A PROCURA

  APRESENTAÇÃO:

Sempre quando leio qualquer obra não atinente às minhas pretensões, abordando insistentemente o mesmo assunto, sinto-a maçante e cansativa. É penoso para um médico, por exemplo, ater-se a assuntos prolixos de Astrologia. Por isso, imaginei uma obra diversificada, que pudesse atender aos mais diversos interesses. Não escrevi aspirando inovações. É difícil tocar em qualquer ponto, ainda que metafísico, que já não tenha sido dito algo a respeito. Há muita coisa desconhecida de muitos, mas quase nada de alguns. Qualquer frase, qualquer máxima será apenas uma autodescoberta, senão plágio, dificilmente inovadora para todos. Por isso não me prendi a citações de nomes, nem a biografias e datas. Intencionalmente, tentei ser o mais sincero possível comigo mesmo no que diz respeito à minha cultura, dúvidas e convicções. Intercalei assuntos diversos, tentando, por todos os lados, não cansar nem aborrecer nenhum leitor, dando-me a chance de buscar em cada mente, o possível prazer de estar lendo algo de seu interesse. Foi meu objetivo não deixar que este livro passasse incólume por suas mãos, intacto, de folhas coladas. Por isso, caminhei do infinito às flores, do abstrato ao real, das suposições às verdades absolutas. Muito de Deus! Exalto-O, peço-Lhe explicações, reclamo, critico meu caminho religioso, louvo-Lhe a ortodoxia, perco-me no abstracionismo, adentro por escuros caminhos, apalpo – nesta época cheia de incoerências e insegurança, uma convicção que me assegure paz e me ofereça esperança. É impossível progredir quando se está inseguro do caminho.
É um livro que carrega no bojo toda munição para questionar suas transformações emotivas. É simples, e acima de tudo, autêntico. Peço desculpas às regras, à sensibilidade e ao conceito dos vanguardeiros das verdades tradicionais. Fui sincero ao momento que estava vivendo, caminhei pela estrada de minha própria razão! Esta obra foi fruto de emoções variadas, em dias diferentes. Tristeza, saudade, revolta, dúvida, imaginação… tudo o que nesse tempo caiu em minha alma, retirei com cuidado e agora passo a você. Não garanto a universalidade de minhas ideias, nem tão pouco a sutileza de convencê-lo a nada. Afianço apenas que fui sincero em transcrever meus sentimentos. Imaginei um, chegando cansado, aturdido, revoltado com tudo o que acontece na terra que ama, e que gostaria, não fosse privilégio exclusivo de um pequeno grupo inescrupuloso, incompetente, egoísta e ganancioso; lembrei outrem, adentrando pela casa, sorriso aberto, num dia feliz e cheio de sucessos; não esqueci aqueloutro que, embora longe dos problemas financeiros, deixou aninhar em seu coração, dúvidas espirituais massacrantes. Fui de galho em galho desta árvore complexa e inexplicável dos sentimentos, tentando deixar em cada vergôntea, um fruto que justificasse sua presença. Serei muito feliz, se tendo este livro nas mãos, encontrar um texto que lhe desperte interesse. Não estou impondo nada (mesmo porque, qualquer intuito de imposição fere a dignidade e a liberdade humanas), estou penas apresentando minha maneira de ver as coisas. De uma amoreira – amoras; de um moço simples… não usei meio termo. Exponho-me ao crivo impiedoso dos dissidentes, quando contradigo os paradigmas. Contudo, sem o excesso absurdo dos que buscam o sol cortando a árvore copada do vizinho. Imagine só uma obra acusando o Criador, apoiando os genocidas, expondo a venalidade da justiça, da polícia e dos políticos; enfim, um início maquiavélico que fosse de encontro ao interesse dos poderosos. Nada menos que o óbvio aconteceria: as livrarias não mofariam o estoque, e eu teria, rapidamente, uma vaga no manicômio, na cadeia ou no necrotério. Vender pornografia, revolta, acusações, ataques à moral e aos bons costumes… é muito fácil; difícil é vender a verdade, a esperança e a fraternidade.

  AO DEUS DO UNIVERSO
Por que, Senhor, tem sabedoria tão grande; de tão imensa, imperceptível ao meu entendimento? Não consigo compreender as desigualdades que imperam na Terra que criou para a espécie de sua predileção! Por que, Senhor, tem de haver o pobre que morre de fome, a mente fraca, a ganância insaciável, os poderosos empedernidos, as nações inescrupulosas? Sentir-se-á fortificado com os crimes das desigualdades e com o sofrimento dos marginalizados? Por que tanta fome, tanta miséria neste mundo que criou? Onde andava sua onisciência, meu Deus, quando engendrou a luta pela salvação? Será preciso que uma velhinha esfarrapada, esmaecida pela fome, arraste do chão imundo o açúcar de um saco rasgado e enlameie a boca faminta, para que meu coração tenha a oportunidade de comover-se? Será preciso que crianças inocentes tombem de fome e sede, para que o mundo acorde do extremo egoísmo em que se encontra? Por que tanta fome, tanta miséria? Que faz de seu poder que não o usa para que haja menos tristezas neste mundo, criado pelo Senhor com tanta graça e beleza? Não sei mesmo se posso mais sorrir diante de tantos desequilíbrios! Não sei mesmo se tenho mais o direito de ser feliz, meu Deus! Será sua doutrina, a vivência da preocupação, da dor, dos infortúnios?
Meu Deus, estou perdido diante dos seus desígnios e de suas predestinações! Não posso fechar os olhos sem ser responsabilizado pelo excesso de pão que está na despensa; não posso mais usufruir de qualquer conforto sem que a consciência me acuse de egoísta. Na televisão, nos jornais, nas rádios, no dia-a-dia…. quase só se fala de injustiças, de crimes, de desemprego, de roubo, de assaltos, de escândalos, de pornografias, de corrupção, de sequestros, de guerras, de bombas…
Bem sei que o espírito não possui a sensibilidade da carne na virtude da piedade, mas desça novamente do pedestal da razão, para ouvir as lamúrias deste meu coração. Como deixou ficar esta casa que desenhou com tanto esmero! Por que permitiu ao homem descobrir tantos meios de subjugar? Se sabia que aqui iríamos chegar, por que permitiu? Por que preferiu assim e não a união natural? Que diferença faz, subtrair do homem o egoísmo e a ganância? E não bastasse, por que as pretensões ideológicas que corrompem a paz de recanto a recanto deste planeta? Será – pergunto-me ignorante – que precisa do sofrimento para que sua glória se fortaleça e sobreviva? Por que tanto descaso com a morte se ela tolhe do ser a chance de recuperação? Por que permite que nasçam os aleijados, os dementes, os assassinos? Por que permite que a maldade prolifere em cada canteiro da Terra? Por que, meu Deus, não ordena que nos respeitemos, que dividamos as terras imensas, que respeitemos os animais e toda espécie de vida? Se quiser, a partir de agora, todas essas dores e angústias desaparecerão de mim, do meu próximo, do meu país, deste mundo. O Senhor pode, não pode? Por que não faz, Senhor? Haverá alguma coisa debaixo deste céu que pague o preço de uma alma eternamente perdida? Não Lhe peço perdão, porque está vendo em mim a sinceridade desta perplexidade, mas sim desculpas, para que o mundo não duvide nunca que Lhe adoro e reconheço sobre todas as coisas. Sei (e como sei) que somente o Senhor pode incutir nos espíritos a obediência às normas que trariam de volta a felicidade e o equilíbrio de tudo isto. O Senhor pode, mas não o faz. Por que, meu Deus? Já não basta? Se não se importa pelo egoísta que se perde, importe-se ao menos com a criança que morre de sede, com a velhinha que recolhe com as unhas o açúcar da terra imunda, com a adolescente que revira a lixeira dos supermercados, com as pessoas que comem ratos, com o aleijado que se arrasta, com o paralítico que vegeta, com os dementes, com os cancerosos, com os incuráveis, enfim, com todos aqueles que passam por esta terra apenas para ser a oportunidade de salvação dos dominantes. O Senhor é a solução. Desça sobre esta terra, sem cruz, sem sangue, apenas com o seu poder incrível de mágico dos mágicos. Tenha compaixão deste mundo, meu Deus; por favor, tenha pena dele!
Estamos infelizes, enfraquecidos, enceguecidos, desnorteados, perplexos. Se for possível, tenha pena de nós. Mas se assim tiver de ser, se assim é ser justo e bom, se criou os homens para essas coisas que estão acontecendo, faça pelo menos, que eu entenda o porquê de tudo isso. Por acaso, foi uma falha de sua criação deixar que o homem surgisse? Será o meu Deus suscetível de erros? O Senhor é meu herói e aprendi que nem um átomo vagueia sem que saiba de seu destino. Aprendi que sabia o que estava fazendo, que sabia do hoje, que não desconhece o amanhã. Por que, mil vezes por que, não fez tudo isto diferente? Por que tinha que criar a maldade ou deixar que ela minasse sua criação? Que diferença faria para o Senhor se as nações vivessem em paz, se os homens respeitassem a Natureza e a si próprios? Se for possível, responda-me, Senhor.

  EVOCAÇÃO
Há minutos estou com a cabeça recostada na própria mão, pensando, olhando a folha de papel, sem laivos à inspiração que convém. Estou vasculhando todos os recantos de minha alma na pretensão de encontrar palavras bonitas que não cansem seus olhos e sua mente, e possam, quem sabe, tirá-lo de um momento distorcido e triste. Quantas coisas belas poderiam ser ditas aqui! Quanta verdade… (verdade não; ela quase sempre machuca); quanta filosofia encerra o branco desta folha e a tinta desta caneta! Eu sei que poderia torná-la célebre, porque nada falta para que se transcreva, aqui, as maneiras de sermos felizes e alegres. Gostaria tanto de levar à sua alma, um instante de descontração para seu coração oprimido. Comunguemos a submissão sadia dos passarinhos, que voam, gorjeiam pelos campos e florestas, alheios ao prestígio cruel do pensar. Seria bom se também não pensássemos! Gostaria tanto que este livro se revestisse dos santos princípios da vida: trabalho, cultura, diversão, descanso e, principalmente, fé. Por isso busco nos céus a benevolência da graça de imprimir, somente, o que não possa causar-lhe transtornos, mágoas, dores e enfados. Desfaça as teias que escravizam sua força de vontade, desvencilhe-se dos tentáculos que ousam prender seu ânimo e caminhe, avance sempre, de olhos abertos por este mundo de Deus. Atente seus ouvidos para os sons maviosos dos passarinhos; seus olhos para as nuanças das flores e para o verde exuberante das florestas; seus pensamentos, para o zênite estrelejado, em que ainda brilha uma lua tênue e meiga a cumprir sua missão. Que me venham as orações de paz e as palavras de carinho para que, com elas, eu seja capaz de fazer desta folha branca, o caminho certo de sua alegria de estar aqui comigo, resgatando esperanças. Que meus dedos sigam sempre o caminho certo da fé, semeando, mais e mais, a singeleza do que for singelo; a verdade do que for verdadeiro; a graça do que for gracioso; a pureza do que for puro; a beleza do que for belo; a meiguice do que for meigo.
Que jamais eu macule estas coisas que grassam pelo mundo ao alcance de todos – até dos maus que truncam toda esta harmonia e semeiam a rudeza e o sofrimento. Como ficaria feliz se seus olhos encontrassem aqui, alguma coisa que o fizesse sentir muito importante, um pouco importante, normalmente importante, mas nunca, nunca mesmo, um fraco, um vencido. Imagino este livro com você angustiado, perdido no meio de mil problemas, aparentemente insolúveis: panelas vazias, roupas esgarçadas, sem dinheiro nem barraco, ouvindo o pranto dorido e doentio de seus filhinhos famintos… Imagino, também, que ouça, pelos bares contíguos, a gritaria de fanfarrões; o ronco barulhento de carrões envenenados; a gargalhada deseducada daqueles que fazem da falta de problemas, o seu deus. E, imaginando tudo isso, tento entrar no seu coração e vejo que, possivelmente, o que deseja é tão pouco e mesquinho: é apenas ser um deles.
Meu amigo, tente não ficar triste! Você é bem mais rico que todos eles juntos, porque possui uma riqueza que o tempo não destruirá. Não os inveje, pois todos eles, num dia muito próximo, estarão aquém de sua morada, cheios de inveja por ter sido você tão rico, por ter tido você a graça de ser predestinado aos céus. Como estarei torcendo para que confie nisso tudo, entendendo que a coisa mais fútil e barata deste mundo, e aquela que o dinheiro pode adquirir.
Erga a cabeça, movimente seus pés. Caminhe, sorria e não se importe se uma lágrima cair. Enxugue-a e continue, pois seus passos, por mais trôpegos que sejam, nessa direção, fará com que alcance seu objetivo de paz e felicidade. Confie: o acaso não existe. Cada um de nós está a ocupar seu espaço e seu tempo. Tudo é necessário: da lágrima ao sorriso; da fartura à miséria; da vida à morte; da paz às guerras, porque, ainda que eu não entenda as razões, assim foi decretado. Os homens quebraram o equilíbrio do universo, e como homens que somos pagaremos juntos o preço dessa insensatez. Perdemos a noção dos valores e muito difícil será a recomposição. Por isso, não se preocupe tanto. Faça sua parte, desempenhe seu papel de pobre, de miserável, de maltrapilho, de cego, de demente, de garçom, enfim, o papel que lhe foi confiado. Não pense em nada sério, agora. Volva os olhos para aquilo que ninguém lhe pode usurpar – seus pensamentos. Eles são livres, intocáveis e capazes de fazê-lo, mesmo debaixo de uma ponte desguarnecida, o mais importante e feliz dos homens. Tente, mesmo porque, você não tem outro caminho.

  SAUDADES DE VOCÊ, MEU VELHO!
Saudade! Dor macia que chega de mansinho e se aninha no coração da gente. Às vezes maltrata, machuca, mas gosto de senti-la. Gosto, porque me lembra um tempo feliz, porque é, em suma, a reprodução e a imagem de uma criatura incrível. Gosto de você, porque é inspiração, porque faz deste detalhe, o sinal perene de um amor que existiu num tempo, e a ele resiste contra todas as adversidades. Gosto de você, minha saudade, porque é a mensageira da mais bela imagem de minha vida. Quero que fique aqui, que more em mim, para prendê-lo em meu coração, para revivê-lo de instante em instante.
Quero-a em toda extensão, para saber mais e mais, que sou, talvez tardiamente, o mais feliz dos filhos. Pode doer, pode maltratar! Jamais a recriminarei. É graças a você, minha saudade, que ele mora em mim, que eu o tenho mesmo estando só. É graças a você que eu o abraço e venero, que o conclamo e tenho em cada devaneio de minha mente. Venha sempre, de minuto a minuto, porque em mim está seu ninho e dentro dele o pai saudoso de minha juventude. Sei que enquanto existir, ele existirá; enquanto persistir, ele estará comigo.
Saudade, como é bom que esteja comigo! Minha dorzinha gostosa, continue machucando, porque mais cruciante será perder a esperança desta felicidade; mais doloroso será morrer sem ter a certeza de que foi tão importante para mim. Você, minha saudade, está aqui bem pertinho; será sempre a parte de mim que falará dele, e ele, a página não escrita do mais puro poema de minha alma.
Mas, faça sempre assim: não venha sozinha, nem como depressão. Venha imbuída da meiguice e dos exemplos dele. Venha forte, bem forte, para fazer da ilusão, a realidade; das conjecturas, a certeza. Venha com toda a força e todo amor, para que minha mente se amaine na ilusão de afagos passados dos meus idos de criança.
Saudade! Você nada seria se não fosse dele a lembrança. Seria má, se não possuísse em si, o poder de trazê-lo a mim. Por isso, hoje, eu a relembro e quero, com o mesmo carinho com que recebo a silhueta meiga que representa. Você, minha saudade, é perfeita bastante para não permitir que se extinga a doce chama desta amizade, que é bem mais que uma amizade.
Exalto-a, saudade de você, meu velho ranzinza, porque sei que este quase poema se transformará no detalhe singelo que o fará, sempre, do céu, lembrar-se de mim. Porque sei que, mesmo ante os percalços da vida, no vendaval de nossas emoções, você resistirá e será sempre, mais e mais, a saudade de um tempo que jamais retornará. Porque sei, que estas linhas de seu canto, resistirão ao tempo e falarão de uma convivência forte que existiu um dia, num espaço de emoção e felicidade.
Amo você, minha saudade, porque você é ele e ele a razão de você. Esse amor me traz saudades; a saudade me lembra de você, e assim, num rodízio eterno, eu vou amando-o em cada instante de minha vida. Pela imagem constante que sua lembrança reflete em mim, haverei sempre de ser seu eterno admirador. Haverei sempre de ser, em sua vida, alguma coisa que passou; passou, mas deixou marcas indeléveis em seu coração. Sim, porque não pode haver mais amor além deste que nos atrai e une tão intensamente. Ele é forte bastante para romper as barreiras dos preconceitos e real para que eu diga agora, com toda sinceridade deste mundo: que saudades de você, meu querido velho!
Que pena que precisou ir para ensinar-me a realidade da vida! Como sempre, a saudade agora dói muito, e eu nada mais posso fazer, senão debater-me nessas lembranças. Você virou passado: foi morar noutra dimensão. Seu passado ficou escrito para sempre e ainda que Deus o quisesse, não poderia modificá-lo sem mudar a história. E assim me debato no amargor dos sorrisos negados, na tristeza das incompreensões, no martírio de não ter sido o filho com que sonhou.
Oh, meu velho querido! Por que se foi?
Ainda posso vê-lo com intensidade pelas marcas que deixou pelos nossos anos de convivência. Hoje, mais que nunca, sinto sua falta! A falta, quando nada, daquele olhar perdido, daquela obstinação invejável de querer viver.
Começo a lembrar-me das caçadas, do futebol, das canastras, das divergências…. As nossas lutas, meu velho, lembra delas? Pelo menos nisso fui um pouco carinhoso, quando permitia ou facilitava sua superioridade. Bem, está certo: aquele direto no nariz, realmente você acertou!
Sabe, eu não aceitava suas ideias, porque, como caçula, eu vivia num tempo diferente do seu, mas eu o amava muito. Foi duro vê-lo partir naquela noite. Como foi duro, meu velho! Com os olhos perdidos em seu corpo inerte, meu coração sofria. Sofria de arrependimento pelas ingratidões, pelo egoísmo, por não ter dado tudo de mim para torná-lo um pai orgulhoso. Desculpe-me, meu velho, desculpe-me mesmo! Volte sempre que quiser, povoe-me de saudades, para ainda que, com lágrimas nos olhos, eu fuja um instante da orfandade.
Coloque sobre meus ombros, a sua mão pesada; estire seus pés cansados para que eu os acaricie e lave novamente. Fale-me daqueles planos, de suas ideias. Quero ouvi-las mil vezes agora. Sim, porque, neste momento reconheço a verdade de sua ingenuidade, a perspicácia de seu jogo simples de palavras. Ah!, passado mal, imodificável e eterno! Por que nos mostra os erros quando não temos mais como evitá-los? Hoje, queria modificá-lo, mas não posso, já é passado; ontem, eu podia, mas não o fiz.

