postado numa rua de maior movimento da cidade, com uma velha máquina fotográfica, tentando flagrar 4 carros passando, a fim de que pudesse “impressionar” meus familiares, convencendo-os a se mudarem para cá. Hoje, embora seja inútil relatar, é comum ter que aguardar alguns minutos para se atravessar as ruas principais.

Apesar do grande desenvolvimento, eu não saberia precisar se mudou para melhor. Estamos imitando as metrópoles no que elas contêm de pior. Crimes bárbaros; luta pela terra através de invasões, assaltos; crianças marginalizadas e assassinadas; corrupção política a olhos vistos; tráfico de drogas, enfim, tudo o que, infelizmente, parece ser uma conseqüência de vida comunitária intensa.

CAPÍTULO 77
Imperatriz sempre foi uma cidade hospitaleira, uma cidade que jamais exigiu a identidade de quem lhe pediu abrigo. Por isso, ao mesmo tempo em que tínhamos a honra de ver nosso bispo Dom Affonso Fellipe Gregory ser eleito presidente da Caritas Internacional (para quem não sabe, um órgão da Igreja Católica que envolve quase todos os países do mundo); ao mesmo tempo em que era fundada a Academia Imperatrizense de Letras; ao mesmo tempo em que livros eram lançados; ao mesmo tempo em que o programa “Produzir para Libertar” ia sendo implementado…, Padre Josimo e Dr. Guará eram estupidamente assassinados; Josué Moura, um dos mais combativos jornalistas de nossa cidade, era barbaramente espancado em praça pública por causa de ideologias avessas ao sistema dominante; os primeiros casos de dengue apareciam; a hanseníase ia tomando forma de calamidade; casos isolados de cólera eram citados e Ventura chegava para anunciar:

– “Se o povo de Imperatriz nunca viu justiça, irá ter a oportunidade de ver daqui para frente.”

Fatos que enobreciam e fatos que denegriam, que davam esperanças e que as suprimiam, iam se sucedendo, numa luta ininterrupta, uma luta que confrontava as duas hostes, a do bem e a do mal, a do certo e a do errado, convergindo-as para um campo de batalha decisivo, onde os destinos da cidade seriam decididos e traçados.

A Academia Imperatrizense de Letras, entidade baluarte em defesa da honra, da cidadania, da Cultura, da ética e da Literatura, começava a tomar forma. Essa era mais uma tentativa de se fundar uma academia de letras em Imperatriz. A primeira veio numa reunião informal no salão do Fórum, na antiga Prefeitura, onde José de Ribamar Fiquene, Sebastião Negreiros, José Delfino Sipaúba, Wener Pereira Lopes e Edvaldo Amorim, fundaram, no entusiasmo de uma seresta regada a aperitivos, a Academia de Letras de Imperatriz. Sem estruturação sólida, emergida de uma emoção de momento, ela logo foi entregue – como diria Negreiros – à poeira do tempo e ao esquecimento. Seus principais mentores, embora enxergassem a necessidade urgente de criá-la, não a tinham como prioridade. Foi uma semente que lançaram em terreno pedregoso e que não resistiu à falta de cuidados.

Agora, um grupo de verdadeiros idealistas, depois de meses de estudos, real e definitivamente, fundavam uma academia: A ACADEMIA IMPERATRIZENSE DE LETRAS. Sanches escrevia anunciando:

“Imperatriz já tem sua academia de letras. Em 27 de abril deste ano [1991], após diversas considerações, um grupo de 14 humanistas (humanismo, aqui, entendido como formação do espírito humano pela cultura literária ou científica) decidiu criar a Academia Imperatrizense de Letras. (A Academia Maranhense de Letras foi fundada por 12 membros e os estatutos da Academia Brasileira de Letras foram aprovados por 16). A ata de fundação e o estatuto da academia imperatrizense foram aprovados e, depois, registrados no Cartório de Títulos e documentos ( nº 6924) e de Registro de Pessoas Jurídicas ( nº 765). Também sob a classificação de ‘instituição filosófica e cultural’ e código ‘61.51’, exigidos pelo Ministério da Economia para as pessoas jurídicas, a Academia recebeu o competente registro na Receita Federal (CGC) – afinal, mesmo as coisas e loisas da cultura têm seus pontos de contato com o Fisco.

Acompanhando uma tendência presente em outras instituições, o estatuto da Academia Imperatrizense de Letras é enxuto: 10 artigos mais oito parágrafos. Prevê o essencial e deixa o detalhamento e outras disposições para o regimento interno. A Academia Imperatrizense de Letras tem por fim ‘o desenvolvimento da cultura, a defesa das tradições literárias do Maranhão e o intercâmbio com centros de atividades culturais do Brasil e do estrangeiro’. O número de cadeiras é 40, ocupadas ad vitam. 40 é número clássico em instituições do gênero: existe na Academia Maranhense de Letras, na Academia Brasileira de Letras, na Académie des Inscriptions et Belles – Lettres (da França, fundada em 1663) , na Academia das Ciências Morais e Políticas, também francesa, fundada em 1795, e na Pontificia Accademia Teologica Romana, do Vaticano, fundada em 1718. Outras academias, claro, têm diferentes quantidades de membros: por exemplo, a Real Academia Espanhola tem 36; já a Academia Britânica tem mais de 300 – exatamente 316 membros. O Estatuto da Academia Imperatrizense de Letras prevê, ainda, 40 membros correspondentes. As eleições para ocupação de vagas para a diretoria (6 membros) e comissão fiscal (3 membros) são por escrutínio secreto.       

Os atuais 14 membros da Academia Imperatrizense de Letras são: Adalberto Franklin Pereira de Castro (jornalista, articulista, cronista e pesquisador); Affonso Felippe Gregory (teólogo, poliglota, diversos livros publicados no Brasil e no exterior; conferencista e bispo de Imperatriz); Edmilson Sanches (jornalista e escritor); Eucário Rodrigues de Oliveira (psicanalista, conferencista, escritor e tradutor de textos científicos; foi, durante quase 10 anos, presidente da Associação Profissional dos Psicanalistas de São Paulo);  José de Sousa Breves Filho (articulista, cronista, professor universitário de língua e literatura); José Geraldo da Costa (professor universitário, sociólogo; ensaísta, articulista, cronista e poeta bissexto; inúmeros trabalhos publicados); Jucelino Pereira (jornalista, escritor, poeta e teólogo; diversos trabalhos publicados); Lourival de Jesus Serejo e Sousa (magistrado, ensaísta, articulista e contista; juiz e diretor do Fórum de Imperatriz; diversos trabalhos publicados); Paulo de Tasso Oliveira Assunção (jornalista, poeta, articulista e cronista, tem livro e diversos trabalhos publicados); Raimundo Jurivê Pereira de Macedo (jornalista, advogado; cronista e articulista, inúmeros trabalhos publicados); Sálvio Jesus de Castro e Costa – Sálvio Dino (escritor, tem livros publicados; cronista, articulista, poeta e pesquisador; advogado; prefeito de João Lisboa); Sebastiana Vicentina da Motta Mello – Neneca Motta Mello (escritora, articulista, cronista e contista; diversos trabalhos publicados); Vito Milesi (filósofo e teólogo; professor universitário; escritor e tradutor, tem diversos trabalhos – inclusive livros – publicados); Livaldo Fregona, romancista, contista, cronista e articulista: autor de 10 livros  publicados e participação em 3 antologias. Deliberação aprovada dispõe que a Academia poderá convidar outras pessoas que preencham condição de elegibilidade para ocupação de cadeiras vagas.

Os trabalhos da Academia Imperatrizense de Letras deverão, prioritariamente, ser “extramuros”, voltados para a comunidade. Cursos, concursos, palestras, debates, ampliação do universo cultural imperatrizense e regional. Paralelamente, um trabalho permanente de pesquisa, coleta, documentação, preservação e divulgação de trabalhos de autores imperatrizenses. Utilização de recursos alternativos para documentação de aspectos  da vida histórico-literária e sociocultural da cidade: documentação fotográfica de pontos da cidade e gravação de depoimentos de seus habitantes, especialmente os mais antigos, num verdadeiro ‘Projeto Memória’ de resgate de dados e preservação de fontes. Convênios com entidades de classe que possibilitem melhor operacionalização desses projetos. Publicação de livros, antologias dos autores ‘novos’, em convênio com o Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado (SIOGE). Apoio à organização de entidades culturais. Cadastramento de obras e autores. Formação de biblioteca de livre acesso, com deflagração de campanha de doações de livros, revistas e outras publicações.

São muitas as intenções. Aqui há muito por fazer, há muito o que fazer. Imperatriz é ainda uma cidade muito áspera, cultural e comunitariamente. Mas lixa e verniz virão. É uma questão de tempo, talento e trabalho.”

Hoje, a Academia Imperatrizense de Letras é uma entidade que produz, que merece respeito, que divulga, cria, incentiva, promove e que, por seus méritos e esforços, já é reconhecida em todo Brasil.

CAPÍTULO 78
1992.  Ano de novas eleições e da despedida de Davi, segundo alguns críticos e, principalmente, eternos adversários, o pior e mais nocivo prefeito que Imperatriz já teve em toda a sua história. Como piolhos em ave que está morrendo, os conluios, falcatruas e crimes aumentaram de forma assustadora. Vejam, por exemplo, o que consegui separar numa rápida pesquisa na página policial do jornal “O PROGRESSO”:

“Mecânico assassinado com tiro no olho – Corpo de menino encontrado sem cabeça – Fazendeiro assassinado com tiro de espingarda – Arrombadores tomam conta dos bairros – Bandido reage e é morto pela polícia – Gangue de ladrões age na cidade – Nem a polícia escapa dos ladrões – Jovem é assassinada – Dono de fazenda sofre atentado – Connor Farias ameaçado de morte – Pedro Américo é assassinado – Estuprador ataca na Vila Lobão – Menor é estuprada – Peixeiro é morto com 7 facadas – Grávida é violentada por bandidos – Pistoleiros tentam matar comerciante – Jornaleiro é morto por soldado – Franco atirador deixa 3 baleados – Carroceiro é assassinado –  Garçom é assassinado – Nem a Operação Leão  está funcionando em Imperatriz – Violência assusta a cidade – Mulher é estuprada e enforcada – Traficante é assassinado – Quatro assassinatos registrados – Joãozinho mata mais um – Taxista é morto – População protesta interditando rua – Puxadores matam taxista – Fevereiro teve 6 assassinatos –  Seqüestro de crianças aumenta em Imperatriz – Comerciantes querem a volta da Operação Tigre – Gangues de menores preocupam a cidade – Subdelegado mata lavrador a tiros – Valdinar diz que está sendo ameaçado de morte – Homem da lanterna desafia a polícia – Mecânico é assassinado – Mais um taxista assassinado – Técnico em Laboratório é morto com um tiro no ouvido – Zequinha Rocha é assassinado em emboscada pelos sem-terra – Pistoleiros matam comerciante – Pistoleiros desafiam polícia: 3 mortos – Bandidos tomam conta da cidade – Sindicato do crime faz mais uma vítima – José Alberto: mais uma vítima dos bandidos da motocicleta – Estivador é assassinado – Pistoleiro mata doméstica – Polícia mata marginais – Violência esvazia praças – Menor morre durante assalto – Polícia mata homem da lanterna – Marginais matam soldado – Imperatriz tem 32% dos casos de violência contra menores – Despachante morto a tiros – Desconhecido é morto com tiro na testa – Polícia encontra homem queimado – Vaqueiro assassinado a tiros e golpes de facão – Jovem morto com duas punhaladas – Morto no tiroteio – Empresário assassinado com tiros de escopeta – Advogado é assassinado com tiro de espingarda – Estupradores fazem mais duas vítimas – Pecuarista mata lavrador – Duplo assassinato brinda chegada de Edison Lobão –  Fim de semana quente com 3 assassinatos – Natal Sangrento…”

Para fechar “com chave de ouro” todo o mal de uma administração que via na violência uma virtude, o ano terminava com a triste manchete: NATAL SANGRENTO. Mas tudo isso não seria tão desastroso se, ao menos, o povo enxergasse o quanto era triste e danoso ser dirigido por alguém que fazia da valentia seu maior trunfo para se projetar e vencer as eleições. Sempre fora se dizendo mais homem do que os outros, proclamando-se o galo e desafiando governadores, policiais e juízes, que Davi conseguiu se transformar no herói protetor da classe ignorante e pobre dos guetos e dos bairros. Jamais o povão parou para pensar que  estava ficando apenas com as migalhas.

Mantendo-os sempre pobres e necessitados, famintos por um punhado de farinha com sardinha, Davi tornava-os dependentes, trazia-os sempre em corda curta para que cumprissem e satisfizessem seus desejos. Para aqueles que nunca passaram necessidade, que nunca viram um filho chorar com fome, é difícil entender a força que exerce uma sacolinha, mesmo se desviada da merenda escolar, como sempre se disse.

Para elucidar melhor o fato, conto a vocês o transporte de alguns macucos que capturei no Espírito Santo e os trouxe para minha reserva em Dom Eliseu, no Pará. O macuco da Mata Atlântica de Linhares no Espírito Santo (Tinamus Solitarius solitarius para os ornitólogos) é um pássaro extremamente arisco, um inhambu que precisa de alguns anos para aceitar a proximidade de alguém, se apanhado adulto. Há alguns anos, capturei 5 exemplares e, na mesma semana, coloquei-os em cofos, partindo imediatamente para o Pará. Viajei 53 horas ininterruptas, sob sol e calor. Quando fui alimentá-los no viveiro de adaptação, ao invés de esvoaçarem como é comum nos primeiros tempos, eles se acercaram de mim, bebendo água em minha mão. Foi um duro golpe para quem diz gostar de passarinho. Ali mesmo fiz um juramento de que jamais aquilo se repetiria.

Alguns funcionários que me ajudavam, inocentemente estranharam como aqueles macucos haviam amansado tão rapidamente. 2 dias depois, porém, ninguém podia aproximar-se a uma distância de 10 metros sem que eles se apavorassem e batessem contra a tela.

Acredito que esta simples história pode justificar o efeito que produzem as sacolinhas diante da miséria extrema. Justifica também muitas outras coisas que fogem ao entendimento de muita gente: o valor imprescindível e inestimável da Educação como antídoto a esse estado de coisa. Uma pessoa esclarecida não aceita esse jogo sujo, porque aprendeu que, de fato, o certo é dar “o caniço e não o peixe”. O caniço, além de ser uma ferramenta que dignifica, ainda pode ser o instrumento de sustento perene da família, enquanto o peixe dado só servirá para uma refeição.

 CAPÍTULO 79
A medida homeopática de usar a violência para acabar com a violência, aplicada uma vez na Operação Tigre, que tinha no comando o delegado de classe especial da SEGUP,  Luís Moura, já parecia ter perdido o efeito e os bandidos voltavam a infestar a cidade, semeando o medo e o terror. Por isso, quando em julho a população soube que o radical delegado estava na cidade, foi um verdadeiro alvoroço, quase uma festa. Todos imaginavam que a dose seria repetida, já que se falava a céu aberto que nova operação, agora com o nome de “Operação Leão”, seria usada contra os que teimavam espalhar o terror na cidade de Imperatriz.

No entanto, quando Luís Moura disse que estava apenas a passeio e que, possivelmente, a propalada Operação Leão não seria autorizada pelo governador Lobão, o povo ficou frustrado. Do CEFET ao riacho Cacau, toda pessoa de bem, se perguntada, lamentava profundamente o descaso do governador diante da criminalidade que grassava na região. Era resquício da triste cultura homeopática.

A morte de Zequinha Rocha desencadeou um forte desentendimento entre o Secretário de Segurança Pública, Agostinho Noleto e o comandante da Polícia Militar, coronel Guilherme Ventura. Era facilmente notada a preferência de Noleto pelos sem-terra e de Ventura pelos proprietários. Como os dois faziam parte de um sistema policial e de segurança que os impedia de andar desatrelados, o governador achou por bem, deixá-los desempregados por algum tempo, como forma, embora forjada, de se justificar perante o povo e, também, de lembrar que ainda era ele quem mandava.

Logo depois, Ventura assumiria a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão. Fracassava, assim, a pálida tentativa de Lobão em camuflar sua preferência por um dos dois lados do conflito que provocou a queda dos dois assessores. Agostinho ficaria em banho-maria, esperando um pouco mais até que o povo esquecesse o incidente. Mas, diante de sua fidelidade ao grupo Sarney e afins, com certeza voltaria, de algum modo, a fazer parte do governo. Seria apenas uma questão de tempo. Afinal, Política existe para políticos.

No lugar da Operação Leão, o governador nos mandou o coronel Bastos. É bem verdade que Lobão nem suspeitava que estava nos enviando algo bem melhor que a Operação Leão, pois é bem provável que, se soubesse, não o teria feito. O tenente coronel Manoel de Jesus Moreira Bastos, ao assumir o Terceiro Batalhão da Polícia Militar, demonstrou tanto conhecimento de causa, tanto equilíbrio, pulso e honestidade que, em pouco tempo, sem executar bandidos nem espantá-los com ameaças, fez diminuir em mais de 80%, os assassinatos e, principalmente, os roubos de carro.

Não foram precisos mais que alguns meses para que Imperatriz  enaltecesse o seu trabalho e reconhecesse nele um dos poucos policiais que ainda sobreviviam isentos do vírus da corrupção. Seu trabalho foi logo reconhecido e sua palavra era sempre a última e a seguida em todos os possíveis conflitos. Era tal o assédio da imprensa que o próprio coronel foi obrigado a pedir que lhe dessem tempo para trabalhar… e também para descansar. Apelidaram-no de “Xuxo”, pois era raro o dia em que não estava na televisão, dando entrevista, explicando e dizendo de seus planos.

Quem desejar comprovar o que acabo de dizer é só acompanhar as manchetes de nossos diários e semanários, fazendo um levantamento dos crimes e roubos de carros, antes e depois do coronel Bastos.

Interessante é verificar que, mesmo no auge da criminalidade, Lobão deu uma entrevista dizendo que aqui não havia violência. Segundo ele os  crimes que aqui estavam ocorrendo aconteciam também em quase todas as cidades do Brasil que tinham o mesmo número de habitantes. Podia até ser verdade, mas uma verdade cruel à sua competência, já que Bastos a havia diminuído em níveis aceitáveis, apenas com racionais estratégias de quem racionava mais e melhor que os bandidos.

Muitos crimes e tentativas não consumadas, por serem, certamente, de cunho político, ficaram misteriosas, não obstante os reclames de parentes e da imprensa imparcial. O líder ruralista Valdinar Barros, sob constante ameaças de morte, em fevereiro, é preso por portar uma arma com a qual pretendia defender-se dos ameaçadores anônimos, possivelmente ligados à UDR; no dia 3 de dezembro, ao voltarem de uma celebração religiosa realizada na Vila Cafeteira, presidida pelo bispo Dom Affonso Felippe Gregory, Valdinar e mais alguns companheiros de ideal foram solicitados a empurrar um carro que havia emperrado em cima de um quebra-molas. Sem suspeitar de nada, desceram e começaram a ajudar. Era uma armadilha. Um Chevette branco freou rente e alguns pistoleiros começaram a disparar ininterruptamente contra eles. Por ser noite e talvez por não conhecerem o encomendado, os pistoleiros confundiram o lavrador Francisco Gerônimo da Silva  com o ruralista Valdinar Pereira Barros, fulminando-o sem piedade. O vereador eleito pelo PT foi apenas ferido e conseguiu arrastar-se até a uma casa onde buscou proteção.          Mais uma vez, a máxima de que o brasileiro só fecha a porta depois de roubado, funcionava.

Zequinha Rocha passara quase um ano pedindo que as autoridades tomassem providência a fim de evitar derramamento de sangue: acabou morto sem que as tais medidas solicitadas fossem levadas a sério. Agora era a vez de Valdinar, que até fora preso por se dizer ameaçado e portar uma arma para se defender. Exatamente quando estava desarmado, sobreveio-lhe a tocaia.

Os casos Valdinar, Zequinha, Pedro Américo, Renato Moreira e alguns outros, são crimes com fortes indícios de envolvimento político ou de gente influente no mundo dos negócios. Jamais a polícia deixa de elucidar um fato que envolve pessoas notórias, quando tem liberdade e incentivo para fazê-lo. Se não descobre é porque ordens superiores a impedem. Qualquer soldado, em pouco tempo, sabe quem é quem no mundo do crime. Infelizmente, a polícia só pode elucidar aquilo que seu chefe ou o chefe de seu chefe permitirem.

CAPÍTULO 80
O problema da Reforma Agrária, pelo pouco caso que lhe é dispensado pelos governantes, tem causado muita dor e muito sangue. Há certas coisas que me farão morrer frustrado por não entendê-las: guerras civis ou mesmo entre países quando o motivo não justifica; a ganância de muita gente que se imagina eterna; o descaso dos governantes quanto às necessidades, quanto aos direitos, quanto à vida de seus irmãos, entre outras.

O problema de muita terra para poucos, vem de berço, do tempo ainda em que éramos colônia de Portugal. No tempo de Dom Pedro I, já a estratificação social acontecia, apesar de termos a quinta maior porção de terra do planeta. Logo os grandes fazendeiros  do Centro-Sul e os senhores de engenho do Nordeste, começaram a escravizar os mais fracos e utilizá-los para os serviços de suas grandes posses. O controle político e econômico pelas elites agrárias, portanto, vem de longe.

Já chegou a hora de os grandes latifundiários entenderem que a terra é um bem comum a todos aqueles que nascem sobre ela, e que é de justiça dividir aquilo que Deus deu para todos.

Nossos governantes podem não ser sensíveis, mas burros não são. Estão vendo que o problema se agrava a cada dia, que gente inocente morre junto com bandidos e anarquistas, mas não se importam, levando em conta apenas aqueles que pretendem desestabilizar o regime ou tomar o poder. É claro que esses existem e vivem especulando, sempre procurando um jeito de, por meio da desordem, derrubar aqueles que estão no poder.

É claro, mais que claro, que muitos sem-terra, assim como muitos latifundiários morrem, ora por ganância, ora por se transformar em joguetes de agitadores inescrupulosos. Contudo, o governo não pode se basear nas anomalias, e sim na regra geral. É preciso, já que não há outra saída, dar terras aos verdadeiros lavradores, àqueles que querem criar seus filhos com os produtos da lavoura e descobrir um meio de coibir e mesmo castigar os oportunistas.

As tentativas já foram muitas, mas feitas sem amor, vigilância e seriedade. No governo de Itamar Franco, 18 fazendas com área de 45 mil hectares foram adquiridas para o assentamento de 6 mil famílias. A princípio, havemos de concluir que o governo faz a sua parte. Mas se formos fundo na questão, iremos descobrir que um verdadeiro contingente de fazendeiros já estimulam as invasões, no interesse de vender a peso de ouro, por meio de negociatas escusas, suas terras ao governo.

A Nação possui terras devolutas para assentar toda a população existente, mas, mesmo assim, gasta o que não tem para comprar terras já ocupadas. No meio, conluios, divisões, propinas… Transformaram a questão agrária em mais um meio escuso de desviar o dinheiro da Nação, enquanto no roldão, inocentes que realmente gostariam de ter um pedaço de terra para viver e trabalhar – perdem a vida estupidamente.

Nossa região é uma das mais afetadas pelo problema. Abandono do governo? Nem tanto. Hoje, qualquer um que for visitar a Fazenda Criminosa, ou qualquer outra área desapropriada, não conseguirá explicar  tanta miséria, principalmente se acreditar que Fernando Collor de Mello, mediante seu Ministro da Agricultura Antônio Cabrera, entregou no dia 1º de fevereiro de 1992, às mãos do governador Édison Lobão, a importância de 38,2 bilhões, para que fosse aplicada na infra-estrutura das terras desapropriadas do Maranhão. Ao fim da cerimônia, Cabrera arriscava afirmar: “A partir de agora, o Maranhão não será mais conhecido apenas pelos conflitos na área rural.”

Mais um vez o dinheiro desapareceria misteriosamente, deixando apenas a ineficácia das evidências que nada provam, com políticos enriquecendo através da sábia aplicação de parcos vencimentos.

Dom Affonso Felippe Gregory, bispo da Diocese, em sua incansável luta por maior justiça social, de repente, é acusado de ser um dos principais mentores das invasões de terras na região. Defende-se afirmando:

“São um elenco de mentiras e calúnias atrás das outras as declarações de Hitler Alves Costa e de José da Cruz Rocha de que a Igreja e o bispo estão liderando ou incitando grupos de lavradores sem-terra a invadir propriedades. Quem as faz ou lidera são as entidades que atuam no campo rural. Mas por outro lado a Igreja não condena as invasões que são feitas de maneira pacífica em terras não produtivas, porque tem conhecimento de que quem as faz são pessoas que realmente precisam da terra para produzir e sobreviver. Não é admissível tanta gente passando fome e tanta terra improdutiva. O ideal seria  a Reforma Agrária pela qual a Igreja está trabalhando há dezenas de anos. Ela não saindo, a Igreja tem apoiado, porque sabe que aqueles que as fazem não é por capricho, e sim por necessidade. As declarações do Ita e de outros latifundiários de que a Igreja fomenta invasões são irresponsáveis e inadmissíveis”.

Agostinho e Ventura não se entendiam e as entidades religiosas eram acusadas. As verbas desapareciam e  fazendeiros e sem-terra iam perdendo suas vidas, num rastro de dor e de sangue. Não havia um mês que não se vissem nos jornais notícias genéricas e particulares: VIOLÊNCIA NO CAMPO; BISPO VISITA FAZENDA; BILHÕES PARA ASSENTAMENTO; NOVA INVASÃO NA CIDELÂNDIA; LOBÃO CONTRA INVASÕES; ASSASSINATO E INVASÃO; FAZENDA INVADIDA…

Depois de tudo, de toda essa briga por culpa maior dos governantes e um pouco, de todos nós, quem mais ia perdendo era a natureza. Justo ou não, muitos latifundiários ou mesmo fazendeiros de médio porte, ante a ameaça de perder suas terras improdutivas, logo trataram de vender as madeiras de suas reservas (principal atrativo dos invasores de fato). Com isso, fauna e flora sofreram, em poucos anos, a maior baixa de sua história. Nesse tempo eu possuía uma madeireira:  “Madeireira São Marcos, Comércio e Indústria Ltda.”, e era rara a semana em que não recebia em meu escritório um dono de fazenda querendo vender suas matas. Com a pressa, os extratores aproveitavam apenas o melhor das madeiras, devastando em pouco tempo o que a natureza levara séculos para construir.

Com a facilidade do negócio e com sua rentabilidade garantida, o Maranhão sofreu o seu maior desastre ecológico. A região do Pindaré, para citar a maior, com reservas que, se bem utilizadas dariam para mais de século de exploração, foram dizimadas em menos de 5 anos. Os animais, acossados por todos os lados e recantos, praticamente foram extintos.

Lembro-me bem de uma das fazendas, a CIAMA. Com a destruição de seu nicho, as onças começaram a invadir as pastarias e a se alimentar do gado. Os proprietários se viram obrigados a fazer propaganda, onde ofereciam um gordo garrote para cada felino abatido. Um funcionário de minha extração ganhava mais caçando onça do que extraindo madeira.

Em suma, não seria aqui o lugar para um levantamento acurado dos prejuízos que já deu, que continua dando e que, só Deus sabe  quando irá terminar, essa ineficácia ou incapacidade de nossos governantes de não estabelecerem logo as diretrizes para o assentamento dos sem-terra no País. Haverão de concluir que não há mais como engabelar o povo e que, se a Reforma Agrária é necessária, imprescindível, urgente e inevitável, então que se faça logo, para que não tenham que responder aqui, ou do outro lado, pelo sangue de tantos inocentes.

 CAPÍTULO 81
O Brasil, depois de 21 anos de militarismo, os quais, diga-se de passagem, por vezes nos deixa saudade, volta para as mãos dos civis. Se por um lado as opressões, as torturas, a violação dos Direitos Humanos, o arrocho salarial e a falta de liberdade diminuíram, por outro, a corrupção aumentou sobremaneira. Enquanto os militares mais se empenhavam em manter a ordem e o poder, usando a força, o exílio e até clandestinas  execuções sumárias, os civis o fazem praticando aberrações similares, usando a corrupção camuflada, o empreguismo e o suborno partidário. No fundo mesmo, a preocupação maior, tanto de civis como de militares, sempre foi a manutenção do poder.

Desde 15 de novembro de 1889, quando com a queda do Império foi proclamado o regime republicano, o Brasil viveu 5 fases importantes: República Velha, Era Vargas, Segunda República, Regime Militar e Redemocratização. Todas elas se tornaram distintas por causa da corrupção ou da desmesurada fome de poder. Sempre foram estas duas tristes marcas o peso decisivo nos pleitos eleitorais. Assim caiu Vargas, assim caiu o militarismo, assim caiu Collor… e cairia Sarney, se o complô do PFL e do PMDB não tivesse impedido a denúncia do senador Carlos Chiarelli de que ele estava favorecendo grupos privados (empreiteiras) na prestação de serviços ao governo federal.

Para que se possa comprovar o envolvimento entre governo-empreiteiras, basta passar por Tucuruí e verificar a quantidade de maquinaria e aparelhos que lá foram deixados para trás. É inadmissível que alguém que ganhe o justo desperdice tanto. Há pessoas que trabalham uma vida inteira para adquirir um pequeno trator, enquanto, em Tucuruí, dezenas de máquinas pesadas estão lá sendo corroídas pelas intempéries. Pelas orlas de nossas estradas federais, as marcas do desperdício também são evidentes. Basta ter olhos para ver e um pouco de raciocínio para concluir.

Revirando as páginas da história – enciclopédias e jornais – dificilmente se consegue cruzar a trajetória de nossos políticos mais importantes, sem esbarrar em verdadeiros atoleiros morais. Uns caem,  outros não, dependendo do sucesso dos conluios. Honesto mesmo, talvez e apenas, o senador Roberto Caxias  da novela, O Rei do Gado.

“Dispa-se a política do que a reveste e não haverá bálsamo capaz de dissipar o fedor que disso se há de desprender: um cheiro de peste, comprimido no dilatado curral da sociedade. Um cheiro que socialmente se dissimula, graças aos progressos infindos da maquilagem, mas que é bem o da indizível dependência fabricada pelo medo.”

A maior surpresa  –  revestida da doce esperança de moralização – aconteceu com a volta dos civis ao governo. Depois de tantos anos, um civil volta à presidência. Tancredo Neves é o escolhido. Na véspera da posse, ele adoece e é internado no Hospital de Base de Brasília e depois de 37 dias de via crucis, falece. Entra José Sarney, que por sua maneira excessivamente diplomática de conversar muito e agir pouco, propiciou os ataques do alagoano Fernando Collor de Mello, que acabou vencendo as eleições, usando o que Davi tanto usou aqui: o desafio e o desrespeito às autoridades superiores.

A chance de disputar o “cargo” mais almejado do País, logo atraiu a ganância de 24  pretensos idealistas brasileiros. Entre os mais importantes, tínhamos: Ulisses Guimarães, Paulo Maluf, Guilherme Afif Domingos, Aureliano Chaves, Ronaldo Caiado, Roberto Freire, Mário Covas, Fernando Collor de Mello, Leonel Brizola e Luís Lula da Silva. O País viveu dias de verdadeiras batalhas políticas, onde quase tudo era permitido. Nunca se viu tanta baixaria e acusações recíprocas. Talvez seja isso o marco mais fundamental do descrédito da população a seus representantes.

Taxando Sarney de corrupto, incompetente e fraco, Collor angariou a simpatia do povo, que sempre gostou de ser comandado por blefadores que se dizem machões e donos da verdade, haja vista o prestígio popular conseguido aqui por políticos semelhantes ao atacar juízes, delegados e governadores que lhe obstavam o caminho.

E, finalmente, aquele que mais  parecia honesto, acabou por se tornar o maior dos corruptos de que o Brasil tem notícia. Os tantos descontentes, certos de que em todo governo é comum a corrupção e sabendo que o presidente eleito não possuía uma base forte para subornar a contento, passaram ao ataque, usando os ingênuos “caras pintadas”, para uma verdadeira comoção popular.

Descobriu-se que Collor, através de seu testa de ferro Paulo César Farias, recebia dinheiro de empresários em troca de favores junto à máquina administrativa. O dinheiro era convertido em dólares, enviado aos chamados “paraísos fiscais” e depois voltava em contas fantasmas de clientes fictícios. Esse era o dinheiro com o qual Collor de Mello pretendia  comprar o apoio dos parlamentares, mas não deu tempo, porque a ganância sem limites de Paulo César Farias acabou causando ciúmes em Pedro Collor, que denunciou a manobra.

Instalou-se  mais uma CPI que logo descobriu 10,6 milhões de dólares lançados como despesas pessoais de Collor e  260 milhões de dólares nas movimentações de Paulo César Farias. Subvencionavam isso, o Grupo Votorantim, a Norberto Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a Viação Itapemirim, a Mercedes-Benz, a VASP, a Sharp, a Copersucar e o laboratório Laborcel – uma verdadeira força paralela no País.

Sem escapatória, Collor é, literalmente, posto pra fora em 29 de setembro de 1992, com a aprovação de 441 votos a favor da cassação, 38 contrários, 1 abstenção e 23 ausências. Muitos dos moralistas que no dia do voto gritaram em alto e bom tom: “Pela moralidade política, pelo futuro de meu País…, voto a favor da cassação”, seriam e sãoosmesmos que carregam em sua trajetória inúmeras denúncias de corrupção. Ficava claro que a maioria não estava ali para moralizar coisa alguma, mas puramente para alardear sua falsa honestidade, desviando as atenções para outros bodes expiatórios. Muitos dos que votaram pela cassação já foram, inclusive, cassados também.

Collor saiu, outros tomaram o poder, e pouco mais se falou sobre os tantos corruptos e corruptores sobre os quais pesam tantas denúncias. Às empreiteiras citadas, por exemplo, nada aconteceu. E o Brasil continuaria com a mentalidade de que aqui se pode fazer tudo sim, desde que com sabedoria, esperteza e, principalmente, com a utilização da força. O importante não é infringir a lei e sim, livrar-se dela.

 CAPÍTULO 82
Vito Milesi, José Geraldo da Costa, Adalberto Franklin, Edmilson Sanches, Dema de Oliveira, Ulisses Braga, Rosinaldo Martins, Willian Marinho, Sebastião Negreiros, Aldeman Costa, Jonas Ribeiro, Gilmário Café, Tasso Assunção, Mesquita Neto, Machado Neto, Waldir Braga, Roberto Wagner, Raimundo Primeiro, Francisco Gonçalves, Gilmar Pereira, Marilene Almeida, Edelvira Marques, Josué Moura, Marcelo Rodrigues, Carlos Ociran, Neneca Motta Mello, Neves Azevedo, Aristides Sambaíba, Francisco Gonçalves, Raimundo Marques, Maria Helena Mendonça, Alcinéia Gomes, Isabella Godinho,  Juscelino Pereira, Ilmar Martins, entre outros, foram os que mantiveram e abrilhantaram o jornalismo de Imperatriz nesse ano.

Alguns, hoje, já se foram deste mundo. A maioria, porém, continua viva e escrevendo, legando para a posteridade, retalhos de nossa história. Só mesmo quem precisa de documentações para reavivar os acontecimentos ou deles tomar conhecimento, pode avaliar a importância desses idealistas que, mais por teimosia do que por rentabilidade, continuam mantendo viva a memória da região.

Embora todos mereçam respeito, seria injusto omitir minha admiração por um jornalista que só conheci através de seus artigos: o saudoso Gilmário Café. Embora seja  grande a dificuldade em se desenvolver o jornalismo sem um fiapo de partidarismo, mormente quando se trata de um espaço intitulado “Política & Políticos”, Gilmário parecia fazê-lo. Sempre admirei a imparcialidade do Gilmário. Ele não falava do ser humano, mas de suas obras. Não demonstrava mágoa nem paternalismo com ninguém. Se praticasse o bem, seria elogiado; se o mal, duramente criticado.

A irreverência desse jornalista sempre me fazia lembrar um outro não menos famoso e lembrado, o caxiense Vítor Gonçalves. Como Vítor, também Gilmário era capaz de criticar o governador ou o prefeito, sendo dele secretário ou desempenhando outro cargo qualquer de confiança. Ele iria deste mundo sem que jamais eu pudesse dizer a ele de minha admiração. Que o saiba no céu!…

Ainda quando Davi era poderoso, quando carregava a triste fama de mandar eliminar quem o incomodasse; ainda quando a destemida juíza Oriana Gomes lutava pela justiça nesta terra… Gilmário não colocava, sequer, entre parênteses, o que entendia como certo e necessário. Isso andou causando-lhe ameaças por parte de alguns e repreensão por parte da juíza que, diante de uma nota displicente, defendeu-se:

“Requisito os bons ofícios de V. Sa ., no sentido de publicar nos termos dos artigos 29, 30, 31, parágrafos e incisos, da Lei 5250/67, na íntegra, no mesmo espaço, com o mesmo destaque e na mesma coluna (POLÍTICO & POLÍTICA) – sob as penalidades da lei – a seguinte nota:

AO NOTICIAR EM SUA COLUNA (POLÍTICO & POLÍTICA), NO DIA 3 DO MÊS FLUENTE, QUE ESTA MAGISTRADA AGIRA COM “EXCESSO DE ZELO E INFANTILIDADE”, O ‘jornalista’ GILMÁRIO CAFÉ PORTOU-SE COM LEVIANDADE, ALÉM DE FALTAR COM A VERDADE. UMA, PORQUE NÃO TENTAMOS IMPEDIR QUE A POLÍCIA DISPERSASSE O TUMULTO NA PORTA DA PREFEITURA OU CÂMARA. SEQUER, FOMOS ÀQUELE LOCAL, DURANTE O CONFLITO. APENAS INTERFERIMOS JUNTO AOS ESTUDANTES, OS QUAIS SE ENCONTRAVAM NA PORTA DO 1º DP, ROGANDO-LHES CALMA E BOM-SENSO; O QUE PÔDE SER FEITO SEM A VIOLÊNCIA PRECONIZADA POR ESSE “JORNALISTA”. DUAS PORQUE OS ESTUDANTES QUE ALI SE ENCONTRAVAM NÃO TUMULTUAVAM A ORDEM PÚBLICA. DAÍ A NOSSA INTERFERÊNCIA JUNTO AO CORONEL BASTOS PARA QUE O CASSETE, NÃO FOSSE UTILIZADO COMO É DE COSTUME NESTA TERRA, QUE, INFELIZMENTE TEM ALGUNS “JORNALISTAS” DA LAVRA DO SENHOR GILMÁRIO.

FOSSE UM HOMEM DAS LETRAS, SABERIA QUE VIOLÊNCIA NÃO SE COMBATE COM VIOLÊNCIA OU O CAOS SOCIAL IMPEDIRIA O HOMEM DE VIVENCIAR O ESTADO DE DIREITO. OUTROSSIM RECORDO-LHE QUE A TERMINOLOGIA É DOUTORA E NÃO DOTÔRA. CASO NÃO SEJA IGNORÂNCIA GRAMATICAL, DA PRÓXIMA VEZ, VOU PROCESSÁ-LO POR INJÚRIA E DIFAMAÇÃO, VISTO QUE A HONRA  E DIGNIDADE DE UM MAGISTRADO NÃO PODEM SER MACULADOS POR “JORNALISTAS” MAL INFORMADOS. DIGNIDADE ESSA QUE PREZO TANTO QUANTO MINHA VIDA E MINHA LIBERDADE!!

ORIANA GOMES

JUÍZA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

RESPONDENDO PELA 4ª VARA CRIMINAL.”

Era assim  Gilmário: escrevia o que lhe vinha à cabeça, mas sempre imaginando estar dizendo a verdade. Tanto que em observações adiante ele acatou e reconheceu a falha sem, porém, mudar seu estilo inconfundível de dizer a verdade a quem quer que fosse. Imperatriz teve diversos jornalistas corajosos, mas, infelizmente, quase todos dirigidos, ora pela emoção, ora pela obrigatoriedade de dizer apenas o que fosse do interesse político/financeiro do “patrão”. Pioneiro no compromisso de respeitar a própria consciência, talvez só Gilmário.

Era sempre ele quem alertava e protestava contra as tantas coisas erradas que aqui aconteciam: “Há em Imperatriz, 26.800 famílias vivendo na miséria, o que significa 70.400 votantes à espera de uma sacolinha”; “Não entendo: Renato diz que não tem dinheiro para alimentar a quem passa fome, que o governo federal proibiu qualquer tipo de empréstimo… e anda alardeando a construção de casas e um aumento no orçamento de 400%”. “Os deputados estão piores que índios nesta região: não podem ver dinheiro que vendem até a alma. Não vendem a família porque não sabem se ela existe”. “A decepção com Renato Moreira é muito grande. Nem consigo entender como chegou a um posto tão alto na Receita Federal. Se fosse administrar qualquer negócio, teria que pedir emprego em pouco tempo. Renato, lembre-se que esta cidade é sua, o seu berço. Por onde anda o prestígio que você tinha, como FILHO DA TERRA?”

Não se importava em criticar alguém no dia seguinte de um elogio. Cid Carvalho, Fiim… que o dissessem. Os políticos eram sempre seu alvo: se fizessem alguma coisa de bom, eram elogiados; se, como dizem, pisassem na bola, os elogios do dia anterior tornavam-se poucos para quitar seu sarcasmo. Embora tantas vezes houvesse criticado o deputado Cid Carvalho, que mais tarde confessaria desonestidade, não foi usurário ao elogiá-lo pelo programa “Produzir para Libertar” que, em pouco tempo, já contava com 28 cursos de corte e costura, 40 centros comunitários e mais de 800 famílias engajadas.

De fato, não doeria tanto se todo pecador confesso  fizesse o bem que Cid Carvalho fez com seu programa  “Produzir para Libertar”. Ainda hoje podemos conversar com pessoas eternamente gratas por tão brilhante iniciativa. Como já disse, os políticos para se manterem no poder, até coisas boas são capazes de fazer. Para ser sincero, não me lembro se o deputado foi condenado: sei apenas que ele renunciou para não ser cassado, o que, por si só, já lhe imputa culpabilidade.

1993 representou uma tomada de posição contra a escandalosa impunidade que vinha beneficiando os “malandros” do País. É bem verdade que ainda não diminuiu em nível suportável, mas que agora está sendo muito mais difícil roubar e ficar sossegado, isso lá está, temos que admitir. Até então a coisa estava tão visível que alguns políticos, possivelmente, na impossibilidade de competirem, acusavam os companheiros, impiedosamente: “De todos os deputados do Congresso Nacional, há pelo menos 300 picaretas”, desabafava Lula em novembro de 93. E olha que Lula não era e não é nenhum exemplo de dignidade!

Os políticos, de um modo geral, preocupam-se mais com o poder do que com os destinos da nação. É por isso que em toda eleição são iniciadas centenas de obras que depois ficarão abandonadas; é por isso que nenhum político termina as obras que seus adversários começaram; é por isso que em todo início de governo milhares são demitidos; é por isso que em fim de mandato, milhares são admitidos; é baseados na facilidade de recuperarem por fora o que gastam nas campanhas, que eles investem milhões e milhões; é por isso que James Buchanan, prêmio Nobel de Economia de 1986, desabafou: “Para os políticos burocratas, mais impostos significam mais poder e mais autoridade.” 

O pior acinte à população reside nos políticos de carreira, os quais, engabelando o povo, permanecem no poder por longos e tristes anos. O mal reside na chamada panelinha partidária, onde os tais políticos de carreira, ganhando ou não o pleito, sendo bons ou ruins, sempre têm “emprego” garantido no alto escalão. Para apenas citar um pequeno exemplo, basta lembrar o tempo em que Francisco Fiim foi nomeado interventor de Montes Altos. Foi dito:

“O conhecido Francisco “Fiim” de Assis, ex-interventor no Município de Montes Altos, onde se revelou um dos piores ‘prefeitos biônicos’ do Estado, hoje, pela manhã, toma posse, pela segunda vez, na Subsecretaria de Educação do Estado, na região, no lugar do professor Ribamar Silva, que assumirá um cargo, conforme fontes da Capital, no Palácio dos Leões. Pesam contra Fiim acusações gritantes e escandalosas que denunciam a malversação do erário público quando de sua gestão como interventor de Montes Altos, onde o novo Subsecretário de Educação é acusado de gastar o dinheiro público para fins pessoais e de familiares. A Educaçãficou órfã.”

Logo abaixo do artigo, havia uma foto de Fiim sob a qual se via escrito: “Um dos piores administradores municipais vai dirigir os destinos da Educação na Região Tocantina”. Pois bem, embora pesassem sobre ele tantas e graves acusações, por fazer parte do partido situacionista, jamais ficou  “desempregado”. Fiim faleceu sem que se provasse nada contra ele – como sempre acontece aos políticos – mas, fosse ele quem fosse, depois de tantas denúncias, não devia mais ser representante do povo. Infelizmente, neste País, todos os políticos que se engajam uma vez delegam-se, por toda a vida, o direito de viver  às custas da Nação.

CAPÍTULO 83
1993. Ano demarcatório de novo tempo? Essa esperança já foi  repetida dezenas de vezes. Era prefeito empossado Renato Cortez Moreira eleito graças ao ainda, prestígio de Davi. O homem que se comentava à boca pequena, havia saqueado o município durante anos, dia-a-dia ia caindo nas pesquisas e no conceito até mesmo do povo humilde que sempre o elegera. A  conscientização que a mídia e outros segmentos da sociedade estavam empreendendo foi, aos poucos, encontrando ressonância no  povão que recebia sacolinhas e lotes em troca dos votos.

Renato Moreira passou então a ser, possivelmente, a última chance de Davi se reerguer e aumentar seu rechonchudo capital. Segundo se comentava, todas as vezes que os fundos de participação eram enviados, Davi era o primeiro a entrar no Banco do Estado e a sacar o dinheiro. Sem respaldo financeiro, Renato  nada podia fazer. Por ter nascido aqui, tinha certa obrigação de, como filho, não decepcionar tanto a cidade que lhe servira de berço. A sociedade começou a cobrar isso, intermitentemente.

Lembro bem o dia em que estava ligado num programa do apresentador Claumir Porcínio, da Bandeirantes (televisão do Chico do Rádio), cujo programa tratava exatamente de uma pesquisa sobre a administração de Renato Moreira. Porcínio ia lendo as cartas que recebia ou deixando no ar os telefonemas. Em dado momento ele recebeu um bilhete que dizia mais ou menos assim: “Renato, o Senhor, como filho desta terra, não se envergonha de ser um joguete na mão de Davi? Não lhe doe na alma deixar que ele continue saqueando a cidade, enquanto nenhum melhoramento o Senhor oferece a seus irmãos? …” E, mais ou menos nessa direção, a carta continuou, sempre indo fundo no brio de quem nem idade mais tinha para se submeter ao perigo de vender a alma por fraqueza ou covardia.

Coincidência ou não, a carruagem começou a tomar outro rumo. Com a pressão de vários segmentos da sociedade, dizia-se que Renato já não estava mais aceitando ser submisso a Davi.

Além do poder político que esse, mesmo em decadência ainda exercia, Renato fora eleito, também, pela fama que obtivera quando prefeito na década de 70. Mas nem a fama conseguiu calar a oposição que via nele um joguete de Davi, um subalterno dos caprichos escusos do homem acusado de haver saqueado e atrasado em décadas o desenvolvimento do município.

Com a forte pressão exercida pelas estações de rádio, televisões, jornais…, pelo povo em geral, Renato passou a diminuir as regalias de Davi que era quem praticamente, administrava a Prefeitura. Isso deve ter desagradado muito a quem sempre transpareceu viver uma psicose de mando. O poder escuso não suportou um trimestre sem as velhas regalias.

 Na época eu estava (velha mania) tentando gravar o piado de um tipo de inhambu na fazenda de um português, perto de Açailândia. Conhecia a fazenda do tempo em que fora de propriedade do Senhor Formiga e gerenciada pelo advogado Leandro Queiroga. Nesse tempo eu comprava madeiras da fazenda e ouvia a tal inhambu piar. Interessante foi ser flagrado, naquele dia, por um contingente do exército que vasculhava a área, recém pleiteada pelo órgão. Depois de explicar a eles o motivo de minha estada naquele local, fui liberado. De volta, no “Trecho Seco”, soube que Renato Moreira havia sido assassinado.

Para ser sincero, eu era um dos insatisfeitos com sua administração,  principalmente pela aparente submissão aos caprichos de Davi, em detrimento da cidade, mas a notícia foi como se um balde cheio de desilusão fosse derramado em minha alma. Sentia que a lei do trabuco ainda imperava e que as perspectivas de viver numa cidade onde as vidas fossem respeitadas desmoronavam mais uma vez. Pouco adiantaram (quando li nos jornais) as promessas de Lobão de que desta vez a coisa seria levada a sério; de que os pistoleiros e os mandantes seriam punidos… pois estava mais que certo de que tudo não passava de desculpas esfarrapadas para acalmar o povo, mais  faminto de justiça do que de sacolinhas. Com certeza, a cúpula política do Maranhão sabe, perfeitamente, dos meandros da trama que ceifaram a vida do Sr. Renato Cortez Moreira. Minha conclusão hasteia-se no atravancamento do processo, sempre presente nos crimes políticos.

Bom, regular ou péssimo administrador, ele era um ser humano, e como tal, com direito à vida. É mais que provável que ao declarar um basta àqueles que insistiam em manipulá-lo, tenha decretado, também, a sua morte.

Estranho foi conferir as coincidências. Em 1972, quando Renato fora prefeito de Imperatriz, seu vice, Dorgival Pinheiro de Sousa, também foi assassinado, na mesma rua e também pela manhã. A distância de uma assassinato para o outro não chega a 200 metros. Quanto ao tempo, também a diferença fora de dias. O prefeito foi assassinado, sem sombras de dúvidas, pela avidez de alguns pelo poder, já que o próprio Davi declarou que ele era incapaz de ser ofensivo a uma mosca. A pergunta ficava no ar: “Quem tinha esse interesse?”

CAPÍTULO 84
Eu até que acreditava na boa intenção do Sr. Renato Moreira, mas percebia que ele não tinha mais força física nem “argumentos” para se libertar das pressões do grupo totalmente suspeito que o elegeu. Tinha como sonho (a sinceridade de suas palavras ficam por conta dele e de Deus) acabar com o paternalismo, eliminando de vez as sacolinhas: “O nosso interesse é gerar trabalho e emprego para a população. Não nos interessa dar o peixe pra ninguém, queremos, sim, dar  condição para que cada um, com o seu trabalho, possa pescar a sua sobrevivência”. Ele falava  em enxugar a Prefeitura  e até certo ponto cumpriu, não tivesse sido acusado de haver colocado no lugar dos demitidos, quase todos seus familiares. Ao ser acossado, defendeu-se: “É verdade e eu não nego que botei filhos meus, cunhados meus, na minha assessoria direta. Isso é um fato comum visto que escolhi pessoas capazes e competentes para dirigir esses setores.” “Eu, como imperatrizense, me considero um príncipe, visto que sou filho da cidade, apesar de ser eleito pelo sistema presidencialista.”

Ainda que com palavras de aparente boa intenção, Renato fazia muito pouco, deixando a cidade no mais completo abandono. O “nepotismo” irritava ainda mais a população, mormente quando via familiares desfilando em carros luxuosos adquiridos pela Prefeitura. A tudo isso juntava-se um receio maior: que alguma coisa fizesse com que ele renunciasse ou desistisse, deixando a Prefeitura nas mãos do vice Salvador Rodrigues, tido como fraco e ainda mais dependente dos  caprichos de Davi.

Em maio, veio a primeira ameaça, quando os jornais noticiaram que as Associações de Bairro estavam promovendo a primeira passeata com o intuito de exigir a intervenção no município: “O quadro de desolação em que se encontra a cidade e, ainda mais, a greve dos professores provocada pelos baixos salários praticados pela atual administração, além da prática do nepotismo de forma acintosa, causaram descontentamento nos demais segmentos da sociedade, em especial aos mais carentes, provocando uma cadeia de rejeição ao prefeito Renato Moreira, considerado por essas pessoas insensível à situação”.

Ficava claro que Renato Moreira enveredara por caminhos errados e que, se fora um bom prefeito em 72, não devia ter posto em jogo a boa fama. Ao aliar-se a Davi e Salvador, foi o mesmo que decretar sua própria desgraça. Ainda continua sendo impossível misturar, homogeneamente, certos elementos. E seus mais amigos, aqueles mesmos que possivelmente lhe juraram apoio incondicional e amizade, não viram momento melhor para se livrar daquele que apresentava indícios de rejeição ao sistema podre de tantos anos.

Pressionado ou não, Renato começou a gostar, ou pelo menos, a usar o poder sem se preocupar com o compromisso que assumiu perante aqueles mais humildes que nele confiaram. A população não acreditava que aquele bom prefeito da década de 70 se tornasse tão inoperante e insensível de um momento para outro.

A verdade é que só haverá liberdade para um governante agir livre e corretamente no dia em que forem proibidas as campanhas. Se por um lado elas nos dão a oportunidade de conhecer melhor o candidato, por outro, hipotecam seus planos. Os milhões e até bilhões que vêm das campanhas através de investidores interesseiros, depois terão que retornar com juros e correção. O homem que era honesto, mas que pela ganância do poder aceitou ajudas interesseiras, já não terá mais condição de governar livremente. Aí começam as concessões, os subsídios, o empreguismo e por aí afora. Uma vez maculada a moral, uma vez ferido o objeto sagrado da honestidade, o homem perde a integridade e acaba por se tornar, definitivamente, um político brasileiro comum.

A honestidade é como uma brincadeira de cartas empilhadas: extremamente difícil de ser armada, mas muito fácil de ser derrubada.  Toda uma vida voltada para a honra, para o equilíbrio e a honestidade, erigida com sacrifício e abnegação, pode ser destruída num minuto de fraqueza e ganância. Assim, muitos homens entram na política cobertos de boas intenções, mas devido ao montante de dinheiro disponível, diante da facilidade com que se pode apanhar as coisas públicas sem ser castigado, diante das leis que promulgaram para se tornarem imunes aos rigores da lei, logo acabam se achando no direito de usar o povo e a nação em seu próprio benefício.

 Como Renato deu mostras de também gostar do poder e de ter personalidade para não aceitar indefinidamente certas exigências, teve sua morte decretada em setembro… e levada a efeito numa quinta-feira, 7 de outubro de 1993. Começava aí mais uma comédia trágica.   O Governador prenderia meio mundo, os promotores esquentaram as teclas das acusações, os familiares garantiram que haveria justiça, o povo afirmava que as coisas iriam mudar, …

O tempo foi passando. Promotores foram transferidos, o Governador deixou prá lá, o próprio Ventura – inimigo declarado da atuação do grupo davisista – abrandou e, apenas os gritos de Moreirinha, anos depois, ainda ecoariam  em alguma acústica perdida de nosso judiciário. O assassino de Renato nem o conhecia, logo foi contratado para executá-lo. Mas, quem mandou? Damião Benício? Geraldo Hipólito? Ora!… Todo mundo sabe que eles não tinham motivos suficientes para embarcar em tal canoa. O objetivo era o poder e com ele o dinheiro fácil que podia ser roubado sem que ninguém impedisse. Quem teria esse interesse?

Renato, Pedro Américo… dezenas de outros crimes que envolveram gente influente,  cairiam no esquecimento, porque ainda não alcançamos a dignidade de fazer a lei valer para todos. Infelizmente, a nossa Justiça perdeu a venda e está enxergando até demais. Todas as vezes que crimes e roubos políticos aconteceram por aqui, todas as vezes que se criaram CPIs para averiguar, todas as vezes que se ventilou a possibilidade de devassa na conta de políticos corruptos – eu jurei em minhas crônicas, que nada lhes iria acontecer. E nada, até hoje, lhes aconteceu.

 CAPÍTULO 85
Para influenciar ainda mais os insaciáveis gananciosos, aqueles que tramavam a morte de Renato Moreira, o deputado Cid Carvalho, o mesmo que teve que renunciar para não ser cassado por corrupção, começou a informar à população sobre o quanto Imperatriz recebia do Fundo de Participação dos Municípios e do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços. Com cópia do documento, ele provou que a Prefeitura, que justificava a inoperância por falta de dinheiro, havia recebido de janeiro a junho, “novecentos e dois milhões, cento e quarenta e cinco mil e cinqüenta e seis cruzeiros”.

Fica claro que, devido à intermitente desvalorização de nosso dinheiro e a não menos contínua troca de nomes de nossa moeda, hoje, qualquer um teria dificuldades em saber se a importância recebida era grande ou não. Para tirar essa dúvida, devo dizer que os jornais afirmavam que daria para construir mais de 6 mil casas ou comprar mil fuscas.

“Julgo da maior importância que a comunidade participe do conhecimento dos recursos que são recebidos e aplicados pelos dirigentes municipais. A participação de cada um cobrando o cumprimento do dever do PREFEITO é uma forma de lutar contra a corrupção” – alertou Cid Carvalho, acusado do mesmo pecado.

Imperatriz parecia ter atingido o auge dos desmandos, da corrupção e da impunidade. Além do assassinato de Renato Moreira, do qual até hoje não se sabe (?) quem foi o mandante, ainda se podia obter dos jornais, manchetes estarrecedoras: Mistério na morte de Pedro Américo; Até hoje não se sabe o nome dos verdadeiros mandantes na tentativa de assassinato de Valdinar Barros; No apagar das luzes, Davi Silva, Afonso e Clésio Fonseca liberam açúcar contaminado; Davi poderá ser vice de Roseana; Cid Carvalho informa dinheiro que chega; Demar Fiim e Macedo: os maiores gazeteiros; Salvador Rodrigues toma posse; Veloso decreta apreensão de documentos contábeis da prefeitura; apesar de 92 ter sido um dos anos mais violentos de nossa história, 93 não parece começar com outras perspectivas; Crimes insolúveis; pistoleiro da bicicleta continua matando; cabeça de pistoleiro a prêmio;  Guerra contra desmanches; Veloso acusa polícia; Secretaria de Segurança no comando de Ventura; Noleto diz que a Operação Tigre matava bandidos e até inocentes e é repreendido por Lobão; Connor Farias sofre atentado; Dr. Arnaldo Baêta é suspenso por Araújo por negligência médica; Connor diz que Renato comprou Zé Carlos, João Pinto e João Silva com 3 veículos e é ameaçado pela Câmara Municipal; Cid Carvalho é acusado e tenta se defender; Macedo tenta denegrir o trabalho do Coronel Bastos e é repudiado;…

Se fôssemos enumerar os descalabros de 93, certamente teríamos que dedicar a isso muitos capítulos. As investidas contra os crimes nunca saíram dos derredores, ou seja, nunca atacaram o foco principal. A polícia, ou quem de direito, sempre fazia o papel de uma doméstica que vivia retirando a água da cozinha sem fechar a torneira.

Em novembro, Valdinar Barros, uma das raras pessoas que escaparam da pistolagem, fez um emocionante desabafo: “Somente a Polícia Federal poderá elucidar e prender o verdadeiro culpado da morte de Renato Moreira. O coronel Ventura não tem competência para chegar ao verdadeiro mandante. Ventura, hoje, está totalmente desmoralizado. Somente uma outra polícia, diferente daquela que é comandada por Ventura, poderá prender os implicados, ainda que sejam influentes. Ventura, como disse o próprio Geraldo Hipólito, não tem peito de levar suas investigações a Davi Alves Silva”.

Visivelmente afetado e subjugado por ordens superiores, o arquiinimigo do homem acusado de ser o cabeça do crime organizado de Imperatriz parecia estar numa dura encruzilhada: se agisse, certamente seria deposto; se não agisse, veria por terra toda a grande esperança daqueles que sempre viram nele um homem honesto e de fibra. Por sua voz firme e sua coragem de combater o que achava errado, Ventura chegou a ser visto como a mais palpável esperança de libertar a região do crime organizado. Mas o poder parece ter sido mais forte.

Ele talvez tenha sido a nossa mais doce esperança… e, nossa mais dura frustração. Digo isso porque, nos bastidores, nas conversas de fim de tarde nas varandas das casas, ninguém tinha dúvida sobre os culpados dos chamados “crimes misteriosos ou insolúveis”. Estou certo que também ele nunca tivera qualquer dúvida de como chegar aos verdadeiros culpados. No entanto, entre ser culpado e ter contra si provas aceitáveis pela lei há uma diferença muito grande, tão grande que nem a Justiça desfaz. Não bastasse, o mundo todo é manipulado por alguns representantes chamados de políticos, os quais, para infortúnio da sociedade, dificilmente são imunes ao vírus da ganância e do poder. É para se manterem no poder ou dele extraírem vida cômoda que homens sensatos, corajosos, honestos e íntegros, perdem o brio e esquecem  os verdadeiros valores.

No auge de tanta farsa, também eu desabafava: “A voz do povo é a voz de Deus”; “O povo é a maior força de um país”; “O povo tem o governo que merece”; “O povo…”.

O povo! Tudo o que se disse e o que se diz sobre a força intrínseca do povo é verdadeiro, desde que tal definição  não recaia sobre uma gente que, apesar de pobre, sofrida  e massacrada, seja também covarde. É preciso que se saiba ser manso, compreensivo e educado, sem se transformar num fraco e covarde. Até Cristo perdeu a calma diante dos vendilhões do Templo.