OS GRANDES CULPADOS
Não só a ausência de Deus manipula as dores do mundo; também certas leis, aplicadas em Seu nome, são responsáveis por todos esses desequilíbrios que ora grassam, desajustando os homens. Não é preciso ser muito inteligente para entender que será sempre menor a disputa de cem metros quadrados por duas pessoas do que por duzentas. Ora, se atentarmos para o problema da China, do Japão…, entenderemos que a Igreja – esta mesma que sigo como a mais ortodoxa –, proibindo o uso de preservativos, está agindo insensatamente. Quanto mais gente existir no planeta, mais jugos serão impostos, mais desgraça existirá, mais ganância imperará, menos alimentos serão conseguidos. É essa disputa que gera crimes e fome, cuja consequência final será guerras absurdas. Enquanto a população cresce geometricamente, as condições para mantê-la são aritméticas, gerando a desumanidade. Há aproximadamente duzentos anos, Thomas Robert Malthus já previa isso.
As guerras sempre existiram pela fome, ganância e espaço – mesmo as primeiras registradas ainda quando o mundo era bastante grande para todos. Não podemos esquecer que quase tudo o que hoje existe de mau, existiu em menor proporção no princípio também. No entanto, também naquela época, as guerras já eram pelo melhor pedaço de terra, pelo pão e, mais raramente, por ideologias.
As igrejas hão de convir que se tem de refrear (sejam quais forem os meios) esta explosão demográfica, totalmente incompatível com a lenta adaptação dos homens na Terra. Ou será menos injusto eliminar um adulto do que evitar seu nascimento?
Nas contingências atuais, mais torce o diabo por esta “Lei” do que a própria Igreja que a promulgou. Não há mais como desconhecer que temos de refrear tantos nascimentos, que desabrocham num sorriso e se apagam no sofrimento. Não há mais razão plausível para a Igreja desconhecer verdade tão contundente e evidente.
Que se use a pílula anticoncepcional, a camisinha, que se castre… “que se faça o diabo”, desde que se coíba gestações incertas ou indesejadas. Já não há mais condição de refrear os males que minam a terra sem diminuir a quantidade de pessoas.
Portanto, todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, têm chance de rarefazer esta explosão demográfica (Estado, Igreja…), deverão fazê-lo, sob pena de arcarem com o peso de todos esses males. Não acredito que a glória do Senhor dependa da quantidade de almas! Acredito, sim, que o Todo Poderoso se sentiria melhor, se percebesse que não tinha engendrado uma máquina imperfeita.
Cristo realmente veio para que todos (os que nascerem) tenham vida e a tenham plenamente. Mas me pergunto: se a China não dispusesse de outros países para canalizar sua produção industrial e também seu excesso populacional; se não estabelecesse como lei, o controle da natalidade; se não recebesse alimento de outros países, nos quais, ainda, a superpopulação não absorveu o último metro quadrado de terra para plantio; se todos os países do mundo estivessem na mesma condição populacional da China… haveria vida plena e digna para todos?
Deus não seria cruel ao ponto de ditar normas estúpidas que fatalmente levariam sua criação à mais previsível catástrofe.
Convenhamos que o homem, como consumidor máximo na cadeia alimentar, não encontra, senão nas guerras, a degradante condição de atender suas necessidades, pondo-se em afinidade com os demais seres vivos em seu direito de quantidade/espaço.
Se ao invés de criarmos para matar depois, e com a matança destruirmos a beleza de tantos ecossistemas, evitássemos o nascimento excessivo, seria pior?
As guerras dizimam exatamente aquelas “peças” que a Natureza conserva sob a lei da seleção natural. Dentro dos princípios de convocação, são mesmo os jovens: os mais fortes e sadios, os convocados. Os “rejeitados” ou incapacitados, ficam como representantes de nossa raça. Por isso (embora seja uma verdade cruel e aparentemente desumana), o homem vai fugindo das leis impecáveis da Natureza e se submetendo à mesquinhez de uma representação doentia e fraca diante dos biótipos existentes.
Além de uma crença ferrenha e convicta na imortalidade, o homem precisa também direcionar seu caminho e bem entender o que o Senhor deseja dele. Temos o direito de ser uma espécie sadia, normal e feliz, ainda neste mundo.
O controle da natalidade é uma necessidade urgente, o primeiro passo, qualquer cristão tem de admitir. Depois virá o segundo: a consciência de que o mundo é grande e de todos. A terceira é última será a consciência de que devemos ser irmãos, repartir o que foi feito para todos. Isso sim deveria preocupar as igrejas, e não o prazer do sexo. Afinal, que pecado há num prazer sem consequências? Será crime degustar bons alimentos quando se está com fome?
Todo excesso gera problemas. Por enquanto, a China não tem mais chão, fabrica enxadas para os outros plantarem. Mas, que acontecerá se todos fizerem o mesmo? A lua não me parece boa para abóboras.
Não acredito que Deus tenha criado a terra para enchê-la de famintos e desajustados. Que cada um cuide para não crer sem pensar; para não absorver ensinamentos sem atentar para o problema de que foram escritos por pessoas iguaizinhas a nós – compatíveis de erros ou de ideologias conservadoras e interesseiras.
Busquemos a verdade, nós mesmos, e tendo-a achado, com a aprovação ou não do Governo ou da Igreja, estaremos de bem com Deus – única coisa que realmente interessa.
As coisas de Deus são difíceis de ser interpretadas, tanto que são muitas as que se encontram nos anais dos exegetas como irrefutáveis dogmas, embora contrárias umas às outras.
Todos os homens, do papa ao ateu, são passíveis de erros. A verdade é particular, é própria de cada um. Por isso, ninguém, nas coisas de Deus, atenha-se passivamente, martirizando-se com imposições contrárias às suas verdades. Deus jamais castigará aquele que agir de boa-fé, ainda que sua ação seja horrenda perante os homens.
“É a fé que dá força e eficácia à verdadeira religião que leva à salvação. Seja qual for a religião professada, seja qual for o culto exterior com o qual se está de acordo, se não acompanhados de profunda convicção, constituem obstáculos à salvação”.
Procuremos conhecer as leis e obedeçamos às que nos convencerem, porque somente a convicção salva.
E preciso usar o raciocínio. Ele nos distingue dos demais animais, mas raramente enobrece.
Acho que aqueles que manipulam a religiosidade e as leis civis deveriam meditar bastante, vasculhar fundo este emaranhado, a fim de se convencerem da necessidade premente e imperiosa de equilibrar o homem no que diz respeito a sua dignidade, nas proporções compatíveis com: espaço, alimento e educação.
É claro que o problema não é tão simples. Há famílias enormes que vão da falta de esclarecimento, passam pela religiosidade superada e vão encerrar sua trajetória na incapacidade de dominar seus instintos, concomitantes que são com seu parco poder aquisitivo em adquirir meios artificiais para evitar a gravidez.
Está faltando garra, convicção, coragem e mesmo responsabilidade de muitos para encarar o problema de frente. Quase todos preferem esperar e deixar que outros assumam, subtraindo-se as consequências nefastas de sua falta de atitude.
Imaginemos em cada favela, em cada subúrbio, em cada recanto inóspito deste planeta, um pai, uma mãe e um filho. Imaginemos, também, dentro de cada mansão, menos gananciosos; dentro da política, mais bom senso e menos ladrões; dentro da Igreja, mais renovação e preocupação com as necessidades ajustáveis ao mundo atual.
…“nossa espécie é presa de uma síndrome biologicamente constritiva, disparada pela densidade planetária do homem”. Biologicamente, por meios aparentemente normais (as guerras), ou por misteriosos meios (doenças físicas inexplicáveis ou desajustes psíquicos), a Natureza vai eliminando os excessos, num rastro deprimente de insensibilidade monstruosa. E diante das vistas complacentes dos manipuladores de interesses, nascem, a cada dia, tantas crianças quantas forem necessárias ao turbilhão coletivo da corrida suicida. Ou se estanca esta avalanche ou ela levará consigo as belezas irreparáveis dos irracionais. Sinceramente, não saberia definir, se piores foram Hitler, ldi Amin, Khomeini, bombas de Hiroshima e Nagasaki ou se futuramente, maiores deméritos terão esses “sábios especuladores” que tendo o poder nas mãos, não impedem este aumento desordenado da espécie humana, que se multiplica e caminha perigosamente para o apocalipse. Esta proliferação insana de “lemingues” do século XX exigirá, de Deus, punição aos responsáveis por tais evidências.
Inconscientemente (assim espero), nações belicosas se preparam para destruir o excedente. Por enquanto, procuram aniquilar os excessos de fora, abrindo clareiras para si, mas não tardarão a ser atingidos pelos estilhaços de suas próprias manobras.
A única maneira sábia de se evitar a deflagração da terceira guerra mundial é diminuir o efetivo humano. Caso contrário, leis incontroláveis da Natureza o farão, e com muita dor e sofrimento. Há alguns bilhões a mais que precisam ser subtraídos – e ainda há tempo de fazê-lo racionalmente, por meio de leis civis, religiosas e…. do “canivete”.
É impossível uma divisão justa e perfeita em termos de igualdade social, fraternidade e justiça, tão apregoadas por religiosos e demagogos, quando se tem um naco de pão para centenas de pessoas. Àqueles que nada falta, nunca as coisas estão ruins. É quase impossível persuadir um estômago vazio de que Deus é bom, justo e complacente. Jesus Cristo não ousou tal proeza diante da multidão faminta de Tiberíades e tratou de multiplicar pães e peixes para depois pregar. A Igreja também tem a obrigação de traçar normas compatíveis com a evolução dos tempos. Um mundo vazio deveria ser habitado humanamente e não superpovoado desumanamente. Os tempos mudaram e a Igreja, que tanto já se alinhou, agora está pecando no ponto mais fundamental. Se ela não tivesse essa prerrogativa, Deus não deixaria aos apóstolos, a incumbência de que “o que ligardes na Terra, será ligado no céu; e vice-versa.”
“Nenhum indivíduo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a outrem nos seus bens civis porque professa outra religião ou forma de culto. Todos os direitos que lhe pertencem como indivíduo, ou como cidadão, são invioláveis e devem ser preservados. Isto prescreve o Evangelho, ordena a razão e exige o senso justo de humanidade. O objetivo do governo é o bem dos homens. A criatura racional, posta nesta situação do homem no mundo, pode e deve dirigir suas opiniões e ações delas dependentes.”
Como criatura principal da criação de Deus, o homem, um a um, tem sobre si o carisma do respeito e do direito de ser feliz, tendo no mínimo uma vida normal. E não se poderá jamais truncar as normas que o levam ao prazer de viver, por simples ideologias ou crenças religiosas. E quando alguém miscigena tais princípios, é preciso que os que têm a responsabilidade de pensar por ele, o façam pelo método de salvaguardar sua dignidade. Ninguém melhor do que a Igreja e o Estado para, juntos, pensarem na dignidade humana, sem escrúpulos, sem medo, sem covardia. Não há mais tempo para protelação.

INCONGRUÊNCIAS
Num dia de março de 1984 (salvo engano), o Globo Repórter apresentou uma reportagem interessante sobre duas pessoas aparentemente paradoxais. Uma, o senhor Rainnor Grecco, um italiano radicado no Brasil, mais especificadamente no Espírito Santo e que, segundo acusações, está se firmando como o Hitler das árvores, tendo-as explorado em quase todo o mundo, num total de aproximadamente vinte milhões de árvores derrubadas e comercializadas; e outro, o senhor Augusto Ruschi, expert em colibris e defensor do meio ambiente.
O repórter entrevistador levou as perguntas ao senhor Grecco, quase que exclusivamente em termos de acusação, apresentando-lhe a vila de Itaúnas soterrada e mais outras áreas desertas de Conceição da Barra, onde antes havia prolixa e exuberante floresta tropical.
Sempre acusado de tudo, inclusive comparado a um dos maiores genocidas da terra, ele justificava-se como podia diante daquele repórter que, maliciosamente, sabia jogar com as cartas do sentimentalismo popular.
Como capixaba e também ardente admirador da Natureza, senti no todo, a dura realidade das duas partes em questão.
Vejam só como é a vida! Não acusaram o lenhador, “o motosserreiro”, nem tão pouco o IBDF, o Governo do Estado, nem a legislação do País. Um, por ser insignificante, inexpressivo; outro por ser expressivo e significante demais. Que costume revoltante, esse do brasileiro, de sempre atacar as partes mais fracas!
Por que acusar tanto o madeireiro, se está apoiado na lei? Por acaso existe outra razão, senão o apoio das leis, para não haver eleições diretas, para não matar, não espoliar?
Ora, de quem é a culpa, se a lei permite as derrubadas? Ataquemos, pois, a legislação e os organismos que geram todas estas aberrações. É justo os políticos deliberarem sobre seus próprios salários? Mas é lei e ninguém pode abrir o bico.
Toda destruição da fauna e da flora brasileiras, tem anuência da legislação e o interesse dos políticos. E o que é pior, o Espírito Santo está lá, com menos de dois por cento de sua cobertura vegetal primitiva. Exatamente no momento em que não há mais como refazer (senão por reflorestamento intensivo das essências naturais) o primitivismo de uma das mais lindas florestas tropicais brasileiras, começa-se a goelar por um lugarzinho ao sol para os beija-flores.
Vejam se o governo irá investir numa recuperação natural, plantando boleiras, oitizeiros, jataís, sapucaias e tantas outras árvores imprescindíveis à alimentação dos animais, mas que, comercialmente, não valem um décimo dos jequitibás, perobas, jacarandás etc.
Que se danem os animais! É, no mínimo, o que pensam nossas autoridades. Mas, se a coisa estiver ficando preta e a imprensa andar um pouco distraída, sempre é bom oferecer um mané em holocausto para aplacar a ira dos vendedores de notícias.

O conterrâneo Ruschi (cuja afinidade muito me honra) será eternamente lembrado (todo homem que se dedica a defender as coisas naturais terá o mérito e o respeito da humanidade), mas será ainda mais importante, objetivo e corajoso, se ao invés de indispor-se com os madeireiros, usar seu prestígio e conhecimento para combater o mal pela raiz, indo diretamente às leis, ou aos órgãos que as negligenciam.
O Espírito Santo já é fato consumado. Os beija-flores terão, pelo que parece, de se submeter aos “jarrinhos de água com açúcar” ou disputar as parcas roseiras de fundo de quintal.
Em Alagoas e Pernambuco, os últimos remanescentes do Mitu mitu mitu (mutum do Nordeste) e da macuca (Tinamus Solitarius pernambucensis), agonizam permeio a capoeirões, capões de matas e juquirões ou se perdem no meio dos canaviais. O senhor Pedro Mário Nardelli, maior estudioso e colecionador de cracídeos do Brasil, deveria crucificar os “senhores de engenho”, pela devastação de todas aquelas florestas?
Realmente, é muito triste para qualquer ser humano sensível perceber as consequências tão desoladoras de seus atos. Mas, de qualquer forma, o governo, em busca de divisas, de interesses nem sempre nacionais, modifica a cada dia as paisagens, com barragens, represas, derrubadas (com tudo isso que Deus fez e que não faz jus aos interesses escusos), sem importar-se com a fauna e a flora que ali são destruídas ou convidadas a uma readaptação impossível.
Que se coloque os Rainnores nas cruzes ao lado, mas que ao centro debatam-se os principais culpados.
Vejam quantos transtornos estão trazendo para a fauna e a flora, a eliminação dos Saltos do lguaçu, Tucuruí, ltaipu, Carajás, Transamazônica… e tantas outras obras faraônicas que, se necessárias, pelo menos não são respeitosas para com as belezas naturais que Deus deixou. Eu considero a falta de planejamento familiar via aumento mundial da população e as tentativas de ajustar essa insensatez, às adaptações de um carro de passeio para enfrentar enduros no deserto.
É, podemos dizer, o tempo e a hora – segundo a norma dos que acham que se tem de apinhar este mundo de famintos e desajustados – de porem a mão na consciência.
Existem duas correntes contraditórias: a do progresso, do interesse e da densidade demográfica e a da Natureza. Haveremos de optar por uma delas e não me parece mais duvidar da escolha que está sendo feita. Por isso, se não pudermos mais ter três beija-flores, contentemo-nos com um e na ausência desse, admiremos os urubus – se se ajustarem à alimentação dos dejetos morais desta pútrida minoria que, irresponsavelmente, direciona o mundo para uma derrocada total de suas belezas naturais.
Os ecologistas terão sempre de usar o pobre direito de falar, de protestar, pois toda sua força não equivale a um centavo do interesse político e particular da classe dominante. Que se atenham a degustar os últimos resquícios desta geração privilegiada, que ainda pode ouvir, num ramo seco qualquer, o gorjear de um passarinho.
Que pena tenho dos tetranetos desta geração!
Eu, hoje, ainda posso ouvir debates; sentir a extensão dos atos tristes dos que não amam as gerações futuras; posso ver um passarinho furar a fumaça que encobre os céus; escutar o ruído de um tronco milenar que sucumbe; saborear em restaurantes clandestinos, um ensopado de tatu; vislumbrar em regatos imundos, um renitente acará, de guelras aceleradas na busca do pouco oxigênio que resta; ver nas flores, de quando em vez, uma abelha ou quem sabe, em dias primaveris, um assustado colibri.
Os homens tornam-se, a cada instante, aqueles inquilinos que destroem a residência e indispõe o proprietário.
Mas o mal não vem de quem pratica (menos dele), e sim, daqueles que “fabricam” leis conforme seus interesses políticos e particulares, induzindo as pessoas a buscarem a sobrevivência nos campos sacrossantos da Natureza.
Já se errou tanto! Mas, sempre é justificável o primeiro erro. O Brasil, vendo o exemplo da Europa, já podia ter evitado os crimes ecológicos do Leste e Nordeste – mas não o fez. Errou, pois, pela segunda vez. Agora vem a Amazônia, historicamente inexpugnável, imensa, eterna, misteriosa, desafiante e rica. Toda esta imensidão de riquezas não suportará mais um século desta desorganizada exploração. Contudo, nós não precisamos mais do que um século – os que virão depois, que se danem.
As mesmas leis que permitiram aos madeireiros, em nome de Rainnor Grecco, destruírem o Espírito Santo, imperam na Amazônia. O GETAT, IBDF e órgãos que os valham, exigem que se destruam as matas em prol do direito legal de uma escritura. O posseiro, lá no fim do mundo, sem estradas, nem condição alguma de aproveitar as riquezas naturais (a madeira), quebra como pode os acapus, freijós, mognos, ipês, cedros e demais essências, e tenta queimar, no afã de apresentar serviço aos vistoriadores. Esses, por sua vez, penalizados com a luta do “pobre coitado”, “amolecem” e dão um laudo forjado, na melhor das intenções. A consequência óbvia: a substituição de toda aquela luxuriante floresta por infindáveis juquirões.
Só quem realmente olha de perto pode imaginar tamanho desrespeito ao princípio elementar da sensatez. Para que derrubar tantas florestas virgens, se grande parte, talvez mais de a metade deste Brasil está em juquiras, capoeirões ou ociosamente abandonada?
Deixemos, pelo amor de Deus, que as florestas, os animais e os pássaros existam, pelo menos pelo tempo que lhes foi destinado!
Vamos nós, que amamos a Natureza, esquecer os madeireiros e os caçadores amadores e juntemos nossos argumentos na ostentação de que, o maior erro está nesta nossa legislação moldada conforme o interesse de desalmados legisladores.
A Natureza é sábia e infalível na eliminação dos excessos e na recuperação dos efetivos. Ainda que se deixe uma floresta um milhão de anos intacta, jamais ela terá mais ou menos árvores e animais do que o preestabelecido, salvo pequenas oscilações. Por isso, se das florestas se tirassem apenas os grossos troncos comercializáveis, praticamente nada sofreria a fauna; e a flora recuperar-se-ia rapidamente, no mais tardar em 40 anos.
Se um caçador abate um veado ou um macuco, apenas libera uma vaga que, rapidamente, a Natureza fará ocupar.
No entanto, em se destruindo completamente a camada vegetal, repondo no lugar essências estranhas como o eucalipto, fatalmente toda a fauna autóctone será prejudicada, ainda que se ponha ali, um contingente aprazível de veados e macucos.
O erro está em se destruir totalmente o ecossistema primitivo, os nichos, os habitats, a casa em si, e não parcialmente. Note como brotos secundários substituem a “ponta” de uma árvore cortada. É a inteligente adaptação da Natureza quando lhe deixamos, ao menos, uma válvula de escape.
Quem não ouviu falar do Pantanal Mato-grossense? Milhões de jacarés foram abatidos – uma calamidade, cuja real extensão ninguém sabe avaliar. Mas, se apesar de tudo o que aconteceu, o ecossistema não foi modificado (não duvidem), os jacarés em tempo recorde, reaparecerão, ultrapassando, inclusive, o efetivo primeiro, graças ao excesso de alimentos que irá proliferar sem o ataque frontal de seus depredadores eliminados.
As leis da Natureza são simples e funcionais, porque são regidas sem “protecionismo”, nem interesses duvidosos. Qualquer animal, tendo alimento e espaço, tende a crescer até que isso lhes falte. Aí diminui, até o espaço e alimento compatíveis. Este é o jogo simples da Natureza: adaptação. Com os homens não é diferente.
O caminho para tantas incongruências é a conscientização e a coragem para enfrentar as verdadeiras causas, mostrando topete, mesmo diante daquilo que pode custar o emprego ou a própria cabeça. Estamos acostumados a encontrar “bodes expiatórios”, “testas de ferro” e afins, para neles descarregar toda nossa filosofia sublime, capaz de mostrar serviço e assegurar o prestígio.
Vejam se o Zé e o Mané têm estátuas nas praças por haverem construído a ponte Rio-Niterói, ltaipu etc. Vejam se o Zé e o Mané escaparam da espada justiceira nos casos da Capemi, Mandioca, Delfin…
Por tudo isso, acho mais plausível, que bem antes de solicitar aos madeireiros, piedade para os beija-flores, que solicitemos aos governantes, piedade e respeito para com as gerações futuras.

CAÇAROLA MALDITA
Num barraco de madeira coberto com folhas de amianto, a chuva batucava monotonamente, transmitindo aos olhos o peso incontrolável do sono. Além da chuva, apenas o som sumido de carros que trafegavam ao longe pela rodovia. Ao lado, uma criança dormia. No fundo do quintal, o decano e velho conhecido cururu festejava o esperado fevereiro. Era tudo paz: no tempo e no coração. Envolto pelo transe, meus pensamentos iam de um tempo a outro, entrando por cantos escusos, passando por abrigos de saudades e parando, enfim, na realidade da vida.

Os pingos continuavam como se fossem uma rede balançando à sombra, amarrada nos galhos de uma jarana sobre a correnteza de uma pequena queda de água. Ouço-os cada vez mais sumidos, até que tudo se desfaz num respirar profundo e reparador. Começo a dormir, ou melhor dizendo, a sonhar:

– Seu pensamento irrequieto tem me conturbado. Faíscas de suas ideias ameaçam atear fogo nas folhas envelhecidas de meus eternos ensinamentos.

– Mas, Senhor! Também veio a este mundo para mudar. Transformou Talião, Moisés, Abraão…

– Está, por acaso, insinuando que é bastante sábio para acompanhar-me nessa missão?

– Se tivesse poder, por certo consertaria este mundo.

– Não seja tolo.

Nisto, alguém entra e acende a lâmpada; não acordei.

– Por favor, Senhor! Diminua a luz de seus olhos: está me cegando.

Desliga-se a lâmpada. Era uma rápida revisão do ambiente por um curioso qualquer.

– Assim está bem.

– Então, acha que poderia consertar o mundo?

– Com poder e onisciência, sim.

– Pois, lego-lhe, por instantes, os meus poderes.

Assento-me confortavelmente no cerúleo trono. Grandes olhos açambarcam o planeta, que se reduz assim a uma pequenina bola de tênis. Tomo-o nas mãos e fico a examiná-lo. Tão pequenino! Poderia espremê-lo entre as mãos e esmagá-lo num segundo. Sobre ele, bilhões de minúsculos seres, qual bactérias, fervilhavam, esbarrando-se, correndo e destruindo-se entre si.

Soprei algumas nuvens que ofuscavam a visão e coloquei o pequeno globo em cima de um pedestal. Olhei em volta. Tudo estava em plena harmonia e completa segurança. Era um universo pequenino, cheio de bolinhas, ora estáticas, ora em movimento, luminosas e iluminadas. Poderia varrê-las todas com um sopro, se assim o desejasse. Mas, para que destruir coisa tão perfeita?

Voltei-me para a Terra. Firmei a visão mais amiúde e percebi os grupos distintos de nossa etnia. Agucei os ouvidos: puxa!, quantos disparates; quantas ofensas a mim, Senhor Supremo. Que atrevimento! Irritei-me a princípio, mas logo entendi que não valiam nada, sequer um momento de aborrecimento. Jamais poderiam incomodar-me, ainda que fizessem, eles mesmos, a Terra “voar pelos ares”. Mas, depois de tudo, era até muito divertido ver aqueles minúsculos seres, totalmente malucos e engraçados. E debruçado, eu olhava aquilo, divertindo-me sobremaneira.

“Coisinhas” riscando os ares; pequenos “tufos” de fumaça; estalando como pipocas; fragores mil: uma verdadeira inquietação em toda crosta, com “bichinhos” se autodestruindo e outros milhares nascendo desordenadamente.

Aproximei o nariz: um cheiro de fumaça estava nos ares, subtraindo o pouco de aroma que restava das flores silvestres.

Então, pensei, pensei muito em como reorganizar tudo aquilo. Olhei Deus com ares de reprovação: estava sendo muito desleixado.

Sentei-me, tracei planos, risquei metas, enviei ordens. Segundo meus planos, tudo iria funcionar, até mesmo o voo do elefante, que ocuparia os ares e danificaria menos os arbustos. Tudo perfeito. Revisei direitinho e, como senhor do universo, ordenei: FAÇA-SE.

O elefante alçou voo; as fumaças das fábricas se esvaíram; o verde revestiu a crosta, miscigenando-a de flores e frutos; novamente, à jusante, escorreram águas cristalinas; os insetos maléficos desapareceram, assim como os répteis danosos; pelos sobrais e pomares, os pássaros se atinham cantarolando; o chão não intumesce nas chuvas e nem se polui nos grandes períodos de seca – aliás, não há mais longas estiagens, nem chuvas diluvianas. Em suma, com um grande poder divino de raciocínio e discernimento, nada foi esquecido no que diz respeito à Natureza.

Quanto ao homem, para respeitar sua presença como ser pensante, mantive o senso de liberdade, pois outra forma não havia para mantê-lo aqui como homem.

E assim, diante de toda a beleza de uma terra novamente primitiva, suspirei no afã de ter resolvido, sem cruz nem sangue, o que parecia insolúvel.

Mas, eis que os homens irromperam inconformados, exigindo suas fábricas, suas armas. E tantas foram as reclamações, tantos os impropérios, tantos os molestamentos, que não pude conter o ímpeto de cólera diante de tanta revolta. Num ímpeto de ira divina, tomei, abruptamente, o globo na mão. Açambarquei-o furioso e ia esmagá-lo, quando uma caçarola maldita caiu na cozinha, despertando-me.

Poucos, neste mundo, terão a oportunidade que tive de resolver, em poucos segundos, o problema de nosso planeta, banindo irrecuperavelmente de sua face, a única espécie que o emporcalha: o homem.

  PEQUENINA
Um olhar frontal, profundo. Com ele, toda admiração, muita afinidade, paixão, quase amor.

Manhã de verão, o sol mal nascia. Enquanto o homem se retirava, os olhos extasiados o acompanhavam. Prelúdio de incertezas.

No homem, a marcante lembrança daquele olhar. Nela, talvez, mais um homem estranho, de tanto, curioso.

O colégio, o trabalho, a casa. Vida rotineira e paradoxal, de pobreza e vaidade.

O colégio, o trabalho, a casa: a coincidência de um novo encontro.

Toda a esperança de uma semana de saudades comprime-se na força do momento. Um sorriso meigo, um rubor de timidez, palavras desarticuladas, quase amor.

Dias, mais dias, alguns meses. Naquele olhar, nenhuma decepção; naquela boca, o afeto imaginado; no corpo, a maciez e o calor que agrada, une, atrai e faz nascer a esperança, a crença:

– O amor existe!

Um ano, mais meses, algumas decepções, muito ciúme, desesperanças tempestuosas naquele mar de paixão.

Querer e não poder, poder indeciso. Quanta paixão reprimida; quanto desejo sufocado; quantos artifícios para substituir a loucura daquele amor tresloucado. Momentos de intimidade, segredos eternos, aventuras romanescas.