Vocês já viram o que um raquítico domador de feras faz a 10 leões, num circo dentro de um quadradinho de 5×5? Pois é, um único nanico com uma chibata na mão, escraviza, obriga e humilha 10 leões, quando se sabe que um leão apenas daria conta de 10 homens robustos.

Os brasileiros se tornaram  leões de circo, feras domadas que guardam um potencial capaz de acabar com toda essa corrupção, mas que não têm coragem nem reconhecem sua força. Basta um estalo do chicote no chão, uma promessa estúpida, uma explicação ou justificativa esfarrapada e estamos aí, confiantes, retraídos num canto, sofrendo passivamente todo tipo de exploração.

Somos também como um cão feroz, mas faminto. Notamos que os ladrões estão assaltando nossa casa, nossos filhos e posteridade, mas se nos jogam um osso, corremos para um canto qualquer e nos contentamos em roê-lo. O povo, de fato, tem a força. Se ele quiser acaba com todo esse estado de coisa. Mas é preciso querer.

Somos também como um motor possante, mas que só demonstra sua força  se acionado. Que Deus nos mande esse mecânico! Quando acionaram essa força, caiu até o presidente da República, Fernando Collor de Mello – com PC e tudo. Agora estamos aqui, sob um grupo político diferente.

Pedem tempo porque essa podridão tem 15 anos de formação e não se poderá eliminá-la num só ano. Mas pergunto: Quem eram nossos políticos há 15 anos? Que esperança podemos alimentar se os mesmos que criaram esse estado de coisas hoje vêm prometendo solução e impedindo que se desfaçam os vergonhosos direitos que se estabeleceram?

O problema social do Brasil, enquanto não se punirem os colarinhos brancos que roubam, enquanto os políticos não forem tratados como brasileiros normais, enquanto não houver respeito e dignidade, não terá solução.

Tirem-lhes as mordomias, baixem os seus salários para o de um médico ou professor e, certamente, não teremos candidatos a pleito algum. Experimentem dar aos garis a legalidade de se estabelecerem os salários, ou ao povo o de estabelecer o ganho de seus representantes. Experimentem, meus caros legisladores!

A grande desgraça está nisso: mordomias, impunidade, imunidade parlamentar e poder de legislar em causa própria. Quando transformarem os políticos em cidadãos brasileiros normais, com salários que atrasam, greves por melhorias, protestos contra mensalidades escolares altas… aí sim, se o Brasil não consertar é porque somos mesmo uma nação de incompetentes. Por hora somos apenas uma nação com milhares de políticos e milhões  de covardes.

CAPÍTULO 86
O simples fato de se engajar na política – com raríssimas exceções –  já define o grau de ganância e a psicose pelo poder que o indivíduo carrega dentro de si. Revirando a história, dificilmente encontramos um homem que se dedicou à Política, simplesmente pelo belo ideal que a define: o de pôr-se a serviço dos irmãos, sem qualquer  intenção de busca de prestígio, de poder e de riquezas. Mais de 90% das pessoas que hoje nela entram é com o pensamento fixo na imunidade parlamentar, nas aposentadorias milionárias e nas gordas negociações com empreiteiras e outras grandes firmas. Com certeza, os salários nada significam para eles. O lucro do político desonesto vem mesmo das informações que deveriam ser sigilosas, passadas a banqueiros e grandes empreiteiras e do falso mas atuante efeito que seu prestígio exerce em seus apadrinhados que ocupam altos cargos públicos.

É mais que óbvio que se Alves flagra José num crime e José, por sua vez, já o tenha apanhado no mesmo delito, nada um terá de temer do outro. Serão sempre fiéis depositários de um segredo a sete chaves. É o famoso rabo de palha.

José Sarney já fez muito pelo Maranhão e se alguém tiver o direito de reclamar, certamente não serão os maranhenses. Roseana, sua filha, para mim, está sendo a mais simpática e honesta entre os governadores  que nosso Estado já teve. É bem certo que ela tenha demonstrado pouca afeição para com nossa cidade, mas acredito estar desobrigada da grandeza de perdoar ou mesmo de não levar em conta tantas agressões que aqui sofre por parte de adversários inconformados.

Certa feita, ao receber informações de que um funcionário estava sendo desonesto em sua prestação de contas, fui falar com um dos meus sobrinhos que trabalhava no mesmo setor. Meu sobrinho então perguntou-me:

– Se ele está dando prejuízos, porque não o demite?

– Não é o que as contas revelam – respondi.

– Bem – arrematou meu sobrinho – eu prefiro um desonesto que me dê lucro a um honesto que me dê prejuízo.

Depois disso, costumo olhar qualquer político sob esse prisma. Sei que quase a totalidade deles enriquece misteriosamente num simples mandato, mas esqueço “esse fantástico poder de administração” e me atenho mais ao que estão fazendo com o povo. Por isso, não guardo ressentimento de Cid Carvalho, apesar das tantas acusações que lhe imputaram. Até o jornalista Gilmário Café, proverbial em seus picantes comentários políticos, arrefeceu:

“Sem dúvida alguma já houve a consagração do Programa Produzir para Libertar. Se não bastasse a procura de muita gente querendo participar dos cursos de corte e costura em número de 28, os 40 centros comunitários e as mais de 800 famílias trabalhando, vem agora a fase do reconhecimento. Hoje a fabricação de confecções é uma realidade que abastece o comércio da região. São Luís e Marabá são praças que os pequenos fabricantes estão atendendo. Mas a coisa vai além fronteiras. O presidente da Companhia Vale do Rio Doce veio exclusivamente para conhecer o programa. Será anunciada nesta semana a visita do presidente e diretores do Banco do Brasil, que vêm de Brasília, conhecer de perto o trabalho do programa.”

Em 1993, era governador Édson Lobão. Teve grande votação em Imperatriz e até ensaiou certa gratidão para com a cidade. Em maio esteve aqui com o prefeito Renato para iniciar a distribuição de centenas de toneladas de feijão às famílias carentes. O feijão era oferecido pelo Governo Federal, como excesso de estoque.

Muito feijão, muito dinheiro, eterna impunidade… logo as primeiras denúncias: 1/5 do feijão desapareceu. Fez-se então aquele aparato cômico de denúncias: Polícia Civil, Polícia Federal, ameaças de prisão, procura de implicados…, enfim, a velha e costumeira palhaçada de sempre paravender jornal e depois, também como sempre, o assunto foi esquecido. Na cadeia: ninguém.

No âmbito nacional a coisa não andava diferente. Onde se mexesse, havia corrupção. Eram tantas que mesmo que nossa Câmara fosse toda honesta, não haveria parlamentares para compor todas as “CPIs” que se fizessem necessárias. Muitas vezes fui taxado de pessimista por não acreditar no soerguimento do País. Toda grande nação um dia cai, assim como todos os países do Terceiro Mundo um dia receberão a comenda de Grandes Nações. Porém, a curto prazo (um curto de décadas) não vejo solução para o Brasil. Hoje, quando escrevo isto, sinto que não estou só em minha revolta. Minha confreira Neneca não me pareceu imune ao tal “pessimismo” quando escreveu O BRASIL CONTINUA PODRE”:

“Inocêncio de Oliveira foi condecorado com a Ordem do Rio Branco, honraria que o Itamaraty concede a personalidades que se notabilizam por “serviços meritórios e virtudes cívicas”. Além de Inocêncio, a ex-esposa de Fernando Collor, Lilibeth Monteiro de Carvalho, uma das favorecidas pelos cheques fantasmas de PC Farias, estava lá entre outros que eram só sorrisos e salamaleques. A atriz Regina Duarte, o judoca Rogério Sampaio e o líder trabalhista Vicentinho, agraciados, merecem minha simpatia. Inocêncio  de Oliveira, repudio e confesso-me envergonhada. Se eu fosse sua mãe, jogaria essa medalha no lixo, em homenagem aos meus irmãos nordestinos. Jamais imaginei que o mineiro Itamar Franco se prestasse a tal serviço.

O deputado, amiguinho de Inocêncio, coordenador da Procuradoria da Câmara, o tal de Vital do Rêgo fez cancelar reunião que  havia sido marcada para quarta-feira, 28 de abril, sobre os poços abertos pelo DNOCS em terras do compadre, para que nada empanasse o brilho da medalha que o nobilíssimo representante do povo nordestino iria exibir pregada no peito varonil, em noite de gala na Ilha da Fantasia. Parabéns, Inocêncio. Você merece tal sujeira. Combina com você, e sua camarilha.

Roubos continuam no INAMPS, INSS, INPS (sei lá), nos ministérios, autarquias, repartições públicas; nas estatais, nos convênios firmados com o governo, nos superfaturamentos, na indústria da seca, da fome e da doença. Obras inacabadas pelo Brasil todo fazem crescer o cemitério onde se enterra o dinheiro  do desenvolvimento do País. A cólera continua avançando até nos estados onde a saúde pública tem melhor cara. E os demagogos que ganham 100 milhões de cruzeiros por mês, livre de despesas, e com aposentaria após 8 anos de trabalho, acenam com aumentos mensais do salário mínimo sabendo que a inflação corrói o ganho do trabalhador e aumenta os lucros da elite que controla a riqueza nacional. E todos caem nessa leréia  porque… o povo brasileiro é pobre, sem escolaridade, doente, faminto, desinformado. Quem lê neste País? Quem assina revistas inteligentes e corajosas que discutem problemas do Brasil? Quanto custa um bom jornal, um bom livro? Horário nobre da televisão é sagrado: novelas alienadoras e humor tipo “escolinha”. Nos colégios, nas igrejas, nas famílias, quem discute e propõe soluções  que devem ser exigidas do governo das cidades, dos estados e da Nação? Onde estão os ‘carapintadas’  que não saem às ruas reclamando dos gastos faraônicos dos que detêm o poder? Do desperdício  oficial? Da sonegação de impostos. Do FGTS que sumiu? Dos deputados não reeleitos que continuam a viver em Brasília em apartamentos funcionais que são pagos por nós? Por que não exigem com suas simpáticas caras pintadas que se dê fim à seca do nordeste brasileiro e do Vale do Jequitinhonha? Sabiam que Israel e a Califórnia resolveram os mesmos problemas com inteligência, trabalho e honestidade?

Furtado, Mailson, Bresser, Zélia, Krause, Haddad, Yeda, Eliseu (e outros), eram ou são burros e ignorantes? Safados? Picaretas? Não acredito. Os planos estão todos errados? Não há salvação para o Brasil? Não aceito. Podem-me chamar de louca. Vou ficar rouca. Meus dedos terão cãibras sobre o teclado desta minha querida amiga e companheira. Mas não desistirei. Não quero envelhecer e morrer nesta podridão. Nunca apreciei remela, como dizia meu honrado avô.”

Só então eu percebia que não estava só em minha luta ou, quando nada, em minha revolta.

CAPÍTULO 87
Algumas notícias ficaram gravadas em nossa mente quando o ano de 1993 se despediu. O agradecimento comovido de Renato Moreira a Davi e Daniel Silva por terem-no ajudado a vencer as eleições; a morte de Léo Franklin, personagem ativo de nossa política; a entrega dos viadutos com suas passarelas no Entroncamento, pelo governador Édson Lobão; a fuga estratégica de Renato Moreira com a invasão do prédio da Prefeitura pelos professores em atraso; a nomeação de Bastos para diretor regional de Segurança, e de Ventura como secretário de Estado da Segurança Pública; a recuperação da iluminação do estádio Frei Epifânio da Abadia; a inauguração da  nova central telefônica com capacidade para 50 mil terminais, levada a efeito pela Telma; a inauguração da Estação Ferroviária de Imperatriz e Ferrovia Norte-Sul no trecho entre Açailândia e Imperatriz; o assassinato do então prefeito de Imperatriz, Renato Cortez Moreira,  que, além de até hoje não ser esclarecido ainda marcou com profundo descrédito toda a polícia, todos os políticos e todos os juízes envolvidos;  a acusação de Cid Carvalho na corrupção do Orçamento e respectiva renúncia posterior; a devassa nas contas do Sr. Davi Alves Silva, misteriosamente suspensa por ordem judicial superior vinda de São Luís e levada a efeito pelo juiz Aureliano Neto… Essa obediência custou ao meritíssimo e digno juiz de nossa comarca, duras críticas e muitos dissabores.

Mas, se muita coisa havia sido mexida nos alicerces de nossa estrutura em 93, em 94 a coisa viria ainda mais forte, atingindo o clímax de uma transição de esperança. A covarde submissão que o povo vinha prestando há anos ao Sr. Davi Silva aos poucos ia sendo abalada por jornalistas mais esclarecidos que, dia-a-dia, artigo por artigo, iam minando a forte estrutura de um governo injusto que se firmava em humilhantes sacolinhas.

As entidades culturais: Academia Imperatrizense de Letras, Gruli, Assarti, Fórum da Sociedade Civil – apoiada pelas comunidades dos bairros, sindicatos, maçonaria, Lion Clube, Rotary Club, entidades jornalísticas, principalmente os jornais “Folha da Cidade” e “O Progresso”,  começaram a bombardear por todos os lados os atos irresponsavelmente praticados pelos políticos davisistas que há muito eram acusados de dilapidar o erário público.

Ainda que Davi e seus seguidores já houvessem montado uma verdadeira fortaleza e fossem fortes mandatários, o grito pequenino e sumido do povo acabou se transformando em seu maior pesadelo. E de uma a uma, paulatinamente, as forças foram se unindo, engrossando, e Davi, esperto como uma velha raposa, logo se deu conta de que, ou inventaria uma nova fórmula para subjugar a população pobre e ignorante que se vendia por lotes e sacolinhas, ou estaria arruinado politicamente.

Optou, então, por apoiar arquiinimigos, por rebaixar-se, mudando a fama de “galo de Imperatriz” em frango tímido e dependente, sujeito à humilhação de não ser recebido pela Governadora que apregoava ter elegido. Diz-se, nesse tempo, que ele, inconformado, tentou entrar “no peito” e foi barrado pelos seguranças com alguns tiros de 38 nas pernas. Era interesse de ambas as partes que tudo ficasse encoberto… e ficou, na medida do possível, pois jamais alguém deixou de acreditar que nosso galo tenha saído de lá sem algumas penas do traseiro.

    Já foi dito que é preferível um país sem governo do que sem mídia. Embora seja um tanto enfático, não deixa de ser verdade. É graças à mídia que a cada dia as maracutaias vão se tornando difíceis. Nos dias de hoje, a imprensa honesta representa o principal sustentáculo da democracia. É claro que, diante disso, os políticos têm adquirido 90% das emissoras, mormente as interioranas, mais para evidenciar seus poucos feitos e encobrir suas falcatruas do que para proporcionar qualquer desenvolvimento ao lugar.

Imperatriz, atualmente, possui 4 emissoras de TV: uma de Fiquene, outra dos Sarneys, outra do Chico do Rádio,  outra de Raimundo Cabeludo e uma última de Connor Farias, que se contenta em cobrar pelo apoio a políticos sem canal.  Assim, o povo continua no meio de um eterno tiroteio de informações contraditórias, o que resulta em terrível confusão para cabeças pouco esclarecidas. No fim das contas, é óbvio que, mesmo o mais simplório ribeirinho, chega à sua “medíocre” conclusão: “São todos uma corja de interesseiros que mentem até para a própria mãe, se isso for conveniente para conseguir o poder.” Ao ar, cada emissora lança apenas o que lhe interessa politicamente, servindo muito pouco para ajudar o município. As pessoas mais esclarecidas ouvem as reportagens, não sem um sorrisinho de desconfiança e escárnio, enquanto os mais humildes votam em qualquer um por não conseguir decantar a verdade na barafunda de contradições. O santo de uma emissora, normalmente, é o demônio da outra.

 CAPÍTULO 88
Uma das mais fatídicas distrações de Davi foi esquecer-se da regra geral dos políticos brasileiros,  a de, como primeiro ato, comprar emissoras de televisão, rádios e jornais, a fim de incutir no povo notícias enganosas, sobre o “brilhantismo” de sua administração. Com apenas a Rádio Terra, ele ficou praticamente restrito ao corpo a corpo, enquanto o restante da mídia local, pertencente a seus adversários derrotados, conseguia fazer em minutos o que para ele era tarefa de semanas. Seu prestígio foi sendo abruptamente abalado.

Para piorar ainda mais, Renato começou a negacear, a não mais aceitar passivamente as suas ordens. Fatídica coincidência ou não, foi morto estupidamente, às 6h30m da manhã cinzenta do dia 6 de outubro de 1993, quando ingenuamente – como era de seu feitio – fora, de sandálias e bermuda, comprar pães para o desjejum de seus filhos.

O vice foi acusado, preso, algemado e em seguida solto para  ocupar seu lugar. Depois de dias tumultuados entre quem foi, quem não foi, acabaram prendendo um qualquer e Salvador Rodrigues continuou governando e fazendo muito pior que Renato.  Foi quando, diante de tantos abusos inadmissíveis, um cidadão de cabelos brancos, numa tarde de quinta-feira, num bate-papo informal, falou-me da necessidade de se fundar uma entidade sem vínculos políticos, estritamente voltada para o bem da coletividade. Teria que ser uma entidade que jamais demonstrasse qualquer inclinação política, para que pudesse receber em seu seio o apoio de todas as entidades organizadas e de todas as comunidades de bairro. Isso a tornaria forte e capaz, não só de sobrepujar qualquer lei, mas também de estabelecê-la. Seus fundadores apregoavam que esta seria a única maneira de Imperatriz se unir para extrair o cancro davisista que há tantos anos vinha usando o erário público em benefício próprio.

Para ser sincero, não dei ouvidos. Naquele tempo, pareciam a mim que todas as forças  convergiam para a corrupção e para o mal. Se se tivesse gravado todas as acusações, todos os desabafos e até as orações da mídia e do povo naquele tempo, certamente precisaríamos de milhares de fitas. E nada se revertia. Parecia que a polícia e o Judiciário eram coniventes ou, quando nada, que se calavam, sufocados por interesses escusos de seus intendentes.

Nesse ínterim, o delegado da Polícia Federal, Raimundo Cutrim, denunciou, com provas, as falcatruas que estavam ocorrendo na Prefeitura de Imperatriz. Essas denúncias foram acatadas e levadas em frente pelo corajoso promotor público Roberto Veloso que, como Cutrim, logo seria transferido.

E o povo, ainda covarde, enchia-se de esperança, na vã crença de que apenas alguns homens, ainda que da polícia ou da Justiça, pudessem extrair, sozinhos,  um arraigado câncer de décadas. Foi aí que o Dr. Ulisses Braga passou a insistir:

Imperatriz carrega no seu bojo todos os defeitos, vícios e enfermidades do País, e parece que em grau muito mais avançado e grave: a violência, a miséria, a impunidade, a descrença na Justiça, a demagogia política, o assistencialismo eleitoral e aquele que parece o maior de todos estes males: a corrupção ostensiva, transparente, audaciosa e despudorada que obstaculiza o progresso da cidade e agrava o sofrimento do povo. No fundo da miséria está o germe da riqueza; no poço da escravidão repousa também a semente da liberdade; nos abismos do pecado, se oculta igualmente a luz da santidade e da inocência. As sombras densas e negras do mal que correm e envolvem Imperatriz neste instante só devem servir de um despertar e de um toque de reunir de seu povo e de sua sociedade organizada. Que, a meu ver, deve começar pela criação de um Conselho Comunitário de Defesa de Imperatriz, ou de um Conselho da Cidade. Inicialmente terá o objetivo de ser uma entidade capaz de suscitar credibilidade dentro da cidade e fora dela e, em conseqüência, agir em defesa do povo e da cidade de Imperatriz, todas as vezes em que isso se fizer necessário. O fato é que, queiramos ou não, o destino lançou ao chão a indesejável luva de um grande desafio a Imperatriz, a seus filhos e a seu povo: retroceder ou progredir; a moral ou a imoralidade; a  lei ou a anti-lei; a miséria ou a prosperidade; o atraso ou o progresso; a covardia ou a coragem; o reinado da Justiça ou o império audacioso do crime. E, mais que isso, permanecer a sociedade civil desorganizada, ou se organizar, independente dos poderes políticos, para promover ela própria seu bem-estar, seu progresso e sua felicidade.”

A idéia era, além de necessária, urgente. Os desmandos atingiam níveis insuportáveis. E assim, no dia 13 de março, o Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz era fundado.  A ele se filiaram imediatamente: 23 sindicatos, a Associação Comercial e Industrial de Imperatriz, Federação da União de Moradores de Bairros e Entidades afins da Região Tocantina, FUMBEART, SINDIJORI, Academia Imperatrizense de Letras, União dos Estudantes de Imperatriz, Ordem dos Advogados do Brasil, para citar apenas as mais fortes e atuantes. Provisoriamente, Dom Fellipe Gregory, bispo de Imperatriz, ficou como presidente.

Durante alguns meses, a entidade foi ajeitando-se, acomodando-se e  sendo entregue a seu principal idealizador, Ulisses Braga. Vito Milesi, José Geraldo  da Costa, Jairo de Oliveira, Mário Cortez, Licínio Cortês, Francisco Araújo e muitos outros que participaram ativamente da idéia do Dr. Ulisses, fazendo ou não parte da diretoria, agiram rapidamente, como se pressentissem o bom momento de entregar ao povo a possibilidade da libertação. No dia 23 de junho, a população foi convidada para a primeira passeata rumo à Prefeitura. Apesar do alarde, o povo temeroso mais uma vez se acovardou. O que ele desconhecia era a verdade de que a união faz a força, e ainda que, de fato, ele unido jamais será vencido.

A passeata foi um fracasso. O comércio não participou. A gente descia a Getúlio Vargas até com certo  constrangimento, pois  parecia estar se expondo ao ridículo. Em frente à Prefeitura,  foram ditas algumas palavras a uns 300 gatos-pingados e nada mais. Pela graça de Deus, o fracasso, ao invés de desanimar o Dr. Ulisses Braga, apenas lembrou-lhe de que havia necessidade de mais preparação e melhor conscientização do povo. Ele esconderia a frustração: “O Dia da Resistência teve o apoio popular e o sucesso unanimemente reconhecido”.

Em julho ele lamentava que a família Sarney, para eleger Roseana, tivesse aceito o apoio do homem que durante anos deixou Imperatriz num antro sombrio e negativo. Lembrou que, exatamente agora, quando pelas vias do tempo, Davi ia se consumindo no cenário político, a família Sarney o fazia ressurgir como Fênix, das cinzas, para infortúnio da Princesa do Tocantins. O presidente do Fórum intitulava seu artigo, profeticamente, como “ÚLTIMO TESTEMUNHO”.

Daí para frente, seu trabalho seria mais arquitetado e menos passível de erro. Dia a dia, nas rodinhas dos bares, nas reuniões das entidades, ele e seus companheiros foram calculando cada passo e cada palavra. Com o aparente silêncio, o grupo dominante passou o final de 94 como se tudo fosse continuar como nos áureos tempos de Davi como mito, como galo e, agora, como protegido da dinastia Sarney.

Em dezembro, depois de longos meses de estudos, já inteiramente convicto da força de que dispunha, Ulisses evidenciava:

Fico satisfeito quando vejo essas manifestações, porque não partiu do Fórum a iniciativa e sim do povo que está  massacrado, que não agüenta mais tantos abusos e principalmente viver numa cidade como está Imperatriz. O problema é muito sério e é hora de o governador Fiquene ou mesmo de a governadora Roseana Sarney (era um período de transição) se manifestarem a respeito.”

Ulisses pregava que tirar Salvador da Prefeitura não era tarefa difícil, mesmo porque o próprio Davi apoiaria, já que o poder passaria para Salgado, ainda mais submisso a ele que o próprio Salvador. Era preciso uma intervenção, sim, mas de gente não ligada ao grupo davisista. E já prevendo o que aconteceria em muito breve, arrematou:

“A população não agüenta mais tantos abusos por parte dessa administração e as manifestações vêm comprovar o que estamos falando.”

Estas, talvez, tenham sido as últimas palavras escritas por Ulisses, não só no ano de 1994, mas também no limiar de sua paciência.

 CAPÍTULO 89
É possível que em parte alguma do Brasil se tenha visto um prefeito, ou um líder político, com tanta autoridade como teve Davi nos tempos em que comandou os destinos de nossa cidade. Komeini, Fidel, Sadan… certamente o invejariam. Nesse tempo, cônscio do apoio da imensa massa popular, ele fazia e desfazia a seu bel-prazer, jamais se importando se havia ou não uma lei para ser respeitada. Tanto fez que muitos anos mais tarde ainda estaria às voltas com processos no qual era acusado pelo Ministério Público Federal de falsificação de documentos de identificação previdenciária, no tempo em que fora prefeito de Imperatriz. Nesse tempo, segundo denúncia, ele falsificava documentos que davam direito à assistência indevida a pessoas não cadastradas no antigo INPS. Acredito não ser necessário antever o desfecho, a não ser que ele seja o primeiro político a ser condenado desde o retorno de Cabral.

Depois que assassinaram Renato Moreira, ficou como prefeito o vice, Salvador Rodrigues, um homem sem a mínima condição de dirigir o município. Embora nunca tenha se provado nada, o povo insinuava que Davi era o maior interessado na morte do prefeito.

Em junho, Gilmário Café dizia que Sarney havia repreendido Davi não por sua péssima administração, mas por não obedecer às normas de camuflar, tão refinadas no campo político. Dias depois, lia-se nos jornais:

“Nesta Imperatriz da Tubiacanga maranhense, pode acontecer de tudo. Ontem, vereadores da situação informaram que o ex-prefeito Davi Alves Silva assumiu de fato a administração municipal. Desde a semana passada que Davi vem efetuando o pagamento do funcionalismo e traçando com os vereadores da situação uma arrancada de trabalho para recuperar as ruas principais dos bairros. Segundo os informantes, Davi tem 22 bois para ir matando em cada bairro, onde estiver acontecendo a operação tapa-buracos. A comida para os trabalhadores será feita na residência do vereador representante do bairro. Segundo os informantes, Davi foi chamado à responsabilidade pelo Senador Sarney, informando que a situação da administração municipal de Imperatriz estava acabando com a candidatura de Roseana Sarney, e que ele, Davi, era responsabilizado pela coisa que estava na prefeitura.”

Mas Davi não estava só no barco das arbitrariedades. Nunca a Justiça Eleitoral foi mais aviltada do que no tempo em que Davi e seus seguidores dirigiram os destinos de nosso município.

“Depois de escapar ileso da CPI do Orçamento onde fora acusado do desvio de 29 mil dólares, o deputado federal Daniel Silva está usando a máquina administrativa, realizando, pessoalmente, o pagamento dos professores municipais. A atividade, tipificada de crime eleitoral, não parece preocupar candidatáveis da ala governista, mesmo que isso afronte em cheio a Justiça Eleitoral, não de Imperatriz, mas do resto do Maranhão.

No começo era o ex-prefeito Davi, candidato a Deputado Federal, quem aparecia em público anunciando obras, fazendo distribuição de sacolinhas e outras atividades consideradas ilegais pela legislação eleitoral. O advento da politicalha foi seguido pelo seu parente, o vereador João Macedo Silva, candidato a Deputado estadual. Contracheques e dinheiro público pertinentes ao mísero e achatado salário dos professores, ficaram  em poder de Macedo, como se ele fosse o dono da situação.

Agora, para surpresa de alguns, quem apareceu com o provento dos educadores municipais foi o deputado federal e candidatável também, Daniel Silva,  irmão de Davi. Sempre ao lado do vereador Antônio Rodrigues Salgado Filho, o parlamentar que esteve à beira da cassação, fez o pagamento dos professores nos povoados periféricos e em outras escolas do interior do município, utilizando, dolosamente, a máquina administrativa.”

No caminhar da carruagem, o promotor Roberto Veloso, ao pedir a prisão preventiva de: Damião Benício dos Santos (ex-supersecretário de Davi); Salvador Rodrigues (amigo particular de Damião e de Davi); Ronaldo Machado (amigo de Damião) e de Saulo Antônio Gomes, era ameaçado de morte pelo cartel que ceifara a vida de Renato Moreira… Ao mesmo tempo, Fiquene, que dirigia o Estado e deixava as escolas de sua responsabilidade em quase completo abandono, tentando iludir temporariamente o povo, estadualizou mais 29 delas, prometendo melhorias nunca cumpridas.

Não posso acreditar que exista uma “profissão” no mundo mais cheia de artimanhas do que a de político. Ela não respeita amizade, fidelidade, honestidade… nada, nada mesmo que possa ameaçar  o poder. Para tanto, mesmo pessoas que tínhamos como exemplos de dignidade eram levadas a praticar atos, às vezes, indignos até de presidiários. É que o nosso político, por uma questão de cultura, está estritamente ligado à ganância insaciável e ao poder que lhe abre todos os caminhos. E todos sabem que jamais se pode confiar num ganancioso cheio de poder.

Por isso, em tempo de eleição, a gente presencia conluios, traições, mentiras e crimes. O poder monopolizado é o pior mal que acomete a humanidade, porque suprime o direito e castra a dignidade dos menos favorecidos.

Depois de anos no ostracismo político, acabei entendendo que não poderia viver à margem de suas conseqüências. Foi nesses 18 anos de Imperatriz que pude sentir e ver do que são capazes as pessoas, quando entendem ser eternas, quando imaginam ser constituídas de necessidades e prazeres diferentes dos irmãos massacrados, quanto se esforçam para sufocar os gritos da consciência que lembram a caducidade da vida.

Foi aqui, no lugar que escolhi para trazer meus familiares e criar meus filhos que, infelizmente, tomei conhecimento da podridão que existe dentro das pessoas sedentas de poder. Normalmente, a política endurece o coração, extrai os sentimentos bons, propiciando o nascimento do mais vil egoísmo.

As mentiras e as traições que em todo esse tempo eu li ou ouvi dizer de nossos políticos, hoje, me comprimem num beco de tristeza, onde me pergunto se, de fato, Deus não se perdeu em suas andanças pelas galáxias e mais não consegue encontrar o grão de areia que nos deu como morada. Hoje, se baixo a cabeça, um turbilhão de dúvidas invade minh’alma, porque já não consigo estar certo se devemos ou não considerar este mundo como ponto final de nossa existência.

Na última eleição, quando vi Roseana convidar ou aceitar o apoio de Davi; quando li que  a Justiça Eleitoral estava sendo aviltada e manipulada pelo poder; quando tomei conhecimento de assassinatos em nome do poder… sinceramente, uma imensa consternação anuviou minhas esperanças.

Meus familiares já haviam aumentado sobremaneira, graças aos casamentos e aos nascimentos de muitos filhos. Agora, em nossos almoços comunitários, já lhes era clara a desesperança. Meu cunhado, em breve, estaria deixando a cidade; meus sobrinhos já viajavam para o Norte em busca de um lugar mais aprazível, onde pudessem ver a lei um pouco mais respeitada. E, diante de tudo o que começava a acontecer, sinceramente, senti  também minha derrota. Só me restava pedir a Deus que me alumiasse o caminho e que me perdoasse pela falha de minhas previsões.

    Em última instância, quase no limiar do desespero, comecei a usar as armas de que dispunha: a voz e a caneta. Protestando, reclamando, juntando a minha voz à de centenas de inconformados com tanta bandalheira, procurei fugir um pouco da covardia de aceitar tudo passivamente.

 CAPÍTULO 90
Também nossa polícia pareceu, por muito tempo, um caso de “outra” polícia. Assassinos confessos, presos em flagrante, poucos meses depois eram vistos desfilando pelas ruas. Se acusada, a polícia defendia-se dizendo que a soltura era ordenada pelo Judiciário e que nada podia fazer. O Judiciário, por sua vez, acusava a lei que tinha brechas por todos lados, brechas essas que sempre tornavam possível aos advogados tirar seus clientes da cadeia. Contudo, eu não tenho qualquer dúvida de que os menos culpados de todas essas aberrações são aqueles que a consumam, os subordinados que, para manterem o emprego, têm de satisfazer os interesses de seus superiores, que nunca aparecem ou são citados. Esses estão no cume da pirâmide e se chamam: maus políticos.

Na verdade, lê-se praticamente todos os dias nas páginas policiais de nossos jornais reportagens falando sobre crimes. Quando a gente não conhece a vítima nem o assassino, fica sempre imaginando que há pessoas geneticamente más; quando as conhecemos, ficamos de olhar perdido, tentando buscar alguma explicação convincente para justificar os desatinos delas.

Foi assim quando explodiu em abril a notícia de que meu velho conhecido João Manoel havia assassinado, barbaramente, o adolescente Richardson França Santos, de 15 anos, por insistir em pescar berés em sua propriedade (?) às margens da estrada que liga Imperatriz a João Lisboa, no povoado de Lagoinha. O irmão da vítima afirmava que o crime fora doloso, mas João Manoel defendia-se, dizendo que disparara a “espingarda” apenas para espantar as crianças que viviam invadindo sua propriedade.

Depois de especulações por todos os lados, João Manoel, também conhecido como Jota Cristo, evadiu-se, e a rígida juíza Oriana Gomes decretou-lhe a prisão preventiva. Meses depois, um delegado de Belém, ao notar a atitude suspeita de um homem, resolveu averiguar. Era João Manoel, então foragido da Justiça. Oriana emite uma precatória pedindo o recambiamento do preso. Seu pedido é aceito e Jota Cristo volta para Imperatriz.

Dizia-se, na época, que Jota Cristo tinha íntimas ligações com a polícia e que, certamente, não ficaria na cadeia. Coincidência ou não, um ano depois, estava eu assistindo à missa na Igreja de São Francisco quando alguém, acompanhado de sua namorada, cumprimentou-me. Era João Manoel Ferreira Branco.

Enquanto a missa transcorria, meus pensamentos voavam pelo mundo dos segredos inconfessáveis e dos mistérios que envolvem os sentimentos das pessoas. Há muito tempo eu conhecia João Manoel, pois, como ele, gostava muito de criar pássaros em cativeiro. Em 1991, quando me mudei do Loteamento Alto da Boa Vista para uma casa alugada no Bairro Juçara, próxima do centro da cidade, fiquei sem espaço para construir um viveiro que abrigasse dignamente os quase 200 pássaros que criava. Os que sabia estarem aptos para sobreviver em liberdade foram soltos. Outros que haviam nascido e envelhecido no cativeiro, cedi-os ao João Manoel.

O ponto nevrálgico da história era a surpresa com que eu via os fatos. Uma pessoa tão íntima da natureza, tão sensível a tenros passarinhos… não podia, no meu entendimento, dar-se a tamanho descontrole emocional. Por causa de nossas ligações com os passarinhos, eu o tinha como uma pessoa mansa e equilibrada, alguém que jamais faria o que fez… se o fez.

Sei o quanto é desagradável perder a privacidade por crianças danadas que saltam muros, atiram pedras, roubam frutas, enfim, definem-se como grande desafio ao mais bondoso e paciente dos homens. Contudo, reagir com tiros jamais justificará um homem equilibrado.

Para maior azar daqueles tidos como homens de bem e que por motivos explicáveis ou não cometeram crimes em 94, era juíza de nossa comarca (entre outros) Oriana Gomes. Contestada, repudiada mesmo, ela só se dizia amiga de quem observava a lei. Não fazia, segundo ela, distinção de classe social.

Estava claro que, numa terra onde ainda alguns políticos estabeleciam o que se podia ou não fazer; marcavam quem teria ou não que obedecer as leis;  decretavam quem iria para a cadeia ou não…, e até decidiam pela vida ou não dos cidadãos, Oriana não ficaria por muito tempo. Se não me engano, hoje, os altos cargos do Judiciário são mais políticos do que por capacidade, ou seja, os juízes, desembargadores…, na maior parte das vezes galgam os postos em que estão por indicação de políticos influentes. Se assim estiver sendo, dificilmente a justiça será plena, pois o preço do cargo será sempre uma subserviência indecorosa e triste.

Por peitar Davi, mandar prender o jornalista Clélio Silveira, Jota Cristo, enfim, por incomodar pessoas influentes política e financeiramente de nossa cidade, logo ela foi repreendida por seus superiores, suspensa temporariamente de suas funções e, finalmente, transferida, se não me engano, para o Estreito.

Só Deus – imagino – e o diabo – com certeza – sabem das regras utilizadas pelos homens na aplicação das leis. Desde que me mudei para Imperatriz, por exemplo, tomei conhecimento pelos jornais do aliciamento de menores praticado pela Senhora Maria Dalva Bandeira. Durante todo esse tempo, ela foi e é acusada por aliciar e até escravizar menores. Dezenas de vezes foram feitos  flagrantes: ela continua livre e aliciando menores.

Para quem não entende de trâmites legais, a confusão mental é muito grande. A gente vive se perguntando que diabo de lei é essa que não tem meios de prender alguém que é acusada e flagrada em aliciamento de menores. O próprio Jesus aconselha-nos a amarrar uma mó no pescoço e se atirar num rio do que escandalizar uma criança. O Estatuto do Menor só faltou estabelecer a pena de morte para quem maltratar ou abusar de um menor, e no entanto, há quase 15 anos a Senhora Dalva vem fazendo isso, e jamais ficou por muito tempo atrás das grades.

A explicação eu encontro na evidência, ou seja, se aqueles que poderiam evitar isso a protegem, é porque estão tirando proveito em causa própria, financeiramente ou para atender as suas taras sexuais. Embora tenha sempre passado como que desapercebido, o caso Dalva, no meu modo de ver o mundo, é um dos que mais denigrem a imagem de Imperatriz. Mas mesmo assim ela continua procurando menininhas indefesas para saciar velhas raposas, certamente ligadas à Justiça, à polícia e a políticos. Se parte dessas três forças não a protegesse, certamente essa vergonha já teria sido apagada de nossa história.

 CAPÍTULO 91
O Brasil inteiro lamentava a morte de Ayrton Senna; Quércia era acusado – e como costume, jamais condenado – por inúmeras suspeitas de roubo; Fernando Henrique, sem imaginar que o interesse político da reeleição num futuro bem próximo o faria mudar de opinião, investia contra os banqueiros; o cruzeiro morria para das cinzas ressurgir uma das mais fortes moedas do mundo; Collor – como é comum a todo político que rouba neste País – era, praticamente, absolvido; latifundiários e sem-terra engalfinhavam-se pela posse da terra… No Maranhão, Fiquene assumia o lugar de Lobão, em mais uma jogada política obscura na qual, ele mesmo, como confessaria mais tarde, seria o principal alvo de mais uma traição no jogo pelo poder. Em Imperatriz íamos vivendo uma administração ainda pior do que a de Davi Alves Silva, a administração deSalvador Rodrigues. Começaram as manchetes de primeira página em todos os jornais da cidade:

    “Começa o abandono; Sujeira toma conta do Bacuri; Epidemia de febre tifóide prolifera em Imperatriz; Vila Davi totalmente abandonada; Via de acesso ao CEFET inteiramente desprezada; Hermes da Fonseca e Amazonas tomadas pelo mato, lixo e lama; Feira do Mercadinho sofre com a grande quantidade de lixo; Moradores da Vila Redenção prejudicados pelo lixo; Moradores da Rua Sousa Lima sofrem com esgoto a céu aberto; Rua Maranhão está intransitável; Lixo atrapalha trânsito; Mazela municipal deixa rua Beta intransitável; Moradores do Bairro Bonsucesso sofrem com descaso da administração;  Vila Santa Lúcia vive em total miséria; Monte de entulho atrapalha trânsito na Getúlio Vargas; Bairro Ouro verde sofre com a lama, buracos e a violência; Trânsito comprometido na Av. Dorgival Pinheiro; Tráfego pela Rua Paraíba está praticamente impossível; Imperatriz vive momento crítico; Vila Lobão está abandonada; Desprezo toma conta de Imperatriz; Ruas do Bacuri estão intrafegáveis; Acesso ao Residencial Planalto em estado deplorável; Lamaçal impede tráfego no Bairro São José; Lixo começa a tomar conta da cidade; Periferia de Imperatriz sofre com descaso da administração; Trecho da Dorgival inteiramente danificado; Lixo nas calçadas; Ruas de Imperatriz: verdadeira calamidade; Lixo e lama tomam conta da Amazonas; Avenida Liberdade, intrafegável; Coleta de lixo entra em colapso; Lixo toma conta da Rua Urbano Santos; Imperatriz: ruas abandonadas; Lixo invade Avenida Babaçulândia; Lixo toma conta de ruas movimentadas da cidade; Cemitérios também sofrem descaso da Administração; Rua Floriano Peixoto destruída pelos buracos; Colégios desprezados pela administração pública; Caminhões de lixo interditam Prefeitura; Lixo inferniza ruas e becos do Mercadinho;  Vila Redenção sofre com miséria, lixo, lama e buracos;  Praça no Conjunto Vitória encontra-se tomada pelo lixo;  Praça Brasil tomada pelo lixo; Esquina é lixeira geral; Sujeira domina praça; Ruas da periferia acabaram; Buraco mata motoqueiro; Entulho impede o trânsito na Piauí; Vila Redenção pede Socorro; Moradores do centro convivem com lama, esgoto e lixo;  Imperatriz: lixo e vergonha;…”

Em setembro, até mesmo os vereadores da situação já pensavam em cassar Salvador Rodrigues, entendendo que a administração desastrosa  estava prejudicando, quase que em caráter irreversível, o futuro político deles. Salvador não tinha o carisma de Davi, que, embora acusado pelos adversários de saquear a cidade, de pisar a população mais esclarecida, de fazer e desfazer a seu bel-prazer, ainda era tido como um dos mais fortes políticos da região. Davi, porém, não se manifestava publicamente. Bem a seu feitio, sempre atuava através de terceiros.  No entanto, dizia-se que, mal o fundo de participação era depositado no Banco do Estado do Maranhão, ele entrava, sem qualquer cerimônia, com o cheque na mão e limpava a conta. Salvador ficava com o problema.

A própria câmara, na maioria constituída de situacionistas, já pensava num “impeachment”. No dia 15 de dezembro, como se fosse o derradeiro empurrão para a Revolução de Janeiro, o jornal “O PROGRESSO”, usando quase toda a primeira página com fotografias desoladoras de lixo espalhado pelas principais avenidas da cidade, completou com o seguinte editorial:

“Nos últimos meses do ano, a cidade de Imperatriz transformou-se num imenso lixeiro. Por todos os lados, todas as ruas e becos, o lixo é o supremo imperador. O aspecto da cidade é de uma mulher desleixada. As vestes imundas e o mau cheiro demonstram o  abandono a que foi relegada pelo seu governante.

Algumas semanas passadas o lixo no Setor Mercadinho foi tanto que levou o governador José de Ribamar Fiquene a autorizar a SINFRA a limpar aquele local e outros pontos da cidade. O povo aplaudiu a medida, porém, setores da administração municipal sentiram-se ofendidos pela interferência do ilustre cidadão imperatrizense Ribamar Fiquene. Sem outra alternativa, e para evitar desdobramentos, o governador recolheu seus homens e máquinas.

Para completar o quadro caótico que Imperatriz vive, os homens que fazem a limpeza pública, param. O lixo torna a se acumular mais. Até a porta da Prefeitura é bloqueada pelos carros carregados de lixo. Uma vergonha. A maior cidade do Inteland Maranhense vive os dias mais negros da sua história, atolada em lixo, sujeira e descaso municipal.

Assim, a Princesa do Tocantins, a capital Econômica do Maranhão, a capital do sonhado Maranhão do Sul, é simplesmente a capital do Lixo. É uma vergonha, tremenda vergonha ver os nossos cartões-postais emoldurados pelas montanhas de lixo, fedorentas, cobertas pela moscaria e escondendo ratos e animais peçonhentos.

Lixeiras abarrotadas, lixeiras reviradas, sacos de lixo rasgados, lixo derramado, esparramado. Garis de braços cruzados, crianças, famintas viram garimpeiros do lixo, numa muda condenação à morte. Natal não será branco, nem verde. Será de lixo. Imperatriz nem se compara com a pequena estrebaria de Belém que acolheu o Menino Cristo.”

CAPÍTULO 92
Mais um ano!… Seu final demonstrou o desencadear de acontecimentos drásticos, senão terríveis, ao menos incríveis à compreensão de qualquer cidadão de bons princípios. As jogadas políticas escusas, já sem precaução alguma, faziam com que a população, mesmo a mais humilde e desinformada, fosse tomando consciência das aberrações sociais praticadas por nossos maus políticos. Embora as leis já não fossem levadas em conta há muito tempo, nunca haviam atingido um tamanho grau de desrespeito. 94 terminava com demonstrações inequívocas de que, para nossos políticos, pelo poder, tudo era permitido. A sorte do povo é que eles mesmos estabelecem limites, pela norma de dividirem as regalias, pois do contrário estaríamos numa escravidão pior do que aquela do tempo da Princesa Isabel: seríamos eternos operários dessa colméia.

No entanto, a pior demonstração ou o maior atentado contra a dignidade do povo, sem dúvida alguma, foi o assassinato de Renato Moreira e a suspensão da devassa nas contas da Prefeitura, tendo como principal alvo os absurdos cometidos pelo prefeito Davi Silva. Passe-se a limpo estas duas vergonhas e Imperatriz estará liberta de seus algozes.

Por mais injusto ou desumano que pareça, há certas coisas que só se resolvem quando já não há outra alternativa senão a força. É como fazem os caminhoneiros quando uma ponte se torna perigosa e ninguém toma providência. Eles põem fogo na mesma e a destroem totalmente. Em poucos dias, o que fora pleiteado inutilmente durante anos é resolvido. No Brasil inteiro, parece mesmo que as autoridades só tomam providência depois que o problema se torna insustentável, como é o caso da Reforma Agrária. É um dó que nossos políticos tenham o sofrimento e a morte de milhares de pessoas como argumento convincente para qualquer providência.

O ano de 94 desfraldaria, ao mesmo tempo em que ostentava o triste e ignominioso troféu do insuportável, a bandeira da esperança, no despertar da consciência popular de que já não era mais possível aceitar tantos desmandos. A gente iniciava 95 com Fernando Henrique como presidente do Brasil; José Sarney, como presidente do Senado; Roseana Sarney como governadora do Maranhão e, infelizmente, Salvador Rodrigues, como prefeito de Imperatriz.

Apesar de – em se tratando de vaidade – ser muito parecido com Collor de Melo, nosso presidente apresentava uma diferença fundamental: demonstrava ser honesto e alimentava uma sã vaidade, a de ser o único presidente do Brasil com capacidade de frear a inflação galopante, fantasma que há décadas rondava nossa economia. Sua vaidade, portanto, estava intimamente ligada ao desejo de ser o primeiro, de ser o mais importante… Felizmente, transparecia ser (e até agora está sendo) uma sã vaidade.

Mesmo com minha esperança desfalecendo a cada notícia de corrupção política, agora sentia estremecer meu pessimismo. Quando, mesmo sem entender de leis econômicas, comecei a perceber que o preço de muitas mercadorias continuavam estáveis por meses; quando, talvez pela primeira vez, percebia no rosto do assalariado um maior prazer de viver, comecei também a reacender minha confiança num Brasil melhor.

Algumas frases soltas de nosso presidente, encheram-me de otimismo: “As taxas de crescimento não podem ser fantasiosas. 12 a 15% forçarão  importação e, conseqüentemente, inflação; não pretendo dar exemplos históricos; notícias de firmas que estão falindo… são fatos isolados, de gente que vivia às custas da inflação, em detrimento do povo sofrido; agora, o povo está comendo um pouco melhor, embora haja e tenha havido prejuízo para A, B, ou C.  Nosso governo não está fazendo um programa para beneficiar os que já foram beneficiados a vida toda. É um programa para beneficiar a maioria do Brasil, que é silenciosa: nem protesta. Eles são os verdadeiros objetos de nossa preocupação. Eles não têm nem canais para chegar a vocês, para dizer se estão comendo melhor ou pior.”

Senti, que, de fato, a classe média, principalmente ela, tinha que colocar os pés no chão. Muitas vezes comentei que nada mais queria como herança para meus filhos do que vê-los vivendo num país com inflação controlada. O testamento parecia estar sendo passado.

Roseana Sarney, filha de José Sarney, chegava serena e simpática e, a meu ver, muito consciente da responsabilidade que abraçara. Apesar de quase não vir à nossa cidade, onde seus adversários são, às vezes, cruéis em acusações por tudo quanto de mal nos acontece, tenho pela Governadora uma grande simpatia e respeito.

Reservo-me apenas o direito de jamais conseguir entender aquela funesta e fatídica coligação com Davi, nosso maior e inesquecível algoz político. De qualquer forma, não irei esquecer uma das lições de meu velho e saudoso pai: “Todo mundo o é até o dia em que deixa de ser.”

CAPÍTULO 93
A Globo e a Record se engalfinhavam, possivelmente por ciúmes, já que santo ninguém é. O Brasil inteiro ia se divertindo e, ao mesmo tempo, se enojando das farsas que uma apresentava da outra. Não há nada mais sábio e mordaz do que, depois de alguns calmantes, instigar alguém à discussão. Ao se usar essa tática diabólica de falsa humildade, a gente fica sabendo tudo o que o adversário pensa da gente, enquanto ele continuará na dúvida sobre a nossa opinião.

Isso, porém, não é mais forte do que a inveja. Assim, Globo e Record, ao sentirem a equiparação, trataram de buscar a hegemonia, não pelo valor de bons programas, mas, sim, denegrindo ou diminuindo a concorrente.

A coisa pegou fogo mesmo quando o ingênuo bispo Sérgio von Helde chutou por 11 vezes a imagem de Nossa Senhora, aviltando o brio e a fé dos católicos. A Globo se aproveitou do episódio, mostrando, inclusive, cenas obscenas, financeiras e imorais, de um grupo de pastores, ao mesmo tempo em que lançava a minissérie com 12 capítulos, escritos por Dias Gomes, explorando a ganância dos evangélicos da Igreja Universal, em relação ao dízimo de seus fiéis.

Usando de estratégias inconfessáveis, a Globo conseguiu de Carlos Magno, dissidente da Igreja Universal, uma fita mais que comprometedora. Nela podia-se ver e ouvir o chefe da igreja, Edir de Macedo Gomes, ensinando a extorquir dinheiro dos fiéis. Ao ser perguntado pela “Veja”  o porquê de a Universal não distribuir parte da riqueza que possuía aos pobres, ele respondeu:

“Jesus disse que a riqueza de um homem não consiste nos bens que possui. A minha riqueza é a minha fé, a minha família. O resto para mim não importa. Isto não quer dizer que eu não venha a utilizar as coisas deste mundo. Uso porque elas são para ser usadas”.

Diante das perguntas capciosas do repórter, Edir de Macedo foi  dando uma verdadeira aula de heresias, demonstrando, inequivocamente, que uma das coisas que menos entendia era, certamente, religião verdadeira. É bem possível que ele nunca tenha sido mais sincero e eficaz do que o dia em que afirmou que era “o estrume do cavalo do bandido… um lixo”.

Cenas ainda piores foram mostradas posteriormente, o que, sem dúvida alguma, causou grande dano a muitos que vivem problemas existenciais e religiosos, principalmente àqueles que têm dificuldades em separar Deus dos homens, ou seja, o perfeito do imperfeito.

Depois de se destratarem, depois de todo o Brasil ficar sabendo  da grande sujeira que também envolve as grandes emissoras, talvez satisfeitos pelos prejuízos morais alcançados, ambas se calaram, na certeza de que maior mal não se poderiam ter causado.

A briga das emissoras não passava de faíscas perigosas perto dos barris de pólvora representados por alguns fanáticos. Por mais paradoxal que pareça, é exatamente contra a mansidão pregada por Cristo que muitos religiosos hasteiam sua fé. Pela graça de Deus, os bispos católicos, chefes da grande multidão ofendida, talvez lembrando os absurdos da inquisição e a estupidez da Irlanda, mantiveram-se dentro dos princípios evangélicos, usando apenas a insensatez do ato cometido como justificativa. Houve declarações infelizes, como a de Dom Aloísio, que acabou generalizando todos os evangélicos: “Os evangélicos adoram a Bíblia, mas não sabem o que fazer com ela. Exploram a fé dos menos esclarecidos”.

Surtos de violência aconteceram em alguns pontos do País. Em Garanhuns, cidade que dista de Recife 229 km, um católico destruiu equipamentos da Igreja Universal bem na hora do culto. Na confusão, o pastor que pregava disse que a sua igreja estava colhendo os frutos da semente que plantou, pois chutar Nossa Senhora tivera sido um ato impensado e absurdo.

Como resultado final, ficaram em mim marcas indeléveis de grande tristeza. Jamais irei entender certos posicionamentos de pessoas que dizem acreditar que Jesus Cristo é o filho de Deus e que vivem por aí a pregar o revide e a perseguição. Sem me ater tanto às dissidências de interpretação, sempre li na Bíblia que devemos ser bons, que devemos ser compreensivos, humanos… que devemos perdoar aos que nos ofendem, enfim, jamais li que Jesus Cristo tenha aconselhado a vingança, a desforra, a violência, a mentira…

Mesmo assim, os homens que se apregoam mantenedores diretos dos ensinamentos de Jesus, por vezes e por dinheiro, ofendem-se, destratam-se, agridem-se, matam-se em nome desse mesmo Deus. Certamente, irei morrer sem entender isso. Certamente!…

 CAPÍTULO 94
Certamente, um mês tão importante para Imperatriz – como a chegada de Frei Monoel Procópio em julho de 1852 – foi o mês de janeiro de 1995. Se naquele tempo, por questões meramente de segurança e beleza, o Frei aqui desembarcou sob a proteção de Teresa de Jesus, a Virgem D’Avila, e com menos de 100 pessoas fundou um pequeno reduto de posse, nesse, milhares de cidadãos, herdeiros da bravura do Frei, norteados pela figura vibrante do Dr. Ulisses Braga, principal fundador do Fórum da Sociedade Civil, marcharam de peito erguido para libertar a cidade do mais triste jugo a que fora submetida desde sua fundação.

Quando 95 abriu as primeiras páginas de seus mistérios, a corrupção pública local já havia chegado ao fundo do poço. O clima se tornara insustentável, e mesmo o grupo davisista, que durante tantos anos soubera se manter no poder por bem ou por mal, foi perdendo as rédeas da situação. Vagarosamente, dia-a-dia, o povo, mesmo a parte que lhe fora submissa a troco de sacolinhas durante tantos anos, começava a acreditar nas pessoas que, através da mídia, tornavam-se incansáveis e atrevidas, acusando, protestando…, apelando para Deus e o mundo, para que se pusesse um fim a tão ignominiosa parte de nossa história.

Mesmo os canais de televisão, sempre submissos a interesses políticos, aos poucos iam se aliando às rádios e aos jornais, formando um bloco homogêneo de chamada ao povo desesperançado, que já nem mais acreditava que era possível se livrar da longa escravidão. No início de janeiro, eu escrevia, dando minha parcela de contribuição, com o artigo, Mijando contra o vento:

“Aos três anos de idade, minha filha ainda não tomava os remédios que lhe eram ministrados. Filha única, dengo de sobra, paciência que talvez Jó invejaria. A gente conversava, pedia, negociava, chantageava, quase implorava… Meu Deus!, usava de artifícios e artimanhas que qualquer estranho saía da beira: não dava para testemunhar tanta moleza de quem se diz responsável para educar uma criança.

Todas as vezes que colocávamos os remédios em sua boca, ela enrugava a testa, respirava fundo, apertava os lábios e soltava um esguicho que qualquer cetáceo assinaria, sujando tudo e todos que estivessem por perto.

Um dia, porém, depois de esgotados todos os recursos supracitados e os não citados, até o pai extremoso ‘enou’ e acabou optando pela ignorância incontida: fora de mim, empurrei-lhe a colher de remédios pela garganta abaixo, jogando minha filha querida de pernas para o ar, quase sufocando-a. No mesmo instante, tomando consciência de meu descontrole, retirei-me envergonhado, sob o olhar acusativo de minha mulher.

Daquele dia até hoje, no entanto, nunca mais precisei me preocupar com medicamentos: tornou-se a criança mais dócil do mundo para ingerir qualquer remédio, ainda que fosse o temível boldo.

Um ano atrás, talvez tenha sido eu o pobre coitado que mais escreveu ao vento, esperneando contra os roubos, crimes e desmandos de Imperatriz. Cheguei a reclamar de meus confrades, porque os considerava omissos, ou pouco ativos, diante da vergonhosa calamidade que se abatia sobre a cidade. Sem que a historieta do rapazinho que ‘falara ano após ano na praça’ me convencesse, acabei quietando, na certeza de que lutar contra certos elementos mancomunados e inescrupulosos da cúpula da Polícia, da Justiça e da Política, era o mesmo – como dizia meu velho e saudoso pai – que mijar contra o vento.

Mas não podemos esquecer, também, ‘o exemplo do beija-flor’, nem a filosofia sensata dos que pregam a ‘esperança das sementinhas’. Tudo são armas que não podemos dispensar, pois são as únicas disponíveis àqueles que ainda acreditam em compreensão, justiça, fraternidade… que crêem, enfim, que é possível demover corações de pedra de seu egoísmo e ganância doentios.

Hoje, depois de minha estiagem de revolta, retomo a consciência da luta, enfileirando-me, outra vez, juntamente com companheiros persistentes que mantêm a bandeira do brado, na esperança de que Deus, ao menos Ele, tenha compaixão dos raros Lots que possa haver, perdidos nesta Sodoma de conluios, descasos e crimes.

Dói-me ver, principalmente os filhos deste torrão, implorarem à população que não permita que maus políticos solapem e destruam a cidade, conclamando a cada um em particular a que faça sua parte (a parte do beija-flor), limpando as ruas, recolhendo o lixo, tapando os buracos… Com todo respeito e admiração pela idéia e pelas pessoas de boa índole e de caráter ilibado que assim pensam e agem, sinceramente, tomo a liberdade audaciosa de discordar. Acho que é hora de mudar de tática: é hora de enfiar a colher pela garganta da própria filha querida.

Contaram-me, quando criança que, no início, quase todos os pilotos de aviões a jato morriam porque ao acionarem a alavanca de subir, a aeronave não obedecia, voltando-se direta para o solo. Um dia, um piloto maluco, ao notar o problema, numa revolta desesperadora, virou a alavanca para baixo a fim de tornar o impacto ainda mais violento: o avião, então, subiu. Descobriu-se assim, por puro acaso, que a coisa funcionava invertida.

Vamos lá, minha gente sofrida! Vamos apanhar o lixo e cobrir a Prefeitura; vamos nos unir e expulsar esses solapadores desavergonhados de nossos direitos; vamos… êpa!, pode dar processo!

Bem, vamos meter a colher pela garganta abaixo dessa gente que não quer tomar o remédio da vergonha. Quem sabe se o “similia similibus curantur” dos homeopatas não dará certo? Tentar não custa. A cura de toda essa imundície pode estar no monte de lixo, vamos experimentar. É minha maneira de amar Imperatriz, fazendo com que a coisa se torne insustentável e calamitosa, estimulando assim os raros homens honestos do Maranhão a que  usem o poder e o prestígio que Deus lhes deu para promover a justiça.

Aqui, os verdadeiros filhos de Imperatriz estão manietados, castrados no seu mais sagrado direito democrático, o de expressar suas idéias e seus pensamentos. Como é triste a gente olhar para nossas televisões, ouvir nossos rádios ou ler nossos jornais! É como se fossem igrejas, tendo cada uma em seu altar o demônio da outra. Sei quanto custa a determinados jornalistas terem que dizer e mostrar no ar ou nos jornais aquelas coisas que lhes valem o pão de seus filhos.

Que Democracia é essa em que mais de 90% da mídia estão nas mãos de políticos e só se põe no ar aquilo que eles autorizam, castrando assim o direito constitucional de cada um expressar suas idéias! Sei que temos, embora esporadicamente, gente de fibra e honesta, sofridos sonhadores que vivem, como bola de pingue-pongue, jogados de um lado para o outro, sem jamais poderem matar sua sede de justiça. São sempre transferidos, exonerados e até mortos, dependendo do quanto estiverem incomodando os donos do poder e da situação. Tornamo-nos escravos e, no céu, Isabel parece distraída.

Nesta terra sem lei, onde os que tentam cumpri-la são taxados de doidos, e exonerados, e mortos; onde, quando chega o Fundo de Participação, uma corja invade o Banco do Estado e saqueia até o último centavo; onde não se pagam os professores; não se paga o funcionalismo; não se gasta um centavo com limpeza urbana, nem com a saúde; não se pagam os postos de combustíveis, os mecânicos, as peças de reposição…; onde não se presta conta; onde tudo é encoberto; onde todos sabem quem são os ladrões e assassinos e nada se faz, só mesmo poetas sonhadores podem se virar contra o vento para dar uma mijada. Mas, mesmo respingando as calças, vamos lá! Afinal, mais cedo ou mais tarde um novo sol irá brilhar.. É só não desistir; é só não perder as esperanças.”

E enquanto  a mídia ia minando as bases dos malfadados situacionistas, o Dr. Ulisses Braga conclamava a população para a passeata da libertação. O movimento, embora vindo do Fórum da Sociedade Civil, fora batizado como Movimento da Cidadania – SOS Imperatriz. Às 14 horas do dia 18 de janeiro, a Praça Brasil recebia milhares de pessoas, de todos os níveis, funções e profissões. Jamais se viu tanta gente reunida em Imperatriz. Quando o Dr. Ulisses Braga empunhou a bandeira e autorizou a partida conclamando as pessoas a que se dessem as mãos, a Getúlio Vargas ficou tomada por completo. Do peito erguido,  da alma confiante e do brilho  dos olhos de Ulisses podia-se sentir que sua própria vida seria dada em holocausto, se necessário fosse, pela libertação do triste jugo político. O povo não duvidou: era pra valer; seria naquele momento ou nunca mais. A maior parte dos comerciantes fechou as portas de seus estabelecimentos e engrossou as fileiras. Ficava provado o refrão de que “povo unido, jamais será vencido”, ou ainda, de que “a união faz a força”, de que “a voz do povo é a voz de Deus” e de que, por fim, “cada povo tem  o governo que merece”.