O tempo passa, mais e mais. Quando um reconhece, o outro desconhece; e assim, com a força do amor sempre maior, o pecado continua. Não há castigo que justifique perder o olhar, a cor dos olhos, o sorriso, aquela boca mais linda e sensual do mundo.

Querer e não querer; amor proibido; erro querido; ópio de delírios; força que já não temos para fazer parar este movimento.

Vida. Despertar de uma hibernação:

– Gosto de você!

– Eu também gosto muito de você!

Uma lágrima, mais uma, rostos banhados pela débil vontade que já não esboça resistência ante aquela força irresistível de querer sem poder, sem dever.

Complicada, introvertida, inconstante. Temperamento hostil, insegurança, muito de ilusão. Sabe machucar, destruir castelos, apagar sorrisos. Temperamento amável também. Sabe curar quando machuca, reconstruir quando destrói. Atriz, mulher. Maré de emoções que corta a monotonia num vaivém contínuo de esperança e desesperança.

Rotina de amor delicado ante um mundo de preconceitos.

Cartas, músicas, olhares furtivos, tantas coisas! Processo irreversível, erro feliz, pecado querido, veneno estimulante. Meu vício, sua obsessão.

Mais anos, mais amor, mais lágrimas. Planos. Um cerco que se aperta, uma estrada que se estreita. Vereda.

A caminhada foi longa, os saldos de alegria e sofrimento, uma incógnita. Continuar, assumir, parar, deixar assim?

– Eu nunca gostei de você.

Olhos nos olhos, fixos, aturdidos, lágrimas, abraço forte, beijos, delírio.

– É mentira, você é tudo que quero nesta vida.

Tudo continua. Os anos passam, nossas vidas assim: amor, lágrimas, indecisão, paixão.

Perdê-la? O certo! Admitir? A dor!

Um dia, uma semana. Mais promessas, mais decisões. De tanto caminhar, de tantas promessas, o momento inadiável.

Olha-me. O olhar é um mistério, de tão grande, não suposto.

Olho-a. Este minuto, enfim chegou. Em seus lábios, um tremor; nos seus movimentos, uma vontade imensa sufocada. Aperta-me, sufoca-me. Tudo se mistura: paixão, razão, amor, pretensão, sonhos, ilusão. Não quero pensar, ela nem imagina. É o momento, o fim de uma longa estrada.

Pela frente, um novo dia, também de sol, numa manhã primaveril. Além, descortina-se outro caminho. Nossos olhos se cruzam: a mesma orla, extensão indefinida, flores e espinhos. Apoio mútuo, como certo, só as incertezas.

Muitos anos caminhamos, sofremos e fomos felizes. Houve noites, chuva, perigo, ansiedade, loucuras, aventuras…

Hoje aqui, apenas um novo caminho, mais um tempo para pensar, caminhar, sofrer e amar. Ela, linda como sempre. Boca sensual, olhos misteriosos, coração inconstante. A gente se ama. Ela da terra, eu do espaço.

Nas tempestades d’alma, um caminho ionizado clareia da terra aos céus, na voz rouca de um tênue trovão, nas chuvas profusas que molham o coração. Em mundos diferentes, tanta afinidade!

Eu das nuvens, ela da terra.

E depois de cada tempestade de amor em sua alma revolta, a suavidade de um céu límpido, o frescor da brisa que passa, a saudade da nuvem que se foi.

Um anjo! Gosta de amizades, tem necessidades de machucar, tanto o desejo de poder curar. Depressão.

Tanto tempo! Amizade, louco amor, dúvida, desamor, necessidade, decisão, o melhor e mais sensato: o fim.

Para trás, muitos segredos e aventuras. Para frente, de tanto ter andado, o mesmo lugar.

Juntos, olhos sulcados em lágrimas e esperanças, boca cheia de desejos reprimidos. Nova caminhada. Não sabemos o que aprendemos. Tudo outra vez! Valeu a pena e vai ser bom refazer o caminho. Refaríamos mil vezes.

Em minhas noites, os seus sonhos; em meus sonhos sua presença. Ilusão, devaneio adolescente. Ontem e agora:

– Eu gosto de você.

– Eu também gosto muito de você… como amigo!

Quanto andar para chegar a lugar nenhum.

Olhos azuis em nuvens que passam: saudade; olhos negros em nuvens que se foram: enfim a coragem honesta.

O dia, o momento, o fim. Mais uma vez perdeu quem esperou muito e sonhou demais.
Adeus.

  O TEMPO DE MUDAR
Depois de quase cinco meses sem chuva, ali estavam as plantas quase ressequidas, retorcidas, desfolhadas, murchas. Pelo chão, a relva quase não existia. As gramíneas de janeiro passado, naquele tempo, viçosas como um tapete verde, estavam relegadas a fiapos secos, como se fossem desfiadas cordas de vime. Os insetos haviam diminuído: quase não se via mais deles. E assim, mais um dia de seca acabava, morrendo tristemente na beleza estrelar que se aproximava. De repente, como mágica, cupins e pequenas mariposas infestaram as luzes e adentraram nas casas. Não se podia mais deixar as lâmpadas acesas. Entranhavam-se pelo colarinho, chicoteavam suavemente nossos rostos.

Que estaria acontecendo ou o que estaria para acontecer? Que sabiam aqueles milhões de insetos, aparentemente estúpidos, a respeito da Natureza, para reagir tão subitamente?

O céu permanecia o mesmo de cinco meses atrás: límpido, muito límpido, com milhões de estrelas encimando a Lua que surgia. No homem, nenhuma modificação perceptível – tudo religiosamente rotineiro. Na Natureza, apenas o calor parecia mais acentuado.

Deitamo-nos e, apesar dos ventiladores, sentíamos o sopro quente do ar que nos envolvia. Mas, os insetos, estes mesmos que alguém disse em algum tempo, que o Criador tivera por eles especial predileção, não haviam brotado por acaso. Haviam previsto que, exatamente nessa noite, depois de quase cinco meses, iria chover e chover bastante.

E foi tanta a chuva que tivemos de levantar para retirar objetos próximos às portas e janelas, pois a água e o vento misturados penetravam por toda e qualquer fresta.

Fiquei a imaginar: o que teria acontecido ao metabolismo daqueles seres, para muitos insensíveis, para que soubessem com tanta certeza o que estava para acontecer?

E brotaram do solo, saíram debaixo dos paus podres, desentocaram-se das anfractuosidades e vieram festejar a própria morte nas torrentes intempestivas. Pela manhã, milhões deles poluíam todos os recantos, agonizantes, mortos.

E mais ainda fiquei a pensar em todos aqueles mistérios da Natureza. Retrospectivamente revi a vida de cada um deles, incubando, nascendo, vivendo e morrendo.

Um dia li, que se a gente tivesse noção clara de tudo o que envolve o aparecimento de uma vida, por certo teríamos mais respeito por ela. Sem dúvidas, há muita verdade e necessidade de muita compreensão em tudo isso. Mas também é bastante estranho, talvez inexplicável, notar o suicídio coletivo de tantas vidas em prol dessa ordem inflexível do Criador para manter o equilíbrio biológico do planeta.

E novamente o sol brilhou. Os insetos não pareciam nem ter diminuído, nem aumentado. As plantas, porém, em poucos dias, eram outras. Vida nova, folhas verdes a contento capazes de realizarem o milagre fotossintético. As flores emergiam de cada vergôntea, perfumando e enfeitando aquele panorama sofrido. O “bigodinho”, pela primeira vez, reapareceu na moita de bambu que fica do outro lado da rua – ele sempre aparece por aqui no inverno!

Tudo ficou diferente em apenas três dias, vejam só, em apenas três dias.

E nós, principais criaturas desta terra, dominantes impiedosos, e às vezes cruéis, permanecemos no mesmo erro, anos após anos.

A Natureza, em apenas três dias, ficou de roupagem nova, e nós, bem, nós não precisamos sequer de mais de um segundo para superar toda a Natureza: se quisermos, é claro.

  A FLORZINHA DE PLÁSTICO
Foi num dia qualquer do mês de setembro de 1981, nos derredores da cidade de Imperatriz, no estado do Maranhão. Não fazia muito tempo que para cá havíamos mudado. O lugar era inóspito e sujo. Dista do centro da cidade, aproximadamente três quilômetros. Em pleno verão, o sol castiga. O terreno remexido favorecia os parcos ventos a levarem pequenas nuvens de poeira e matos ressequidos pelos ares. As crianças viviam sujas; as roupas, ainda que bem cuidadas, apresentavam uma coloração bege-escura, que recomendava mal as lavadeiras. Algum pardal ofegante pousava aqui e ali, o olhar sem esperanças numa sementinha de colonião que, havia tempo, já desaparecera. Um cenário triste.

O ano de 1981 foi, também, mais um dos anos tristes da recessão brasileira. Constatavam-se, ainda mais fortes, o desemprego e a fome. A miséria grassava, infiltrava-se, tomava vulto ante a ineficácia governamental do País, ou quem sabe, perante a escravidão impingida pelas superpotências aos países pobres.

Cada um ia vivendo como podia, lutando e agarrando-se a tudo que pudesse livrá-lo, quando nada, da fome extrema. Nossa preocupação não era muito diferente.

Estávamos revisando o maquinário, arrumando peças, apertando parafusos. Meus sobrinhos, suados e muito sujos, andavam de um lado para outro, desfechando marretadas, acelerando…. Éramos em muitos e enquanto uns trabalhavam, outros atrapalhavam e criticavam.

Foi aí que alguém percebeu despontar, lá longe, no início da estradinha, uma mulher maltrapilha, verdadeiro espantalho. Veio andando, até aproximar-se bastante. Na mão, um pedaço de pau, forte e ameaçador. Nos seus olhos, o brilho misterioso dos irracionais. Não disse nada.

Quase todos que ali estavam puseram-se a rir, retirando-se temerosos, ante aquele espetro quasímodo e aparentemente perigoso, que fazia gestos esquisitos.

Ajoelhou-se e, sem nenhuma parcimônia, urinou, ante dezenas de olhos curiosos. Totalmente desvairada. Olhava seus espectadores entre risos e lágrimas, como se em sua mente, lampejos de lucidez e loucura se intercalassem. Em seguida, olhar perdido de quem fita algo sem ver, começou a remexer a poeira com as mãos. Aproximei-me.

– Você quer alguma coisa?

Seus olhos castanho-escuros elevaram-se: era como se eles fossem a janela aberta em que se refletia toda aquela juventude sufocada e sofrida. Era morena, cabelos negros, revoltos, sujos e compridos: um trapo humano. De sua boca, apenas o eterno e misterioso silêncio dos irracionais.

Fui à cozinha e trouxe-lhe um copo com leite e bastante pão. Ela comeu avidamente, no meio daquela sujeira nauseante. Continuou por instantes sentada no chão, olhou-me por segundos, levantou-se e como chegara, foi saindo.

Naquela noite, apenas a lembrança daquela pobre mulher, que se esgueirando entre espinhos da juquira, desapareceu. Muitos dias se passaram. A lembrança tornara-se tênue, embora não me abandonasse.

Um mês depois, subia eu, a pé, a Avenida Getúlio Vargas, principal artéria da cidade de Imperatriz. Vi, bem na frente, gente que ria e afastava-se aos empurrões, num vaivém contínuo, num instinto animalesco e desumano. A criatura humana desdenhando sua própria imagem, a imagem da miséria.

Continuei caminhando. Era ela, bem no meio da calçada, com sua roupa esgarçada, seios expostos, aturdida, mais enlouquecida ainda com toda aquela balbúrdia. Na mão, um velho pedaço de pano que resguardava não sei o quê.

Reconheci-a no primeiro olhar e por mais que tentasse, uma força indomável fez-me manter a direção. Fui chegando. Ela fitou-me de frente. Parei.

Sem desviar os olhos de mim, foi desatando o imundo avental e tirando de dentro dele, uma rosinha de plástico vermelha, estendendo-a em minha direção.

Muito desconcertado, apanhei juntas, flor e mão e percebi que seus olhos cansados e secos umedeciam.

Seu semblante duro, feio e nauseabundo, ondeou-se embaçado em minha lágrima não contida. Pude ver, naquele momento de quase alucinação, a pureza e a candura de um anjo de Deus.

Nunca senti algo mais estranho em minha alma; nunca mais irei esquecer aquela florzinha vermelha, até que descubra o que Deus quis escrever naquelas linhas tortas.

MEUS PASSARINHOS, MINHA SAUDADE!
Ouço ao longe o apito das sirenes das fábricas. Elas são sempre acionadas um pouco antes de o dia amanhecer. Por elas estou condicionado a despertar. Concomitantemente, um galo – a algumas quadras – canta solitário. Em seguida, meus jaós do campo, a princípio baixinho, começam a alvorada mais linda e excêntrica de um citadino. Em poucos minutos, piados de guaçus, tururins, zabelês, inhambus diversas, codornas, perdizes, macucos, chorões, choronas, pés-de-serra e tantos outros, misturam seus chamados numa sinfonia silvícola, triste e pura, como são tristes e puros, os lamentos de um sertanejo nato.

Olhos fixos no telhado e ouvidos atentos, fico a me deleitar com tudo aquilo, como se em êxtase me visse transportado ao mais longínquo mundo primitivo. Os saltatórios ainda cricrilam temerosos, pois não desconhecem sua função de petiscos neste ecossistema, para eles, hostil.

Cambaxirras, pardais, rolinhas, sanhaços, tiês, coleirinhas, tizius, bigodinhos… fazem o acompanhamento de fundo, como se fossem violinos a darem graça aos tenores das azulonas, ou aos graves dos pés-de-serra.

Quantos não têm o privilégio de despertar ao som dessas orquestras?

Minhas orações sobem aos céus, mescladas à maviosidade dos gorjeios. Se eu fosse Deus, pediria aos Querubins e Serafins que silenciassem suas harpas, para ouvir por inteiro aquelas costumeiras alvoradas.

Passado o primeiro instante de excitação, vem um silêncio profundo, apenas cortado pelos jaós e pelas inhambus-pretas, cujos piados se prolongam, entram pela manhã e podem chegar ao meio dia.

Meus pensamentos caminham, retornam à infância. Fico a lembrar o dia em que o Adalho, meu mano mais velho, trouxe três filhotes de macucos e os presenteou ao velho meu pai. Aqueles três macuquinhos representaram, por longos anos, um patrimônio de amor, de cuidado e respeito pela Natureza.

Enxada nas mãos, todas as manhãs, quase capengando, lá ia meu velho pai, acompanhado dos três bichinhos, quintal afora. Destapava paus podres, cavoucava a terra úmida. Qualquer coisa estranha ou pessoa que se aproximasse, eram mil recomendações: cuidado! Olha os macuquinhos!

Depois, eles cresceram, acasalaram, tiveram filhotes e, durante 13 anos, foram atração e orgulho. Eles pereceram, seus filhotes ficaram. A esses, juntaram-se chorões, tururins…

Um dia, o inevitável. Derrame após derrame, meu velho se foi.

Não posso esquecer sua grande preocupação pelos bichinhos. Estirado na cama, entre lampejos de insanidade e lucidez, recomendava:

– Meus passarinhos estão bem? Tratou-os hoje?

Depois, se foi para sempre. Como é cruel a vida!

Por isso, estes piados ternos, quase lúgubres, fazem descer das alturas, a presença do meu velho. Em cada longo piado de sururina, toda uma saudade aninha-se no meu coração: cuidado! Olha os macuquinhos!

Pareço ouvir lá fora o ruído de passos trôpegos e o cavoucar da enxada.

Que Deus o deixe, no além, criar seus bichinhos, raspar sua enxada, ensinar o respeito por esses “répteis glorificados” que se ajustaram para voar e cantar, amainando nossas tristezas.

Em cada canto, numa onomatopeia de saudade, ouço o chamado dos meus passarinhos, piando, ouriçando o topete, fazendo circunvoluções nupciais. Abro a janela, olho o firmamento. Depois desço. No portão de entrada, os mais mansos me esperam. Jogo milho, arroz, grãos diversos, ovos esfarelados, verduras picadas. Eles disputam, brigam. Eu acho graça. Natureza maravilhosa, mão de Deus.

Todos os dias, esta mesma rotina de privilégio e de saudades: desperto feliz, encontro meus pássaros, revejo meu velho… vou vivendo!

Aqui é um recanto sossegado, dócil, em que a rolinha pode passear com seus filhotinhos pelo quintal. As crianças já entenderam a singeleza de tudo isto.

Enquanto eu viver, quero que Deus me faça ver cada vez mais belos, os passarinhos; que meu corpo não se habitue jamais ao costume de usar uma sombra sem percebê-la; que meus pensamentos sejam sempre direcionados à Natureza; que minha ciência não siga os rumos tristes dos malfeitores; que minhas pernas me carreguem pelos bosques, planícies e me sublevem aos píncaros, para de lá poder vislumbrar o esplendor dos rios, dos mares, das flores, do verde, do pôr do sol, do luar, dos animais. E que, finalmente, meus ouvidos, todas as manhãs, continuem ouvindo, lá de dentro de minha saudade, o cavoucar da enxada, o ruído dos passos trôpegos e as eternas recomendações do meu querido velho: “Cuidado! Olha os macuquinhos!”

ARRELIANDO COM DEUS
Senhor, este mundo antes tão puro, saudável, imenso, agora me parece pequeno, impuro e desajustado. Já não encontro garra para sobreviver, já só vivo porque ainda me agarro agonizante em fiapos de esperanças.

Em cada canto pululam as injustiças, os desvios, os roubos, as maledicências, a deslealdade, a ganância, a desonestidade, os infortúnios, as traições, o egoísmo, a violência, a morte… E nesse meio, desorientado, já não vejo razão para prezar o dom admirável da vida. Já não sei se devo agradecer por ter nascido ou se realmente seria melhor não estar aqui como testemunha.

Não consigo mais manter-me de pé. A fé é pouca para suplantar as ofertas do mundo. Sinto-me só e ao meu lado não vejo suas pegadas!

Transformam as belezas naturais, dizimam os seres, implantam o interesse e, com ele, toda gama de infortúnios. Esta Terra tornou-se relicário do Pantheon do ano 25 a.C., com as forças econômicas acomodando-se nos templos e relegando ao único e verdadeiro Deus do Universo, um plano meramente ilustrativo e histórico. O dinheiro virou deus malvado, destruindo e edificando a mesma coisa mil vezes, se isso representar dividendos escusos sob a justificativa do progresso. “Quando cheguei aqui, eles estavam cortando árvores para abrir avenidas. Agora, estão demolindo as avenidas, para plantar árvores”. Vaivéns, inseguranças, planos instáveis. Pobre mundo!

Da pessoa às nações, os males suplantam o bem. Estamos inseguros e tristes. Senhor, tenha pena de nós! Já não peço que volte para a cruz, pois sei que este amor agora seria pouco para sanar a dívida da humanidade. Não há mais sacrifício que acoberte os pecados dos espezinhadores do próximo; não há mais perdão que equivalha ao egoísmo dos dominantes.

Senhor, por que criou o homem? Será nosso Deus imbuído da fome sádica de criar “bichinhos” maus para castigar depois?

Desculpe Senhor, mas está difícil, muito difícil mesmo viver neste mundo, em que poucos manipulam e tolhem a paz e a felicidade da maioria.

É tanta conversa sem ação, tanto jogo sujo pelo poder, tanta demagogia, tanta mentira e covardia, que se tem a impressão que nós homens, entre os “bichos”, somos os piores. Não há nada que se valoriza mais indevidamente e se amesquinha mais injustamente, do que o homem a si próprio.

Longe andamos dos reais valores. Cada um só pensa em si, no bem-estar, no dinheiro e no poder. Quanta divulgação, tempo e dinheiro, gasta-se para salvar um velho milionário esclerosado, enquanto que com apenas um pouco de cuim, se salvaria milhões de crianças subnutridas. Seus seguidores se digladiam, como se subindo, apenas alguns alcançassem as alturas. Católicos, protestantes e tantas outras religiões e seitas, numa luta inglória de sobrepujamento ideológico, disseminam dúvidas nos corações. Religiosos outros, misturam-se no lamaçal político numa estranha preocupação com as coisas desta Terra, como se daqui fosse o Seu reino. Quase mais ninguém pensa na única coisa real: o espírito indestrutível e eterno.

Sempre achei que justiça e amor não coadunam e que no fim, somente a primeira é aplicada aos réus celestiais. Mas enquanto isto, Senhor, encha de amor esta terra e dê aos miseráveis, quando nada, a virtude da resignação.

Desça dos páramos celestiais, sufoque e esmague deste mundo-cão, as sementes do egoísmo e da ganância, que não sei como, encontraram terra tão fértil para germinar e crescer em nossos corações. Terão as sementes de Seu Filho Semeador, sido todas lançadas à beira do caminho, em lugares inóspitos, cheios de pedras, ou em moitas de espinhos?

O resto, Senhor, acho que dá para aguentar.

SONHANDO
Quantas pretensões, quantos sonhos, quanta esperança! Consumo os dias no afã de poder ser grande; sonhando, imagino-me precursor de lindas orações, enquanto na realidade, espero, dia após dia, que a vida me premie com o “estalo de Vieira” e me transforme numa caneta mágica que amenize um pouco o sofrimento do mundo.

Queria ser grande, o maior dos sábios e o mais perfeito manipulador dos vocábulos, para que seus olhos corressem ávidos em busca de um lenitivo que diminuísse as agruras desta vida difícil. Queria poder subtrair de sua mente os tantos problemas que o tornam triste!

Queria mais dar do que receber; mais ouvir do que falar; mais ajudar do que ser ajudado. Como seria feliz, se tivesse nos ombros a cruz cujo peso aliviasse seu sofrimento.

Sei do poder das palavras, pois são elas que conseguem convencer, alegrar, fazer sorrir e até matar. Elas são, em suma, as maiores razões de tudo o que acontece neste mundo de Deus.

Mas, não quero nunca a sabedoria de dispô-las à insegurança, ao desassossego, às dúvidas, às lágrimas. Quero apenas adjetivos amenos, acalentadores, elogiadores, cheios de esperanças, porque ditos com amor e ação, mudam os destinos da humanidade.

Como gostaria hoje de estar penetrando em seus olhos lacrimosos, como um lencinho de seda a enxugá-los. Que bom seria se sua visão, de início em lágrimas embaçadas, fosse aclarando, mais e mais e, por fim, com a nitidez de uma lente polida, retornasse aos tons da esperança, subjugando todo pessimismo e devolvendo o sorriso.

Como é duro entrar para arrumar! Como é bom ver tudo arrumado.

Que de minha boca ressoe a conversão e dos meus passos restem rastros inconfundíveis do caminhar perfeito. Que minhas pegadas não levem a recantos tristes e que minhas emoções não tolham a alegria de ninguém.

Por isso eu queria tanto ser um grande, tanto dizer sempre a verdade. Puxa!, como seria gratificante se você melhorasse seu estado de espírito, simplesmente por ter sido convencido por alguma assertiva que escrevi.

Que jamais se estorve meu ideal e que eu consiga multiplicar o que me foi dado. Se pouco, que poucos eu alimente, mas que sempre alimente. O importante é manipular, fazer crescer, multiplicar o que me foi dado.

Que eu nunca espere muito de ninguém, para que me sinta feliz com o pouco que me oferecerem. Quero mais e mais inspiração, para infundir em você a certeza de que, por pior que seja a vida, vale a pena viver.

Quero fugir de minhas dúvidas, encerrar a busca, diminuir as tensões de quem se perdeu no meio de um terrível emaranhado.

A mim mesmo, acho necessária a sangria, para que o acúmulo de perplexidades se escoa e eu possa retomar o caminho.

Não importa como hoje o encontrei. Não tem tanta importância, se a maior das dores estiver aninhando-se dentro de sua alma. Não interessa, enfim, que exatamente agora, tenha sentido que esvaiu todo o sentido de viver. Firme-se bem; apoie-se o melhor possível; eleve os olhos e estará pronto para voar sobre todos os tormentos, além de todas as injustiças. Verá que, quanto maior altura alcançar, menores se tornarão os problemas, e se conseguir subir mais e mais, aos páramos divinos, seus problemas desaparecerão por completo.