Faixas e bandeiras incitavam os participantes ao que desse e viesse e grande foi a tensão quando mais de 10 mil pessoas cercaram a Prefeitura com faixas e gritos de ordem:  “GRITE INTERVENÇÃO JÁ OU CALE-SE PARA SEMPRE”, “CHEGA DE ROUBALHEIRA”, “FORA SALVADOR, JÁ”, “VAI SER AGORA OU NUNCA MAIS”… Eram centenas de faixas de todos os sindicatos e entidades. Soldados, políticos, representantes da Academia Imperatrizense de Letras, do GRULI, da ASSARTI, industriais e comerciantes, advogados, chefes de comunidades, carroceiros, polícia civil e militar, gente de paletó e gravata, ribeirinhos de sandálias de dedos recém chegados do trabalho… Não havia um segmento que ali não estivesse representado.

E o Dr. Ulisses, com seus alvacentos cabelos molhados pela chuva que caía e revoltos pelo vento que prenunciava tempestade, ferindo o ar com seu pulso firme, determinado e contundente, conclamava o povo a que não esmorecesse. Como seu companheiro de Academia, sinceramente, senti-me orgulhoso.

Como o prefeito Salvador se tivesse evadido, deixando as portas da Prefeitura fechadas, aqueles que encabeçavam o movimento, adentrando pelo vão da parede onde deveria estar um condicionador de ar, tomaram posse da sacada, abrindo, posteriormente, a porta da frente para que todos ocupassem definitivamente a Prefeitura. Foi nesse momento que eu senti que o fato estava consumado e que décadas de sofrimento haviam se instalado, ou por excesso de paciência do povo, ou mesmo por longa covardia. Em poucas horas, o pesado jugo era jogado ao chão. O reinado de Davi caía ruidosamente, e, com certeza, ser-lhe-ia custoso reerguê-lo.

Informada da situação, a governadora Roseana Sarney tratou logo de reunir seus assessores diretos para tratar da intervenção. O coronel Ventura foi enviado como representante do secretário de Segurança, Celso Seixas, e em apenas alguns dias o comerciante Ildon Marques era nomeado,   Interventor de Imperatriz pelo prazo de 12 meses. Eis algumas partes do decreto:

“Estado do Maranhão, Decreto nº 14.441 de 20 de janeiro de 1995. Decreta intervenção estadual no Município de Imperatriz e dá outras providências. A governadora do Estado do Maranhão, no uso das atribuições que lhe confere o art. 64, VI, da Constituição do Estado, e tendo em vista os termos da Representação nº 642, do Ministério Público, em que são apontadas e denunciadas numerosas e gravíssimas irregularidades na administração municipal de Imperatriz, e do provimento que foi dado à referida Representação pelo desembargador-presidente do Tribunal de Justiça, decreta:

Art. 1º – Fica decretada a intervenção  estadual no Município de Imperatriz pelo prazo de 12 (doze) meses, em virtude do que fica afastado do cargo o prefeito Salvador Rodrigues de Almeida.

Ar. 2º – Fica nomeado  para exercer o cargo de Interventor Estadual no Município de Imperatriz o Senhor Ildon Marques de Souza, investido nas competências previstas na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município.

Art. 4º – O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio do Governo do estado do Maranhão, em São Luís, 20 de janeiro de 1995, 174º da Independência e 107º da República.

CAPÍTULO 95
Só Deus sabe o que se passou na cabeça do grupo davisista por ocasião da tomada da Prefeitura pelo povo, através do Fórum da Sociedade Civil. Davi, embora com pouco estudo, bem cedo aprendeu a manipular as massas, conseguindo seus intentos através de sacolinhas e da jactância, apregoando-se na televisão e nos palanques o único homem de Imperatriz com voz ativa para fazer e desfazer qualquer coisa no Maranhão.

Ao saber que Salvador Rodrigues havia sido expulso da Prefeitura, logo orientou  sua bancada para que, enquanto maioria, aprovasse uma lei na qual, no caso de vacância também do cargo de presidente da câmara, o vice assumiria imediatamente. João Silva fez o projeto e lá entre eles logo foi aprovado. Antes disso, se o presidente ficasse impossibilitado de exercer suas funções, deveria haver nova eleição. Com a mudança, o vice estaria legitimado a assumir.

A intenção era a seguinte: Salvador pediria demissão; Salgado, então presidente da Câmara, por direito, assumiria a Prefeitura e João Silva, vice, passaria à presidência da Câmara. Tudo ficaria em casa e Davi, por certo, chegou a sonhar ou a manter a ilusão de que escola é para desocupado que tem tempo a perder. O que ele se esqueceu é de que para tudo há um limite… talvez até para o infinito.

O povo, representado pelas comunidades e entidades organizadas, já não estava se importando com lei, artigos ou incisos. O negócio agora haveria de ser “na marra”, pois todos os recursos legais já haviam sido tentados anteriormente. E quando o “galo” foi espantado do nosso terreiro, os “frangotes” ainda tentaram uma retomada, mas já não havia clima. A Revolução de Janeiro não fora apenas uma tentativa: fora, sobretudo, uma decisão irrevogável de mudar a situação vexatória de nossa cidade. Por desconhecer isso, os davisistas, sempre orientados por seu chefe, ainda esboçaram alguma resistência e até tentaram falar grosso, mas sua voz foi abafada pelo alarido da decisão popular. Os davisistas, por algum tempo ficaram encurralados na Câmara, despachando Deus sabe lá o quê e pra quem, até que acabaram reconhecendo que na tela dos absurdos o implacável the end, estava aceso, avisando que o filme havia terminado.

Consumava-se aí, o fim da primeira era Davi. Muita gente já havia deixado a cidade por ter se precipitado na desesperança de que aquilo iria se prolongar por muitas décadas. Faltou a toda essa gente um pouco de observação, pois jamais qualquer coronelismo sobreviveu ao desenvolvimento. E Imperatriz, contra tudo e contra todos, contra roubos e crimes, contra embargos e tropeços, jamais deixou de caminhar rumo a seu futuro brilhante. Impingiram-lhe atraso, dificultaram seus passos, mas ela se arrastou, e cresceu, e está superando todos os entraves.

Hoje, como antes, continuará havendo corrupção, estou certo disso, porque há quase 50 anos presencio essas aberrações morais, mas jamais será do jeito que foi nos negros tempos em que Davi e seus correligionários  dirigiram Imperatriz.

Pela graça de Deus, a cidade cresceu cultural e moralmente. Hoje temos muitas entidades esclarecidas e cônscias de seus deveres de cidadania. Por todos os lados temos pessoas corajosas que já não aceitam ser espoliadas por qualquer representante, ainda que eleito com seu voto.

Por enquanto, podemos estar certos e tranqüilos: nenhum mau caráter terminará seu mandato na Prefeitura, se passar dos limites. Infelizmente, falcatruas continuarão acontecendo, porque ainda não se firmou neste País a idéia de que Política é coisa digna e séria. Mas está mudando, dia a dia está mudando. Seria excesso de pessimismo não admitir que as coisas estão melhorando e que já podemos manter a esperança de deixar para nossos filhos uma Pátria de que possam se orgulhar.

Aqui, apesar de toda tentativa e trama dos situacionistas, acabou prevalecendo a vontade do povo. Ficou pendente uma série de CPIs e de acusações, como a dos alvarás, dos empréstimos sem juros aos vereadores, do IVVC…, enfim, de muita coisa, porque a corrupção já estava alastrada de maneira incontrolável.

Lembro-me de que na época em que eu dirigia o Posto Nazaré, todo final de mês,  verdadeira fila de funcionários da Prefeitura  lá apareciam para negociar o imposto. Uns vinham com bilhetes do Davi, outros, de uma sua irmã; outros, se não me engano, de Garros…, enfim, só vendo para crer. Cheguei a comentar isso com os professores Geraldo e Vito, que me aconselharam a denunciar ou a não aceitar. Fiquei com a segunda opção, porque ainda não me considerava tão velho para deixar este mundo.

Quando Joel Costa, que dirigia a “CPI dos Alvarás”, disse que os acusados apresentavam a quitação com autenticação bancária, e que diante disso nada podia fazer, lembrei desse detalhe, pois nas duas vezes em que negociei o IVVC com um baixinho que trabalhava com o Davi, ele me trouxe já o recibo devidamente autenticado. Na época me disse que havia um máquina autenticadora lá com a rapaziada que tinha dinheiro a receber na mão de Davi. Segundo ele, Davi permitia que cada um recebesse suas contas através dessas jogadas, ou seja, negociando com os devedores de impostos à Prefeitura.

Com a primeira intervenção, começou a decadência da era Davi. Na ilusão do passado, ele ainda tentou várias manobras para desfazer a triste derrocada, mas tudo fora inútil. Os números foram desanimadores quanto a sua reabilitação. Seu declínio político, ainda que temporário, foi sacramentado quando, na eleição para prefeitos e vereadores, ele empenhou seu prestígio para eleger Ademar Fiim e um outro seu parente. Ambos perderam. Humilhado e execrado por todos os lados, com chispas esporádicas  da costumeira dor que sempre desterra os malversadores, ele ainda tentou outras estratégias, como utilizar a máquina jurídica para reaver o poder através do direito legal, mas nessa hora nem Roseana a quem apregoava tê-la posto no Palácio dos Leões, dele mais se compadeceu. Acabou sentindo o peso e a dor de também ser usado e traído, de também ser utilizado como fantoche, como costumava fazer aos outros.

Registrava-se assim o fim de uma triste história, enquanto, não muito claro, escrevia-se nos horizontes das expectativas a esperança de um novo tempo.

Tudo o que o povo massacrado queria era que se fizesse justiça, que se reouvesse o dinheiro desviado e se pusesse na cadeia aqueles que por tantos anos roubaram os cofres públicos, conseguindo patrimônios extraordinários. Dessa vã esperança vivo também há muitos anos, embora já devesse estar habituado de que jamais um político será penalizado por desviar verbas, corromper, abusar, não cumprir com seus deveres, enfim, por agir como o maior dos bandidos. Por serem – como diz o nosso caboclo – farinha do mesmo saco, eles se sentem impossibilitados de, reciprocamente, aplicar a lei que andam infringindo.

Pior ainda é que, mesmo quando algum bode expiatório é escolhido para aplacar a ira do povo (coisas que os hebreus já faziam há milhares de anos para aplacar a ira de Deus), o tal bode silencia e mantém o tácito acordo de que, se caiu na esparrela, terá que avir-se com seu problema. Impassível ele é suspenso ou mesmo pede demissão, recebendo o castigo de aguardar um bom tempo até aperfeiçoar-se, a fim de que não ponha em risco o privilégio da classe.

O certo é que, as contas de Davi, que nem o contador da Casa Branca conseguiria fechar, acabaram sendo aprovadas em troca de terríveis e secretos acordos. Mas, ao se meter com gente mais poderosa e inteligente, Davi, embora no direito de sua última instância, escrevia na lápide de sua sepultura política, o mais contundente e irreversível “The end”. Estava – para felicidade de seus oponentes – politicamente, ferido de morte.

CAPÍTULO 96
Também para mim, 95 foi  de profunda transformação. Depois de mais de 50 anos jogando futebol, numa extraordinária média de 3 vezes por semana, resolvi abandonar os gramados. Foi um dos dias mais memoravelmente triste da minha vida de desportista. O Ildon Costenaro, da Laminadora Paraná,  entre meus amigos desportistas de fé, o maior, juntamente com os demais companheiros de equipe, prepararam-me uma festa de despedida, realmente inesquecível. Promoveu-se uma  partida onde meus companheiros mais íntimos estavam todos; houve churrasco após a partida, com batuque que varou a madrugada. Até “um pedestal da fama” foi construído para que eu deixasse no cimento, as pegadas de minhas chuteiras. Em cima, numa plaqueta de bronze, escreveram coisas elogiosas que, com certeza, eu não merecia. Completando, deram-me vários presentes, entre eles um uniforme completo, tendo a camisa 10 (companheira de quase meio século) sido autografada por todos os companheiros presentes.

Não me envergonho de ter gaguejado e chorado, mesmo porque, não é preciso um Maracanã lotado para tocar meu coração. O olhar esmaecido de uma criança bem pode ser o bastante. Quando entrei no carro e fui deixando o gramado e os companheiros, foi como se pedaços de mim estivessem sendo arrancados. Parecia estar dirigindo embriagado. Meus olhos estavam fixos no nada, enquanto minha alma entrava no túnel do tempo para sua retrospectiva de saudade.

Vi-me com seis anos, roubando ovos das galinhas de minha querida irmã Elda e passá-los ao Capirda e ao Neno para que fossem vendidos na vila de Marilândia. O dinheiro seria utilizado para comprar uma bola de borracha nova que havia chegado na venda do Catelan. Depois, no Seminário Nossa Senhora da Penha, na praia Santa Helena, em Vitória, capital do Espírito Santo, onde não sabia se esperava mais as tardes vagas ou a hora da comunhão.

Dezoito anos. Exército. Eu estava no auge da saúde e de minhas possibilidades esportivas. Levantava às quatro horas, ia para o estádio, subia e descia várias vezes a arquibancada com um companheiro no cogote. Às seis,  apresentava-me ao Sargento Pilro e…  tome mais ginástica. Era magruço como um pica-pau, mas bem podia – como várias vezes fiz quando as chuvas impediam os caminhões de subirem a serra do Giurizato – desfazer 22 km de estrada depois de uma dura partida de futebol. Apesar de jogar pela U.A.C.E.C., onde cheguei a ser vice-campeão do Estado, não me negava a defender o time de minha terra, o Marilândia F. C. Era muito comum a gente estar em Colatina e ser flagrado por algum temporal. Quando isso acontecia, ninguém perguntava o que se iria fazer. Encostava-se o Chevrolet de bigode do nosso excelente e saudoso goleiro Gil Falqueto, metiam-se as chuteiras  nas costas e quem chegasse por último era veado.

Seminário novamente, agora em Belo Horizonte. Quinhentos e tantos rapazes entre 16 e 23 anos: um verdadeiro exército de idealistas. Os estudos começavam também às 4h, e entre rezar, estudar e pequenos recreios, somente às 22h era dado o sinal de recolher. Foi nesse tempo que dirigentes do Atlético Mineiro tentaram desviar minha vocação. Lembro que cheguei até à porta do estádio, mas não tive coragem de me apresentar: a timidez e o escrúpulo impediram-me como se fossem a muralha de Berlim.

Colatina e Marilândia novamente, onde pisei todos os gramados do Estado. O tempo foi passando… Imperatriz. Nesse tempo, a idade já havia corroído meus músculos até então incansáveis. Com o Ildo Costenaro, fiz o campo da Laminadora Paraná e por 15 anos ali joguei, sem jamais participar de qualquer outra agremiação. Fiz ali minhas maiores amizades esportivas e hoje, nesta minha retrospectiva de quase dor, ainda não posso nem passear por lá, pois algo me comprime o peito, como se não aceitasse a lei do tempo.

Bem viva ainda tenho aqui comigo a imagem do Jorge. Ele sempre foi um amigo excêntrico, talvez mais dependente da bola do que eu. Ultimamente, quase sempre machucado, era criticado (embora sem maldade) por nós seus companheiros, pela mania de querer jogar sem estar em condições. No dia de minha festa de despedida, depois de muitas homenagens prestadas, ele veio me dar um abraço e estava com os olhos lacrimejando. Não sei o porquê, mas aquilo recebi como uma das grandes homenagens a mim prestadas, principalmente quando completou gaguejando: “…velho, você merece”.

Ainda nesse ano, perdi o amigo Tuta, certamente o melhor jogador de futebol nascido na terra de Frei Manoel Procópio. Fora do futebol, despediu-se também dos vivos o jornalista e apresentador Wilson Alisson e o jornalista dinâmico e corajoso Gilmário Café.

Foram grandes perdas para nossa cidade, mas que no contexto da lei universal, nada significaram, pois, feliz ou infelizmente, Deus renova o mundo a cada segundo através do sexo, porque a vida só tem valor para quem a detém.

E assim, perdido num mundo de recordações, encostei o carro na porta da garagem. Só aí despertei de minhas divagações. Para ser sincero, o peito me doía. Parecia-me viver uma grande desgraça. Fiquei com medo de saber o que fazer de meus dias, daí para frente. Sempre tive medo de não ter o que fazer. Penso que se tiver que passar meus dias enrolando mechas vadias de cabelos, sentado numa cadeira de vime na varanda, certamente adoecerei de morte. Tenho grande necessidade de jamais possuir um segundo vago em minha existência.

CAPÍTULO 97
O novo interventor, apregoando origem humilde e sofrida,  deu plena prioridade à Educação e às crianças abandonadas. Demonstrando grande percepção política, investiu numa área até então esquecida e isso iria lhe valer, mais tarde, a vitória nas urnas.

A Educação teve sensível melhora e poucas crianças não estudaram e progrediram durante o ano em que Ildon Marques foi interventor. Muitas foram preparadas para se ocupar na fiscalização do trânsito no Centro da cidade, aparecendo assim a Guarda Mirim, que proporcionou grande baixa à vergonhosa presença dos chamados “meninos de rua”. Garotos que antes andavam pelas ruas cheirando cola de sapateiro, pedindo esmolas e aprontando, agora, com seus uniformes azuis, atendiam educadamente aos motoristas que pretendiam estacionar em áreas demarcadas.

Luís Brasília, que de uma forma ou de outra sempre despontou como incentivador de nossas artes, encontrava, enfim, onde e como dar vazão às suas pretensões. Ildon Marques, em seu ano como interventor, inegavelmente, proporcionou progresso significativo em todos os setores de nossa cultura e de nossas artes.

Pela primeira vez na história era lançado um CD com as principais músicas aqui elaboradas e interpretadas por cantores de nossa terra: Dumar Bosa, Nando Cruz, Carlinhos Veloz, Wilson Zara, Jacqueline, Chiquinho França, Selin Galhães, Zeca Tocantins, Adriana Melazzo, Luiz Carlos Dias, Clauber Martins, Henrique Guimarães, Núbia Távolla, Ed Franklin, Neném Bragança, Washington Brasil e Erasmo Dibel; foi criado um fundo próprio para a Educação, fundo esse que seria inteiramente independente para arrecadar impostos e utilizá-los onde conviesse. A taxa viria explícita nas guias de recolhimento e depositada diretamente na conta da Associação. Adalberto Franklin foi seu primeiro presidente. Pelas ruas, dezenas de meninos com seus uniformes azuis, lápis e carnês nas mãos, atendiam àqueles que desejavam estacionar, ganhando seus próprios salários; foi criado um prêmio de aproximadamente 5 mil reais para o melhor livro lançado durante o ano em curso, tendo sido agraciados os acadêmicos Benedito Batista e Agostinho Noleto; apoiou-se, fez-se o projeto e aprovou-se a instalação de uma provedora de Internet para Imperatriz, a qual teria a orientação da Academia Imperatrizense de Letras. Quinze computadores chegaram (como se pôde provar através de telefonemas à firma vendedora e da verificação de uma segunda via da nota fiscal). Chegaram e, misteriosamente, sumiram. Até hoje não sabemos o paradeiro deles. A merenda escolar foi fartamente distribuída a todas as escolas e, conforme constatação, jamais qualquer criança pobre de Imperatriz teve o privilégio de se alimentar tão bem. Enfim, ainda que tudo o mais ficasse às traças, a Educação teve o seu melhor desempenho.

Um verdadeiro exército de professoras e supervisoras, talvez inocentes, acreditaram e partiram para a luta. Em menos de um ano, já os resultados eram surpreendentes: poucos municípios no Brasil haviam conseguido a proeza de alfabetizar tantas crianças em tão curto espaço de tempo: 77%.

Desse tempo, tenho apenas a quase dorida lembrança de ver minha esposa esquecer a própria casa para viver e respirar Educação em cada minuto do dia. Era uma euforia, uma dedicação, uma fé que estremecia minha descrença política. Comecei a imaginar que, pela  primeira vez na história, um homem revestido de cargo político estaria sendo honesto e trabalhando em prol de sua comunidade. Eu, que vinha de muitas frustrações, às vezes dizia a ela que devia “ir mais devagar”, para que mais tarde a dor da ingratidão  não viesse transformar toda aquela fé em mais uma irreversível descrença de tudo e de todos.

A cidade, por sua vez, ficou abandonada. Alguns remendos aqui e acolá tentavam engabelar o povo de que a Secretaria de Obras estava atuante, mas não era preciso ser muito inteligente para verificar o quase total abandono dos serviços de infra-estrutura. Salvava-se, apenas, o setor  de limpeza, pois, a ter continuado como nos tempos de Salvador Rodrigues, até na Getúlio Vargas, certamente, haveria necessidade de desvios.

De qualquer forma, as interventorias, tanto de Ildon Marques como de Dorian Menezes, foram as melhores coisas que aconteceram a Imperatriz nesses 18 anos em que aqui estou vivendo. É claro que, com a chegada da nova eleição, muita coisa encoberta seria destapada, mostrando o eterno lado da ganância e do interesse político. Ainda que a cidade estivesse como que bombardeada por aviões de guerra; os cofres estivessem vazios;  não houvesse um metro quadrado de rua que não precisasse de reparo e Imperatriz fosse o maior foco de problemas do mundo, quase uma dezena de candidatos apareceram para “demonstrar seu amor” pela decaída Princesa do Tocantins.

Eu não conseguia entender o porquê de tanta vontade de assumir  tantos problemas, já que, nem por imposição, eu aceitaria o cargo. Mal abriram-se as inscrições, seis se inscreveram: Ildon Marques, Ribamar Fiquene, Sebastião Madeira, Jomar Fernandes, Guilherme Ventura e Albetiza Leite. Albetiza, da ala de Davi, apenas confirmou o fim do prestígio de seu chefe; Ventura, apesar de digno, também não foi considerado pelos eleitores. A briga ficou mesmo com Fiquene, Ildon e Madeira. E foi ali que as enxadas começaram a escavar as podridões.

A maioria estava mais preocupada em destruir o outro pela difamação do que mostrar seu potencial para ser escolhido como o mais indicado a resolver nossos problemas: coisas, aliás, muito comuns na política ordinária. Tão logo as pesquisas deram vantagem ao ex-interventor Ildon Marques, todos os canhões se viraram em sua direção.

As acusações iam desde fatos evidentes às mais estúpidas suposições. E foi aí que surgiu o escândalo da merenda escolar superfaturada; de suspeitos aviões e campos de pouso; de instalações de filiais luxuosas em Belém…, enfim, tudo o que, certo ou errado, pudesse denegri-lo e enfraquecê-lo, foi utilizado sem reservas.

Mesmo não se duvidando da honestidade do Sr. Ildon Marques, achei de incrível ingenuidade investir tanto e exatamente no tempo em que teve acesso ao dinheiro do município. Quando nada, foi acreditar demais em sua probidade… e na compostura de seus adversários.

Os contrários acusaram, denegriram…, mas como o povo está cansado de saber que, nessas horas, tudo não passa de luta pelo poder, deixou que as acusações entrassem por um ouvido e saíssem pelo outro. Ildon foi, mesmo acusado por todos os lados, estrondosamente eleito.

CAPÍTULO 98
Depois dos nove meses em que o vice Fiquene ficou em lugar de Lobão, que por sua vez deixara o governo do Estado para tentar coisa melhor no cenário político, um rastro de obras inacabadas ou mal feitas ficou espalhado em Imperatriz. A ansiedade de Fiquene em preparar o trampolim para tentar a Prefeitura, realizando serviços num curto espaço de tempo, fez com que o tiro saísse pela culatra. As tantas obras iniciadas, inacabadas ou concluídas às pressas, transformaram seu plano no mais perfeito atestado de má administração, culminando com sua derrota. Aliás, o Brasil inteiro só irá moralizar o problema das obras eleitoreiras, no dia em que se votar e aprovar uma lei que obrigue os sucessores a concluírem  tais obras. Se assim acontecer, haverá mais estudos e responsabilidade na hora de iniciar qualquer uma.

Os empreendimentos de Fiquene sempre foram proverbiais pela debilidade. O dinheiro desperdiçado na forjada rodoviária e a falta de estrutura da Beira-Rio foram as principais causas da vexatória votação que obteve. A família Sarney, mentora das estratégias para a manutenção do poder, ora com declarações ambíguas, ora com o silêncio, acabou deixando Fiquene à deriva de seus planos e sonhos. Para os  Sarneys, Madeira e Jomar eram os únicos que não lhes interessavam. Por causa disso, a dinastia, no seu costumeiro e infalível jogo de cintura, engabelou Fiquene, deixando-o à própria sorte de seus esforços. O resto ficou com a desconfiança do povo, já cansado de ver tantas obras inacabadas ou completadas de qualquer jeito. O resultado foi o óbvio: uma votação inexpressiva e humilhante.

A vitória de Ildon Marques trazia embutida a esperança de ver os ladrões do erário na cadeia ou, quando nada, de uma ação judicial, limpa, transparente e digna, com o fito de ressarcir os cofres públicos de tantos saques. O que algumas gestões anteriores haviam feito com a arrecadação era qualquer coisa que afetava grandemente o brio do mais ínfimo cidadão imperatrizense. O próprio jornalista Coquinho, que no passado havia se iludido com as manobras de Davi, agora reconhecia a fatídica falha e desabafava:

“Que o dinheiro foi desviado, é público e notório. Mas onde foi parar tanto dinheiro? Quem são os responsáveis que antecederam e sucederam esse período de vergonha para Imperatriz, esse verdadeiro mar de lama que compromete até mesmo nossa história?”

O artigo era intitulado “Uma auditoria de araque?”, e nele o jornalista dizia que a auditoria havia constatado o desvio de dinheiro, mas não declinava o nome dos ladrões. E, como sempre, a farsa iria servir apenas para alertar os políticos ladrões de que, nas próximas gatunagens, deveriam ter mais cuidado para não denegrirem o “bom nome” da classe.

O Brasil é um país que, embora tenha escrito várias constituições, a única observada é a que nunca foi escrita e cuja lei maior, sem artigos ou incisos, é a do poder. Por ele, todo meio é utilizado; com ele, tudo é possível.  Por causa disso, rouba-se, mata-se, mente-se, desvia-se, enfim, não importa o ato e sim o fim. É por causa da luta desonesta para alcançar esse fim que o povo fica sabendo, deles mesmos, os tantos roubos e crimes que acontecem nos bastidores. Politicamente, roubar e matar não são crimes, apenas estratégias inteligentes para vencer.

Somente cidadãos ingênuos poderão imaginar que, nas tantas revoluções éticas que tão freqüentemente acontecem, algum político  irá para a cadeia, ou devolver à Nação os milhões ou bilhões desviados. Para a cadeia por matar, então, nem pensar. Para eles, a lei política não escrita é a mais sagrada de todas.

Para não falar dos escalões mais altos: Quércia, Collor de Mello…, lembremos apenas as tantas e evidentes denúncias sofridas por Cid Carvalho, Davi Silva e seus seguidores, e ver no que deu.  As CPIs e os inquéritos sempre foram uma  forjada satisfação temporária dada ao povo até o momento exato do cansaço ou do esquecimento. Para se cometer um crime político nada mais se exige do que uma “cabeça feita” para prestar muitas declarações contraditórias até que o povo, cansado, esqueça o assunto. Nada acontece porque, no fundo mesmo, todos são praticamente iguais: portadores dos mesmos desvios.

Para que se tenha apenas uma leve idéia, nos últimos 15 anos mais de 400 políticos, entre os “grandes” das capitais e os “ratinhos” das prefeituras interioranas, foram acusados de desvios, corrupção, assassinatos…  Sem ir muito longe, eu perguntaria: em que gaveta está metido o inquérito aberto para apurar as ameaças de morte sofridas pelo procurador da República Antônio Edílio Magalhães Teixeira? E o espalhafatoso caso da Merenda Escolar? E a trama para matar Ildon Marques?  Todos se lembram ainda, mesmo porque o caso é recente: Sebastião Madeira fez greve de fome; jurou que não morreria (ainda que fosse a última coisa a fazer na vida) sem limpar o seu nome e apresentar os verdadeiros culpados e blá, blá, blá, blá, blá, blá. Em outubro sairia o laudo inocentando Madeira. E ele, que havia jurado a mim e a todos os imperatrizenses que iria até às últimas conseqüências, por conveniência política preferiu calar, exigindo apenas uma retratação da televisão que divulgou o escândalo. Era mais um terrível golpe que sofreríamos. Era mais uma prova de que, a maioria dos políticos, pelo poder, submetem-se às mais vexatórias situações.

Por essas e tantas outras, a minha revolta. Nem tanto por não provarem nada, mas principalmente por fazerem o povo de palhaço. Essa secular estratégia de criar CPIs fajutos para melhorar a imagem da classe é mais um vergonhoso desperdício de dinheiro público, mais um assalto à Nação… um verdadeiro caso de polícia. A mim, me parece que nada mais significa do que escolher algumas pessoas para negociar o preço do abafamento.             A única que funcionou até hoje foi a deliberação do legislativo sobre a destituição  de Collor através do impeachment, mas não como exemplo de moralidade e, sim, de golpe pelo poder. Tanto é verdade que os bilhões roubados continuam com o ex-presidente, que vive no exterior, curtindo a vida como o mais digno e bem sucedido dos brasileiros.

CAPÍTULO 99
Depois de ter sido por muitos anos a doce ilusão de muitos sonhadores, o garimpo, como uma bomba que explode e acorda o dorminhoco, passou a ser a insônia daqueles que viam seus sonhos desfeitos de uma hora para outra. Mas, como quem não se conforma com a perda da amada, assim também os garimpeiros, apesar de tantas duras lições de que o garimpo, na maioria dos casos, é mais prejudicial que benéfico, não queriam se libertar da doce ilusão de ficarem ricos de uma hora para outra.

Como injeção de ânimo, vinha o estímulo de muitos que dirigiam o garimpo e que, particularmente, levavam grande vantagem com as negociatas. Esses eram os únicos que nunca perdiam com a garimpagem.  Se os associados começavam a esmorecer, eles davam um jeito de lançar uma notícia esperançosa, recheada de milhões, e, pronto, tudo se reacendia.

Desde que o garimpo manual foi temporariamente suspenso em 1989, os garimpeiros vinham sendo mantidos acesos em suas esperanças por meio de boatos e especulações. Anos e anos se passavam e jamais eles desistiam. Em 1995, quando já esmoreciam e muitos nem mais se lembravam dos prejuízos financeiros e morais que Serra Pelada havia-lhes causado, eis que estoura nova bomba: 31,5 bilhões estariam disponíveis na Caixa Econômica Federal para serem repartidos entre os garimpeiros legalizados. Foi um Deus nos acuda!

Para abocanhar o dinheiro, os garimpeiros teriam de se recadastrar, pagar algumas taxas, enfim, deixar mais algum dinheiro para os mais espertos que sempre sobrevivem às custas dos incautos sonhadores. Nunca se soube, ao certo, quantos garimpeiros havia em Serra Pelada, porém, as estimativas nunca foram inferiores a 20 mil. Em todo o Brasil, não menos que 100 mil. Por aí, qualquer um que saiba multiplicar, deverá saber quanto abocanhariam os sindicatos ou diretores, se cada garimpeiro pagasse qualquer quantia.

Isso não só criava celeuma, ciúmes e confusão, como também o interesse de alguns políticos que viam um bom momento para demonstrar interesse pela sofredora e iludida classe. O deputado federal Sebastião Torres Madeira foi o primeiro a dar uma voltinha lá por Brasília para ficar a par da situação. Voltou com más notícias, pois a quantia era bem inferior da apregoada inicialmente, além de que, em caso de pagamento, sofreria grandes descontos.

A esta altura já se falava em mais de 40 mil associados da Coomigasp, e o número subia a cada dia em que engrossavam as especulações.

Segundo Madeira, no final das contas, pouco mais de 700  reais iriam sobrar para cada garimpeiro. Era uma ducha fria em cima da cabeça quente e cheia de sonhos daqueles que imaginavam uma fortuna. Se o governo, mesmo sem saída e sob ordem judicial, já custa pagar ínfimas indenizações, que dizer dos tantos bilhões apregoados?

Quanto nada, os boatos serviram para um bom derramamento de sangue. Ao serem convocados para uma assembléia geral, cujo assunto seria a eleição de uma nova diretoria, os ônibus que transportavam os garimpeiros foram metralhados por elementos, segundo se supõe, do grupo de Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió. Curió vinha sendo presidente da Coomigasp há muitos anos e, apesar de tantos problemas, não queria desistir da “árdua e desinteressada” tarefa de proteger os garimpeiros.

Certas coisas deixam a gente confuso. A suposta ação de Curió para continuar solidário aos sofredores dos garimpos lembra a quase guerra que nossos candidatos a prefeito empreendem para dirigir a falida, saqueada e endividada Prefeitura de Imperatriz. Para demonstrarem sua grandeza de princípios e subserviência ao segundo mandamento de Cristo, eles gastam, ainda por cima, uma verdadeira fortuna. Para recuperar o que investem, teriam que passar séculos recebendo os vencimentos de prefeito.

Em julho, aparece aqui o presidente do Conselho Fiscal da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada, o Senhor Antônio Ferreira Milhomem. Cheio de otimismo, anunciava que uma empresa japonesa daria um injeção de 5 milhões de dólares, a fim de viabilizar, novamente, o garimpo manual de Serra Pelada. Falou até que várias carretas já estavam descarregando os equipamentos e que tudo era apenas uma questão de tempo. Nova comoção. Correria, boatos, sonhos…

E para fechar o ano mantendo acesa a ilusória chama do garimpo e, é claro, defenderem sua parte, já em outubro, alguns “interessados” resolveram criar  a Delegacia do Sindicato dos Garimpeiros de Serra Pelada, instalada na Rua João Paulo II, na Vila Lobão. Mais que certo é que os iludidos garimpeiros estariam pagando mais uma taxa para continuarem vivendo o malfadado sonho dourado.

Sem se importar com as manobras e especulações, a Vale do Rio Doce ia montando um gigantesco equipamento para garimpo mecanizado.

CAPÍTULO 100
Não saberia a razão, mas hoje, último dia de 95, sobrevém-me uma retrospectiva de saudade, pela avaliação dos 18 anos que deixei a terra onde nasci, para fazer minha a cidade em que vivo. Marilândia e Imperatriz representam para mim, respectivamente, a mãe que pariu e a mãe que criou, ou seja, sinto o amor dividido como uma criança adotada que aprendeu a gostar muito de quem lhe deu guarida, carinho e hospitalidade.

Vem-me à lembrança o dia em que deixei, juntamente com vários  familiares, a cidade de Linhares, para aventurar-me no Norte, Marabá, vindo depois fixar-me em Imperatriz. Não sei a razão, mas é certo que, olhando o passado, vejo-me uma criança nos braços da mãe verdadeira, sendo quase arrancada para ser entregue a outra, adotiva. Só agora posso dar o devido valor a meus sobrinhos, rapazes indômitos que não fraquejaram diante dos tantos problemas que advieram nos primeiros anos.

Hoje faz quase um ano que eles, repetindo minha aventura, aprofundaram-se para o norte, mais precisamente para Uruará, no quilômetro 140, entre Altamira e Santarém. Estive lá há pouco tempo. A mesma luta, os mesmos problemas, os mesmos sonhos… Fizeram parte da leva que deixou a cidade ante a perspectiva negra de jamais ver a nossa Princesa livre dos saqueadores. Para ser sincero, quando me falaram dos planos deles, não contestei, pois também em mim era grande a dúvida de que, um dia, um homem aparentemente comum teria de Deus a sugestão de organizar uma entidade forte para expulsar definitivamente os algozes da cidade.

Hoje, meus sobrinhos estão lá, como eu antigamente, sonhando com estradas asfaltadas, energia abundante e governo sério. Por enquanto, estão apenas desfazendo cada palmo do caminho por que passei, vivendo dificuldades, abandono, poeira, falta de pontes, de energia… vivendo  toda a cruel  realidade da Transamazônica. Uma coisa deixei a eles como lição única e irreversível para crescerem moral e financeiramente: PERSISTÊNCIA.

Grande parte do Brasil ainda está à disposição de quem tiver coragem de sacrificar 10 ou 20 anos de vida. Qualquer pessoa que se propuser a enfrentar as adversidades das terras devolutas do Norte do País e persistir por bom tempo, crescerá com o lugar, deixando para os filhos uma grande riqueza. Para tanto é preciso muita persistência e a certeza de que vale a pena viver alguns anos como se fosse  um animal, para propiciar aos filhos uma condição financeira  mais digna de vida.

É óbvio que, no máximo em 20 anos, a Transamazônica vai ser asfaltada e o sistema energético, regularizado. Isso dará condição de vida e valorizará muito as terras. Há 17 anos, mais ou menos, eu abandonei sete mil alqueires de floresta entre os rios Moju e Acará, por não acreditar nisto. Hoje, o asfalto corta a tal propriedade ao meio e fica a apenas 60 km de Belém. Na época, foram dois dias de barco a motor a montante do Moju, mais um dia de canoa a remo pelo Mapiri, seu afluente, e um dia (que se transformou em vários)  a pé, pela floresta, aparentemente inexpugnável. No capítulo II falei dessa aventura.

Faltou-me persistência para que os conselhos de meu pai valessem. Depois de três anos, diante de qualquer perspectiva de progresso, abandonei tudo. Oito anos depois, por causa da hidrelétrica de Tucuruí, abriram e asfaltaram a estrada, tornando a área uma das mais valorizadas do Pará.

persistência, possivelmente, é a virtude mais importante e indispensável a todo aquele que deseja realizar sonhos, ainda que mirabolantes. Jamais haverá um negócio ou uma decisão que não seja entrecortada de problemas. Os fracos sucumbem no primeiro deles; os mais ou menos fracos, sucumbem depois de alguns; os fortes superam centenas deles e, por fim, conseguem o objetivo. O conceito se firma na certeza de que quem não pára de caminhar, ainda que rastejando, estará sempre na frente daquele que desistiu… ou que parou por alguns instantes.

Hoje, meus sobrinhos mantêm uma verdadeira operação de guerra, submetendo-se a constantes vôos em pequenos aviões ou enfrentando por dias seguidos uma estrada que mais se parece com uma grosseira picada cheia de obstáculos do que propriamente uma via para escoar qualquer produto. As viagens são verdadeiros enduros. Diante de tantos percalços, embora com certa dor no coração, incentivo-os a não desistirem. Além de novos, possuem muitos filhos e, contra tudo e contra todos, também naquele fim de mundo, um dia, o progresso chegará.

 CAPÍTULO 101
Já nos estertores da decadência política, mas tendo a maioria na Câmara, Davi tenta, mesmo de Brasília, quiçá, uma de suas últimas jogadas. Tomando conhecimento de que fora feito um repasse à Prefeitura de Imperatriz de mais de dois bilhões de reais, ele foi à loucura. Em 94 ele já havia determinado (conforme fita gravada) que Salvador Rodrigues desviasse dois bilhões para a campanha. É claro que disto, a maioria nem tomou conhecimento.

Na sexta-feira, 19 de julho de 1996, enquanto o quarto prefeito em menos de quatro anos despachava normalmente em seu gabinete, estoura a bomba. Salvador Rodrigues, expulso da Prefeitura por incompetência, corrupção e, principalmente, por ter sido acusado de ser um dos mentores da trama que ceifou a vida do   prefeito Renato Moreira foi, misteriosamente, convencido a renunciar.

Mesmo destituído do poder ele continuava prefeito, embora não pudesse exercer o cargo por causa das graves acusações que contra ele eram movidas.

Com a vacância do cargo, é legal e constitucional que o presidente da Câmara assuma. No entanto, era presidente um dos menos confiáveis vereadores davisistas, o Salgado Filho, que além de ser parente de Davi, ainda lhe era de uma subserviência escrava. Apesar da lei a seu favor, eles se mantinham calmos, mesmo porque há muito Imperatriz não arrecadava, senão e malmente, dinheiro para o funcionalismo. Entretanto, com a chegada dos dois bilhões, os fiéis e autômatos davisistas cresceram os olhos. Ainda mais quando uma orientação vinda de Brasília mandava que eles se reunissem e transmitissem o cargo ao presidente da Câmara, no caso, o Salgado, parente de Davi.

Tudo foi feito às pressas, na base da correria, com juramento gaguejado e imediata invasão da Prefeitura, sem dar, sequer, ciência ao interventor Dorian Menezes, que despachava normalmente. O rebuliço foi geral. Homero Garcia, Chagão, Fiim, José Carlos, Macedo, Silva e demais seguidores fiéis de Davi, invadiram a Prefeitura e nem com o apelo educado da polícia abandonaram o seu interior. Contudo, sábado pela manhã, o comandante Linhares os convenceu “por livre e espontânea pressão” a deixarem o recinto. Amotinaram-se, então, na Câmara, onde Salgado fingia despachar.

Enquanto isso Dr. Ulisses Braga, presidente do Fórum da Sociedade Civil  de Imperatriz, com a voz entrecortada de revolta e emoção, explicava que o ato era ilegal, pois a posse do presidente da Câmara estava abaixo de uma lei maior, vinda da governadora Roseana Sarney e do Judiciário de São Luís. Marcou, imediatamente, uma reunião extraordinária, a fim de estabelecer seu novo posicionamento diante da inesperada situação. Na segunda-feira, ciente de sua força, a Sociedade Civil empreendeu nova marcha, numa demonstração inequívoca de que, somente o povo tem o direito de escolher seus representantes. Ficou claro que, acima da primeira lei que estabelece a vacância do cargo, autorizando primeiro o vice, e na ausência deste, o presidente da Câmara; acima, inclusive da nomeação da Governadora, abonada pelo Legislativo do Estado e pelo Judiciário, está a vontade do povo. Afinal, ainda não se conseguiu mudar a máxima de que “contra a força não há argumento… nem leis” e a de que “a voz do povo é a voz de Deus”.

Dorian negou-se a transmitir o cargo, dizendo que havia recebido da Governadora a incumbência de dirigir os destinos de Imperatriz e que só uma ordem da mesma fá-lo-ia abandonar o posto. Jornais e televisão faziam a festa: lado e outro atacava e se defendia como numa briga de futebol, onde, às vezes, a gente bate e apanha até dos próprios companheiros.

Todos os  candidatos a prefeito, com exceção de José de Ribamar Fiquene, participaram da passeata, o que ainda mais confirmou sua estranha conivência com o grupo espúrio que, por ordem de Davi, tentava se assenhorear do poder… e dos 2 bilhões recém-chegados. Aliás, já era voz geral que ele havia aceito o apoio de Davi, numa troca vergonhosa de, se eleito, viabilizar a aprovação das contas dele (contas que ainda tramitavam no Tribunal de Contas), além de apoiá-lo no próximo pleito. Exigia esforço não acreditar nessas especulações, já que o grupo Sarney havia aceito, vergonhosamente, a ajuda de Davi para eleger Roseana.

José Sarney e sua filha Roseana logo perceberam o quão seria danosa aquela afinidade com Davi. Tentaram dar o calote, mas só eles poderiam imaginar que Davi fosse aceitar tacitamente. Todos se lembram da abafada história do tiro que Davi recebeu no gabinete da Governadora. Sinceramente, preferia não acreditar no que estava ouvindo. É-me inconcebível que alguém, por questões que tão ligeiro passam, possa descer tanto os degraus da decência!

O tempo ia passando e Dorian aplicando a verba chegada, com avidez,  em muitas obras. Os boatos eram os mais desencontrados possíveis. Nem o pessoal do ramo jurídico se entendia mais. O que promotores, advogados e juízes explicaram naqueles dias, talvez desse, se escrito, um livro com mil páginas. Afobados, os davisistas sentiam os dois bilhões se evaporando nas mãos do interventor sem que nada pudessem fazer. Foi uma das poucas vezes que gostei da demora judiciária.

 CAPÍTULO 102
Ano de 1996. Ainda num período que será lembrado pelos tempos futuros, Imperatriz vivia o clima de libertação – ainda que temporária – da era Davi e mergulhava na esperança de que as coisas fossem mudar. Depois de alguns meses de interventoria, com Ildon Marques e Dorian Menezes, Ildon volta ao poder, agora como prefeito eleito com esmagadora vantagem. Seus adversários: Sebastião Madeira, José de Ribamar Fiquene, coronel Guilherme Ventura, Jomar Fernandes e Albetiza foram arrastados ou esmagados pela fórmula simples usada por Ildon: escola para todas as crianças.

Ao invés de sacolinhas, Ildon ofereceu palavras de esperança, convergindo seu discurso para a prioridade na Educação e maior atenção à classe humilde e sofrida, principalmente as crianças de rua. Seus adversários, ao invés de procurarem uma fórmula mais eficaz para suplantá-lo, passaram o tempo todo tentando provar que Ildon estava blefando  e que também estava metido no superfaturamento da merenda escolar. Como o povo já está farto de ouvir essa troca de acusações, principalmente em tempo de eleição, o tiro mascou.

Ficou claro, também, que o povo (certo de que honestidade política é exceção) pouco estava se importando se a merenda escolar houvera  sido superfaturada. O que importava mesmo era saber e ver que as crianças estavam sendo alimentadas com o que havia de melhor no mercado de peixes, carnes e cereais. Sem fome e no auge da euforia de obstinados professores, logo o resultado escolar apresentou sensível diferença, sendo mencionado como o mais profícuo desde a fundação de Imperatriz.

Mas, por causa “do poder”, os adversários agarraram-se nesta possível esperança e começaram a gritar por CPI e coisas que a valham. Dorian, que apenas havia chegado, diante de tanta balbúrdia e preocupação com o destino do dinheiro público, sem pretensões políticas aparentes e não querendo ver seu nome naquele lamaçal, passou toda a sua gestão arrumando papéis e preocupado com a burocracia. Conclusão: a merenda escolar foi suspensa e os produtos ficaram apodrecendo nos depósitos. Então desabafei:

“Não sei se estou atrasado ou adiantado no tempo, o certo é que ando revoltado como todos que nascem assim: antes ou depois do tempo que lhes foi estabelecido. Como esses, também me encho de problemas, perdendo dias de vida no desgaste da revolta contra tantas coisas que considero inadmissíveis para o ser pensante depois de milhares de anos de existência.

Há quase um mês as crianças estão sem merenda escolar. O motivo, todo mundo sabe: andam acusando a Secretaria de Educação de superfaturamento na aquisição dos alimentos. Verdade ou não, de duas coisas eu tenho certeza…, e uma terceira, deduzo. A primeira é que não vai acontecer nada a ninguém; a segunda é que quem já está pagando e vai pagar mais ainda são as crianças famélicas que, muitas vezes, mais vão à escola para se alimentar do que para estudar, e a terceira é a velha luta pelo poder, ou seja, tentarão desmoralizar o adversário e, por tabela ou de lambuja, como costumam dizer, ainda irão utilizar a merenda para fazer campanha.

Assim sempre foi, assim é e, queira Deus que um dia deixe de ser. Para tanto, temos que ir minando esses adversários tipo “soco no baço”, como fazem os lutadores de boxe. É protestando, escrevendo, delatando, acusando…, berrando mesmo, a fim de que consigamos enfraquecer as cruéis artimanhas políticas desses esfaimados pelo poder.

Sou a favor das CPIs e dos processos que visam coibir tantos abusos, mas é que, em se sabendo que sempre dão em nada, revolto-me pelos prejuízos que causam, como no caso, às inocentes crianças de nossas escolas municipais. Exatamente quando estava dando certo, a troco de vantagens políticas, tudo foi de água a baixo, desfazendo-se como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Agora está aí, um problema enorme, sem solução. Enquanto se espera o resultado de mais uma CPI que não irá dar em nada; enquanto se vasculham leis e artigos para novas aquisições; até que tudo volte a funcionar outra vez, certamente muitas crianças já terão deixado as escolas, e outras tantas interrompido o verdadeiro ciclo de tratamento que estava sendo feito com a excelente merenda oferecida.

Não que eu pactue com qualquer tipo de desvio, mas no caso da merenda escolar que estava sendo servida, se o houve, era menos danoso do que o corte da mesma. Aqui, em Imperatriz, já se roubou um milhão de vezes a quantia da qual ora estão fazendo um cavalo de batalha, e nada se fez, e nada aconteceu. É que, até então, a coisa vinha de pai para filho, ou seja, todos os prefeitos eram da situação e um se comprometia a acobertar as contas malfeitas do outro. Agora, com a dinastia ameaçada, alguns reais já justificam a suspensão da merenda escolar. Como dizem os caboclos capixabas: ‘Vão ser honestos assim lá em Caratoíra, sô!’

Por que não procurar os culpados sem interromper a merenda? Uma coisa nada tem a haver com a outra. Antes que mais crianças deixem as escolas ou voltem ao estado de inanição, pelo amor de Deus, honestíssimos homens públicos, continuem servindo a merenda. Concomitantemente, façam a propaganda política, dêem andamento a mais essa forjada CPI. Realizem suas catarses, denigram, acusem, insinuem…, façam o diabo, mas não ao preço da educação e da saúde de pobres crianças inocentes. Que enganem os ingênuos e nos obriguem a ser enganados, mas poupem as crianças… ao menos elas.”

Numa quarta-feira de fevereiro, dia 19, a Câmara Municipal promoveu uma sessão solene de “abertura” da 13ª Legislatura, à qual compareceram altas autoridades e o povo em geral. Na oportunidade, o prefeito eleito reiterou suas promessas de campanha:

“Para o atendimento da expectativa deste povo, só muita parceria, muito trabalho e tempo. Quanto ao tempo, sejamos honestos: a Imperatriz que nós queremos não se fará em um, dois ou mais mandatos. Desenvolvimento é mudança de mentalidade, evolução da cultura. Desenvolvimento é processo, é demorado, às vezes, doloroso. Como disse Maquiavel: ‘não há nada mais difícil de conseguir, não há nada mais perigoso de conduzir, não há nada de êxito mais incerto do que liderar a introdução de uma nova ordem de coisas’. Essa ordem fica menos difícil de ser introduzida se, primeiro, trabalharmos o ser humano. Obras físicas, sim, mas antes delas, o homem.  Convoco os senhores vereadores para um período de muito estudo, debate, reflexão e realização. Eu e minha equipe estaremos à disposição no que permitirem nosso tempo, nosso talento e nosso trabalho. Tudo isso para que Imperatriz seja uma cidade melhor, a partir de cidadãos melhores. Esse é o compromisso político que temos de assumir, o zelo profissional que temos de cuidar, o dever moral que temos de cumprir, a responsabilidade humana que temos de preservar.”

Imperatriz vivia um momento de entusiasmo e esperança jamais vistos ou sentidos. Todos os pontos nevrálgicos dos mais crônicos problemas começaram a ser encarados com dureza e seriedade. Projetos se sobrepunham, todos visando mudar o aspecto físico da cidade. O engenheiro Fernando Falqueto, diretor do Departamento de Urbanismo, em parceria com a Celmar e Vale do Rio Doce, viajava para Goiânia a fim de buscar técnicas de trocar o calor do cimento de nossas praças pela sombra agradável da arborização; o secretário de Infra-estrutura, Jairo de Oliveira, emitia boletins e mandava recados aos proprietários de bares, lanchonetes, lotes vazios…, a fim de que se adequassem às exigências do Código de Postura… Todos os problemas da cidade começaram a ser encarados diretamente, dando-me, mais uma vez, a esperança de que a coisa agora seria para valer.

Eu sentia o entusiasmo em minha própria esposa, que passava o dia respirando educação: falava, telefonava, incentivava, visitava escolas, brigava, sonhava com o milagre de ver todas as crianças  alfabetizadas. Quantas vezes, ao deitar, ela desabafava: “Meu Deus, será que conseguiremos?” Embora eu estivesse acreditando na sinceridade e boa intenção do Senhor Ildon Marques, preferia calar-me. Lembrava que se tornara homem público e não foram poucas minhas decepções no passado, com homens honestos que enodoaram a alvura da dignidade depois de se arriscarem no lamaçal político.

Mas, apesar de tudo, foi um tempo em que, também eu, pude sentir a esperança de poder acreditar que a atirada iniciativa de deixar minha calma terra natal, empenhando, inclusive, o futuro de meus familiares, ainda tinha chance de não ser considerada uma decisão irresponsável e desastrosa.

CAPÍTULO 103
No campo espiritual, mesmo aqui distante, sofremos os impactos da guerra travada entre a Rede Globo e a TV Record.

Depois de um verdadeiro tiroteio de acusações, ambas chegaram à conclusão de que só tinham a perder com aquela guerra fundamentada, ao que parecia, unicamente na hegemonia. A Globo entendeu que, ainda que provasse aos quatro cantos da terra que a Universal era uma farsa para extorquir dinheiro de ingênuos fiéis, ela continuaria existindo, mesmo porque, do início do mundo até hoje, os cegos continuam sendo a maioria. 80% da humanidade oscila entre a pobreza e a miséria: uma verdadeira cultura de miseráveis, cuja única esperança é Deus.

O medo da Globo, tida como principal rede do Brasil, hasteava-se no crescimento vertiginoso da Record. Em 95, esta transmitia as pregações da Igreja Universal do Reino de Deus com acanhamento, agora já evidenciava um “telecristianismo” ameaçador. Desesperançosos católicos,  que há tantos anos esperavam que a mão de Deus os livrasse das doenças e da fome, começaram a engajar-se também no copo d’água sobre a televisão e na aquisição da graça através de donativos, agradáveis aos olhos do fundador Edir de Macedo.

Ainda em janeiro, o pastor dissidente Carlos Magno de Miranda voltou ao ataque, agora de forma fulminante: a Igreja Universal teria envolvimento com o narcotráfico, de cujo envolvimento saiu o dinheiro para a compra da emissora. Não bastasse, o detentor  do 7º Prêmio Camões, o renomado escritor português Saramago, em sucessivas entrevistas, taxou a Igreja Universal de “quadrilha que se dedica ao roubo e ao crime”; “A tolerância acaba onde começa o crime”; “Se os crimes da Igreja Católica na Inquisição são  reconhecidos como tais, por que não os da Igreja Universal do Povo de Deus?” “A Igreja Universal não nos traz uma nova interpretação sobre Deus: é um engano sistemático. É um rosário de insultos à própria idéia de respeito à crença dos outros”…

As demais religiões, ante o fogo cruzado que desenterrava podridões humanas que sempre existem em todas elas, preferiram a neutralidade, mormente por saber que rabos de palha não devem ser expostos ao fogo. O catolicismo, por exemplo, com a teimosia do aparente celibato, vive às voltas com escândalos daqueles que sucumbem à força intrínseca do sexo.

Hoje, quando estou escrevendo este capítulo, os jornais estampam manchetes: “Edvar de Morais, popular e respeitado padre alagoano,  é flagrado com menor em motel”. O que se seguia era um verdadeiro parafraseado literário que dava pormenores do escândalo.

A pertinácia exagerada de nossa igreja quanto a determinados assuntos que a evolução dos tempos sugere vai se tornando inadmissível.  Quem não se lembra da celeuma causada pelo pedido de aborto a um feto com anencefalia (ausência de cérebro), levado a efeito em Maringá, a 420 km de Curitiba? O arcebispo de Maringá, Jaime Luiz Coelho, ameaçou advogado, juiz, médicos, enfermeiras, o próprio casal e todos os demais envolvidos, de excomunhão.

À luz da lei (civil e religiosa), a morte calma, sem dor e suave (conforme o sentido etimológico das palavras gregas que a compõem), a eutanásia foi pensada como maneira de pôr fim ao sofrimento de doentes comprovadamente incuráveis. Não foi invenção nova. Quem ler Heródoto ou vasculhar outras velhas fontes históricas descobrirá que os povos primitivos optavam pela lei seletiva natural, sacrificando todo aquele que se tornava estorvo à tribo. Os espartanos lançavam os “imprestáveis” do alto do monte Taijeto; os indianos eram lançados no Ganjes; os atenienses, eram forçados a tomar veneno… até Thomas Morus, em sua Utopia, aconselhava eliminar os débeis e aleijados para que se tivesse uma humanidade próspera e feliz.

Hoje, na maioria dos países, a eutanásia é ilegal. Eu sei que a lei deve ser obedecida e que, para Deus, nada é impossível. Mas, num mundo em que raramente as leis são aplicadas a todos e os milagres tanto escassearam, acharia de bom termo que, principalmente aos idosos, cientificamente considerados irrecuperáveis  fosse dado o direito de parar o sofrimento.

Penso que se há de haver luta religiosa, que se escolha o ecumenismo como campo de batalha. É através dele que os povos irão provar sua cristandade. Todas as religiões cristãs devem unir-se. É preciso não misturar Deus com homem e acredito ser desnecessário dizer o porquê. As tantas ramificações hoje existentes por causa de interpretações devidas a textos bíblicos, escritos e modificados por seres humanos através dos tempos, não deveriam ser motivo para dividir os cristãos.

Às vezes fico pensando se não seria melhor as religiões queimarem seus livros santos, ficando apenas com os dois mandamentos que resumem toda doutrina cristã: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a si mesmo”.

CAPÍTULO 104
Bem sei que todas as cidades têm problemas, porém aqueles que envolvem Imperatriz parecem ser maiores, por estarem ligados a um tipo de dependência viciosa a tudo que não condiz com a ética e com os valores morais. Fora durante muitos anos dirigida por homens sem escrúpulos. Por isso, quando alguns brilhantes e honestos cidadãos ligados ao Judiciário e à polícia esboçaram sinais de protesto e reação, a cidade inteira acovardou-se, deixando-os à deriva.

Homens tidos como fortes e capazes de impedir tantos desmandos  tentaram dar um basta a tantas aberrações, mas logo perceberam que a força financeira era bem superior às leis. O grupo davisistas, depois de anos usando praticamente todo o erário do município a seu favor, havia acumulado um grande volume de “forças ocultas” que arrastavam e esmagavam qualquer um que se opusesse. A população carente se tornou refém das sacolinhas e dos lotes, e políticos do Estado e, por vezes, até da Nação, não dispensaram os votos que o grupo representava.

Quando Ventura se indispôs com Davi, a chamada elite vibrou,  mais pela luta que iria ser travada do que pela esperança de libertar a cidade das terríveis amarras. Depois vieram Cutrin, Veloso, Oriana…, mas em toda investida ordens superiores interpunham-se, obrigando-os a calar.

Surgiu, então, o Dr. Ulisses Braga, o cabeça da Revolução de Janeiro que, se não erradicou por completo o mal, ao menos disseminou a esperança de dias melhores. O grupo que parecia invencível e indestrutível, em poucos meses sucumbiu à força das próprias armas que sempre usou: o povão. Hoje, Davi talvez não se elegesse nem a vereador de Davinópolis. Dr. Ulisses e os co-mentores do plano, desferiu ao grupo davisista o mais duro golpe de sua trajetória política.

Mas, para que homem algum se imagine senhor supremo e único de qualquer grande feito, também o Dr. Ulisses Braga, em menos de um ano de seu grande feito, fraquejou. Embora imbuído da mais pura intenção, talvez querendo que o quadro jamais se revertesse, deixou a presidência da entidade para apoiar um partido e um homem de sua fé. Nada contra o homem que sempre demonstrou equilíbrio e honestidade: apenas contra a dor que me tocou ao ver a entidade,  irrecuperavelmente, órfã. Ulisses seria o homem mais forte, respeitado e temido politicamente no município, se continuasse à frente do Fórum, sem qualquer vínculo político-partidário.

O Fórum já era visto como o sustentáculo da ordem e a garantia de que jamais Imperatriz seria submetida por muito tempo a descalabros de qualquer grupo. A força demonstrada, a confiança que angariara de toda a população era-nos a garantia. Claro que, ainda hoje, ela é dirigida por um homem íntegro e preocupado com os destinos da cidade, mas, mesmo com todos os predicados, jamais fará do Fórum, o “Fórum de Ulisses”. Hoje, as entidades estão assustadas e já não assumem publicamente qualquer reação. Concordam, mas exigem que seus nomes não sejam divulgados. É uma reação medrosa e desconfiada. Infelizmente, o Fórum está morto, aguardando apenas as exéquias.

Estou certo de que, de hoje em diante, já não será fácil convencer o povo de que o Fórum é uma entidade sem partido, não obstante o Dr. Ulisses já não fosse seu presidente quando decidiu apoiar Sebastião Madeira. Isso não convence as pessoas humildes, simples e analfabetas… e nem muitas das esclarecidas. Ulisses, percebendo a fraqueza de que fora vítima, piorou ainda mais a situação quando tentou justificar e desabafar. Mas não foi só a mim que doeu a decisão fatídica. Veja alguns trechos do professor José Luiz, em sua crônica de dezembro em “O PROGRESSO”:

“Vi-te derrotado, desolado, em decúbito dorsal, à frente das câmaras a te retirares da luta. À sombra da tua introspecção, pareceu-me despedida da nobre missão a que te propuseste: o resgate da cidadania em Imperatriz. O fardo pareceu tão pesado  de repente. E o teu exílio voluntário nos deixa um vazio assustador, terrivelmente perigoso. Aprendi a te admirar na “Revolução de Janeiro”. Vi-te guerreiro indomável à frente de rostos abatidos, desesperançados, perdidos. A tua figura altiva irradiava confiança e isso nos levou à vitória. Conquistamos a nossa Bastilha. Vi-te também navegando pelos mares traiçoeiros da política. Mas os fantasmas que habitam os subterrâneos fétidos de nossa metrópole parecem ter te ferido de morte.