É por meio de seu tamanho que todo o mais é relativo. Seja grande, meu amigo, grande em bom senso, em amizade, em carinho, em fraternidade.

Os vícios, as maldades e as injustiças são destituídos de asas. Permanecem no chão, e quanto mais alto voar, menos serão percebidos por você.

Sorriamos mesmo com os olhos cheios de lágrimas; sejamos submissos aos planos do Senhor. Só assim poderá transformar sua lágrima numa pérola. Em frente!

  A PROCURA
Nos escalonamentos dos contrários, chega-se à conclusão de que nada é continuamente ajustável nesta vida. Cada reação induz ao seu contrário, como se isso fosse fundamental para existir. Estabilidade emocional, só na outra vida. Existem forças peremptórias, independentes de nosso domínio, que fazem oscilar nosso estado de espírito num contínuo vaivém, sem que jamais se descubra a fórmula de estabilizá-la. E assim, há tantos milhares de anos, a humanidade se debate neste emaranhado de alegrias e de lágrimas, sem jamais encontrar a saída para evitar esta dualidade intrínseca. Quase sempre, por trás de uma lágrima, viceja um sorriso. Ninguém ganha, se não houver um perdedor.

Seria nossa massa de caracteres impregnada destas determinações? Haverá maneira milagrosa da felicidade se perpetuar e ser contínua em nossa existência?

Há dias em que a gente acorda feliz, depois de uma semana de infortúnios; há também repentes que nos tolhem o sorriso ao meio, lançando-nos, misteriosamente, em desestímulo inexplicável. E por mais que se debata, não em retirar da “alma” a nódoa desta reação, mas em descobrir o porquê filosófico do que se passa, não se chega a qualquer conclusão convincente.

Perco-me, pois, nos domínios dos aparentes mistérios, e choro quando as lágrimas se aprontam irrefreáveis, e sorrio quando a beleza da vida, inexplicavelmente, assim determina. É a luta dos contrários, como se cada extremidade só pudesse existir pelo seu outro ponto adverso. A vida é esta linha limitada entre dois pontos extremos, entre os quais nossos sentimentos se debatem, tentando inutilmente uma saída. Esta linha descontínua, suspensa no infinito, sem ponto de apoio, é o espaço limitado em que vivemos. De um lado, em escala ascendente, do meio para extremidade, habitam as sãs virtudes, propulsoras de todo sentimento aprazível; do outro, todo seu contrário. Como um inseto que navega ao léu num estilete emerso, vamos indo de um lado para outro, na esperança vã de uma estabilidade emocional.

A inquietude nos impulsiona a caminhar, a procurar, a tentar uma saída. Nossas pretensões são ilimitadas, nossos desejos incontroláveis, nossa procura incansável. Não há bem que não ofereça o melhor, nem mal que também assim não o seja. E como não se tem uma dimensão exata de ser, jamais se consegue parar no feliz ou permanecer no pior.

Assim sendo, haveremos sempre de alimentar as angústias, de reviver a felicidade, de voltar à saudade. Todos os sentimentos próprios de um ser racional não encontrarão afinidade senão na separação do material com o imortal. E o imortal é estável, definido, perene e imodificável. Não haverá paz completa nem para aqueles fortes de sobriedade, que em abstinências e mortificações, dominam as fraquezas da carne.

Que seja isto uma explicação para os tristes e um alento de conformidade para os injustiçados. Que reconheçam que jamais haverá felicidade sem a presença da tristeza, pois uma sempre será a afirmativa da existência da outra. Por acaso existiria o maior, se todos fossem iguais? Para que haja o mais sábio, sacrifica-se o ignorante e esse, sem que o perceba, será sempre a necessidade peremptória da existência do outro.

Fico a pensar: como nasceu meu espírito e por que se inquieta, enquanto tantos adormecem alienados aos porquês da existência? Haveriam de ser os espíritos iguais, ou também esses, aparentemente imutáveis, são engendrados com maior ou menor perfeição? O espírito vive na matéria e nela se apega com todo afinco. É uma vibração de nossas energias, que se firma quão mais perfeita é a constituição de nosso ser.

O espírito seria danificado com as mutilações do corpo? Por que os loucos, ou os ajuizados enlouquecidos em acidentes cerebrais? Se nossos pensamentos dirigem nossas ações, representando o espírito que vive em nós, e se a alma, como espírito, não pode ser mutilada, como entender os desajustes dos até então ajustados? Seria a alma propensa aos transtornos da matéria? Ou a alma é um espírito único, cuja sorte é alcançada pelos efeitos de nossos pensamentos?

Não consigo admitir que sejamos completamente destrutíveis, pois isto retiraria do Criador o senso de justiça para com os abnegados. Alguma coisa deve subsistir ao tempo, para os louros da premiação, para os ajustes de contas ou, finalmente, para o castigo merecido. A presença da alma faz-se necessária, segundo nossa compreensão de justiça.

Se um milhão de bocas pronunciassem o mesmo impropério em coro, por certo a dimensão de culpa não seria a mesma em duas apenas. Porque o espírito emana de misturas e subsiste pela formação da carne que é suscetível a todas aquelas coisas que se definem como virtudes e se proclamam como maledicências. Se me pergunto o que me induz a tentar o bem ou aceitar o mal, não consigo ater-me à opinião sensata apenas das pretensões de Deus.

Há, neste emaranhado de mistérios, uma dúvida massacrante, quiçá a mesma que fez os santos entristecerem ou os empedernidos comoverem-se. A esses dois extremos, parece-me, não deveria existir contratempo, não fosse a necessidade dos contrários. Mas, tudo isso terá um final quando a cadeia do mortal e do imortal se romper. Ela se partirá ao meio e se aperfeiçoará unindo as pontas. Poderemos andar, prosseguir, parar e sempre estaremos na estabilidade emocional de nosso círculo.

Será a resposta final às nossas dúvidas, limitadas pelo Criador a um ápice comum, além do qual, pela incapacidade de alcance de nosso raciocínio, tudo se faz mistério enquanto vivos.

O acaso não existe. É, antes de tudo, a consequência da incapacidade de compreensão. “O Criador não rolou dados na organização do Universo”. Tudo existe porque sua presença tem uma função e uma razão proeminentes. E essas razões me confundem, pois não sei se me serão agraciadas pelos sábios, ou se terei de buscá-las por mim próprio. Não me importa e não me apraz ver apenas com os olhos, sentir apenas com o tato, aceitar apenas pela tradição. Minha procura hasteia-se no âmago, no profundo das razões que fazem com que tudo assim seja. Não me importa também que já se tenha fechado tantas questões, se em mim, a convicção titubeia.
Quero a minha razão, a fé, aquela que me convença a ser forte, a vencer o medo, a acreditar no porvir e ter, enfim, o completo domínio sobre a dúvida e toda insegurança. Tendo alcançado minha própria verdade, incutindo-me minha própria convicção, estarei certo de que todas as verdades, até então imutáveis, à minha se reclinarão, porque serei sempre a consequência de minha fé. Os que não meditam fazem parte da árvore que jamais originou um fruto.

Toda existência é uma aquiescência de nossa ideologia, pela qual se vence a morte com a calma socratizada. Que cada um procure sua verdade, sem a covardia de simplesmente absorver a dos outros; ou que a aceite, mas não sem antes perscrutar, com todo esforço, o seu fundamento.

O preço de toda procura, pelo visto da história, nem sempre é menos consequente. Na intercalação das verdades e das mentiras, apenas uma coisa ficou de positivo: o valor absoluto do sábio, que desempenhou seu papel no uso do pensar e do buscar a razão de ser um ente diferente dos demais, mas nunca desprezível.

Não é por acaso que nascemos com o dom de pensar! Diante deste dom de discernimento, temos a incumbência de desempenhar o papel digno de um ser que usa a liberdade para definir seu próprio destino.

Mas, a alma, que parte representaria nesta dualidade que dá a vida? Uma coisa é o corpo, que é avivado por uma força energética estranha que faz a gente pensar, querer, amar, odiar, desejar, premeditar, escolher, renegar, abnegar, enfim, define o ser humano criando-lhe a racionalidade. Na morte, no corpo inerte, cessam todos estes prolongamentos. É a alma que se separou, conforme aprendemos. Logo, a alma tem estrita representação em nossos desejos, aptidões etc.
E me pergunto: seria a alma também imbuída das satisfações da carne? Quando se faz o mal, seria uma opção errônea do espírito ou uma inclinação indomável da carne? Poderia nosso espírito optar por sua própria desgraça? Talvez fosse a alma algo inerente ao corpo vital, sem nenhum teor de opção, cuja sorte seria delineada pelas decisões deste computador humano, o cérebro. Sua fabricação, mais ou menos perfeita, decidiria as ações do ser e, consequentemente, a melhor ou a pior sorte da alma.

A energia que dá a vida seria mantida pelo coração, que transportaria no sangue a corrente elétrica indispensável aos movimentos e aos sentimentos. Mas neste caso, os irracionais não o seriam, ou haveríamos de crer que eles são formados por cérebros menos aperfeiçoados, o que não seria danoso à minha dúvida.

E por mais que eu me debata, leia e medite, não encontro saída. De qualquer forma, tentarei minha verdade: essa convicção que me justificará aos olhos de Deus. Não quero esconder os dons que recebi. Não quero que esmoreçam meus pensamentos, não quero encerrar passivamente as buscas. Quero usar a liberdade e lutar por mim próprio, imbuído do desejo honesto de procurar as soluções.

Muitas verdades já deixaram de ser; muitos disparates já se afirmaram; muitos crimes já se cometeram pela imposição de ideologias. Acho que todos nós, graça ao raciocínio que nos foi dado, devemos buscar nosso próprio caminho. Pecará mais o que aceitar normas tradicionais de pensadores, ainda que bem-intencionados, do que aquele que errar na procura de sua própria verdade.

“Quem quiser instruir-se deve em primeiro lugar saber duvidar, pois a dúvida do espírito leva à descoberta da verdade”.

“É bom não permitir que… nem o censo… nem o peso da cultura antiga, nem o veredicto da autoridade dissuadam os que desejam proclamar opiniões novas”. Que assim seja.

CUCO
Espírito meu! Quantas horas de sono me tem roubado nesta brincadeira de esconde-esconde?

Perdido na escuridão de um labirinto, ouço seu “cuco” aqui ou acolá, e saio apalpando as curvas de minhas limitações, tentando encontrá-lo. De quando em vez, esbarro em “alguém” e no meio da escuridão grito eufórico:

– Achei!

E como criança que se engraça, “alguém” responde:

– Êi, bobo! Eu sou o desejo.

E continuo agarrando um e outro, aqui e ali, pelo labirinto infinito e extremamente intrincado de minhas perplexidades e sempre o são: a vontade; a consciência; o pensamento; o desejo…

E aquela vozinha matreira, esquivando-se mais e mais, metida nas anfractuosidades desse emaranhado, continua conclamando-me a procurar. Por sua voz, conheço sua existência; por sua forma e complexidade, desconheço sua definição.

Será apenas uma voz, sem ocupação de espaço?

Um homem acorda pela manhã. Estou a vigiá-lo. Abre os olhos, fita os derredores, espreguiça-se, senta-se, põe-se de pé e começa a caminhar. Seus olhos abriram a janela do dia. O descanso o acordou e as obrigações o lançam à luta. Os olhos foram, pois, a parte sensorial que lhe iniciou um novo dia.

A mente faz um retrospecto de seus compromissos e o desejo de cumpri-los o impele às direções. O desejo tornou-se a parte responsável por sua movimentação.

Mas, eis que o tempo, a situação, muitas coisas, enfim, exigem que se pense para encontrar uma solução racional. É o pensamento, o raciocínio e a meditação que entram em cena. Depois das referidas ponderações de cada um, nosso cérebro conclui, definindo os caminhos conforme nossas conclusões. Que nunca esqueçamos: certas ou erradas, devem ser honestas, sinceras.

Agentes sensoriais, desejos, pensamentos…, todos, pois, funcionando como agentes mantenedores, principalmente, de interesses físicos.

O corpo é matéria vulnerável, acionado por “resquícios espirituais” indestrutíveis, que não explicam a formação da alma que procuro.

Existem tantas coisas provando o contrário. Nos animais, persiste o desejo; nos loucos, fogem os pensamentos lógicos; nos casos de coma profundo, tudo o que em regra geral representa a parte espiritual, desaparece, sem que o corpo entre em putrefação (regra geral da separação da alma do corpo). Enfim, o que é a alma?

Há dentro de nós qualquer coisa que ora nos entristece, ora nos alegra e faz feliz. É como se fosse um sentimento diferente, um sentimento capaz, embora espiritualmente, de sentir. A alma terá, por coerência e justiça, de ser sensível aos louros e aos castigos.

Quem poderá ferir os pensamentos?

O que mais me tem preocupado é, sem dúvida, a percepção clara do espírito em si. Se me tocam, acariciam ou machucam, algo estranho percorre todo o ser. Se durmo, desmaio ou entro em coma, tudo cessa. Onde estará o espírito nestas circunstâncias? Que estará fazendo? Por aonde anda?

Seria plausível que sua interdependência cessasse e que pudesse subsistir à impassibilidade do corpo. Não sendo assim, tudo o que até hoje se buscou nos sensoriais, nos sentimentos, pensamentos etc., não passam de prolongamentos indispensáveis à vida física.

Novamente imagino ser a alma, algo totalmente “inerte”: um troféu, uma pedra bruta incrustada numa vida.

Quanta coisa existe sob este sol, cuja dúvida de hoje representará a infantilidade do amanhã. Toda primeira vez é imperfeita, mas jamais se chegará ao primor, sem se passar pelo elementar, pelo tosco, pelo primitivo. Comparem os moderníssimos aviões supersônicos de hoje com o primeiro aeróstato “Brasil”, engendrado por Santos Dumont. Comparem a primitividade de todos os inventos do passado, à tecnologia deles, hoje alcançada. Nunca chegaremos lá, se não sairmos daqui. É preciso percorrer o caminho.

Por isso, embora certas dúvidas agora escandalizem conservadores espiritualistas, hei de buscar em cada canto de meu ser, a conciliação de algo insofismável que me dê chance de salvação. Não acredito em salvação sem fé, convicção e misericórdia.

Tudo que causa efeito confirma sua existência, embora não se possa tocá-lo ou mesmo percebê-lo. Sei que algo mais terá que subsistir à matéria, pois a negação de tal princípio ofuscaria a verdade simples da existência de um Criador, cujo efeito originou a grandeza, a vida e a harmonia de todo universo.

Para hoje chega, vozinha, não quero brincar mais. Mas, não se esqueça, minha curiosidade incipiente está irrequieta e como tal tem necessidade de brincar. Logo, logo, estarei aqui de volta, procurando você pelo labirinto desta complicada construção.

Ficarei feliz se conseguir que minha chama brilhe na escuridão, porque também acredito que “coisas” tão sublimes não podem ser relegadas ao acaso, nem se hastear puramente na fé. Enquanto a persistência dessa luta não se retirar, pelos calos da lida, a sensibilidade do tato, hei de vasculhar, apalpar cada recanto desse labirinto, no afã de encontrar minha alma.

SILÊNCIO
Silêncio abissal. Nem uma leve aragem farfalha os coqueiros que dependuram suas folhas bem perto de minha janela. Tudo é sepulcral, silente. Nem as mariposas esvoaçam ao redor das lâmpadas. Tudo de acordo com as regras do silêncio absoluto. Quando em vez, o cricrilar de um saltatório ou o grito sumido de uma criança ao longe.

Firmo os ouvidos. Sinto o pulsar do coração e uma tensão inexplicável que zune firmemente, como se estivesse a ouvir a força energética que move o universo.

Paro para ouvir o próprio silêncio. Uma minúscula mariposa cai agora sobre o papel: é como se nele caísse uma pedra, tal a quietude então reinante. Alço os olhos, voo ao infinito.

Olho os raios do Sol refletidos pela Lua, esgueirando-se entre as frestas das nuvens, para ostentar sua singeleza nos ramos estáticos do bambuzal. Espetáculo lindo, sertanejo, divino. No galho da laranjeira, uma rola agasalha seu filhote. É um todo de paz, meiguice e singeleza. Minha sururina emite um piado longo e tristonho, que se perde no espaço vazio e silencioso da noite. E penso: meu Deus, como a gente conhece tão pouco de nossa casa! Puxa! Há anos que não sinto tamanha sensação de paz. Pareço ouvir a voz de Deus, ver Seu semblante nesta mistura de ouro, grafite e gelo do firmamento, um todo disforme embelezado pelo toque sutil de raios esmaecidos.

Vez por outra, um sopro, quase imperceptível, tapeia meu rosto, deixando-me a ilusão de um afago angelical. Tudo é doçura, paz…. Tudo é um grande silêncio, quase absoluto.

A singeleza de todo o cenário impulsiona-me à inspiração poética, fazendo-me esquecer do tema a que me propunha. Queria falar das ideias, da mente… Queria pensar, meditar sobre coisas “sérias”, descobrir um pouco mais desse amontoado de dúvidas, à cata de minha convicção, esta mesma capaz de criar um pecado sem pecador. Mas, a beleza deste recanto ainda com flores, árvores, pirilampos e luar, domina-me sobremaneira, impõe-me regras e me conjura ao devaneio. Deixo que meus pensamentos divaguem pelo além, entre satélites, planetas e estrelas, pousando aqui e ali pelas galáxias eternas; que meu coração ame com tudo o que tem direito, a pureza desta Natureza sem vaidade, e talvez, por isso mesmo, tão bela; que meu raciocínio retroaja aos primatas, no pensamento curto, desprendido e tão pequeno dos que acreditam que, para viver, é necessário apenas o ar puro e o fruto do campo.

Poucas coisas (posso perceber agora) valem o preço de tudo isto. Jamais a harmonia ruidosa dos clubes, a malícia atraente da carne, o vozerio animal dos homens, resumirão tanto a felicidade como esse cenário de paz montado pela Natureza.

Quantos olham sem ver! Ah!, se Deus acordasse os seres humanos, abrisse seus olhos e ouvidos para esta primorosa arte de Sua criação! Não é tão difícil conjecturar o escultor pela estátua. O Senhor esmerou-se na Natureza, vestindo-se nas flores e emproando-se na grandeza do infinito e, mais que tudo, deixando que a maviosidade de Sua voz chegasse tão clara no silêncio absoluto.

Talvez seja por isto que se diz: “A paz chegou para ele que se foi deste mundo.”

Na quietude de lá, talvez não haja flores, nem árvores…, mas por certo, o silêncio absoluto, onde a cada instante se tem a felicidade de ouvir a voz do Senhor nosso Deus e, por meio dela, toda a beleza de Sua Criação. Ele fala no silêncio, e por meio dele nos faz ver e ouvir a magnitude de seu poder e onisciência.

Mas, paulatinamente, a noite e o luar se vão. Já posso ouvir o canto de um galo desperto, os chilreios dos pardais, o arrulho da rolinha. Uma criança grita, um cachorrinho late eufórico, um rádio é ligado…. Ouço o ranger de portas, o batido de objetos. Milhares de sons progressivamente vão aparecendo, chegando de cada lado. A Lua se foi; as palhas dos coqueiros esvoaçam ao sabor dos ventos. Não diferencio mais nada. Como por encanto, a singeleza se embrutece e acordo de meus devaneios. É a vida, pela tradição, sempre a exigir mais e mais. Pingos d’água repicam no telhado. Tudo se foi.

Ergo a cabeça e os olhos, e toda inspiração, como pássaro assustado, esvoaça de minha mente. Fico sozinho, sendo mais um entre os mil ruídos que ecoam. Penso em alguma coisa, um tema qualquer que possa me tornar grato a Deus por viver num tempo ainda de barulho… e de um pouco de silêncio.

OS ETERNOS DOM QUIXOTES
Quantas penas riscaram pergaminhos antes de Gutenberg! Quantas impressões depois dele! Não saberia estabelecer as dimensões capazes de comportar, empilhados, os milhões de compêndios que já foram disseminados no mundo! Desses, quantos já tentaram a essência, sem jamais ultrapassar a concisa inscrição do templo de Delfos. “Conhece-te a ti mesmo.” Sócrates usou como sua esta inspiração de Deus, pela qual se fundamentou toda doutrina cristã. Ela encerra em si a fórmula mágica da solução de todos os problemas sociais que envolvem a humanidade.

Tudo o que explicamos, torna-se simples. Em tese, tudo é muito simples: o homem é quem complica tudo. Mistura-se água pura, leite, álcool e café; em seguida luta-se para decantá-los.
… “Os sábios, em perpétua contradição entre si, concordam unicamente quanto ao ser impossível compreender a lei da Natureza e, consequentemente, obedecê-la, sem ser grande pensador ou profundo metafísico”.

Não há grosso volume que não se possa dizer o que contém com apenas algumas páginas.

Diz-se muito, pelo simples fato de produzir volume. Há mesmo aquele que, pela imaginação restrita, busca matéria no desacordo, nas interpelações, sem importar-se com as conclusões a que chegou seu entendimento a respeito da vida. Os materialistas radicais vivem, por exemplo, a desdenhar as crenças espirituais, numa total afirmação de que andam desperdiçando tempo em lutar contra o que, para eles não existe. Por coerência ao que pregam, deveriam estar genuflexos diante dos pórfiros do Pantheon.

Hei sempre de desconfiar dos que dizem não acreditar nos espíritos, pois jamais conseguem ir longe sem neles falar; e tolo demais será sempre aquele que passar a vida preocupando-se com coisas que não existem.

Com certeza, tudo existe, inclusive o nada, que funciona como o oposto imprescindível à existência do que normalmente tocamos; empiricamente provamos e tradicionalmente cremos. Nada, talvez, mais engenhoso do que a imaginação humana. Ela consegue mentir, fingir, simular, inventar, prever, inverter, criar, enfim, fazer “um universo” do pouco que conhece.

Na aridez panorâmica das plagas da Mancha, Cervantes rebuscou de tal forma a imaginação de Quixada, que conseguiu tornar formoso, o que de tal forma a Natureza ali omitira. Na diversificação da natureza humana e das predileções exclusivas de cada ser, foge, quase sempre, o fundamental.

Para ser sincero, acho que perdemos muito tempo com coisas insignificantes, sem valor. O homem, quando no seu estado natural – pelo qual se subtrai as diferenças com os irracionais que vivem alienados ao progresso e ao desenvolvimento – parece mais autêntico e feliz.

Se a vida é somente vida, porque complicá-la? Que me adianta o conforto da tarde, se me custar o sacrifício da manhã?

Lembro-me de uma história simples:

“Um homem, todos os dias, passava com sua varinha de pescar bem em frente à casa de seu vizinho trabalhador. Tomava de um caíque, distava-se o suficiente da margem e lá pescava até conseguir dois peixes. O rio era piscoso e, logo, o modesto pescador retornava. Com o tempo, o homem trabalhador foi achando aquilo muito estranho e, em certo dia, interpelou o pescador:

– Vizinho, por que, todos os dias vai às águas, pesca sempre dois peixes e retorna?

– Porque é o suficiente para eu e minha família.

– Mas poderia apanhar mais e vender o excedente!

– Para quê?

– Ora, vizinho! Compraria melhor aparelhagem e fisgaria mais peixes.

– Para quê?

– Bem, poderia comprar uma embarcação maior, depois outra e mais outra e quem sabe, fundar até uma companhia pesqueira.

– Para quê?

– Pelos diabos! Você me irrita! Não entende que depois de alguns anos, poderá ganhar muito dinheiro e levar uma vida tranquila?

– Ora, caro vizinho! Isto eu já tenho. Que lucraria em lutar, desgastar-me durante anos, para conseguir exatamente o que já tenho? Sou feliz, tenho paz e peixes para matar a fome. Nada me falta ao necessário.”