…Que me perdoe o historiador inglês Arnold Toynbee, que afirma: ‘O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam’. O que poderia ser objeto de reflexão, faz-me envergonhar ainda mais: é uma confissão tácita de que a política é um jogo obscuro, o qual, misteriosamente, poucos cidadãos honestos são capazes de jogá-lo.

…Trouxeste-nos a esperança, a dignidade, mas os mafiosos sicilianos, alagoanos (desculpem-me os verdadeiros alagoanos) procuraram jogar-te no ‘buraco negro’ da história imperatrizense. …”

Na verdade, a triste decisão de Ulisses, apesar de minha certeza de sua reta intenção, não deixou em mim um vazio menor do que deixou no professor José Luiz… e na maioria de seus verdadeiros amigos. Mas o que passou, passou. Ulisses provou, apenas, que também é um ser humano… o que chegamos a imaginar que não fosse.

A dor maior foi a de nos sentirmos desamparados da força que ele representava como garantia de que jamais abusos e absurdos iriam denegrir a imagem da cidade por muito tempo. Ele era o nosso “penicilium notatum”, contra possíveis graves infecções políticas. Sim, porque não é nada fácil retesar velhas árvores tortas. Ainda hoje, vivemos às voltas para fazer de Imperatriz uma cidade mais humana e digna de ver nossos filhos crescerem. Haja vista os problemas que a juíza Luzia Nepomuceno está encontrando para evitar que menores amanheçam pelas ruas, aprendendo tudo o que a alta madrugada tem a oferecer a quem ainda não tem consciência plena de seus atos. Diante dos entraves, escrevi:

“Segundo a Bíblia, os pais ou responsáveis devem castigar as crianças sempre que necessário, a fim de educá-las para a vida. Há um provérbio que nos lembra que é preferível fazer uma criança chorar enquanto pequena, do que lhe fazer coro na maturidade. As mães sensatas ensinam que não se deve realizar todos os gostos dos pimpolhos, para não torná-los egoístas e prepotentes.

O mundo todo sabe que a proteção dos pais é indispensável às crianças, porque elas ainda não sabem discernir as coisas, e se não sabem, alguém deve decidir por elas. Mas, até quando um ser humano pode ser considerado criança? Bem, aqueles que não enxergam ou que não quiseram enxergar estabeleceram como transitória a idade de 18 anos. Certo ou errado, de 18 anos para baixo todos são menores, e como tal, devem ser protegidos.

Dezoito anos é muito! Tanto o é que já abriram muitos precedentes, dando-lhes inúmeros direitos, até então só permitido aos adultos. O menor, hoje, pela palhaçada interesseira de muitos artigos existentes no Estatuto do Menor, passou a constituir um dos maiores problemas para o País. Imagine  um marmanjo com 17 anos e 11 meses, estuprando, traficando, matando…, sem que ninguém possa filmá-lo de frente, usar a força para prendê-lo ou mesmo…  arrebentar-lhe o nariz com um safanão!

Quando vejo os motins que praticam, incendiando carros, desafiando policiais, destruindo o patrimônio público, matando pessoas… sinceramente, sinto vontade de vomitar.

A maior desgraça de nosso país se fundamenta no interesse político pelo poder. Para se promover ou ganhar uma eleição, nossos políticos são capazes até… bem, são capazes de tudo. Eles estabelecem direitos para Deus e o mundo, sem se importarem donde e como virão, posteriormente, os recursos para cumpri-los. Depois, evidentemente, o caos acontece: o governo se vê com uma despesa maior que a receita.

Agora, a juíza Luzia M. Nepomuceno, da vara da Infância e da Juventude da comarca de Imperatriz, estabeleceu que menores não poderão mais transitar pela rua, a partir da meia-noite. Pais que perderam as rédeas de seus filhos, retrucam a ordem, considerando-a arbitrária e cerceadora do direito de ir e vir e coisas mais. Meu Deus, como é difícil tentar fazer alguma coisa boa e certa aqui nesta cidade!

Excetuando-se a parte que não leva em conta a companhia dos pais, a juíza está coberta de razão! Ou é menor e tem que dormir cedo; ou é adulto e terá de ir para a cadeia todas as vezes que cheirar cola, promover assalto, traficar, matar… Acho que está na hora de saber se, de fato, marmanjo é criança ou se menino é adulto. O que não pode acontecer é que certos menores usem a estratégia dos camaleões, mudando de cor (idade) conforme o interesse. Para passarem a noite em boates, querem ser adultos; na hora de pagar pelos erros, crianças.

A maior parte das leis que protegem os ditos menores parece ter sido escrita num raro momento em que os legisladores estavam com a consciência sobrecarregada. Na verdade, depois dos 14 anos, a pessoa devia responder pelos seus atos.  Qualquer planta o é, desde o dia em que nasce. O limoeiro, a ingazeira, a bananeira, o tucum… Quando tenras, devem ser cuidadas, para que o sol e o mato não as sufoquem, mas após a primeira florada, elas já conseguem suportar a maior parte das intempéries e também competir com o mato.

Não adianta, bem sei, generalizar qualquer definição, mas o certo é que, não se podendo criar uma lei para cada pessoa, que se estabeleça qualquer idade para ser adulto, mas que, antes disso, a lei seja obedecida a rigor, tanto nos direitos como nas obrigações: criança é criança; adulto é adulto. Nada de ora adulto, ora criança. Quem ficar como menor deverá dormir cedo (pelo que sei, as crianças dormem cedo) e não, muitas vezes, madrugar pelas ruas, aprendendo antes da hora as malícias do mundo: fomentando gangues, assaltando, traficando, roubando e matando.

Embora a juíza Luzia M. Nepomuceno, no meu entender, esteja coberta de razão, temo que seu futuro não seja muito diferente de outros expoentes de nossa dignidade, como o delegado Cutrim, o então promotor Velozo ou a juíza Oriana, que se viram cheios de problemas e entraves pelo simples fato de tentarem aplicar as leis ou estabelecerem normas morais aqui em Imperatriz. Pior do que conseguir fazer a sociedade entender o que seja menor e o que seja maior será ela se livrar da pressão de alguns interessados em se livrarem de filhos problemas.

Atualmente, quem mais dá trabalho e cria problemas para a sociedade são os pobrezinhos e desamparados inocentes na faixa etária de 16 a 18 anos.

Com a estúpida lei que em determinados artigos exacerba a sensatez humana, estabelecendo proteção extrema às crianças em qualquer circunstância, a sociedade se vê aviltada, sem poder aplicar até mesmo o sagrado direito de defender-se. Mas dar escola, saúde e alimento, que também é lei e que, por sinal, de total responsabilidade daqueles que rabiscaram o estatuto, isso não é cumprido. Ah, políticos que Deus nos deu!…” 

CAPÍTULO 105
Neste exato momento, estou aqui debruçado em frente à tela do computador, olhando sem ver, num daqueles momentos em que se vive quase uma depressão, diante da incapacidade de entender os desígnios de Deus… ou as loucuras dos homens. Sinto, numa visão retrospectiva do meu mais de meio século de existência, uma angústia profunda por tê-lo passado sem encontrar uma explicação razoável a respeito da maldade humana… ou uma explicação convincente dos porquês das catástrofes geológicas que dizimam milhares de seres vivos, homens inocentes ou não, aves de rapina e colibris.

Terremotos, maremotos, incêndios, inundações, vulcões, avalanches descomunais… Lutas infrenes e diabólicas por hegemonias religiosas e, principalmente, pelo poder, as quais os homens encetam em cada dia   esquecendo-se dos exemplos recebidos  no decorrer dos séculos da existência humana, de que a vida é curta e que daqui nada e nunca, alguém levou alguma coisa material. Até das boas obras, por ser produto da fé, às vezes duvidamos da conquista.

Terrorismo, guerras civis, ideológicas e financeiras, massacres, escravidão, invasões, extermínios… países que interferem sempre com a carapaça mentirosa de proteção aos desvalidos, mas cujo e verdadeiro interesse é sempre próprio. O mundo está febril, doente de morte. Não consigo entender o que está acontecendo na antiga Iuguslávia, em Biafra, no Vietnam…, onde milhões de crianças inocentes estão morrendo de fome. E nas ruas de todas as cidades, tantas crianças abandonadas, viciadas em drogas e cedo metidas em crimes, traições, tocaias, roubos… por insensibilidade de uns poucos egoístas e gananciosos.

Conjeturo, agora que toda maldade borbulha em minha cabeça, se este mundo não é o inferno de outro mundo, ou quando nada, o purgatório, o lugar onde as pessoas se limpam das falhas de um outro mundo. Será que aqueles que querem tudo para si, que invadem os países vizinhos em busca das riquezas, que deixam crianças morrerem de fome, que desviam, roubam e praticam todo tipo de corrupção promovendo as mais tristes das injustiças sociais, não são os encarregados de aplicar aos pecadores de outros mundos as penas que lhes são devidas?

Mundo-cão! Mundo que foge de minha compreensão, mundo que ora me consterna! Não está sendo fácil erguer a cabeça e estampar um sorriso, ao lado do irmão que se arrasta anêmico e paralítico pelo cimento quente e sujo da Rodoviária.

Agora, estou com meus pensamentos vasculhando a Bíblia. Segundo ela, em algum lugar, num capítulo qualquer, tem algo que diz que os pobres existem para nos dar a oportunidade de praticar a caridade e obter a salvação. Como estou apenas devaneando, não irei folhear o Livro de Deus. Ficarei apenas imerso em minha angústia.

Não me parece que aqui estamos para sermos alegres e felizes. É impossível conseguir esse estágio diante de tanto sofrimento que fervilha em nossa volta. Por mais que se esquive, não há como não esbarrar numa esquelética mão estendida, num sussurro de misericórdia de um ancião faminto, num magote de menores desvairados, cheirando cola de sapateiro, dizendo coisas desconexas: espectros da loucura; numa pálida mulher que usa o fruto de seu ventre para pedir um pedaço de pão; num rosto lívido de uma criança desnutrida…

E embora ninguém ouça, há aqui dentro de mim, um grito de socorro sufocado, um grito melancólico de impotência… e de muita tristeza.

CAPÍTULO 106
Em abril de 96, quando era interventor Dorian Menezes, chegou a Imperatriz o diretor superintendente da Celmar, Fábio Lúcio Romanelli Medeiros e o diretor florestal Tito Sérgio. Embora o projeto já estivesse instalado na Região Tocantina desde 1992, aquela era a primeira satisfação que a firma dava ao município pelos possíveis desequilíbrios, tantos sociais como ecológicos, que a indústria iria causar. Segundo o encarregado de “convencer” os defensores do Meio Ambiente de que a Celmar não iria comprometer em nada e sim melhorar a condição de vida na região, eu me punha a lembrar das conversas que mantinha com o cientista dos colibris, o conterrâneo Augusto Ruschi.

Na ocasião da instalação da Aracruz Celulose, no Espírito Santo, ele perdeu muitas horas de sono… e muitos amigos, afirmando que o eucalipto era a segunda maior consumidora de água entre as essências existentes, só sendo vencida pelo cedro. Na época ele dizia que uma terra usada para o plantio de eucalipto levaria 300 anos para se recuperar e que a fauna sofreria transformações difíceis de serem avaliadas por antecipação.

Não obstante, o gerente de operações da Celmar, José Maria Donatti, em entrevista a leigos no assunto, afirmava que o eucalipto consumia a mesma quantidade de água de qualquer outra planta e que para o solo ainda era menos prejudicial do que outras culturas.

Vindo de Pancas, pequena cidade do meu estado, Donatti certamente conheceu também o famoso e internacional Augusto Ruschi e, por certo, não desconhecia os estudos realizados pelo cientista, envolvendo as vastas plantações de eucalipto naquele Estado. Discordando ou mesmo achando que o respeitado capixaba não tinha plena consciência do que estava dizendo, Donatti dizia que a fábrica só iria trazer benefícios, inclusive para o Meio Ambiente. Transmitia com fidelidade o recado do cientista Paulo Alvin, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, escolhido pela Celmar para a incumbência de amenizar, aos mais entendidos, a crueza dos impactos ambientais que um plantio de eucaliptos do porte do que estava se implantando, causaria à natureza.

Estava mais que claro que a Celmar, uma companhia que envolvia 42,5% de capital da Companhia Vale do Rio Doce, 42,5% da Ripasa e 15% da Nissho Iwai Corporation (NIC) com o apoio ou não da sociedade, do Município e até do Estado, seria instalada. Afinal, eram 960 milhões que estavam sendo investidos numa área de aproximadamente 63 mil hectares: uma avalancha acima das forças humildes e sinceras dos ecologistas.

Com certeza, algumas canequinhas da montanha de investimento deviam estar sendo separadas para convencer ou, quando nada, acalmar aqueles que sabiam e podiam comprovar o desequilíbrio biológico que o projeto iria causar ao ecossistema modificado. Afinal, os 3,7 mil empregos diretos e os 15 mil indiretos, então programados pela firma para beneficiar o município eram argumento irrefutável para qualquer autoridade política.

Por isso, os dirigentes da Celmar acharam por bem fantasiar um certo respeito ao município, promovendo demonstrações e propagandas em estandes,  reuniões e debates, com o fito de dar atenção àqueles que sabiam das irreversíveis mudanças que o ecossistema utilizado iria sofrer. Várias reuniões foram feitas, até que a maioria concordou que a fábrica era um bem para a região ou, quando nada, que os efeitos maléficos não superavam os benéficos. A natureza sofreria um impacto, mas muitos desempregados teriam serviço e, imaginava-se, um salário digno.

Porém, não foi o que se viu. A firma pagava o dobro do valor da terra da região, chegando a quase 2 mil reais o alqueire, mas os funcionários não qualificados, recebiam um salário médio de noventa reais. Ficavam no ar as suspeitas de que alguém já estava infundindo o jeitinho brasileiro de levar vantagens nas negociações. Em fins de fevereiro, a primeira greve de trabalhadores que recebiam o chamado salário-mínimo.

Alvim dizia que “era possível conciliar o plantio do eucalipto com outras culturas” e que “o argumento de que ele resseca o solo não passava de mito”, no caso, de cientistas como Augusto Ruschi. Alguns funcionários da firma, encarregados de acalmar os ânimos dos ambientalistas, apregoavam, inclusive, que o “plantio de eucaliptos contribuía para a diminuição dos desmatamentos, protegia as nascentes, os cursos d’água e os animais, além de fertilizar o solo com os gravetos e galhos secos que caíam”. Por declarações como estas, ficava clara a intenção principal de iludir, coisa que nem necessitava, pois querendo ou não a sociedade e os ambientalistas, ela seria concretizada. Não é de hoje (embora não seja propriamente o caso) que a natureza é a última a ser considerada quando alguém resolve explorá-la. Infelizmente, ainda é comum nos seres humanos derrubar as fruteiras para que os frutos sejam colhidos.

Para maior acinte ou para selar a certeza da persuasão, em julho a empresa de celulose lançou o programa “Fazendeiro Florestal”, e os jornais anunciavam felizes: “A Empresa de Celulose – CELMAR – acaba de lançar um programa voltado para a proteção ambiental, o Programa “Fazendeiro Florestal”. Com isso, o projeto selava seu sucesso e os ambientalistas se calavam. Afinal, se Ruschi estiver com a razão, nenhum de nós estará mais aqui, quando a terra cansada agonizar em deserto.

Ainda antes do final do ano, com um gasto superior a dois milhões de dólares, era inaugurado o mais moderno  viveiro da América Latina, o Viveiro Lamberto Golfari, com capacidade para 10 milhões de mudas. Estiveram presentes à inauguração o vice-governador Reinaldo Tavares e a representante do Ministério do Meio Ambiente, Aspásia Camargo. Todos, inclusive o interventor Dorian Menezes, elogiaram a Celmar, afirmando que a mesma seria trampolim para um grande salto econômico no Maranhão. Não deixava de ser verdade. Pena que ninguém se lembrou de pedir desculpas à principal prejudicada: a natureza.

CAPÍTULO 115
No dia nove de novembro de 1995, por ocasião do aniversário de minha esposa, suas colegas da Secretaria de Educação do Município fizeram-lhe uma surpresa bastante agradável na sede da maçonaria. Por causa das deferências – eu como esposo da aniversariante e o interventor  como prefeito da cidade – acabamos ficando em cadeiras contíguas.

Ele não me conhecia direito e eu apenas sabia que ele era o interventor nomeado pela governadora Roseana Sarney. Quando as apresentações terminaram, iniciamos uma conversa a princípio muito tímida. Com o passar do tempo, depois de reciprocamente trocarmos confiabilidade, começamos a nos abrir mais: eu me atrevendo a dar palpites sobre sua administração e ele contando peripécias de sua árdua missão. Desabafou ele:

“Eu estava em Curitiba quando soube que haviam deposto o Salvador Rodrigues. Alguém me ligou informando-se da possibilidade de eu aceitar a inclusão de meu nome entre os tantos concorrentes a interventor. Não precisei pensar mais que partes de um segundo para apresentar minha  negativa. Sem que eu imaginasse, aquela falta de apetite pelo poder impressionou a governadora. Solicitou que eu comparecesse a São Luís para uma conversa sem compromisso. Fui.

– Quero esclarecer que há uma grande rejeição por parte de meus correligionários quanto à indicação de seu nome para prefeito interino de Imperatriz. Mesmo assim gostaria de ouvir o que tem a dizer.

– Nada que complique, Governadora. Meu nome está sendo rejeitado e eu não quero a Prefeitura. Acredito que aqui se completa o velho adágio: “a fome com a vontade de comer”. Eles não querem, eu não quero. Nada mais justo do que esquecer o assunto.

Eu sentia que em cada demonstração de desinteresse pelo cargo, mais ela acreditava que eu pudesse fazer alguma coisa pela cidade. Afinal, quem melhor que ela para estranhar que, num país em que o sonho de  todo brasileiro com tendência política é conseguir chegar ao poder, um pobre comerciante que sempre esteve ligado a essa mesma política, agora não o quisesse?

Relutante, ela me pediu que eu permanecesse mais alguns dias em São Luís, no que fui taxativo:

– Governadora, amanhã, depois do almoço, estarei retornando. Por sinal, nem irei para Imperatriz, pois a essa altura a fofoca política deve estar fervilhando por lá. Vou agora mesmo comprar passagem para Belém, Curitiba, Rio…, qualquer cidade que me deixe longe de tudo isso.

No outro dia, quando tomava o desjejum, alguém muito íntimo da governadora chegou ao hotel. Disse-me que a chefe do executivo queria falar-me e que eu devia ir de paletó e gravata. Retruquei que não os tinha e que ela, certamente, compreenderia minha simplicidade. Diante da insistência dele, consegui um que mais me pareceu uma camisa de força, tão apertado ficou. Meio desengonçado, fui ao Palácio.

– Considere-se nomeado interventor de Imperatriz – foi o cumprimento que recebi ao vê-la.

– Mas eu tenho o direito de não acei…

Ela ia saindo quando apelei:

– A intenção da senhora é sanear as finanças e os compromissos. Eu posso fazer isso em dois meses. Por esse período, vou aceitar.

Ela deu uma rápida olhada para trás e, enquanto seguia, avisou-me da iminente coletiva que eu deveria dar aos impertinentes jornalistas. Nem tive tempo de argumentar nada. Na hora da nomeação eu percebi que ela havia aumentado o período para 12 meses e não adiantou qualquer esboço de resistência. Haviam me tornado, por imposição,  Interventor de Imperatriz.

Minha vida, que era de paz e tranqüilidade, virou um inferno. Os   políticos da situação acostumados ao sistema de bajulação interesseira e de cega obediência às leis de manutenção do poder, e os adversários que se viram de um minuto para o outro sem a teta aleitativa do poder escuso, começaram a acossar-me por todos os lados. Ameaças de morte vindas de davisistas inconfessos e fofocas de fiquenistas que viam em mim uma séria ameaça às suas pretensões, sucediam-se diariamente.

Certos assessores, às vezes, vinham me transmitir telefonemas anônimos, mais pálidos que um cadáver. Era como se as ameaças tivessem sido desferidas contra eles. Pela graça de um Deus – com o qual vivo em falta – nasci sem coragem e sem medo. Não encaro brigas e não corro delas. É um estranho paradoxo que nunca soube explicar.

Um dia, quando cheguei a meu gabinete havia lá diversos opositores querendo falar comigo. Em suas insinuações ficava claro que minha vida corria perigo, porque os que até então manipulavam acintosamente o poder não estavam satisfeitos. Novamente Deus falou por mim, quando lhes disse que, nesta terra, morre-se de sarampo, de AIDS, de câncer…, ou assassinato por defender uma causa justa e digna. Como ninguém fica para semente, talvez a última opção não deva ser tão temida. Entendendo minha firme posição, eles se entreolharam e deixaram o gabinete, cabisbaixos.

Não bastassem os ataques mesquinhos de adversários, um belo dia recebi um telefonema da Governadora, avisando-me que  Dona Marly, esposa do Senhor José Sarney, viria a Imperatriz e que esperava que eu a acolhesse dignamente. Não me foi difícil atendê-la, porque é impossível tratar mal uma senhora educada como Dona Marly.

O que eu não sabia é que ela vinha com um propósito escuso, o de reatar meu relacionamento com o Fiquene, então do grupo e afastado de mim desde o tempo em que dele fui vice-prefeito. A certa altura da recepção, que aconteceu na Associação Médica, lá pelas 12 horas, acheguei-me a Dona Marly e disse que esperava que ela compreendesse, mas o almoço seria simples, juntamente com os meninos de rua em trabalho de recuperação: um projeto que me enche de orgulho e que peço a meu Deus todos os dias para que dê certo. Ela disse que aceitaria, mas que precisava antes passar na casa de uma amiga para entregar uma encomenda.

Embora eu não suspeitasse de nada, extravasei meu mal costume de ser detalhista. A pergunta saiu-me sem pensar, sem ordem do raciocínio, assim como o coração bate sem nossa ordem.

– Como se chama essa sua amiga e onde mora?

Ela não precisaria nem responder, pois fiz a pergunta condicionado ao mal costume. Como ela não soubesse disso, gaguejou e acabou confessando que a visita seria feita ao Fiquene e que, como não desconhecesse minha relutância, tentara esconder.

Embora não houvesse em mim qualquer intenção de magoar Dona Marly, vejo hoje que fui grosseiro e lacônico:

– Desculpe-me, mas lá eu não piso!

Os puxa-sacos que a rodeavam, tomando-me pelo braço, arrastaram-me até um canto da Associação e, como toda autoridade que se impõe, ameaçaram:

– Ildon, acho que você não entendeu. Dona Marly é esposa do Sarney. Ela não lhe pediu nada não, ela lhe ordenou. Por acaso já se esqueceu que hoje é interventor graças a essa família?…

Fitando aquele magote de puxa-sacos oportunistas, senti meus pés saindo do chão. Uma estranha áurea começou passear pelo meu corpo. Era como se uma corrente elétrica pairasse sobre minha pele.

– Ah!, agora entendi! Pois já que os senhores dão as ordens, aqui está (e, num gesto de entrega, estendi as mãos) minha nomeação. Façam dela bom proveito, porque de mim jamais farão. Eu aceitei relutante a nomeação para dar um pouco de mim a esta cidade, jamais pelo orgulho de ser prefeito, que é bom que saibam, no conceito de pessoas esclarecidas, é a pior das recomendações neste País. Hoje passei a conhecer bem o lamaçal que entrei, mas quero que saibam que levei uma vida inteira construindo um calçado próprio para não me sujar de lama… e não vou me sujar. Agora mais que nunca eu reafirmo: não irei.

Dona Marly almoçou com as crianças de meu projeto e comigo. À noite viajou e no outro dia bem cedo  a Governadora me ligou dizendo que, se já me admirava, agora o fazia muito mais. É por acreditar no caráter de nossa governadora que estou dando tudo de mim, inclusive a vida, para recompor esta cidade, transformando-a em exemplo para outras cidades e orgulho para nossos filhos.”           

Acredito que o relato acima se faz necessário para que as pessoas possam ser mais precisas ao tentar definir alguém. Ele demonstra, acima de tudo, o poder de dependência que a política exerce nos aficionados. Mostra, também, que quase todos relutam em entrar e que, depois, morrem pra não sair. O ser vivo mais sensível a dependências é o humano. Que o digam os caçadores, os jogadores de baralho, os fumantes, os viciados em qualquer tipo de drogas… os políticos…

Por isso, aos que são postos na encruzilhada, bom seria que escolhessem bem a trilha a seguir, o caminho ou a profissão que irão abraçar, mesmo porque, uma vez escolhida, certamente o retorno será difícil, muito difícil!…

CAPÍTULO 116
Jamais o povo de Imperatriz poderá esquecer o trabalho, a ação corajosa de um homem contra o poder escuso que escravizou a cidade por décadas consecutivas. Muita gente chegou a se mudar da região por não ver perspectivas de se livrar do poder forte e avassalador de Davi Alves Silva e seus seguidores, principalmente quando o mesmo se aliou ao grupo Sarney, que domina o Maranhão há anos. De fato, somente uma forte inspiração divina poderia sugerir ao advogado Ulisses Braga a possibilidade de uma entidade cujas armas seriam apenas o protesto e a não aceitação dos descalabros. Ele, apoiado por homens simples e inteligentes, conseguiu, tornando-se, como presidente do Fórum, o homem mais temido e respeitado politicamente em Imperatriz. Ninguém (nem o grupo Sarney nem os davisistas) tinha mais qualquer dúvida de que aqui se tornara inviável qualquer tipo de arbitrariedade e corrupção. Talvez tenha sido por isso a idéia de levá-lo ao ostracismo e ao esquecimento.

Percebendo a manobra, ele tentou desfazê-la, desligando-se do Fórum e apoiando Madeira, que prometia seguir à risca os ideais da entidade. Perdeu e não foi compreendido. Deixou-nos novamente órfãos. De fato, muitos, entre os quais me incluo, lamentaram profundamente a  tomada de posição de Ulisses, porque, por tabela, todos nós fomos afetados.

Diante de tantas incompreensões, um dia o Dr. Ulisses Braga esteve em minha casa e com voz entrecortada, alma ferida, visível dor no coração, desabafou:

“Soube que você está escrevendo um livro sobre sua estada de dezoito anos em Imperatriz. Tenho certeza de que não deixará de lado a página  escrita pelo Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz nesta cidade. Depois do episódio da minha renúncia à presidência da entidade e do meu duro posicionamento contra a candidatura Ildon Marques,  o Sarneysmo e o Juiz Eleitoral encarregado da propaganda oficial nas últimas eleições em Imperatriz,  fecharam o cerco contra mim e houve um momento mesmo de perseguição em que entendi estar inclusive correndo risco pessoal, quer de integridade física, quer mesmo da própria vida.  Daí,  aproveitei minha doença para dar uma longa saída, a ver se a tempestade de perseguição, bem como o cenário sombrio de sabotagem dirigida contra minha pessoa amainavam um pouco. Estou sem tribuna, sem jornal, sem televisão, sem rádio. Procuro-o porque sei que é um grande escritor,  independente, livre de qualquer amarra e que está escrevendo um livro sobre os fatos contemporâneos de nossa cidade e região. Com sua generosidade, ele será uma oportunidade divina para que eu possa dizer, mesmo que ligeiramente, o que é ter a voz calada  pelo Poder que, infelizmente, a maioria costuma servir incondicionalmente.

Proponho gravar um diálogo simulado que simbolize o que tanto me perguntam os amigos ou as pessoas do povo na rua, sobre meu polêmico posicionamento nas últimas eleições municipais.

Sem qualquer objeção de minha parte, ele começou:

Você não considera que, ao renunciar de repente à presidência do Fórum da Sociedade Civil e apoiar Madeira para Prefeito, foi injusto com os outros candidatos, que também apoiavam a entidade que você dirigia?

Tire você mesmo sua conclusão. Ventura me convidou para ficar ao lado dele. Fui convidado por Ildon, através de um intermediário, a ir também para seu  palanque. Responda: estes dois candidatos têm autoridade para me censurar por ter ido para o palanque de Madeira?  Apenas o Jomar Fernandes poderia fazê-lo, pois, em nome da verdade,  jamais me paquerou eleitoralmente.

Mas Jomar, Ildon e Ventura, além de Madeira, também não apoiaram o Fórum da Sociedade naquele movimento intitulado “Imperatrizte, nunca mais!”?

Todos apoiaram o Movimento “Imperatrizte, nunca mais!” por interesse político-partidário, sendo que alguns por transparente oportunismo político.  Principalmente o Ildon Marques, pois, enquanto isso, o vice de Ildon e seu articulador conchavava com Salgado na Prefeitura. Ora,  ele jamais tomaria tal iniciativa  sem o consentimento de Ildon.          Mas, já  que se falou em Ildon Marques, devo dizer que ele, desde a posse, procurou sempre destruir o Fórum da Sociedade e esvaziar seu porta-voz.

Isso é grave. Portanto, prove o que está dizendo.

Olha, ainda em São Luís, logo depois de sua nomeação como Interventor, criou imediatamente, através do Sistema Capital de Comunicação, todo um clima de recepção popular no aeroporto (e não apenas de amigos e admiradores) e, depois, mandou-nos avisar na Prefeitura que do aeroporto iria para casa e o restante da comitiva para os hotéis da cidade!

Essa atitude era um desprestígio ao Fórum da Sociedade, à Revolução de Janeiro e a seu presidente. Reagi incontinenti, talvez sob inspiração divina, como deve ter sido em todos os atos decisivos de que participei antes e durante a Revolução. Chamei os companheiros, fui à sacada e me dirigi ao povo mais ou menos com a seguintes palavras: Cidadãos e Cidadãs, a TV Capital está convocando o povo para receber o Interventor no aeroporto e ele manda avisar que não virá à Prefeitura, onde se encontra o Movimento de Coordenação da Revolução. Isto é um desrespeito ao povo e ao nosso movimento. O Interventor tem a obrigação cívica de vir a Prefeitura onde estamos apoiados pelo povo para aqui ouvir com interesse a história da nossa Revolução.  Eu não sairei daqui. Tenho certeza de que o povo aqui permanecerá também. Mas se o povo, já cansado, for para suas casas, tenho certeza de que os meus companheiros do Movimento permanecerão ao meu lado. Mas se também  eles forem para suas casas, eu aqui permanecerei na cadeira do Prefeito Municipal e só sairei arrastado!