E me pergunto: será que vale a pena conquistar a Lua e todo o espaço, chegar aos porquês dos aparentes mistérios? No fundo mesmo, em se sabendo ou não de como a coisa acontece em sua essência natural, os seres nascem, os planetas elipticamente circundam os sóis, as plantas crescem, os animais procriam, os insetos se equilibram, os ventos sopram, o amor acontece… a vida existe.

Será a sede científica, o progresso alvissareiro, o prestígio almejado – que em última análise ocasionam as atribulações – os responsáveis por todos estes desajustes? Não desconheço que o avanço científico pode evitar grandes catástrofes naturais, mas, será que compensa? Evitam a surpresa de um tsunami, de uma erupção vulcânica, de um abalo sísmico, de um tufão… e depois se destroem em guerras estúpidas.

Não sei se devo sentir saudades do tempo que imagino e que, quem sabe, talvez nem tenha existido, porque, de qualquer forma, certo ou errado, jamais o homem voltará às suas origens. Inventamos a roda e morremos em acidentes por excesso de velocidade; descobriram a energia atômica e já não sabem como se livrar dela; querem crescer e crescer, e não têm onde armazenar o que produzem; pregam o crescei e multiplicai e …

  C0NSCIÊNCIA
Sempre aprendi que consciência é a voz de Deus que sempre mostra a decisão certa quando estamos, honestamente em dúvida. Seria aquela percepção que existe na gente, estimulando ou reprovando nossas decisões; aquela vozinha secreta, que sempre se faz presente quando pensamos realizar alguma coisa. Realmente, em qualquer situação que envolva princípios, alguma coisa logo se intromete, como a dizer: o certo é fazer isso, é agir assim.

Quando criança, por força de decisões alheias, fui estudar num seminário interno de padres seculares. Ali fui condicionado de tal maneira, que a noção de pecado foi além de minhas forças de evitá-lo, tal a incongruência daquela forma ultrapassada de viver. E o mais interessante é que o cônego Maurício, naquela época, não nos ajudava a pensar de maneira diferente – era um santo conservador! Naquele seminário, Deus continuava poderoso, onisciente e onipresente, porém mais justo que bom.

Por isso, minha consciência reclamava, incriminava-me por qualquer pecado venial. Nunca pequei tanto em minha vida!

Hoje, depois dos trancos da vida, vivendo imiscuído entre as misérias do mundo, recebendo na carne os achaques das paixões, reconheço que me educaram mal, fazendo com que eu pecasse até nas coisas mais naturais da vida. Hoje, também reconheço, que estou sendo por demais liberal, ou que talvez tenha “feito a cabeça” de minha consciência. Se naquela época era por demais escrupuloso, hoje sou de menos.

Não me causa estranheza ver uma donzela como mãe solteira; não me deixa confuso notar nas pessoas o uso exclusivo de sua liberdade. Concordo com tudo aquilo que não afeta diretamente outras pessoas e respeito plenamente a escolha que cada um faz de sua existência.

Vocês não podem imaginar, com que pena eu olhava um que não fosse católico: aprendi que somente estes poderiam alcançar os céus. Ensinaram-me assim.

Agora respeito e acredito na convicção de cada um, como sendo o único caminho que salva. Com lealdade e convicção há grande chance de se salvar.

Mas, voltando aos pensamentos, hoje me pergunto: será a consciência realmente a voz de Deus? Será Deus, um dogma diferente para cada criatura, e mais, em cada fase da vida das pessoas? Por que minha consciência agora aprova o que antes desaprovava? A “voz de Deus” mudou, ou eu mudei a voz de Deus?

Na verdade, Deus existe, dá, exige e subsiste em cada ser, segundo sua capacidade de entender as coisas. Os mistérios são verdades que ultrapassam a capacidade de entendimento que nos foi dada. Mas têm explicações razoáveis e inteligíveis para o Criador. E como se fosse dada a incumbência a um mongoloide, de fabricar um computador; para ele impossível, ininteligível, tais quais os mistérios de Deus para uma pessoa normal. Assim, para Deus, é simples e razoável não ter princípio e nem fim, o que para nós transcende o limite da razão. Assim também, da mais rudimentar seita às organizações mais fundamentadas, todas têm em si, uma consciência própria de deliberar sobre as coisas e os ensinamentos do Senhor.

A consciência não é propriamente a voz de Deus em nós e sim, o alcance de discernimento de cada um, aprovado pelo Todo Poderoso em cada estágio de nossa vida.

Tudo é medido e pesado, relativamente. Não se pode computar o peso criminal de um ignorante com o mesmo fato praticado por um homem culto. A maneira de ver, sentir, discernir, aprovar ou desaprovar uma coisa é própria da estrutura que se formou no dia-a-dia da pessoa. São tantos os fatores que influenciam na capacidade de sentir do homem, que maior injustiça não haverá do que leis comuns para homens diferentes.

Esta voz que norteia nossos passos, desaprovando ou não nossas ações, será sempre a consequência de nossa cultura. Ela tem estágios e não podemos contrariá-la. O que faz o erro é a nossa cabeça e não o ato em si. Todos os nossos sucessos e fracassos são determinados pelo estado de espírito.

Por certo, o que hoje me levaria ao céu, já foi em algum tempo, motivo de desassossego e perdição. Aí está o valor dos que têm a incumbência de velar pela simplicidade, de ofuscar a malícia, de plantar em cada coração, a semente da naturalidade – a consciência das coisas. É o caso de se diminuir os grandes problemas, transformando-os em pequenos… de fácil solução.

Que cada um saiba usar e também entender que, aquele que fez o mundo, o fez bem, justo e puro. Não formemos mentes que facilitem o nascimento de consciências conturbadas. A vida é assim como é, e Ele sabia que assim seria. Se não soubesse, estaria subtraindo-se o valor intrínseco da onisciência.

A AGONIA DO DESONESTO
Reboliços, correrias, ódios, disputas, desassossegos, perfídias, embustes, mentiras, traições, fingimentos, mortes, roubos…. Neste mundo, peças dominantes de um jogo sujo, que encontra em certos homens seus atletas mais fervorosos. E tudo para se chegar a um fim desastroso de implantar-se os grilhões de uma riqueza que lhe roubará a paz e muitos anos de vida. Adquire, afinal, um lugar na sociedade; torna-se imune à Lei. Aí está nosso “homem de bem”, aparentemente respeitado, querido e poderoso.

Ainda que ninguém conheça seu passado, dentro de si, pela própria vingança de seu inconsciente, aos poucos percebe que o preço de seu sucesso foi o mais alto possível. Seria feliz se não houvesse as noites e, com elas, os momentos de silêncio, em que se agiganta a voz da consciência na cobrança implacável de seus feitos. O tempo passa. A velhice chega. O fim urge.

Num leito purpúreo, sua sensibilidade esmaecida já não sente a maciez de toda pompa. Em cada objeto de ostentação, nas pessoas que se acercam bajulatórias, o desespero.

Seus pensamentos embaralham-se: já não há paz para reorganizar seu mundo. Os pensamentos que retornam não conseguem, em todo o trajeto, encontrar apoio em canto algum. Pessoas de costas: agonia.

Na intercalação dos momentos de lucidez e delírio, vislumbra lustres luxuriantes, jarros de porcelana… tudo o que conseguiu de modo cruel e desonesto. Percebe a hora da troca, em que tudo que possui não consegue comprar uma palavra de esperança. O tempo não seria escasso para arrepender-se, não fosse o transtorno geral dos familiares, preocupados com as honras e com a ostentação. O corre-corre o aflige, tolhe-lhe a última esperança de arrepender-se. E entre desespero e angústia, fecha-se afinal toda a transação.

Depois, seguem-se as despedidas pomposas, com flores, cânticos, castiçais de ouro, arca entalhada e catacumba faraônica. Por fora, todo o inverso dos valores imateriais; por dentro, toda podridão farisaica. É o fim!

Para trás, um passado amargo, injusto, comprometedor, desumano, desonesto… e, para o futuro… bem, para seu futuro, bom seria se Deus não existisse.

  REPULSA
Dezesseis de janeiro de 1984. Já não me recordo do tempo em que os noticiários de rádio, televisão, jornal e demais meios de divulgação exploravam, faziam sensacionalismo, promoviam e enalteciam a politicagem.

Tão pouco falaram da fome no Nordeste. Digo pouco, em comparação ao valor intrínseco dos dois acontecimentos. Logo se cansaram. Afinal, o que os nordestinos têm a oferecer?

Presidenciáveis, não presidenciáveis, candidatos a candidatos, pretendentes, FMI, empréstimos e mais empréstimos (a troco do eterno jugo de nossas riquezas naturais e de nossa autonomia), aniversários, passeios, viagens, visitas… o dia infrutífero desses que parecem fazer tudo em prol de suas autopromoções, e nada em favor deste povo espezinhado, faminto e injustiçado.

As empresas de divulgação são as grandes culpadas de todas essas regalias, dessas mordomias e promoções vergonhosas. Os órgãos noticiosos, para se manterem, vendem impensada e quase obrigatoriamente a própria nação, ao promover essa classe de bandidos.

Por isso me dá nojo, muito nojo, ver toda essa gente atrás do Aureliano que foi visitar a fazenda; do Andreazza que participou de um banquete; do Figueiredo que comemorou o aniversário de um parente; do Golbery que se indispôs com uma gastrite (azia normal que a fome faz afligir milhões de brasileiros); do Maluf que planeja uma viagem de cortesia, certamente às Ilhas Caimã; do…

Meu Deus, onde estão as obras dessa turma? Onde está a preocupação desses, com esse povo corroído pela miséria e pelas injustiças sociais?

Diretas, indiretas, constituição, 2.045…, como se isto apenas não promovesse mais e mais esses bandidos que vivem ostentando no porte e na indumentária, os detalhes imprescindíveis ao mais refinado blefador cinematográfico.

Tenho nojo da maior parte de nossa classe política, não entendo a política nos moldes brasileiros, não gosto sequer de ouvir dela falar. Infelizmente, já não se pode olhar nem as tábuas de uma latrina de posto de combustíveis do interior, sem tê-la diante dos olhos.

Tanto divulgam, que mesmo sendo beneficiados, alguns reagem:

“Estou morto para a imprensa”!
“Água demais mata a planta”.
“Tudo o que é demais sobra”.
“Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”.
“Quem fala demais, dá bom-dia a cavalo”.

A imprensa é a força da palavra insistente que modifica, enerva, resolve, choca, esclarece, trunca e mata. Só Deus pode avaliar a energia conjunta e coesa dos órgãos de divulgação, num país democrático. Eles sozinhos podem, se imparciais e honestos, fazer por uma nação, bem mais que toda classe judiciária.

Que importa aos brasileiros, eleições diretas ou indiretas, se todos esses que atualmente compõem o atual quadro político nacional, não têm capacidade, coragem, determinação e honestidade para resolver os problemas que assolam a Nação? Todos eles já estiveram à frente do País e nunca fizeram nada, a não ser legislarem em causa própria e resolver os problemas financeiros familiares e até de amigos mais chegados.

Provas sobejas já foram dadas disto, de um lado e de outro.

Quem dera que os postos honrados fossem ocupados por quem merecesse, e cuja ambição não ultrapassasse o senso de igualdade para com seus próprios irmãos!

Não há nada mais comprometedor e estúpido do que almejar algo que não presta, cheio de problemas, como é o caso de governar os municípios, os estados e o Brasil. Somos um país espoliado, endividado, quebrado. Quem, de bom senso, daria a vida para ser o responsável por resolver tamanho problema? Com certeza, ninguém. Mas, os bandidos querem, porque, para eles, o dinheiro dá.

“Não existe nada mais ultrajante do que os capazes serem dirigidos pelos incapazes”. Todavia, as normas preestabelecidas para qualquer pessoa honesta ingressar no mundo político deste nosso torrão, são por demais ultrajantes. É quase impossível a uma pessoa de princípios vencer na política brasileira. As tramas, os deslizes, os subornos, a venialidade, “as gratidões e amizades”, as promessas, enfim, toda esta gama de requisitos que exige a ascensão, subtrai – de quem acredita em Deus e na Sua justiça – a coragem de uma troca, para eles, tão promíscua.

Se os órgãos divulgadores não precisassem das migalhas deles; se calassem, desapoiassem as mordomias e os deixassem no anonimato…. Se os homens honestos e justos pudessem ter acesso a essa farsa que ora me enoja; se os que comandam os destinos de tanta gente reconhecessem sua incapacidade e humildemente dessem oportunidade a outros, talvez pudéssemos alimentar alguma esperança.

De que valerá uma superpotência de famintos massacrados? Se tudo isto acontecesse, quem sabe um homem de valor teria coragem de “nisso” entrar e por certo resolver esta coisa simples que a desonestidade torna impossível.

Lembremos os países destruídos na II Guerra. Vejam o progresso do Japão, da Alemanha e tantos outros que emergiram do nada, da destruição total, para ostentarem-se, atualmente, como nações mais progressistas da Terra. Os chefes políticos de países desenvolvidos, se pegos em falcatruas, normalmente se suicidam de vergonha. Aqui, eles socam o ar e conclamam os correligionários, ajustam os melhores e mais caros advogados do País, e passam a vida ostentando o que usurparam.

Para o Brasil, tem jeito sim, basta que se ponham no poder pessoas que não sejam ladrões. O segredo é simples e até trivial: trabalho, um pouco de capacidade, muita honestidade, pouca ganância e muita humildade.

Para o diabo, ltaipu, usinas atômicas e todas estas infames investidas que custam o sangue e equivalem à fome negra dos brasileiros. Por que tanta inveja das superpotências, se só têm dado exemplos de jugo e protecionismo?

O povo simples e humilde só tem uma filosofia e um desejo: a de espaço e o de barriga cheia.

Se Vossa Excelência se ofendeu, por ser honesto, lutador, cumpridor de seus deveres, por ser um político exemplar, um homem de bem, um chefe de família honrado, um homem de vida aberta, um portador de todas as prerrogativas de um político autêntico, não se magoe. Era exatamente você que eu estava procurando para enaltecê-lo como exceção à regra que, mais do que nunca, vem, a propósito, confirmar o que acabo de dizer.

O HOMEM E A NATUREZA
Quando os seres vivos apareceram, adaptaram-se a regras infalíveis que, naturalmente, assegurou-lhes a continuidade. O mundo era mantido peremptoriamente por leis de impulsos, de necessidades, de instintos, o que evitava, sobremaneira, os achaques desastrosos, hoje impostos pelo raciocínio inescrupuloso do homem.

De nada adiantou o porte imbatível dos dinossauros e toda dinastia brutamonte da antiguidade, ante a força preestabelecida da Natureza. Aqui chegaram e daqui se foram, exatamente como “Alguém” havia determinado. É certo que nada material veio para ficar, nessas transformações humanamente eternas e eternamente transitórias. Tudo o que acontece no mundo não é novidade para o Ser Onisciente que o fez. Novidade e errado é, sim, o homem tentar modificar essas coisas antes ou depois do tempo prefixado. O próprio homem não veio para ficar – ninguém ou coisa alguma aqui está com este apanágio. Transformações lentas e progressivas incumbem-se de evolutivamente chegar à perfeição almejada por Deus. Estamos num estágio de experiência e transformação. Por isso, a construção ainda é um tanto estranha e aparentemente com defeitos, se vistas sob o ângulo humano. Isto não nos exclui do dever de lutar em prol da amenização de tantos sofrimentos e aberrações. A construção de Deus é perfeita, apenas ainda não está pronta.

Embora o possa, a leoa jamais abate vários alces para alimentar-se. Como os leões, toda gama de depredadores assim age, numa prova inequívoca de que o instinto é mais eficaz ao mundo do que o raciocínio.

As deturpações impostas pelo homem na crosta terrestre estão fazendo com que normas seculares se percam, perturbem-se, criando catástrofes assustadoras. Estiagens prolongadas, chuvas ininterruptas, achaques devastadores de insetos, aparecimentos de epidemias e toda sucessão de desordem intercalam-se no decorrer dos anos, num aviso sempre mais severo de que a Natureza não está coerente com a ação intrusa e desavisada do homem.

Se não se tomar consciência bem depressa deste problema, a humanidade poderá caminhar para um terreno tal de desequilíbrio, que a vida deste planeta poderá ser banida ainda bem antes de seu tempo prefixado.

Até então, o homem tem lutado apenas para remendar os estragos por ele causados. Na verdade, tudo um dia irá desaparecer, do vírus à imensidão das galáxias, já que somente ao Criador e aos espíritos por Ele eternizados, ficou assegurada a perenidade. Não foi dado ao homem poder algum para antecipar tais deliberações ou mesmo fazer interferências que martirizem a harmonia transitória de sua existência.

A Natureza sempre agiu como um aparelho medidor das ações boas ou más dos seus habitantes. Olhem uma selva incólume e percebam até o “sacrilégio” do som da voz humana, cortando o silêncio sacrossanto que reina ao embalo de piados de passarinhos e da ação dos ventos. É tamanha a beleza, que faz renascer no espírito da gente, a visão presencial de Deus.

Ainda hoje se luta para desvendar a verdadeira origem da vida, embora não se tenha conseguido, sequer, descobrir a fórmula eficaz de mantê-la. É preciso (e faz-se urgente) que se descubra e aceite a Natureza – representante das mais sublimes riquezas que é – como lição perfeita de harmonia.

Com sua tecnologia, o homem pode transformar um deserto em oásis; uma pedreira, em terra fértil; uma lagoa, em cidade; enfim, pode modificar os ecossistemas e, até mesmo, mais embelezá-los. Entretanto, não poderá desfazer o perigo dos lixos atômicos, dos blocos radioativos lançados ao mar ou mesmo soterrados.

A humanidade – representada nesta indicação pelas grandes potências – caminhou desordenadamente em busca de tanta radioatividade, que hoje, ainda que se conseguisse eliminar 50% dela, ainda sobrariam teores para destruir a terra 20 vezes pelo menos.

Alguém entregou aos racionais o domínio da terra, mas temo que apesar da onisciência do Criador, ele falhou na legação de tais prerrogativas. A Natureza deveria ser sagrada e não um mero objeto de explorações alvissareiras e criminosas.

Gostaria que isto não fosse uma profecia e, acredito piamente, que os louros de tais previsões jamais me servirão, porque a ganância dos homens destruirá, sem reservas, com as mãos sujas, esta coisa magnífica, maravilhosa e diversificada, que é a Terra em que vivemos.

LÊMINGUES HUMANOS
Não é preciso ser ecologista para entender as manobras biológicas naturais que sempre atuaram na hora precisa, a fim de assegurar, para cada espécie, o seu direito de conviver harmoniosamente com as demais criaturas. Sem esta visão de equilíbrio, torna-se extremamente difícil entender o suicídio coletivo das baleias; de certas aves migradoras; dos lêmingues; de determinadas espécies de insetos que insurgem contra tempestades; do paroxismo fatal dos novecentos e onze fiéis do fanático Jones, naquela tragédia coletiva de Jonestown na selva da Guiana em 1978 e de tantos outros em menor escala, que quase todos os dias acontecem, representados por suicídios coletivos programados. Se há um excesso, este terá de desaparecer, ainda que cruel e misteriosamente. Muitos seres vivos negam-se, em princípio, a se submeterem a concorrências exaustivas.

Inconscientemente, ou mesmo instintivamente, tornam-se vulneráveis à garra de viver, magnetizando para si até mesmo doenças irreais que os levarão, de início, a aberrações insensatas e, por fim, à morte pela falta de motivação. Num acúmulo de animais debilitam-se primeiro aqueles que se negam a lutar diante da grande e, para eles, injusta concorrência. Não há remédio para se evitar uma catástrofe generalizada neste desajuste humano, já que o único lenitivo eficaz é o extermínio do excesso. Como remediar tais doentes, se o único milagroso remédio é a morte?

Enquanto a Natureza destrói os excessos à nossa volta, limitamo-nos a olhar assustados para tais reações, sem jamais entender a lição simples da vida para os perigos de ascendimento exagerado da raça humana. Como concorrentes desleais, ocupamos os lugares de tantos extintos; continuamos eliminando espécies e galgando impensadamente os pórticos deste ápice suicida. É o homem, qual porco de chiqueiro, agredindo seu vizinho rival, para maior espaço, conforto e porção de lavagem.

E os nascimentos não param! Apesar de a subnutrição eliminar grande parte, sempre a diferença favorece a vida, e, assim, a cada dia que passa, mais a profecia apocalíptica aproxima-se. Os maiores sofredores serão mesmo aqueles que sobreviverem para ver. Os lêmingues humanos já estão afoitos em suas tocas. Qual chacais assustados, metem os narizes fora das tocas e farejam o ar infestado de morte. Nação contra nação, erigindo montanhas de bombas terríveis, capazes de destruir a humanidade dezenas de vezes – como se pudéssemos morrer mais de uma vez. Homens estúpidos e inescrupulosos à frente do mundo inteiro, mais irracionais do que aqueles que não pensam. A única afirmação indubitável para este estopim flamejante é a certeza da derrota de todos: o fim do Planeta Terra.

A política (quase que exclusivamente representada por homens que aceitam a ascensão infame sob um clima de venalidade, desonestidade, egoísmo e mentira) deixa no topo das decisões universais, homens, cujos pensamentos e decisões não vão além de seu valor e peso morais. Não foi por menos que Samuel T. Cohen, inventor da bomba de nêutron, afirmou sem escrúpulos, que a coisa que mais gostava neste mundo, era da saudação de seu cachorro. A bomba de nêutron destrói a vida, mas preserva a propriedade. É por pessoas dotadas de tais sentimentos que somos manobrados!

A sensatez e o respeito às diretrizes que assegurariam a vida decente neste planeta já não são reconhecidos sequer pelas igrejas, que se embrutecem ao desconhecer o caminho único da rarefação humana honesta através do controle rígido da natalidade.

É inadmissível a imposição aos outros de verdades próprias, pois a única verdade absoluta vem de Deus e n’Ele está. Além disto, há verdades individuais, aceitas por Deus pela convicção sincera de cada um, mesmo que falsas. E ninguém tem o direito de impor suas convicções; pode apenas divulgá-las e apresentá-las ao livre arbítrio de cada um. Por isso fomos feitos racionais e usufruímos, inclusive, da liberdade de escolhermos até mesmo nossa própria condenação.

Mas, agora, parece tarde. Está aí, em cima desta bola em que vivemos, pelo menos um efetivo três vezes superior ao seu suporte. E o pior de tudo é que mesmo assim poucos atentam para o problema.

Em cada canto, um míssil, uma bomba de nêutron, ogivas mortais, arsenais nucleares, foguetes, bombardeiros, submarinos, naves letais…. Uma programação, parece inadiável, para o genocídio total.

A Natureza já se ressente do aumento desordenado e maléfico do pior e mais irresponsável dos seres, escolhido pelo Criador para a manutenção do equilíbrio. E graças a este tão longo descaso à visão primária das leis que regem nosso planeta, o mundo vive atordoado, com uma adolescência que já não crê, sequer, na beleza da vida. Corre sofregamente sem direção em busca de aventuras e se imiscui na degeneração dos princípios morais. O mundo jamais viveu maior desamor, descrença e insensatez! Mas isto não quer dizer que não será bem pior nas próximas décadas.

Sempre admirei Einstein e jamais duvidei de sua genialidade. No entanto, ele suprimiria hoje “os paus e as pedras” da quarta guerra mundial, pois, acredito, não haverá ninguém para manipulá-los.

Elites desumanizadas comandam a sorte dos “lêmingues” e sapateiam fogosos no limiar da pista para a desenfreada corrida da morte. Não bastou o exemplo tétrico, e que deveria ser inesquecível, de Hiroshima e Nagasaki, e se passaram apenas 39 anos. Os estilhaços radioativos daquelas bombas, somados às detonações experimentais e aos acidentes das usinas, prolongam-se até os dias de hoje, gerando monstros, deformações e aberrações, dignas apenas do esquecimento da mais estúpida das amebas.

Nunca, até então, vi tantos errarem de uma só vez! Um mundo inteiro subjugando-se vexatoriamente aos caprichos de um ator ou de maníacos que o valham.

Carregam sobre si, a triste predestinação de destronar os detentores dos troféus infames de massacres universais.

Subjugam os países subdesenvolvidos com juros equivalentes aos seus gastos militares, extorquem-lhes as possibilidades de vida digna e aplicam um orçamento equivalente à solução da fome na Terra em programas maquiavélicos de armamento e destruição. Jogo político, e como tal, jogo sujo, de caprichos, de orgulho, de supremacia desumana.

As grandes potências são mantidas com o sangue sofrido das subdesenvolvidas. São as rainhas desta colmeia humana. Mas não devem esquecer – e aqui relembro certa e dura exortação – que sangue atrai sangue e clama por vingança.

Revertam-se os gastos de guerra em gastos para a alimentação e não faltará mais comida a nenhum ser humano da Terra. Se cada militar fosse um professor, um agricultor pelo menos!

De que nos serve o raciocínio, a inteligência?

Enquanto não ajustar a definição de política com aqueles que a exercem, os seres humanos viverão o inferno ainda em vida.

Minha temeridade já não é tanto para a guerra, que se ostenta como único meio eficaz de equilíbrio, mas sim, desta indução terrível que está desconsiderando a pureza, a sinceridade, a fraternidade e o amor.

Ou se refreia essa loucura, ou algo terrível acontecerá. O desequilíbrio da raça humana é gritante e suas consequências, estarrecedoras.

Meu medo é apenas de que simples botõezinhos acionem a morte total, sem o privilégio de deixar vivo um “único chinês” para contar o caso. Para ser sincero, acho que o próprio Criador lamentará mais pelos seus “besourinhos prediletos” do que pelo extermínio desta falha divina: o homem.

A FÓRMULA DA CRIAÇÃO
Ninguém melhor que o Senhor, meu Deus, para saber de minha procura honesta! As dúvidas ou incompreensões que me respingam, poderiam ser camufladas para muitos, menos para o Senhor, que sabe, até, dos meus fios de cabelo que restam.

O Senhor é onisciente, conhece nossas percepções, nossas inclinações, nossa honestidade. Quando engendrou o Universo, já naquele tempo sabia que hoje eu estaria aqui debruçado sobre esta escrivaninha, vasculhando as razões metafísicas do Espírito. Não há nada que tenha acontecido, que ora se faz ou que será daqui para frente, que não tenha ciência plena. É, em si, a energia pura e vital que circula em tudo; é a menor partícula que forma as coisas – e o “nada” que justifica a presença de tudo.

O Senhor é onipresente, está em toda parte, entranhado nas moléculas, nos átomos, nos neutrinos. Sei que por mais escura que seja a noite, a luz de seu poder percebe os meus desejos mais escusos. É a força constante que sobrevive a tudo, encorajando os convictos e desnorteando os incrédulos. Não há lugar que não esteve e não esteja em qualquer momento dos tempos.

O Senhor é Deus, princípio supremo, infinito e eterno, divino e criador, reconhecidamente perfeito. Sua sabedoria transcende as possibilidades de nossa compreensão, e nossa razão mergulha nos mistérios sutis de Sua perspicácia. Não há nada que pudesse ter sido feito melhor, colocado em outro lugar, despojado de qualquer peça. Assim o exige a perfeição, segundo o princípio de quem é perfeito.

Um dia, parou no tempo, tomou de uma folha, rabiscou, calculou e por fim fez a maqueta do universo. Estando tudo perfeito, o Senhor deliberou: FAÇA-SE. Estava criada a obra prima do Eterno. Tudo perfeito, nas distâncias, nas órbitas, nos tempos e no espaço. Entusiasmado, o Senhor resolveu povoar sua maqueta e foi aí que aconteceu a única e imperdoável desdita de criar o homem.

É este homem que me deixa perplexo ante a onisciência! Não consigo entender como o Senhor, sabedor de todo o futuro, pôde aceitar a imperfeição humana. Não poderia fazer com que as nossas inclinações pendessem para o bem? Afinal, que diferença haveria se ao invés da ganância, optássemos pela fraternidade, sem o cunho da abnegação a exigir tanto desprendimento e esforço; se ao invés da vingança, estivéssemos afeitos à compreensão, ao perdão; se em lugar dos ciúmes, da inveja, de todo o mal, imperasse a determinação indomável de agir de modo contrário. Que diferença faria ao Senhor, se todos fossem bons? Por que não nos fez todos, irremediavelmente bons?

Teria o Senhor usado a fórmula dos contrários para engendrar Sua criação? É bem possível, pois assim tudo atesta, já que a própria bondade e perfeição não existiriam, se para comprová-las não houvesse a maldade e a imperfeição. Qualquer coisa, denominação, ser material ou abstrato, só subsiste diante de seu adverso. Como poderíamos reconhecer qualquer potencialidade, se fosse absoluta? Toda noção existencial não o seria, se não houvesse algo contraditório para afirmá-la. Jamais haveríamos de entender a Supremacia Eterna de Deus, se não existissem as falhas e as maldades para enaltecê-la. Como poderíamos entender o que é bom, sem o mal para constatação?

Deus Criador usou a fórmula dos contrários para arquitetar sua maqueta, razão única e explicável de como um ser inteligente, perfeito e poderoso, permitiu a infiltração dos males. Sem isso, as prerrogativas de onisciência, onipresença, sabedoria e divindade, estariam comprometidas perante a criação, que não teria condição de assim O reconhecer.

Somos os únicos seres criados com inteligência, capazes de usufruir a felicidade plena, sem, contudo, fugir da possibilidade do inferno. Os maus, pela lei da criação, sempre existirão, a fim de que se afirme o valor da abnegação, do sacrifício e da fé dos bons. Mas não seria possível ao Mágico dos Mágicos usar outra fórmula? Por certo, não.

E todos estes males parecem encontrar respaldo nos direitos de liberdade dados a nós por Deus. Ele respeita nossa escolha e não obriga ninguém a caminho algum. Implanta em cada ser o dom inato da escolha certa (consciência), pela qual o mais estúpido dos homens sabe ver e sentir o real caminho a tomar. Mas, não obriga a nada; não usa, senão, a persuasão do exemplo deixado por Seu Filho. É uma questão confusa, que embora sem nossa compreensão, existe, obrigatoriamente.

É como se dissesse: há uma corda para atravessar este abismo. Do outro lado há tudo de bom. Podem passar e cuidado para não cair. Segurem-se bem, andem com cuidado e precaução. Torço por vocês. Mas, a corda é frágil, bamba, difícil… Muitos, apesar de todas as boas recomendações, não tomam o devido cuidado. Escorregam, desequilibram, caem e se perdem.

Não consigo entender, senão desta forma, o porquê de a Bondade Infinita permitir indiretamente as condições irreversíveis. Para a mente humana fica difícil entender qualquer erro sem preço. Por mais infame, desumano e cruel que seja o dano, deveria, a meu ver, existir um preço compatível, que não o castigo infinito e eterno. Mas assim terá de ser, para que os eleitos, dentro da fórmula utilizada para a criação, tenham em si a legitimidade da felicidade perene.

Para cada coisa, uma outra contrária.

PASSEANDO PELAS SUPOSIÇÕES
Presumivelmente, conforme pesquisas, a vida existe em nosso planeta há dois bilhões de anos. Contudo, nossa galáxia, com mais ou menos um bilhão de planetas habitados (?), subsiste há quatro bilhões de anos. Dois bilhões de anos, pois, foram necessários, para que seres de outras galáxias, com vida há mais de vinte e seis bilhões de anos, alcançassem a capacidade de dar uma chegadinha até aqui para um convescote, de cujos resquícios ou migalhas biológicas, supõe-se, originou a vida. Se a vida aqui chegou por acaso, ou realmente foi engendrada diretamente por Deus, são perguntas ainda desafiadoras em nível do entendimento humano. O que não se pode duvidar é que aqui estamos acompanhados de um número desarrazoado de outros seres, nascendo e morrendo a cada segundo, no eterno rodízio das transformações de Lavoisier.

Como se fez tudo isto? De onde veio? Como terminará?

Em princípio, os pobres de espírito serão sempre bem-aventurados, mesmo porque, retirarão apenas de seus dias, a ingenuidade pura de respirar e comer para viver. Para os preocupados fica a curiosidade de saber os porquês daquelas coisas que tanto neles, quanto nos tolos, desempenham as mesmas funções.

Segundo os cosmólogos, ainda restam a este mundo mais de 80 bilhões de anos – isto se as terríveis pastas dos cientistas, as quais bem se referiu Krutchew, não modificarem a opinião de reverter a fórmula “bem da humanidade” para “bem prestígio”. Com esta margem astronômica de tempo pela frente, esta humanidade fetal ainda se dá o infortúnio de manipular, desavisadamente, elementos perigosos. Com isso, tiramos os pés da relva verde e inofensiva para metê-los em cima de minas traiçoeiras.

Aí está: a realidade de hoje provando a ficção de ontem, e a ficção de hoje prevendo a destruição do amanhã. Disparates nauseantes e fantásticos de mentes extrovertidas do passado se coadunam em nossos dias, formando a realidade hodierna ou a triste possibilidade futura.

Das (para nós tolos comodistas ou cientistas amadores) milhões de informações existentes numa cabecinha infinitesimal de espermatozoide à infinita grandeza das galáxias (as galáxias compõem-se de corpos celestes e têm um diâmetro de 50 mil anos-luz, possuindo em média, 100 bilhões de estrelas), está encerrada toda uma ordem de aparentes mistérios. Talvez seja necessário que o homem não perca tempo para desvendá-los no curto prazo de 26 bilhões de anos.

Ainda no útero, esta humanidade já conseguiu a fórmula de se autodestruir, enquanto se debate vexatoriamente em dominar um estúpido vírus cancerígeno, que parece nada mais ser do que um fantasma desta síndrome populacional que direciona a humanidade para uma corrida amoque, em busca de um suicídio coletivo, objetivando normalizar este excesso cruel a que nos permitimos chegar. É o homem desistindo diante de tanta competição.

Perante esta imensidão toda, de quasares, de plasma, de átomos, de ondas eletromagnéticas, de bombas de cobalto, de fissão nuclear, de todas estas coisas que mais nos criam problemas do que beneficiam a humanidade, chegamos à triste conclusão de que um asno é mais inteligente que nós.

A quem interessará tanto saber dos milagres genéticos que conseguem, da fusão de 46 cromossomos, tornar infalível os delineamentos hereditários, se uma choca de pintos escorraça um filhote, embora parecido, que se intromete em sua ninhada? Para quê saber de todas estas coisas, se elas acontecem por si mesmas e perfeitamente? Em muitas coisas, o homem tem sido um intrometido indesejado, nefasto e não grato. Por que querer antecipar tanto certas coisas que evolutivamente tendem à perfeição? Com toda esta pressa, os homens acabarão prejudicando esta evolução lenta da qual deverá surgir a perfeição. Deus ainda não terminou sua obra e com tanta interferência do homem, poderá até não a concretizar.

Na verdade, a curiosidade humana pretensiosa e sem humildade, vai além da sua necessidade de ser. “Quem quiser instruir-se deve em primeiro lugar saber duvidar, pois a dúvida do espírito leva à descoberta da verdade”. Como Aristóteles, poder-se-ia citar um rosário de nomes célebres que tantas coisas esclareceram e descobriram. Diante de tantos enigmas, de tantos aparentes mistérios, de tantos fenômenos inexplicáveis, de tanta imensidão e principalmente, pequenez infinitesimal, como uma criatura que se diz discernida e inteligente, pode querer relegar ao ACASO, uma capacidade criadora tão fenomenal?

Que seria o acaso?

É verdade que procede a acusação dos materialistas, de que certas convicções religiosas atrasaram em um século o progresso científico. Não é menos verdade que a aceitação do espírito incomoda sobremaneira os materialistas. De qualquer forma, somente aos incautos cabe lutar contra o que não existe. Serão eternos D. Quixotes à procura estúpida de vencer o inexistente.

Diante das maravilhas que coordenam este infinito, ao entusiasmo de Leibniz (“Decidi estudar a Natureza e através de sua constituição, explorar os seus segredos, o que, depois das eternas, figura entre as coisas mais sublimes deste mundo”), há sempre que se ostentar a mão do ACASO que, preferencialmente, chamo de Deus.

JULGAMENTO
A profundidade de nossa culpa é uma medida bastante complexa que, não raras vezes, é esquecida pelas leis universais. Penso que, quando entregou a Moisés as tábuas da Lei, Deus não quis definir o que era pecado ou deixava de ser.

Apesar disto, há muitos que assumem culpas indevidas de determinados atos, importando-se apenas que estejam impressos nos dez mandamentos. Já foi dito alhures, que cada um de nós será julgado separadamente, pois a extensão da culpa será medida pelo conhecimento pleno das consequências de seus atos. Por isso, diz um dos mandamentos:

NÃO MATARÁS. Matar o semelhante é contra a Lei de Deus, sendo crime de desamor eterno para aqueles que, conhecendo tal erro em toda sua extensão, praticam-no mesmo assim. Contudo, não haverá, senão por extrema coincidência, castigo divino igual para dois assassinos, porque são quase impossíveis o entendimento e a intenção daqueles que o praticaram.

Agrupando partículas infinitesimais ativas, Deus engendrou o universo, desde as coisas animadas até seu adverso inanimado. Cada partícula ativa representa uma gama de variações incríveis, sujeita que é a inúmeras reações. Isto tolhe toda e qualquer possibilidade de sermos iguais, inteiramente iguais. Por isso, quando praticamos qualquer ato, qualquer bem, cometemos qualquer crime, sofremos qualquer perturbação, enfim, quando agimos ou reagimos diante dos percalços da vida, nunca as coisas se passam da mesma maneira em todos nós.

Somos uma rede complexa, inumerável e infinita em suas ramificações sentimentais e culturais.

Matar, pois, pode ser um crime hediondo; um crime; um acidente; um ato de amor – dependendo apenas da idiossincrasia, da personalidade, da visão e da formação moral de quem o praticou.

É na mente humana que está encerrada a sorte no julgamento. Cada um de nós tem a vida inteira para pensar e escolher seu futuro. Há tempo suficiente para elucidar toda e qualquer dúvida e chegar a uma convicção plena de suas diretrizes, que nada mais significará que sua ortodoxia religiosa. O homem de hoje há de convir, que um ecumenismo perfeito se infiltra em cada coração, num acontecimento natural de que nada é mais pernicioso do que tentar incutir, à força, certos preceitos ou religião. Cada um deve escolher seu próprio caminho, desde que este não venha de encontro ao bem-estar de seu semelhante, físico ou moral.

A Igreja Católica, que tem sobre si (pela Inquisição) o demérito de equiparar-se aos maiores genocidas do universo, penitenciou-se sobremaneira com o Concílio Vaticano Segundo. No entanto, vez por outra, como esquecidos da lição triste da Idade Média, alguns sacerdotes intrometem-se em campos aquém do espírito e subvertem os santos princípios de uma religião verdadeira. Todas as vezes que qualquer seita ou religião investe no campo político, fica suscetível de erro e subtrai-se à função honrosa e específica de cuidar apenas dos problemas espirituais. Porque o reino que defendem e proclamam, não é deste mundo.

Os que não conseguem abster-se de tais investidas justificam-se, afirmando que os que se calam é porque estão bem posicionados socialmente e nada têm a reclamar; os que assim se encontram, acusam os inconformados de incompetência para se igualar a eles. E assim, entre inconformados incompetentes e competentes desumanos, a vida vai seguindo sua direção, como foi e como sempre será, queiram ou não os competentes e os inconformados.

Qualquer investida em campos não condizentes com a formação, direito e vocação, deve ser regrada e mantida sob um clima de compreensão, nunca de posicionamento hostil e categórico.

Não acredito que Deus irá cobrar a falta de terra aos religiosos, nem tampouco a falta de administração da Eucaristia aos generais. Todos nós temos obrigação moral de lutar pelo bem social – principalmente, e mais especificamente, os órgãos eleitos para este fim.

Ou se respeita os cargos e as funções, ou estaremos caminhando para intromissões ainda mais desastrosas.

O mal do mundo parece residir em se querer saber pouco do muito. Os polivalentes em geral, são fracos e meros polivalentes. Mais sábio é aquele que sabe tudo do “micuim” do que aquele que sabe um pouco de toda a fauna.

Que cada um desempenhe (e o faça plenamente) o seu papel, nesta quase tragédia da vida humana, sem tanta preocupação com o desempenho da função de seus semelhantes.

Nestes milhares de anos que os hominídeos apareceram, também milhares de gerações se sucederam. Cada uma carrega consigo todo um grupo de ideias praticamente homogêneas de determinada época. Isto faz-nos cônscios da caducidade humana e da ineficácia das religiões, quando se prendem tanto ao bem-estar físico das pessoas. “O meu reino não é desta terra”.

Os céus estão aí para os abnegados, os sofredores resignados, os pobres de espírito. O próprio Jesus Cristo nunca elogiou os desajustes sociais, pois sempre pregou, vejam bem, pregou a justiça social, mas não a exigiu sob coação, pelo menos, neste mundo. É o respeito ao livre arbítrio de cada um. Ninguém melhor do que Ele sabia, já nos primórdios de nosso aparecimento, que carregávamos dentro de nosso ser sentimentos diferentes, que receberiam julgamentos particulares e específicos.

Quanto maior o esclarecimento e o conhecimento, maior o peso e a extensão de nossas culpas. Não seria mais convencedor ver nisso, a predileção do Senhor aos não afortunados e pobres de espírito? Ninguém põe em dúvida a diferença de um crime cometido, ora por um homem religiosamente culto, ora por um aborígine simplório, cujo avanço cultural não conseguiu ir além do uso do arco e da flecha. O preço do conhecimento, diante das coisas espirituais, não é muito lisonjeiro.

Para ser sincero, tenho admitido em minhas noites de insônia, a perniciosidade do conhecimento, pois sem ele eu não estaria tão tenso diante do porvir; tão preocupado com as coisas do além. Percebo com certa inveja, em rincões perdidos desse ainda pequeno mundo natural da Amazônia, gente, cuja única preocupação é conseguir o alimento de cada dia.

Mundos diferentes, pessoas diferentes, talhadas, indiscutivelmente, para lugares diferentes. E nós, teremos na sala desses bem-aventurados Pobres de Espírito um cantinho para ficar?

ASSIM NASCEMOS
Para ser sincero, não queria ser o que sou! Gostaria imensamente de extrair de mim as marcas congênitas que me identificam. Queria ser o Deus de minhas pretensões, o forte de minhas determinações, o purificado de minhas intenções. Queria sentir o prazer que as crianças sentem ao rolar bolinhas de gude pelos quintais, a conformidade dos adultos modelados a viver apenas para servir. Queria ser mesmo levado pelo instinto dos pássaros, que esvoaçam pelo céu sem horários, preocupações, escrúpulos ou preconceitos.

No entanto, em um dia, moléculas de ADN, no quebra-cabeça da montagem da escada vital, lançaram-se no mistério de minha geração – dote pelo qual, quem sabe, cada erro deverá ser perdoado e, cada virtude, castigada. Porque, à priori, não somos nós os responsáveis, senão, pelos excessos de nossas inclinações, adulteradas, acrescidas ou simplificadas pelo nosso maior ou menor esforço.

Não devemos julgar o próximo, pois cada erro poderá ser atenuado por comandos irresistíveis de nossa montagem. Pela mesma forma, é mais fácil sacrificar os extremos de toda abnegação do que abster-se de uma falha, ainda que venial.

Seremos sempre, e em cada geração mais profusamente, uma consequência do entrelaçamento misterioso de genes, que irão decidir e guiar nossas decisões e nossos atos. E assim, o bom não será tão merecedor, e o mau, não tão perverso.

O homem é antes de tudo uma peça extremamente perecível, jogado na vida, ao sabor dos contratempos emocionais. Cada um tem seu grau de resistência, recebido sem consulta, num dia qualquer de muito amor, num momento inesperado de ódio, num tempo impensado de loucuras. E ali, numa célula quase invisível, vão traçadas todas as inclinações, todos os desejos, todas as aptidões, todo bem e todo mal. E a gente cresce, vai vivendo, e sendo julgado como responsáveis diretos pelas falhas que, quase obrigatoriamente, somos forçados a praticar.

É justo que se combata o mal; não tão humano, que se destrua o malfeitor. Antes, ele é um robô mal programado pelas contingências da origem. E toda esta gama complexa de comportamento encerra a luta por uma verdade e por uma justiça, incapazes de serem conseguidas na primeira fase da existência, a desta terra. É muito fácil ser justo, quando a justiça se torna uma necessidade peremptória de nossas inclinações. Muitos praticam o bem, porque isto lhes é uma ordem interior, quase que ditatorial. Outros fazem o mal, porque isto lhes é praticamente incontrolável. E nessa visão radical de ver a vida sem se importar com o meio termo, temos de reconhecer que, todo supremo bem e todo mal total jamais deixarão de ser impulsos quase indomáveis, engendrados num momento de amor, ódio ou instinto.

Normalmente, somos feitos pelo sexo e rolados como pedras brutas pelo despenhadeiro da vida. A raça humana sabe dar o início e a continuidade: jamais prever o fim.

QUE HOJE EU SORRIA PARA NÃO CHORAR NO FUTURO

Não saberia mesmo se devo maldizer ou não esta angústia que ora se infiltra em meu ser. O sofrimento espiritual, quando nos vem de fora, excluindo-nos da culpabilidade, reaviva nossa inspiração ao triste. Os pensamentos divagam entre lembranças, traz-nos o passado – uma parte dele. Olhos fixam-se sem ver, como a não perturbar a divagação dos pensamentos – e eles caminham, infiltram-se vagarosamente no nosso âmago.

Não há nada neste mundo que não possa ser reciclado com proveito. As alegrias e as tristezas adubam o futuro. As desilusões são como mudas desfolhadas de uma linda roseira. Não é difícil batear das maldades, das traições e dos fingimentos, o brilho de seus opostos. Sinto-me um ramo massacrado, jogado ao léu.

Viajando, ouvi o som de suaves melodias que me avivava o subconsciente. Mistérios indefiníveis, obscuros, recalcados, criados nesse vale de lágrimas. Mistérios profundos, que um dia vivi.

Agora vivo mais um momento de descrença – é mais um recalque para futuras inspirações. Como as que agora se afloram, aquelas também terão seu tempo para subjugar-me ao desalento.

Sei que sou uma consequência do mundo, ora cão, ora cheio de esperanças; sei que terei em cada parcela do futuro, sorrisos e lágrimas do passado. Oxalá você tenha um presente sadio: ele será a garantia de sua futura felicidade.

A gente sempre será uma máquina programada pelo meio associado. As contingências da vida criam nossa personalidade. É preciso mais se auto educar do que aceitar a educação que nos impõem. Este mundo haverá de reconhecer, um dia, que o livro da vida deve ser lido, mas que as trilhas apresentadas figurem apenas como opções. Que nos mostrem como crescer, mas que florescer e frutificar seja por nossa conta. A inadimplência destas exigências preliminares de nossa liberdade subjuga-nos, incrementando em nosso subconsciente, a falta de motivação pelas belezas da vida.

Talvez seja por isso que hoje prendo as lágrimas, que sinto forçar meus olhos no afã de desabafar, de retirar ou remendar um passado que me foge à lembrança. Mas sei que existiu, que doeu, que foi injusto, que feriu, que desrespeitou meu senso de justiça, que voltou, enfim, neste rodízio implacável da existência. Agora estou vivendo o futuro de ontem.

O conhecimento tolhe a liberdade em sua essência. Tenho inveja dos irracionais que caminham impulsionados pela intuição, buscando em cada minuto, o espaço que seus olhos alcançam. Tenho inveja de todos eles, porque sei que sob o calor tropical, debaixo das neves ou encimados pelo luar afável de alguma parte do Universo, dormem tranquilos, sem a insônia que o privilégio da racionalidade me delegou.