Fui aplaudido e o resultado não foi outro: o povo não arredou  pé. Os integrantes do Movimento de Coordenação SOS Imperatriz também (salvo os que foram designados para ir em comitiva ao aeroporto receber o Interventor). E, assim, o Interventor com sua comitiva teve que vir a Prefeitura na mesma hora em que chegou.  Foi esta sem dúvida, uma página bonita do nosso movimento. O vice-governador José Reinaldo, que viria a Imperatriz acompanhando o Interventor  como representante da Governadora, informado na mesma hora deste gesto inusitado chamou-me ao telefone e me autorizou a comunicar ao povo que a comitiva oficial viria a Prefeitura. Eis a história verdadeira do comparecimento do Interventor e sua caravana à Prefeitura naquela noite histórica. Pois bem, este foi o primeiro sinal das  intenções de Ildon Marques em relação ao Fórum da Sociedade Civil, à Revolução de Janeiro e a seu presidente.

Se não tivesse havido aquela reação pessoal nossa, a História teria perdido aquele ato cívico de cidadania extraordinário, inédito e democrático, que foi a entrega da flor e da chave na sacada da Prefeitura. A flor representando a pureza do nosso movimento enquanto cidadania e a chave, a nossa confiança. Outro ato tão belo quanto este foi a nossa ida à Câmara de Vereadores, onde fomos recebidos – os Chefes da Revolução, o Interventor e o Vice-Governador – num clima de entusiasmo patriótico jamais vivido nestas paragens. O recinto estava literalmente tomado pelo povo, e todos  –  povo e representantes do governo  – de mãos dadas cantavam canções patrióticas juntamente com nossos artistas e cantores populares. É preciso esclarecer que a ida da comitiva oficial à Câmara de Vereadores da Cidadania também foi resultado de insistência minha, para não deixar aqueles bravos companheiros igualmente desprestigiados.

Pois bem, esta histórica festa cívica que tanto honra nossa cidade  era precisamente o que o Interventor e a Governadora  queriam evitar, mas  não conseguiram dado aquele  surpreendente ímpeto nosso de resistência!

Outra prova: passados uns dois meses daquela Revolta Popular, a Governadora visita Imperatriz, pela primeira vez depois de sua posse. O Interventor oferece a ela uma recepção na ‘Fly Back’ e convida para a recepção toda a sociedade civil. Na mesa estão o Interventor e senhora e o presidente da Associação Comercial e Industrial e senhora. Ali tomou lugar a Governadora.. Quer dizer, em lugar de um membro da direção  do Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz, ele preferiu convidar o presidente da ACII! O ato foi tão injusto que houve, na ocasião, um protesto público, não previsto pelo protocolo, do revolucionário Amin, muito aplaudido pelo povo, o que redundou numa homenagem não agendada à minha pessoa, deixando o Interventor deveras constrangido.E o título de cidadão?

É outro elo dessa corrente. O Interventor no primeiro aniversário da cidade fez uma bonita solenidade para entregar o título de cidadão a algumas personalidades que se destacaram servindo a cidade. Poderia ter homenageado o Fórum da Sociedade Civil ou o Movimento SOS Imperatriz, ou os 20 mil cidadãos e  cidadãs que fizeram a Revolução de Janeiro,  na pessoa simbolicamente de um de seus numerosos heróis,  como o Jorge Garcia de Deus, que é seu amigo, o Simplício Zuza Neto, a Conceição Formiga, o Rapadura, o Marquinho, o Antônio Paulo, o Demerval Moreno, o Josué Moura… Não o fez. Homenageou uma porção de outras pessoas, todas em verdade  merecedoras.  A Governadora,  no entanto,  não merecia, pois foi conivente na ascensão do Deputado Federal Davi Alves Silva, principal algoz da cidade. Em troca de seu apoio, num momento em que Davi era acusado de prática de crimes contra o erário municipal por autoridades de reconhecida insuspeição após  o assassinato do Prefeito Renato Moreira, a Governadora o protegeu.

Pois bem, como houve reclamações na imprensa por esta deliberada exclusão,  ele resolveu convidar-me para entregar o título à professora Edelvira Marques, o que foi sem dúvida uma honra para mim. Pode haver uma demonstração maior de prepotência, ausência de humildade, ingratidão e insensibilidade política do que esta?! E também de servilismo?!

Muitas são as provas, nobre escritor, de que o Interventor sempre quis destruir o Fórum da Sociedade Civil e sufocar seu presidente. Mas as mais humilhantes foram aquelas particulares que ninguém via e que se davam nas solenidades, ou mesmo nos encontros casuais, onde ele me virava as costas, ou só me cumprimentava se eu primeiro o fizesse. Nos encontros do Fórum da Sociedade onde, às vezes, ele comparecia como convidado, deliberadamente nunca se referia à entidade, nem ao seu presidente.

Agora, a maior, sem dúvida, foi o Projeto Imperatriz 2.000, que ele alimentou apenas para desmoralizar a entidade e seu presidente, não tripudiando em brincar com personalidades como o professor Vito Milesi, o bispo Dom Afonso Felippe Gregory, o Arraes, o pastor Maurílio etc.  O Projeto Imperatriz 2.000 foi sem dúvida minha ultima esperança de amansar a “fera”.  Cerca de 300 contribuições de cidadãos, cidadãs e entidades  iriam corporificar um plano plurianual para Imperatriz. O Interventor solicitou uma reunião da Comissão do Projeto Imperatriz 2.000  presidida pelo Dr. Arraes, lá na Academia Imperatrizense de Letras. Com explicações sofisticadas, sempre ostentando filosofia, pediu um prazo para que pudesse contratar um técnico que viria a Imperatriz dar uma palestra para a sociedade civil, a fim de motivá-la e, depois, assessorar a Comissão na finalização do projeto. Queria um prazo curto de apenas alguns dias. Queria fazer algo sério, algo para a posteridade e não para o imediato  e achava esta providência indispensável. Depois desta pantomima, nunca mais se dignou dar qualquer satisfação.  Foi sem dúvida  um “golpe sujo” em cima do Fórum da Sociedade  e de seu presidente!… 

Mas saiba, ilustre imortal, que coisas mais essenciais e graves do que estas é que terminaram me levando a tomar aquele posicionamento surpreendente e duro. Por exemplo, o desprezo do Interventor pelos objetivos éticos da Revolução de Janeiro e do Fórum da Sociedade. O desprezo sistemático. Comprar sem concorrência, como prefeito, na Liliane, empresa de sua propriedade; fazer licitações irregulares, quer dizer, “ilicitações”; não prestar contas à Câmara de Vereadores, a pretexto de não ser Prefeito, mas delegado da Governadora, conforme dizia; o escândalo da merenda escolar etc. Quanto às contas, era o mínimo que o Fórum da Sociedade poderia querer.

Você mesmo, como escritor e cidadão, reclamava constantemente na Academia e pessoalmente que, depois de uma Revolução Ética, não bastava prestar contas à Câmara de Vereadores: era preciso que estas contas fossem examinadas também por uma Comissão do Fórum da Sociedade Civil. Lembra-se disso? Ouvindo estas suas constantes reclamações, redigi um ofício respeitoso ao Interventor, chamei alguns expoentes da entidade, entre os quais o professor Vito Milesi, já que eu sabia que o Interventor não me tinha a menor consideração. Pedimos-lhe uma audiência especial e lhe entregamos o ofício. Ele leu e saiba: nunca disse nada a respeito. Depois, num encontro do Fórum da Sociedade, onde compareceu como convidado, disse que esse negócio de contas era besteira, que o importante era o fluxo de caixa.

Por que você não levou estes fatos ao conhecimento dos seus pares?

Porque, a par disso, o Interventor cultivava propositadamente uma relação intensa de amizade e cooperação  com os presidentes das diversas entidades que compunham o Fórum. De tal modo que eu temia que viessem a   interpretar  uma denúncia, ou uma reclamação minha  contra o Interventor  como um gesto de  incompreensão ou até, quem sabe, de inveja. Assim, preferi tomar o caminho do silêncio e da espera.

Mas nada disso justificava a sua súbita renúncia e seu imediato engajamento nas eleições ao lado de um candidato. Isso enterroudefinitivamente o Fórum e com ele as esperanças de todos nós. Você hoje já deve concordar com isso, não?

O Fórum, quando renunciei, já estava moribundo. Nada fazia, não tinha papel algum. Apenas eu, o Licínio, o Prado e o Arraes comparecíamos às reuniões da diretoria na sede. E, às vezes, o advogado Valdeci,  o Deusimar Negreiros e também o Jorge Garcia. O Prado,  porque era o Tesoureiro (de dinheiro de cego); o Arraes, porque era um disciplinado; o Licínio, porque as reuniões eram mesmo em uma sala do prédio da Varig e eu porque continuava com aquela obsessão de, com o sacrifício de meus interesses pessoais e  de minha saúde,  manter acesa uma chama em que poucos já acreditavam, pouquíssimos.

Tentei manter o Fórum vivo com o Projeto Imperatriz 2.000, mas fui traído. E também com o programa Avante Imperatriz, na TV Bandeirante, e depois, com outro programa Cidade Cidadã, na TV Capital. Também não tive sorte. Ninguém ajudava. As contribuições minguaram ao máximo. Às vezes, eu tinha que pagar despesas com dinheiro do meu bolso. Também o Licínio assumia várias despesas pessoalmente. As lideranças conservadoras e os empresários ricos e de destaque da cidade estavam satisfeitos em ser amigos de Ildon Marques e como sabiam que ele não tinha interesse na entidade, também dela se afastaram. Com raríssimas exceções. Por outro lado, as entidades e as lideranças progressistas foram se distanciando do Fórum, desconfiadas de que o Projeto Imperatriz 2.000 era para apoiar politicamente o Interventor. Perguntem sobre estas coisas ao Arraes, ao Licínio, ao Prado, porque eles mesmos, abnegados, já davam claros sinais de desânimo e de necessidade  de férias. O Fórum já estava literalmente apagado… uma cinza do que foi.

Infelizmente, o glorioso Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz havia falhado em sua missão de caráter permanente. Aliás, havia fracassado.  E era dito em alto e bom som na cidade, que o Fórum não era mais necessário! Não havia conseguido, sequer, a prestação de contas do Interventor, quanto mais atuar no caso daquela auditoria fajuta da Governadora e do Interventor feita mais com o objetivo de manchar a memória de Renato Moreira que, de vítima, passou a réu. Uma vergonha!…

Para que não paire qualquer dúvida, basta lembrar a  prestação de contas do então Prefeito Davi Silva, parece que relativa a 1989, contendo  várias irregularidades; as ‘ilicitações’ de Ildon Marques; as eleições de 1994, quando a fraude comandada pelo candidato a Deputado Federal Davi Silva, cabo eleitoral da candidata Roseana Sarney e com o apoio dela, foi praticada ostensivamente , à luz do dia, nas ruas da cidade e nas emissoras. Poucos dias antes do pleito, pedaços de frango eram distribuídos em caminhonetes pelo próprio Deputado nas ruas de Imperatriz. Ele dirigia um badalado cadastramento na periferia de Imperatriz e de outras cidades circunvizinhas para recebimento do “leite da eleição”, uma promoção dele e da futura Governadora. Na TV do Sr. Connor Farias ele anunciava que tinha um armazém cheio de mantimentos para distribuir entre as pessoas carentes e que iria fazê-lo mesmo que fosse preso.

Tudo era crime eleitoral praticado nas barbas da Justiça! E por que não agíamos? Porque não tínhamos dinheiro para pagar advogado e ninguém quer trabalhar profissionalmente de graça, o que é até razoável. Eu  ainda fiz uma reclamação perante a Justiça Eleitoral, sem nenhuma ressonância, é claro!   

Foram estes fatos, então,  que o levaram àquele gesto extremo do engajamento na candidatura de Madeira?

Não. Tudo isso poderia me levar à renúncia imediata à presidência da entidade, o que, na verdade,  já estava em segredo planejando. Mas não participar das eleições. O que me levou a esse gesto foram dois fatos: 1º) a denúncia do Procurador da República contra o Sr. Ildon Marques junto à Justiça Federal no caso da merenda escolar e as explicações capciosas, demagógicas e desonestas de Ildon ao eleitorado no programa da Justiça Eleitoral, verdadeiro desrespeito à opinião pública; 2º)  O  comportamento  do Juiz Eleitoral responsável pelo programa gratuito da Justiça Eleitoral, que favorecia o candidato governista. Ele não permitia o debate. Qualquer crítica da oposição ao ex-interventor candidato era punida com o direito de resposta no programa da própria oposição! Um absurdo! Estes dois fatos me levaram a um extremo sentimento de revolta! 

Aí me deparei com o seguinte quadro: 1º) o Fórum da Sociedade nada poderia fazer, diante dos estatutos e da legislação eleitoral; 2º) Eu poderia fazer alguma coisa. Conclui que se eu renunciasse à presidência do Fórum da Sociedade e apoiasse um candidato de oposição  poderia esclarecer o eleitorado de que a denúncia do Procurador da República contra o ex-interventor candidato não era obra de adversários (como ele dizia na televisão),  mas o cumprimento do seu dever legal, diante das conclusões que lhe foram encaminhadas por uma Comissão de Investigações da FAE.  3º) Não seria qualquer gesto meu que iria enterrar a entidade, pois ela já estava, por tudo que já disse, agonizante.

Ildon, nas pesquisas, aparecia como tendo mais votos do que todos os candidatos juntos. E ele confirmava isso nos seus discursos. Já estava eleito. Se ele, quando não tinha esta força toda, desprezava o Fórum da Sociedade como um instrumento válido da sociedade civil e de governo,  quanto mais depois de eleito com a votação que ele próprio anunciava! Daí foi um passo. Sondei os três candidatos de oposição local se poderiam se unir em torno de um deles. Todos responderam que não havia mais tempo para isso. Então, escolhi o que me parecia bem mais forte para o enfrentamento. Perguntei a ele, se eleito, estaria disposto a apoiar efetivamente o Fórum da Sociedade Civil como um instrumento de governo. Ele respondeu que sim. Redigi uma carta, ele assinou. E pronto. Todos já sabem o que sucedeu.

Eu nunca achei que venceríamos. A vitória seria um milagre. Mas no mínimo, eu faria uma denúncia que entendia ser um dever de minha consciência cidadã. A denúncia de que o Fórum da Sociedade Civil e a Revolução de Janeiro haviam sido traídos; a denúncia de que a ação movida pelo Procurador da República contra Ildon Marques não era uma manobra de adversários, mas o cumprimento de um dever legal; a denúncia do parcialismo do Juiz Eleitoral!…

Então, você, que criou o Fórum, não foi quem o destruiu? É isso que quer dizer?

Quase isso. Quero esclarecer que não fui eu quem criou o Fórum, mas os senhores Jairo Pinto de Oliveira e Francisco Lopes de Araújo, então presidente e vice-presidente da Associação Comercial de Imperatriz, com o apoio do bispo Dom Affonso Fellipe Gregory, do presidente da Academia Imperatrizense de Letras, Vito Milesi, e do ambientalista José Geraldo da Costa. Eu fui levado depois para o grupo por José Geraldo da Costa.

Quem destruiu o Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz foi, em primeiro lugar, o Interventor e a Governadora Roseana Sarney,  que agiram  deliberadamente  para alcançar este objetivo; as lideranças conservadoras fisiológicas, que só conseguem prosperar à sombra do poder;  a lamentável incompreensão das lideranças progressistas; os egoístas, os pessimistas, os derrotistas mas, principalmente, os omissos de todos os matizes, que só sabem criticar as falhas, sendo incapazes de dedicar um pouco de seu tempo ou ofertar uns poucos tostões de suas rendas para uma entidade que eles próprios reconhecem tão indispensável!

Então, pelo que deduzo, você se acha um injustiçado!

Sim, e o digo com a maior decepção, e mesmo indignação e até repulsa! Ainda entendo que idealistas verdadeiros como um Vito Milesi e um Affonso Gregory lamentem o sucedido. Agora o que mais me frustrou e machucou a alma foi ter sido acusado de haver  destruído o Fórum com um gesto insensato! Feriu-me a injustiça dos “dois pesos e duas medidas”.

Vamos dizer que eu tenha errado. Mas não errei por maldade, por corrupção,  por ambição de poder, por falta de espírito público. Poderei ter errado na avaliação correta, ou ter cometido um erro de estratégia etc. Mas e outros que erraram de modo muito mais grave e que estão aí sendo alvo de todas as homenagens só porque detêm o poder! Basta lembrar o episódio do Fantástico, o crime eleitoral praticado pela TV Capital ficando no ar os três dias, inclusive no próprio dia da eleição, fazendo a propaganda do candidato governista, fato que só pode ter acontecido com a conivência do Juiz Eleitoral! No entanto, todos continuam gozando do maior apreço dessa mesma sociedade civil farisaica que acusa Ulisses Braga.

Sim: dois pesos e duas medidas. Um peso para o vencedor e para quem está no poder! Outro peso para quem (para eles) foi vencido e não está no poder. O que pesa aí, meu caro confrade, não é o erro de Ulisses Braga, mas aquela frase que entrou para a História: ‘Ai dos vencidos’! Se eu tivesse sido vencedor, estariam todos elogiando o meu gesto! Disso não tenho a menor dúvida!       

Vai abandonar a luta?

A cidadania é minha luta, meu ideal e minha paixão! Minha sofrida experiência mostrou que a cidadania sujeito, e não objeto, só é exeqüível mediante um projeto partidário. Tem que fazer parte de um programa de partido. Aí o candidato a prefeito desse partido já diz na sua campanha se vai ou não governar com a sociedade civil organizada e,  se eleito, deverá cumprir o programa. E por quê? Porque aí já é a vontade do partido e do seu candidato formar um governo participativo, com absoluta transparência e fiscalização, tendo como alfa e ômega o cidadão – e não os cartolas. Esta será minha luta: que um partido progressista insira em seu programa partidário aquilo que chamo de “Cidade Cidadã”, único caminho e esperança de transformação radical da vida pública brasileira.”

“Uma vida: tijolo a tijolo,

sessenta anos, talvez,

construí um monumento,

com bravura e altivez.

Cabelos brancos testemunham

meu trabalho incansável,

pelas ruas e pelo povo,

firmeza inabalável.

E no tal segundo de fraqueza,

que dizem todos possuir

retirei as escoras de sustentação,

e vi meu castelo sucumbir.

Frustrado, olho os escombros,

os amigos me olham desolados:

retirei a sustentação,

num momento impensado.

Hoje volto ao começo,

sessenta anos em vão!…

não imaginei que um sonho,

machucasse tanto o coração.”

CAPÍTULO 117
Estamos em outubro. O ano vai se despedindo. Muita coisa boa, muita esperança se fez, embora sempre entrelaçada com acontecimentos deprimentes. Numa segunda-feira de junho, dia dois, por exemplo, 10 homens encapuzados assaltaram o Banco do Brasil e levaram, aproximadamente, 500 mil reais. Eles quebraram a tiros os vidros que separam o centro da agência dos caixas eletrônicos e invadiram atirando. Foram mais de 500 tiros de metralhadora, fuzil AR15, escopetas e armas pesadas. Houve troca de tiros com a polícia e, por incrível que pareça,  nenhuma morte. Dois dos feridos foram pessoas que estavam a quase um quilômetro, em frente à agência do Banco do Estado. O incidente serviu, pelo menos, para termos consciência do crescimento da cidade que, pelo seu porte já atraía bandidos profissionais, acostumados até então a grandes centros. O equipamento utilizado, os tiros disparados mais para assustar, não deixaram qualquer dúvida de que a trama fora urdida por profissionais do submundo.

Mas, para contrabalançar o incidente, nós, que havíamos sido abandonados pela VARIG, recebemos o apoio da TAM, que assumiu a regularidade dos vôos de seus jatos em Imperatriz no  dia dois de junho de 1997. Hoje, quatro companhias disputam nossos passageiros:  Rio Sul Linhas Aéreas, Nordeste, TAM e PENTA, além de muitos outros aviões menores para vôos de aluguel de firmas particulares. Há dias que chegam a pousar 10 aviões, dando-nos plena consciência de que, como disse várias vezes, por cima de tudo e de todos que a tentam sufocar, Imperatriz cresce e se desenvolve.

Na área energética, praticamente somos a “capital nacional da energia”, assistidos que somos pela hidrelétrica de Tucuruí, Boa Esperança, Furnas e, agora, Serra Quebrada. Nada nos falta para sermos a capital do Maranhão do Sul, coisa que é apenas uma questão de tempo.

Da era mais triste de nossa cidade, restam-nos, apenas, preocupantes ameaças: “Desaparecido dos noticiários e dos acontecimentos políticos da cidade e do Estado, o deputado Federal Davi Alves. Segundo uma fonte, ele tem se dedicado exclusivamente às suas empresas. Longe de sua legião de pedintes, ele aproveita ‘essas férias’ para reforçar o patrimônio. Davi, segundo essa mesma fonte, adquiriu recentemente uma fazenda com mais de cinco mil cabeças de gado e uma mansão de fazer inveja até ao ex-presidente Fernando Collor de Melo. A mansão, tida como uma das melhores residências de Brasília, pertencia ao ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. Está com os alforjes cheios para a campanha política do ano que vem. Os adversários que se cuidem, o Dadá vem com tudo.”

Se alguém disser que ele roubou, certamente será processado por falta de provas…, mas, se disser que aplicou milagrosamente o salário, ora de prefeito, ora de deputado, não escapará da definição de ser o mais estúpido dos burros. É uma escolha ingrata, tanto para os revoltados, como para os homens ilibados da Justiça.

Outra marca triste que 97 não conseguiu apagar foi a morte do prefeito Renato Cortez Moreira. Por mais que seus familiares lutassem, protestassem e exigissem justiça, o processo continuava emperrado pelos tribunais. José Cortez Moreira, irmão do prefeito, em janeiro de 94 escrevia:

“Davi Alves Silva credenciou-se a fazer acordo político com a família Sarney, depois de distribuir merenda escolar em forma de sacolinhas, ser suspeito do assassinato do prefeito Renato Moreira, dilapidar boa parte do patrimônio da Prefeitura de Imperatriz e abocanhar, com fome leonina, os recursos públicos do município, e assim, em pequeno espaço de tempo, adquirir e ampliar o Hotel Anápolis e construir o Hotel Fazenda Barra Grande.

No momento mais importante de sua vida, Davi entrou solenemente na engalanada mansão do próprio Sarney, no Calhau, no sábado 8.1.94 para ser homenageado com um jantar e comparado à personagem bíblica  – Jornal Pequeno de 11.01.94.

Bons companheiros, Davi e a família Sarney, com o requintado jantar, comemoraram soluções encontradas para seus problemas: Davi tinha os votos que a família precisava para eleger Roseana, mas necessitava de alguém com poder e prestígio para conseguir impunidade para ele       (Davi e seu povo, suspeitos de participação no assassinato do prefeito Renato Moreira), suspender as investigações  nas contas da Prefeitura de Imperatriz e impedir a cassação do mandato de seu irmão Daniel Silva Alves, no que ficou conhecido como “acordo Davi/Sarney’.

Há indícios reveladores  da conexão do poder público local e o crime organizado, cumplicidades altamente condenáveis. (…) Causou também perplexidade e desapontamento em Imperatriz o acordo político do grupo do senador Sarney e o ex-prefeito de Imperatriz, Davi Alves Silva. O objetivo eleitoral era atrair votos para a candidatura da deputada Roseana Sarney, mas resultou no reforço de posição dos que criam obstáculos às investigações judiciárias e policiais que buscam desmantelar a máfia do crime na região. O senador Sarney, em declaração à imprensa, negou sua participação neste acordo, acrescentando que a entrada de Davi e seu grupo no PFL  ‘era assunto que devia ser tratado com Lobão’.

No fim de contas é o mesmo. Seria inconcebível que o governador Edson Lobão realizasse esse entendimento à margem de seu partido e de seus líderes. E se o fez, por que não foi publicamente desautorizado? Deputado Neiva Moreira  – Câmara Federal em 2.3.94.

O tristemente famoso João Alberto de Sousa, que se considera 90% honesto, recebeu Davi à entrada da mansão da família Sarney. Hoje, João Alberto trabalha para eleger Ildon Marques, visando candidatar-se  ao governo do Maranhão em 98 e  manter a família Sarney no poder.

Embora nada tivesse com a votação, Alexandre Costa trabalhou até o último instante pela absolvição de Daniel Silva Alves, aliado político dele e do senador José Sarney do Maranhão: Jornal de Brasília em 23.06.94.

Praticamente concretizado o acordo escandaloso de Sarney com a máfia que matou Renato Moreira. Daniel não é cassado – assassinos serão soltos e Davi tá com Roseana: Jornal Pequeno em 24.06.94.

Pode-se acrescentar: A impunidade prevalece no Estado. A segurança é utopia. Roseana é governadora e a dignidade da família Sarney está na lama, graças a acordos como o comemorado em 8.1.94, o dia da vergonha no Maranhão.”

Pois bem, Moreirinha e toda a família continuam lutando incansavelmente por justiça até o dia de hoje, sem imaginar que jamais irão conseguir. Atualmente o poder supremo se encontra na mão dos políticos que já dão mostras evidentes de manipular todos os demais órgãos, inclusive, o Judiciário. Não é por outra razão que as CPIs, as devassas… tudo sempre acaba “em pizza”. A culpa acaba recaindo sempre nos policiais e nos juízes, que se submetem a todo tipo de humilhação para não perderem o emprego. A ordem de todo entrave sempre vem de cima.

Em julho de 97, para “acalmar” a família Moreira que não dava trégua ao pedido de justiça no assassinato de Renato, estampava-se o contra-ataque:

“O Ministério Público Estadual quer que seja devolvido todo o dinheiro que teria sido desviado da Prefeitura de Imperatriz entre os exercícios financeiros de 93/94, período em que o município fora comandado por Renato Cortez Moreira, assassinado em outubro de 93, e posteriormente por seu vice, Salvador Rodrigues de Almeida, que permaneceu na Prefeitura até o dia 20 de janeiro, data em que a governadora Roseana Sarney, através do ato nº 14.441, decretou a intervenção do Estado no Município.

Pelos cálculos do Ministério Público, nessas duas administrações, fruto de um elenco de irregularidades financeiras e administrativas, houve uma sangria nos cofres da prefeitura da ordem de 23 milhões de reais em valores atualizados. A ação é contra o espólio (herança) do prefeito assassinado Renato Moreira através de seus cinco herdeiros, e ainda …”

E, assim, a família Moreira passava de vítima a acusada e, com a preocupação das denúncias, por certo dariam uma trégua à consciência dos verdadeiros culpados.

Não quero discorrer sobre o embasamento de tais denúncias: imagino apenas como seriam elas se convergidas para Davi Alves Silva e outros que se tornaram milionários depois que ingressaram na política.

E, para completar as suspeitas de subserviência judiciária, quero apenas transcrever as palavras do jornalista Arnaldo Jabour, por ocasião da sentença dada por uma certa juíza de nome Luzia, que não considerou a morte do índio Pataxó, levada a efeito por 5 rapazes apadrinhados, como hedionda:

“Vamos imaginar uma cena: um juiz de direito de Brasília trabalha até tarde. Sai do escritório e, no meio da madrugada, o carro enguiça. O juiz, ou juíza,  havia esquecido o celular no Palácio de Justiça: aquele, todo de barro, que custou 280 milhões de dólares, de modo que o juiz, ou juíza, não pode chamar um rádio-taxi. Assim, o juiz ou juíza, com sua capa negra, fica esperando o ônibus. Mas o ônibus demora muito e o juiz, ou juíza, enrola-se em sua capa negra e se deita sobre o banco do ponto do ônibus e dorme. Aí vêm 5 rapazes da burguesia e vêem o juiz, ou a juíza, dormindo, enroladinho sobre o banco. Vão, compram álcool, jogam na capa do juiz, ou da juíza, e tacam  fogo. O juiz, ou a juíza, morre como um pássaro em chamas, daqueles de asas negras. Será que os rapazes seriam indiciados por homicídio doloso, ou seu ato seria tido apenas como uma brincadeira de mau gosto, como a que fizeram com aquele índio Pataxó, desconhecido?”

CAPÍTULO 118
Aqui encerro o relato sobre o que ouvi, o que li, o que pensei, o que vi, o que concluí, o que achei abuso, o que considerei razoável ou certo… Aqui termina o registro de minha opinião sobre os 18 anos vividos nesta cidade. São retalhos apanhados em cada recanto, remendados com sacrifício para dar ao povo de Imperatriz uma idéia deste curto passado.

Tudo o que se disse é verdade? Com certeza, não totalmente. Muitas coisas colhidas foram frutos de especulações e invejas, assim como muitas não retrataram a metade da sujeira que de fato aconteceu. Dividir por dois talvez seja aconselhável.

Embora este livro estivesse pronto há um ano, resolvi esperar até hoje, no afã de poder expressar minha opinião sobre a administração do Senhor Ildon Marques. Pois bem, o tempo chegou e ainda não me encontro seguro para fazê-lo.

Que a cidade está mudando – isto é inegável – mas quanto a estar se fazendo o possível, só concordarei quando vir em logradouros públicos, um balancete do dinheiro arrecadado e em que ele está sendo gasto. Se com 10 reais alguém adquiriu uma bicicleta nova, com certeza fez um grande negócio; mas se com 100 comprou apenas os pneus, terá sido um fracasso. Saber da arrecadação, do dinheiro de que dispõe, é fundamental para que se possa elogiar ou não qualquer administrador. Enquanto o prefeito entender  que somos obrigados a confiar em sua honestidade, não se livrará das suposições. Principalmente para os políticos não vale a máxima de que “a vida é minha e faço dela o que quiser”.

Às vezes me pergunto sobre o motivo de tal relutância, se é desejo e direito do povo saber como o administrador de seu dinheiro anda aplicando-o. Será que é tão difícil assim para alguém que não tem nada a temer,  trabalhar com a badalada transparência? De que tamanho será a despesa com um simplificado balanço mensal?

Além, nada a reclamar. As ruas estão mais limpas, a cidade – mesmo depois dos sucessivos bombardeios sofridos por gestões nocivas e inescrupulosas – já apresenta outro visual.

Não se espera que o atual prefeito transforme Imperatriz em quatro anos: seria milagre. Não é isso que estamos cobrando nem exigindo. Queremos apenas espantar o medo da corrupção, pois, como afirmam os caboclos, “quem foi mordido por cobra, tem medo de minhocas”.

Ninguém duvida da honestidade do Senhor Ildon Marques,  pelo menos é o que percebo nos bate-papos informais. A maioria confia em sua idoneidade moral e bom seria que ele não pusesse isso em jogo ante a relutância inexplicável de não cumprir fielmente com a obrigação de prestar contas à Câmara e ao povo.

A prestação de contas é e sempre será o mais digno atestado de honestidade e de consideração que um político poderá dar a quem o elegeu e, também, a seus adversários.  Quem se nega – ainda que honesto – não poderá reclamar das desconfianças.

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