Amanhã, para muitos, um novo dia nascerá. Oxalá, seja ele o marco, o fim dessas angústias e o início da confiança nas coisas lindas que somente os olhos do espírito enxergam. Que meus olhos e espírito sejam sempre puros!

TRADUZINDO O PENSAMENTO DE MINHA MÃE

– Que foi, meu filho?

– Nada mãe, por quê?

– Há dias vejo você cabisbaixo, meditabundo, como que triste…

– Nada demais, mãe. Estou apenas pensando.

– Pensando o quê?

– Não adiantará dizer, mamãe. O que estou a imaginar são coisas que acho por demais profundas para a senhora. Desculpe-me, mas não irá entender.

– Pode ser!

– A senhora praticamente não estudou. Quando meus avós vieram da Itália, não podiam e também não se deram à preocupação de educá-la. Bem sei que mal aprendeu a assinar o nome e a soletrar vagarosamente as palavras. E eu estou – como pensador diletante – imaginando certas dúvidas que ultimamente me afetam a alma. Por isso, acho que, realmente, a senhora não irá entender.

– É que fico preocupada. Em geral, a gente fica assim quando pensa estar vivendo um problema sério, que normalmente nunca o é.

– Bem mãe, é que eu estava a pensar se realmente não haveria uma solução, uma fórmula simples de se resolver o problema de nosso planeta. Sabe, desde que a vida aqui foi deixada como resquício de um convescote de seres espaciais intergalácticos; por fragmentos de outros mundos que aqui, sem concorrência, proliferaram-se e evoluíram; por criação divina ou aparecimento espontâneo; enfim, desde que tudo isto se fez, não mais houve um momento de paz e compreensão entre os homens. As desavenças – contrariando o senso dos que acreditam nela como consequência da luta por um lugar ao sol – desde o início já se afirmavam na inveja de Caim. A ganância infiltra-se até mesmo nas famílias, e não se pode ficar insensível ao descaso de tudo o que é amor, aos erros sucessivos, às lutas ideológicas, aos procedimentos desumanos da manipulação pela força, à realidade que se nos apresenta enfim.

– Meu filho, como imaginava, não entendo bem o que está falando. Contudo, percebe-se que está agoniado, decepcionado com os homens.

– É, mãe. Por que não pode ser diferente? Que diferença faria se no lugar de todas as falhas, proliferassem as virtudes? Imaginemos um mundo sem armas, sem bombas, sem soldados, sem assaltos, sem exploradores, sem imoralidades, sem chefes maníacos, sem divisas, sem dinheiro sujo, sem mentiras, sem políticos oportunistas, sem egoísmo… sem tudo o que estamos vivendo ultimamente.

– O céu virá depois que a gente morrer, filho! – Interpelou minha mãe.

– Não, mãe, não digo isto como pretensão póstuma. Se seus contrários existem e são melhores para nós, por que temos que nos martirizar com a aceitação do que nos é pior?

– Mas há os bons, meu filho! Esses que vivem no mundo exatamente como você acha que deveriam viver.

– Mas, são tão poucos!

– Apesar de poucos, eles representam a fórmula que procura em suas meditações.

– Ora, mamãe! A senhora quer dizer que sabe como ser justo com o semelhante, ou melhor, sabe como vencer esta forte inclinação que nos induz ao mal?

– Sei sim, meu filho. A fórmula é bem mais simples do que pode imaginar. Mais simples do que a fórmula desse Einstein de que tanto fala, porém muito mais importante que ela. Não é preciso perder noites pensando; não é imprescindível remexer livros. E uma fórmula acessível a todos, que de tão simples, transcende os interesses dos grandes.

– Ora, mamãe! Na verdade, não posso acreditar que a senhora saiba, mesmo porque, nunca me falou disto.

– Falei sim. Toda minha vida falei dela. Trabalhei tresloucadamente para criar você e seus irmãos. Jamais tive, sequer, tempo para passeios e futilidades. Hoje estou cansada. O peso dos anos recurva-me ao chão e minha mente confunde um pouco as coisas. Contudo, sempre fui feliz e jamais precisei usar de subterfúgios para sobreviver. Diante de toda miséria e opressão, sempre pude ser digna.

– Pelo amor de Deus, mãe, qual seria a solução para os homens?

– Você acaba, sem perceber, de encontrá-la. A solução para o mundo, meu filho, é DEUS.

– Deus?

– Está vendo, meu filho? Fala d’Ele como se estivesse falando de um estranho.

– Desculpe, mamãe!

– O dia em que os homens não impedirem que Ele viva neles, todo o erro esmaecerá como plantas deixadas ao sol. Porque é Ele quem consegue tornar belo o sofrimento; quem enobrece a submissão; quem enaltece o trabalho; faz bonito o feio; suaviza nossa missão e transcende num milésimo de poder, toda a maldade do mundo. Às vezes imaginamos que Ele não se importa com este mundo, mas você sabe que ninguém se importou tanto com ele, que enviou o próprio filho para que todos os que quiserem, possam ser felizes eternamente. Sabe o que é, filho: não tente retirar a lâmpada de um poste muito alto sem o auxílio de uma escada. Ande direito, pense menos, não faça coisas erradas e acredite, Deus não nos colocou neste mundo para sermos infelizes.

DEUS OU ACASO?
O homem tem se preocupado muito em desvendar a Metafísica, buscando sedentamente a razão das coisas. Até aonde vai a razão, ele consegue avanços, mas, infelizmente, sua razão é limitada, quase inexistente em relação ao Criador.

Das conclusões sobre a existência de Deus a que chegaram os primeiros pensadores sensatos, à revolta daqueles que sempre viram no Ser Supremo, engates atravancadores de seus sistemas de vida, jamais deixou de transparecer: nos primeiros, a conclusão lógica das verdades irrefutáveis; e nos segundos, as constantes contradições daqueles que tentam forjar números no fechamento de uma escrita contábil.

Torna-se difícil alcançar grandes progressos na comprovação abstrata das forças espirituais, favorecendo aqueles que questionam o improvável. Por certo, bem mais cômodo é questionar do que provar.

Nossa capacidade intelectual, ainda no ABC do entendimento pleno, não consegue explicações matemáticas exatas e lúcidas para explicar toda a Metafísica. Não se consegue, enfim, incutir nos incrédulos, o valor intrínseco do pensamento como fator único para a admissão da existência de um ser Criador.

O mundo estará desorientado, perdido no universo da efemeridade, envolto no passageiro, iludido nos segundos, enquanto a perenidade soar-lhe como um todo, contrário às suas pretensões materiais.

Realmente, difícil será, pelo menos nos próximos milhões de anos, o aparecimento de uma fórmula contundente, que faça desmoronar a teimosia dos que se deleitam em negar tudo aquilo que somente a fé explica.

Em vista das tendências cômodas do homem, a existência do BEM sempre será entrave.

A negação de um Ser Supremo, por si só, representa a mediocridade da razão que o nega. Um pensamento evoluído e sadio, caminhando imaginariamente pelas galáxias infinitas e voltando a enclausurar-se entre as medidas infinitesimais da menor partícula existente, há de abalroar, em todo trajeto, nas incontáveis comprovações de que o acaso só poderá subsistir em mentes limitadas.

Em tudo o que se transforma, acontece, nasce e perece, há sempre a determinação natural do perfeito, do justo, do imodificável.

Embora julguemos erradamente a Deus pelas coisas que nos acontecem, não entendendo a razão de tais ou aparentes injustiças, ou justiças vingativas, haverá sempre atrás de tudo, o porquê perfeito, a causa justa, o efeito certo, para se atingir o fim solicitado. Na verdade, a gente pede uma coisa e, respaldado no “pedi e receberei”, não consegue aceitar a negativa, mesmo porque esquece que a gente sempre recebe o melhor para nós e, não exatamente, aquilo que pedimos. É como se se passasse a vida pedindo para ganhar uma quantidade astronômica na loteria, esquecendo que, se acontecesse, certamente faria com que se tornasse um homem sem humanidade, duro, empedernido, totalmente sujeito aos prazeres deste mundo. Teria, temporariamente, uma vida de rei, mas o fim seria desastroso. Apenas para lembrar:
“Havia certo homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele, e desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico. Os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas.[2] Morreu o mendigo e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão.[4] Morreu também o rico e foi sepultado. No inferno, estando em tormentos, ergueu os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio. Então clamou: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.”[6] Mas Abraão respondeu: “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, ao passo que Lázaro somente males, mas agora ele é consolado e tu atormentado.”[8] “Além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá passar para cá.”[9]

Tudo o que foi feito e o que acontece é rigorosamente justo, embora fuja ao entendimento limitado das criaturas. Porque, conhecendo a essência das coisas, Deus as fez da maneira perfeita. Assim, tudo o que é ruim, provêm dos distúrbios infligidos às regras supremas da perfeição, como se jogasse areia no comando de força de um engenho.

O mundo em que vivemos, assim como o universo num todo, foi criado com o maior senso de perfeição, no que tange à capacidade suprema do Criador. E somente os homens – cujo alcance de abnegação atingiu os páramos do pensamento profundo – conseguiram emitir suas ondas de compreensão e alcançaram a fé sensata de acreditar no invisível como fonte do visível e sem o qual, nada existiria. Por não conhecer o artesão, não se pode negar a existência da obra palpável; por não se conseguir explicar condignamente a essência da criação, não se deve pôr em dúvida a sua existência. Para tudo sempre haverá uma razão, uma explicação.

A quantos os trovões assustaram, antes que se descobrisse que tudo não passava de trocas elétricas entre a terra e as nuvens sobrecarregadas; quanta dor “martirizou impune” antes que Wells e Morton principiassem, pelo protóxido de azoto, a descoberta definitiva dos anestésicos; quantas mortes causaram os germes, antes que Pasteur flagrasse-os em ação; quanta morosidade atrasou a comunicação, antes que Bell descobrisse que nossa voz poderia ser levada por meio da eletricidade, a ressoar num disco distante, inventando assim o telefone; quanta escuridão reinou nas noites, antes que Edson descobrisse um filamento qualquer que pudesse resistir as altas temperaturas e gerar luz; quantas maravilhas nos legou Marconi com a telegrafia sem fio, com o rádio etc.; quantas coisas existem hoje que nos fascinam e embasbacam, que seriam em outros tempos, fenômenos de magia negra. E em toda história, grande número de mentes privilegiadas, predestinadas ou abnegadas, receberam quase sempre a incredulidade das mentes incapazes de entender coisas tão sutis.

Não será por menos, que muitos pensadores, imiscuídos da incapacidade de alcançar o limite elucidativo da existência de Deus, preferem negá-Lo, no afã de sublevarem suas mentes embaraçadas.

A existência de Deus é a única verdade absoluta, pois não se pode conceder ao acaso, tanta sabedoria, perfeição e beleza.

Quão hilariante seria, um Júlio Verne moderno, que fantasiasse a imaginação com previsões fantásticas para o ano três mil. Pois, o que ainda está para ser destapado, é muito mais do que já se descobriu, e, não obstante aos “cegos” delineie-se a sabedoria dos ínfimos elementos, aos sábios ostentar-se-á, cada vez mais, a certeza de que tudo se fez, graças ao poder incomensurável de um ser, totalmente Grande, Inteligente, Poderoso….

No entanto, a computação humana está programada para um senso comum de respostas e comprovações, variáveis de pessoa a pessoa, conforme suas idiossincrasias. Por isto é que humanamente falando, jamais haverá uma verdade absoluta para todos, posto que um bom jogo de palavras consegue deturpar as verdades, em detrimento de sua essência pura. Perdem-se nisto muitos pensadores que, após disporem as palavras, admitem ter encontrado as premissas atestadoras da verdade. “Já se tem a verdade de ponta-cabeça, quando o advogado consciente do nada e da negação, vale como representante da verdade”…

Penso, pois, que todo pensador que nega a subsistência após a morte, nega-se a si próprio, iludindo-se em falsos silogismos, como quem se debate estupidamente em pôr dúvida no que tem como certo.

Há de se perdoar o ingênuo, o ignorante que vê uma imagem na televisão, um ovo eclodir, uma estrela brilhando, um raio cortar o firmamento… sem jamais atentar para as causas que fizeram tudo aquilo acontecer. Inadmissível, porém, torna-se àqueles que compreendem tais fenômenos e os consideram dentro dos limites simples do acaso. Que os primeiros atestem a não existência de Deus, é compreensível; quanto aos segundos, diminuem-se perante os primeiros, quando tentam esconder a verdade sob o véu esburacado da evidência.

Por enquanto e, quiçá, durante toda a vigília humana neste planeta, será impossível a comprovação palpável de Deus. “É bastante sabê-lo, sem compreender”. “É aqui o momento de reconhecer a profundidade e o abismo da sabedoria divina, sem buscar um esmiuçamento que envolve considerações infinitas”.

DEMONIOZINHO ANGELICAL
Seus olhos são o retrato da pureza, da naturalidade – o cristal luzidio, onde ainda não se assentou a poeira da malícia. Irrequietos, perscrutadores, inquiridores, passam de um lugar a outro, na insaciabilidade de visualizar as novidades que os circundam. Admiram cada flor, como se nelas estivessem ostentados os retalhos vivos da policromia e das formas perfeitas, o cheiro embriagante e angelical: a formosura invulgar do Artesão Divino. Como as cambaxirras saltitantes, vão aqui e ali, vislumbrando, pesquisando, descobrindo essas coisas que foram deixadas e feitas só para ser um recanto de sua efêmera albergaria. Como milagre, fitam as coisas imundas, sem delas se imiscuírem – não há nada que ultrapasse o filtro de pureza de suas pupilas.

Suas pernas ainda cambaleantes e trôpegas equilibram mal seu corpanzil, que vai de um lado a outro, levado que é pelo instinto de caminhar, caminhar…. Quantos lugares irão pisar! Quantos perigos, quantos favores, quanta incerteza! Cansadas, sempre caminharão, daqui para acolá, em busca quase de incertezas apenas. Mas sei, irão caminhar bastante, irão levar e trazer paz e discórdia, no eterno rodízio da vida.

Suas mãos, hoje pequeninas e macias, amanhã já não serão mais assim. Serão seu sustentáculo: a bênção e o castigo. Quanta fome irão saciar e quanta sede também! Empunharão a justiça, acolherão o desvairado, ajudarão o oprimido – matarão – quem sabe! Quantas lágrimas poderão enxugar; quantas irão criar, quantas carícias elas já têm em si!

Criança!

Sua boca tenra degusta tudo ao alcance. Quanta discórdia poderá semear, mas também (e é função específica), quanto amor irá esparzir. Poderá transmitir a verdade, a compreensão, o saber. Poderá fechar-se para as sobras que debilitam tantos irmãozinhos. Como representante e defensora do corpo, poderá dizer coisas lindas, edificantes, salvadoras, educacionais, quiçá simples, mas imbuídas dos resquícios puros do coração.

Seus ouvidos, que agora escutam tudo, poderão entregar-se aos caprichos da maledicência, ou recuar ante a flama maculadora dos bons princípios. Poderão aquiescer-se ao som das Bem-Aventuranças, sublevarem-se ao sibilo suave do Sermão da Montanha, deleitarem-se nas lições do saber digno, mas (queira Deus que não), poderão, outrossim, amesquinharem-se no jogo sujo dos covis, nas reuniões incautas da traição, na pena infame do interesse.

Seu cérebro – ponto central de sua personalidade – definição perene de sua conduta, máquina impulsora de seus sentidos, para aonde o levará? Que sorte fará recair sobre si, criancinha imbele? Seu cérebro, totalmente virgem, como uma fita magnética, está atento a tudo, gravando e arquivando continuadamente. Pouco a pouco, as folhas vão sendo selecionadas, até que se possa encontrar o saldo médio dos primeiros resquícios de sua personalidade. É tão pequenina, minha criança, e qual animalzinho, locomove-se ao bel prazer do convite de seus olhos.

Esbagaça o jarrinho de flor, derruba o pote d’água, emporcalha-se no óleo imundo do quintal. Despreocupada torna-se uma constante preocupação, aconchegando-se aos precipícios, invadindo lugares escusos, pirraçando, rindo.

Em todos os detalhes, uma criança normal. Pouco lhe importa a sujeira da lixeira, ou a água pura da bacia. Tem um mundo inteiro para si, a humanidade toda a seus pés. Não há quem não olhe curioso e acautelado para o serzinho perrengue, que aos tropeções caminha em qualquer direção. Um respeito imenso para ele, que de Deus, só não tem o poder e a sabedoria.

Como você, minha criança, foi Pasteur, Pio XII, Jesus Cristo, Hitler, João, Mané… E exatamente agora, ao olhá-la solitária, saltitando pelo jardim, pernas inseguras, ouvidos aguçados, olhinhos irrequietos e límpidos, fico a imaginar os mistérios que esta semente encerra: um rei? Um servidor? Um assassino? …

Percebo, então, meu “demoniozinho angelical”, que além de uma criança, é também uma profunda incógnita, a mais correlata delas, o mais extenso dos labirintos, capaz de confundir o mais ousado e sábio psicólogo.

CORAÇÃO X RAZÃO
Desde os primórdios da civilização, as pessoas vêm errando mais que acertando na hora de suas decisões. Dão prioridade ao “coração”, que tradicionalmente representa o mais nobre e forte dos sentimentos: o amor. Na realidade, este órgão que nunca encerrou em si qualquer condição de “sentir”, também jamais deixou de ser o anteparo de nossas emoções mais fortes.

É o cérebro quem decide, enviando os detritos sentimentais para este órgão vital, através de elementos do sangue, sempre liberados em nossos momentos mais cruciais. Ele é, pois, o receptáculo de toda e qualquer emoção que possa ser engendrada pelo centro sensitivo.

Diz-se – e assim erroneamente aprendemos – que é o coração que ama, que deseja, quer ou renega. É o responsável pelo outro lado não dominado pela razão. Digamos, é o lado nobre da razão. E desta separação, surge sempre a dualidade de decisões que em si representa nossa soberania na escolha de nossa própria sorte.

E as pessoas, quase sempre, preferem à justiça, os sentimentos, nem sempre condizentes com a realidade. O próprio Deus, apesar de bom e justo, prefere a justiça à bondade, na certeza de que somente ela é mais própria de acerto final. Em última análise, sem polimento de arestas, a justiça é muito afim da vingança, em se analisando que quem deve ou faz, deve pagar e responder pelos seus atos. A bondade – representando as emoções vindas do coração – atrai o perdão, o que nem sempre é justo.
Para o inventor destas questões, humanamente paradoxais, há um critério condizente a cada julgamento. Quando isto se restringe à humanidade, tudo se embaralha, fornecendo quase tantos erros quantas forem as decisões tomadas. Em Deus há sempre o domínio da razão (justiça) sobre o coração (perdão). E nós, apesar das recriminações impostas de maus, somos, na maioria das vezes, um contingente de “corações moles”, que sempre acaba por incentivar a apatia pela nossa real função nesta terra. Em cada dez maus, conta-se centenas de bons, cujos corações, em detrimento da justiça, sempre reconsideram. Haverá um julgamento para cada erro, pois conforme nossas idiossincrasias seremos mais, ou menos apenados pelos erros cometidos.

E entre todos os males, a família – foco de união e da verdadeira moral – é a maior vítima de tais parcialidades. Quase sempre ela é formada por questões outras que não as mais sensatas e acertadas.

Na maioria das uniões sempre prevalecem: o interesse, a ilusão, a fantasia, a decisão impensada, a vingança inconsciente, a beleza física…. Estas condições aludidas, jamais conseguirão superar a realidade, e acabarão, ora por sucumbir, ora por tornar a união o maior dos pesadelos. E o pior dos males é que quando ele aparece, já não há lei humana ou divina que possa resolver. Já haverá uma criança no meio, inocente e não consultada, digna de todo o respeito e direito de ter o mínimo de felicidade. E ainda que se debata e encontre respaldo no divórcio, desquite ou separação litigiosa, o problema só deixará de existir mesmo, quando um dos três sair, pela morte, do cenário.

E sempre o que leva a este mal universal é a opção pelo lado sentimental, o lado do coração. Se quando alguém se enamorasse, houvesse a prioridade da razão em cada situação apresentada, por certo, bem poucos estariam hoje carregando a pesada cruz de uma união desastrosa. Sempre que alguém inicia um namoro pensando em casamento, deve considerar a aproximação sob o aspecto “comercial”, matematicamente comparado, para que não haja surpresas irreparáveis no futuro.
É preciso ver a família do pretendido. Se o pai for mulherengo, preguiçoso, desonesto, pinguço; ou se a mãe for adúltera, portadora de doenças genéticas; se na família do pretendido ou pretendida houver dependentes de qualquer tipo de droga, nem inicie a amizade: você terá grandes chances de estar se envolvendo com uma cópia fiel ou, na pior das hipóteses, correndo o risco de ter, nos seus filhos, a triste hereditariedade. Gratidão, pena, consideração… nem pensar. Isso não conta quando sua vida e felicidade estiverem em jogo. Decisão assim só será conseguida através da razão.

Os lábios sensuais, o corpanzil gracioso, o sorriso bonito, os cabelos macios, a meiga voz, enfim, toda beleza física sucumbirá diante de um gênio intempestivo, de uma ideologia falha, de uma moral instável, de simples cacoetes aparentemente comuns, de toda e qualquer falha que não case com sua maneira de ser. E tudo num tempo muito curto, em geral, em menos de seis meses. O que no namoro passava despercebido, com o casamento será motivo bastante para que uma união não se mantenha num clima de felicidade.

As pequenas coisas sempre deverão ser levadas em consideração, pois sendo elas pequenas, a todos são permitidas as suas realizações. Portanto, se não forem mantidas condignamente, nenhuma dúvida deverá restar de que o desinteresse estará imperando. E quem erra nas pequenas coisas, facilmente chegará às grandes.

Quando dois adolescentes se enamoram, sempre há o que beija e o que dá o rosto para ser beijado, mesmo porque além das outras coisas, também as emoções jamais serão as mesmas em duas pessoas. A aproximação, contudo, não é impossível.

Os dois adolescentes iniciam o namoro. Depois de algum tempo, os defeitos aparecem. Um dos dois, comumente o que gosta menos, começará a usufruir de tais prerrogativas. Sem saber, estará inconscientemente criando um clima que, mais tarde ficará insustentável. Há coisas perceptíveis e não perceptíveis que se aflorarão independentemente de nossa vontade e que, em suma, nada mais serão que vinganças disfarçadas ou, em última análise, a propalada justiça que tarda, mas não falha. E tão apensos somos a tais reações humanas que embora seja também o vingador inconscientemente sacrificado, não se exclui deste mal, desde que sinta seu objetivo atingido. Isto quase sempre nos é inadmissível, ou seja, se formos acusados, não admitiremos.

Um dos maiores pensadores de todos os tempos – que a meu ver perdeu-se no radicalismo extremista – já dizia: “…como se a humildade, castidade, pobreza, santidade, em última análise, não tivessem feito, até agora, indizivelmente, mais danos à vida do que quaisquer terribilidades de vícios”.

Não seria exigir muito, deduzir que todo sentimento é falho e, em última análise, representa certa covardia, pois suprime o senso de justiça. E graças às comoções e ao perdão, perdura-se e alastra-se a miséria no mundo. A forma brutal, cruel de se aceitar a seleção natural, embora entre em choque com as normas religiosas e sentimentais, parece, resolveria os problemas sociais e legaria aos viventes, mais motivos para viver.

Na atual conjuntura, com anciões esmaecidos e sem lucidez, aleijados pobres, mutilados ricos sem recuperação, dementes assumidos ou camuflados, em resumo, com esta faixa alarmante de parasitas involuntários da humanidade, os que sobram só tendem a consumir seus dias na minoração de tais males, ou se ajuízam castigos de omissão. É a eterna luta vitoriosa das emoções contra a realidade dura da razão.

E tanto o tempo inferiu no ser humano as emoções que, hoje, já não se pode mais escapar ileso de seus achaques. As lembranças, as saudades, toda e qualquer emoção vive marcando as batidas de nosso coração e diminuindo nossa autonomia de vida.

Eu sei que, se um dia, a razão fizer virar a sorte desta guerra delineada, o mundo será diferente. Não há nada mais contraditório do que o valor vital humano. Ora se gasta somas alarmantes para recuperar um deficiente; ora se deixa morrer de fome, por falta de um prato de comida. Para Deus, a vida não é nada, apenas uma passagem, uma parada para escolher um lugar na eternidade. Logo, melhor seria para o mundo, dirigir-se pela razão e, embora pareça paradoxal, destituir-se dela oportunamente, e seguir a seleção natural dos demais seres vivos.

Muitos morreriam de tédio, com saudades do tempo em que tinham tanta miséria e desgraça para se comoverem!

A CATA DE UM ACIDENTE
Uma das mais difíceis virtudes, talvez seja a aceitação de nossos erros. As pessoas nascem com determinadas inclinações, mas poucos a utilizam. Fatores externos sempre acabam definindo nosso caminho. O que sempre achei estranho é que, dificilmente, aceitamos nossos erros em outras pessoas.

Os homens são regidos, antes de tudo, por ordens ou inclinações quase sempre contrárias ao espírito e favoráveis à matéria, no caso, o corpo. Isto comprova a lei, para mim universal, de que nada pode existir sem seu adverso, já que o simples fato da inexistência do certo impediria que se conhecesse o errado. Nada mais plausível do que acreditar na antimatéria, explicação racional do não princípio e do sem fim.

O homem subdivide-se em espírito e matéria, pois seria extremamente paradoxal a meus princípios, a inadmissão da alma. Assim como os braços, pernas, dedos, cabeça etc. formam o corpo, os pensamentos, as emoções, os sentimentos e as ideias formam a alma.

Esse espírito aceita ensinamentos ou cria suas próprias convicções a respeito das interrogações da vida. Eu sei, embora não consiga encontrar a fórmula mágica da explicação convincente, que tudo o que existe, mesmo intocável, tem uma razão compreensível de ser.
Mas, qual leigo em garimpagem, atiro de estilingue, para longe – sem importar-me – lindas pedras de diamante: a chave da questão. Não há nada mais importante do que o homem se descobrir, e minha “placa laboratorial de cultura” estará sempre à mercê de um esporo vadio, na esperança do “acidente elucidativo”.

O mundo precisa desta fórmula, como única maneira de posicionar-se condignamente perante o Universo.

Quem é Deus? Como age? O que quer? Para que nos fez? O que espera de nós? Para que vivemos? Para aonde iremos? Por quê? O que é a alma? O que é a eternidade? – Enfim, onde está escondido o segredo de toda nossa perturbação e ignorância?

Diante das evidências, do simples, do todo em si, não se pode duvidar da existência de um Criador, assim como não se pode esquecer ou duvidar que a maior prova da alma, está na matéria que forma nosso corpo.

Um corpo sem espírito, deixa de existir. Mas, o que é espírito? Para aonde vai após a separação?

Aí se montam esquemas mil, quase sempre agregados a ideologias tradicionalistas, e poucas vezes na busca metódica e sincera dos que realmente procuram, com o trabalho de seu raciocínio, a convicção de que precisam. Como é martirizante a dúvida!

As tantas seitas e religiões já não se preocupam em avançar neste terreno; os psicólogos e demais “abstracionistas” tentam-no, mas nem sempre encontram respaldo nas opiniões daqueles que manipulam as questões espirituais. E aí surgem as divergências, as discussões, que jamais deixam de apresentar, no final, o dividendo estúpido da inutilidade das polêmicas.

Se Leibniz não tivesse falecido, por certo ainda estaria discutindo com Clarke, sem que nenhum dos dois conseguisse incutir no outro, os seus princípios.

As discussões afetam o amor próprio e o orgulho e impede o bom senso. Não tenho visto uma conversão que não se tenha processado sob as ordens contundentes do Senhor, num momento de reflexão e de silêncio. A virtude de admitir é por demais imbele ao peso da falta de humildade.

Os homens estão mais preocupados em esquemas ideológicos do que propriamente em verdades. A quem caberia modificar o regime capitalista nos Estados Unidos ou o socialista na União Soviética? Apegados que estão a um sistema tradicional e conflitante, com a supremacia em jogo, não é de se admirar que lutem até o fim para fazer valer suas opiniões. É esta luta cega e desumana que impede um mundo melhor.

Os homens esquecem-se do primordial, do eterno, da única coisa razoável ao sacrifício humano. E preciso que se pense e lute, que se debata e procure as causas primeiras para as quais Deus nos criou. É em vista deste descaso, desta constante dúvida, que a humanidade se dobra ao material.

As igrejas têm de abrir o diálogo às dúvidas dos homens, valorizando a sã procura de nossa essência. Haveremos de nos arguir, de meditar, de perguntar pelos porquês de tudo, sem o medo de descobrir o que, por antecipação, já valeu tanta excomunhão, proselitismo e heresia. Toda sapiência herdada da cultura passada não vale o preço de uma diminuta e mesquinha descoberta.

E preciso que cada um manipule o dom de pensar, que escave nas ruínas de nossa acomodação, até encontrar a razão pela qual Deus nos colocou aqui neste lugar.

Abjuguemos de nós os preconceitos. Se for imprescindível a existência de Deus e não menos necessária a existência da alma, descubramo-los com o mínimo de fé indispensável, pois é bem mais fácil e convencedor lidar com coisas que podemos explicar, do que com aquela de apenas emitir ou aceitar. A fé é a submissão plena do razoável às tradições de um povo religioso, que sempre acreditou na interferência de Deus em tudo o que acontece: se a favor, graça; se contra, provação.

Que o “acaso” infira acidentalmente, trazendo à capacidade humana as interligações cerebrais, capazes de sobrepujar nosso raciocínio normal e elucidar o que agora só a crença subalterna é capaz de admitir.

Hei de consumir meus dias nessa luta, na certeza de que a peça dessa engrenagem, metafisicamente perfeita, ainda não foi encontrada pelos homens. Quando descoberta, toda guerra, toda miséria, toda dor, todos os malefícios que afligem a humanidade dissipar-se-ão como por encanto. A dúvida é o foco do descaminho. Sem ela, a cabra pastará com o leão e o gavião cuidará dos pintinhos.

Assim como a velocidade da luz estabeleceu a velocidade relativa das demais coisas, também a descoberta dos mistérios que envolvem a existência dos espíritos, excluirá da terra todas as falhas que congraçam em desarmonias, misérias e guerras.

A eternidade é um ponto tão distante, que mesmo à velocidade da luz, em trilhões de milênios, não se conseguiria chegar ao ponto de partida – (é apenas uma ideia fantástica do infinito, do imortal). Nossa existência, com algumas décadas de vida, nada representa no contexto da eternidade. Quem ousaria trocar a primeira pela segunda, se tivesse em si, a certeza destas diferenças, sabendo-se portador de um espírito imortal que viverá indefinidamente, bem ou mal, conforme os merecimentos do ínfimo tempo de vida terrena?

Deus não é, pois, a solução para esta terra – o é antes a admissão humana convicta de sua existência; conquanto a primeira (inteiramente verdadeira) foge ao entendimento seguro dos homens e, onde imperar a dúvida e a insegurança, jamais se firmará o sucesso de qualquer busca.

OBSESSÃO
Embora a consciência recrimine, a maior parte da humanidade vive obcecada, enveredando por pretensos caminhos que, supõe-se, diminuirá a insaciabilidade de saber e experimentar. Não há mais limite para os desejos da criatura humana! De tanto ir desordenadamente em frente, sem critério nem raciocínio, até verdadeiras obras primas da Natureza são modificadas, ou destruídas. Já poucos se prendem ao critério de realizar coisas decentes, produtivas e para o bem da humanidade. O problema é apenas projetar-se, sobressair-se, ficar na história, ainda que seja para ostentar-se como lembrança de um triste flagelo da humanidade. Adolf Hitler que o diga!

O terreno que Deus perde a cada dia pelo dinheiro, e de causar inveja ao mais astuto economista. Já se mata a sangue frio por encomenda que não chegam a 20% de um salário mínimo. Aliás, pela depreciação da vida em termos de dignidade, talvez seja exorbitante a importância paga para tal eliminação. Destrói-se a vida, particularmente, por qualquer cruzeiro sujo e, coletivamente, por qualquer ideal de poder.

Note, por exemplo, como Reagan e Thatcher vangloriam-se de seus espíritos guerreiros, inflamando e implantando o espírito bélico nas nações, como se todo mundo vivesse as suas desditas psicopáticas. Depois de quase 2.000 anos de luta sensata de Cristo e seus dignos sucessores, fico perplexo ante a evidência de Kardec em convencer, tão coincidentemente, a reencarnação de Nero nas plagas americanas.

Todos nós andamos obcecados, tontos, desvairados por uma síndrome de medo e insegurança tamanha, que mesmo os aparentemente sensatos procuram as mais estranhas fórmulas para reencontrar a paz de que necessitam.

Apoia-se a pena de morte, a justiça pelas próprias mãos, a repressão cruel e todo o mais que se desenha como sedativo ao infortúnio do crime. Já não conseguimos ser coerentes com nossa ortodoxia. Há tantos porquês, tantos pontos a serem considerados, que fica muito difícil manter linhas de pensamentos que não se choquem quando em vez.

A humanidade está minada de “babéis” e o povo confunde-se, não mais se entende, ou o que é pior ainda, não tem tempo para ater-se às possíveis consequências de seus atos. O que vemos é gente destruindo gente, nas guerras estúpidas, nas farsas, nos embustes, nos jogos e em tantas formas criativas de crimes, sem que, pelo menos, saiba exatamente o que está querendo ou pretendendo.

Imagine o que se passou no cérebro de um soldado que entrou numa batalha civil de vida ou morte para defender o poder de um Khomeini, ou de outro maníaco qualquer, dos quais a história é rica em registro. Quem garante que uma luta desconexa, infundada, acesa por ideais de riqueza e poder, satisfaça um jovem que jamais parou para deduzir que, seja qual for o chefe, ele sempre será um soldado. Mas, entra mesmo assim em lutas descabidas, mutila-se, mata e às vezes morre, porque não consegue utilizar o raciocínio. Dá-se à mesquinhez de deixar que aprisionem seu próprio espírito. Uma boa “cabeça” não deve ser trocada por nenhum poder nem riqueza.

O homem, preguiçoso para procurar as verdadeiras causas de sua existência desconhece a nobreza do fim que o espera, a razão da vida. Como uma besta, caminha e define-se pelos instintos que, em suma, não seriam tão maus, não fossem os resquícios de certos pensamentos que o impulsionam aos excessos. É pelo pensamento aturdido que se chega à pornografia que destrata e amesquinha o sexo; que se restringe ao poder insano e cruel; que se adoram as riquezas fúteis; que se chega ao esquecimento de nossa caducidade como seres terrenos e que se liquida, num golpe infeliz, a chance de salvação.

A quem compete convencer um apaixonado, de que sua amada o engana? A comprovação de cem amigos não parece ser o bastante.

A humanidade está apaixonada pelos delírios da carne; acuada pelo medo da concorrência de densidade, pela insegurança do porvir, pelo declínio da moralidade, pela preguiça de lutar; perplexa pela negação de qualquer coisa que venha de encontro à vida fácil e comodista que leva. É bem mais fácil e compensador desacreditar na irrefutabilidade de um Deus justo, do que abster-se das orgias e dos prazeres passageiros. Por isso, toda doutrina de paz e esperança pregada por milhões de sábios, pensadores sensatos e do próprio Filho de Deus, esgarça-se ante a negação sutil de nossa comodidade.

Para que vasculhar nossa capacidade de raciocínio, se ela nos levará fatalmente à certeza de uma divindade? E, se depois de tudo, irá truncar nossas facilidades de viver cheios de prestígio, riquezas e poder?

Já disse tantas vezes, que o “nada” jamais deveria incomodar alguém. Por isso, os que se atêm em atacar a divindade, por si só, a comprovam. A gente só combate aquilo que nos importuna e não é outra a tentativa dos pretensos ateus ao investir contra aquelas coisas que os abespinham por causa da conduta e da vida que levam.

O dia em que se forjar uma divindade que apoie a humilhação, o desterro, a guerra, a espoliação, a força, o abuso…, podemos estar certos que Cristo terá de voltar à terra, com o fim específico de reclamar sua hegemonia.

A maioria dos ateus (não acredito que existam) descrentes e afins, só o são porque não conseguem encontrar, no divino, normas condizentes com a vida que levam. Nada mais razoável do que tentar arrancar da gente, aquilo que nos perturba moralmente. E entre um ensinamento de abnegação e outro de comodismo, é claro que, materialmente, o segundo prevalece, principalmente quando se sabe que as forças do mal sempre imperam, graças à mansidão e humildade dos que temem a Deus.

E assim, perdido nessa balbúrdia louca e desordenada, os homens caminham para qualquer lugar, aceitando jugos infames, sem imaginar o destino. E eu, num desabafo incomum, digo a meu Deus, que talvez ainda seja tempo de salvar tudo isto: se Ele quiser!

CHEGADA E PARTIDA DOS SERES
Pelos caminhos da história, pouca coisa encontramos relacionada ao aparecimento da vida neste planeta. Mergulhados em quebra-cabeças, arqueólogos e demais sábios estudiosos vivem consumindo seus dias em hipóteses que, como tal, nada mais representam que meras suposições.

Já se admitiu o aparecimento da vida em torno de dois bilhões de anos e, mais especificamente, do homem há 50 mil anos. Na verdade, desde que certas proteínas e ácidos combinaram-se misteriosamente, essa mesma mistura, agora humanizada, vive aturdida à cata de sua própria origem. Mas, se há algo que Deus reservou, para Si, (pelos elos imprescindíveis perdidos no tempo), a origem, ou o aparecimento da vida na terra, é este algo. Haveremos sempre de perder os dias em detalhes, sem a pretensão maior de entender o todo em seu conjunto. A luta continua, hasteada na sofreguidão do homem em descobrir, quando nada, de onde veio. Pelo menos em um ponto já evoluiu bastante, “o suficiente para imaginar o quanto nos falta ainda descobrir”.

Os estudiosos vivem escavando, meditando, traduzindo, decifrando, calculando, defendendo teses, tentando, pelo menos, ser coerentes com a atualidade.

Muitos imaginam que, se realmente o homem (homo sapiens) conviveu com os demais hominídeos, levando-os à extinção, ou sobrevivendo a achaques, por aqueles não superados, não deve ser tão velho como alguns estudiosos defendem. A evolução nos últimos cinco milênios foi quase galopante, razão pelo qual muitos acham difícil admitir que esta espécie tenha estado “intelectualmente latente” em outros tantos milênios, antes de sua evolução cultural propriamente dita. Quando Cristo veio a esta terra com a finalidade de salvaguardar a obra do Pai, desfalecida em seu caráter primordial de amor, não devia estar tão longe assim os tempos de sua criação: o homem. Deduzindo-se logicamente a evolução dos tempos dos relatos da história escrita, ou levada pela tradição oral através dos séculos, o “homo sapiens”, dessa ordem de primatas, não deveria ir além dos dez milênios.

No entanto, as descobertas arqueológicas abrem um campo imenso de suposições, que vão de degrau a degrau, até completar com pedaços hipotéticos, o quebra-cabeça de nossa origem. E é assim, de pedacinho em pedacinho, colando, remendando, recuperando, que os estudiosos tentam saciar esta sede imensa de descobrir de onde viemos. Por que e para que, parece mais simples, embora bem poucos gostem de admitir.

O “homo sapiens” chegou ao estágio de sua asserção, depois de uma evolução bastante lenta e paciente e, não duvidem, já com a pretensão ostensiva de pôr em dúvida a sapiência do Eterno. A obra engendrada pelo Criador é humanamente lenta e, parece-me, sem o cunho ainda dos retoques finais.

Seres microscópicos unicelulares, pluricelulares, invertebrados, peixes, répteis, aves, dinossauros, felinos, ungulados e primatas… constituíram degraus penosos na escalada paciente de Deus para chegar ao homem. Não é preciso ser sábio para entender que, para se fazer um homem de uma molécula, os milênios se tornam meros lampejos de tempo.

A imperfeição da rebeldia humana é apenas uma parte sem acabamento desta obra magnífica de Deus. Assim como um palacete em fase de construção é rústico e desalinhado, assim também, pelos caminhos da evolução, a terra ainda se apresenta sem a marca divina da perfeição absoluta. Do homem ressurgirá outra espécie e talvez mais outra, ou até mesmo outras, até que se alcance a perfeição digna de quem é perfeito.

Cada espécie para se transformar noutra, leva um tempo médio de alguns milhões de anos, o que transcende a paciência e a vigília humanas. Hoje, no uso de nosso raciocínio, já podemos imaginar sobre essas coisas, sem a temeridade de Galileu, Joana d’Arc e tantos outros que vieram antes do tempo.

Quando se falou pela primeira vez na Atlântida (o tal continente desaparecido), muita gente deve ter esticado as pernas numa poltrona para se deliciar com mais uma obra de ficção. No entanto, revendo o Antigo Testamento no tangente às profecias de Isaías e Ezequiel, na tradução de Plangeon, nas referências de Platão, no acidente que trouxe à tona um pedaço de rocha vulcânica com aproximadamente dez mil anos (conforme exame dedutivo do geólogo Termier), enfim, recompondo os pedaços deste “jarro partido” há séculos, está se chegando à conclusão de que os Atlantes realmente existiram há quase 10 mil anos. Seriam de nossa espécie (homo sapiens)?

O certo é que todos os tipos “erectus” cederam lugar ao homem atual, como sendo mais forte, competitivo e capaz: por isso ainda hoje sobrevive.

Há de supor-se que nossa maldade vai além dos tempos, na eliminação de nossos semelhantes. Contudo, nem todo erro desta terra deve ser apanágio do homem em questão. A Natureza, às vezes, é mais irreversível e dura, quando pretende suprimir o mau uso de nossa inteligência; mais desapiedada e cruel é a lei do Universo, que sem aparente respeito à vida, recompõe vingativamente a estrutura da face terrestre. Ninguém desconhece as dimensões catastróficas e desapiedadas à vida, dos vulcões, das enchentes, das estiagens prolongadas, do frio intenso, dos terremotos, dos ciclones, das pragas…

Quando se chegou à aceitação da imersão da Atlântida, do soerguimento dos Andes, enfim, de uma modificação contundente, com o aparecimento de terras, afundamento de ilhas, invasão de oceanos e das terras, pôde-se concluir que, junto com os mastodontes enrijecidos pelo frio abrupto de tal elevação fantástica, iam tantas outras espécies que, segundo a “natureza”, já não estavam talhadas para a época em questão.

E assim foi, é, e sempre será. Por mais que se tente prolongar a existência de uma espécie superada, jamais se conseguirá safá-la da prévia extinção. Prévia, aqui, é usada em termos de eras.

O próprio “homo sapiens” tem seu tempo determinado, porque a vida em nosso planeta é uma transição contínua. Para quem olhar o problema sob um prisma de décadas, jamais irá entender. Mas queiramos ou não, tudo tem o seu tempo. Toda luta nada mais representará do que um simples adiamento. Quantos animais já se foram desta Terra? Ainda hoje, apesar da preocupação, há animais com os dias contados, como o rinoceronte branco. Por mais que se tente, a existência dele será apenas protelada por alguns séculos.

Todo agrupamento prolongado cria problemas que precisam ser solucionados. E neste ponto que sempre me debato, na ânsia de diminuir os efetivos vitais (especificadamente humanos), proteger as essências naturais, conservar a topografia, os rios, os mares… mexer o mínimo possível nesta casa, para que seu dono não se ressinta do uso desordenado e expulse o inquilino indesejado, substituindo-o.

Tantos já foram banidos e não devemos acreditar demais em nossa predileção.

Um rato em seu paiol fica quase despercebido. Cem também ficariam? Uma rês em dois alqueires de capim vive bem. No mesmo espaço viveriam bem, duzentas? Uma muriçoca no quarto incomoda. Milhares incomodariam o mesmo tanto?

O que fazemos, quando encontramos 100 ratos no nosso paiol, 200 reses em nosso diminuto pasto, milhares de muriçocas em nosso quarto?

A Natureza não “pensa” diferente, se duvidar, viva para ver.

Por isso, encontram-se tantos acontecimentos estarrecedores de eliminação cruel e espontânea na Natureza. O homem, porém, esquiva-se, previne-se, procria aberrativamente, ante os olhos insatisfeitos da Mãe Natureza. Mas, querendo ou não, seu tempo está previsto, como se ela (Natureza), estivesse reencarnada pelo espírito de São João e aguardasse o acidente apocalíptico de sua destruição.

Humanidade, ainda é tempo! Respeitemos esta Terra que é nosso lar, mesmo porque as forças que a regem não possuem a clemência de Deus. Se continuarmos arrebentando os liames que sempre harmonizaram tudo isto, ela ficará furiosa, desorientada e, por si só, nos impingirá o castigo da autodestruição.

A cata de conforto, comodidade, dinheiro, imposição, poderio… inova-se a cada dia, construindo aparelhos, máquina…, em detrimento de uma destruição de nossos ecossistemas naturais em busca da matéria prima. A terra está se revestindo de uma roupagem desajustada à sua tradição. É como se metessem um smoking num aborígine africano. Desajeitada, perturbada, longe de sua desenvoltura, a própria Natureza anda aturdida, amalucada. Síndromes, paranoias, psicoses… são partes dos estilhaços que afetam grandemente a humanidade atual: resquícios do aumento populacional e das poluições mil que grassam e infectam todo o planeta.

Não sei a razão de tanta pressa da humanidade em superpovoar a Terra! Poderíamos bem ter a paciência de Quintana:

“Para que partir? Sempre se chega enfim… Pra que seguir empós das alvoradas, se por si mesmas elas vêm a mim?”.

O VELHO
É grande o esforço de quem procura honestamente a verdade. Seria ela qualquer deliberação que, embora errada, não afetasse nossos princípios morais e religiosos?

A verdade, para os homens, jamais será uma só: “… não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas”
– Friedrich Nietzsche.

Cada cabeça, além de sua sentença, tem também sua verdade. Não fosse ela tão conflitante e maleável, Jesus Cristo não usaria o silêncio para defini-la diante de Pilatos.

É devido a essa procura que hoje me debato em insônias tentando buscar minha verdade diante da vida. Encontrei-me, não por acaso, diante de uma encruzilhada cheia de verdades, de evasivas e de subterfúgios. É um entroncamento de vários caminhos, para lugares diferentes. Um eu conheço, é o meu, aquele pelo qual cheguei até aqui. Os demais levam com eles mistérios profundos, curvas surpreendentes. A minha caminhada não tem sido boa e gostaria de mudar. No entanto, por esse caminho, embora não tão desejado, entalhei marcas profundas, rastros inconfundíveis. Deixei para trás muita coisa escondida, muitos amigos ou conhecidos íntimos e um sem fim de hipócritas. Mas, por ele caminhei, vivi, fui alguém. Nele errei, acertei, magoei, fui ofendido e ofendi, tive alegrias e chorei, aprendi, edifiquei, sonhei, amei também. É um caminho comum, talvez o mais normal de todos. Talvez por isso eu queira mudar. Não me satisfaz ser apenas mais um.

Estou cansado de preconceitos, de normas, de falsa liberdade, de tradições escravistas que prendem e tolhem da gente o verdadeiro senso de liberdade dos demais seres vivos.

Seria esta a minha verdade?

Não sei mesmo se para cada coisa existe uma única verdade. Piaget dizia: “Pode haver muitas sabedorias, mas só há uma verdade”.

Em matéria de jogo de palavras, não há o que inovar. Há apenas orações desconhecidas. Já não sei se tenho direito de lutar pela minha felicidade, ou quando nada, por aquelas coisas que imagino serem indispensáveis para atingi-la plenamente, quando sei que a mesma só florescerá nas lágrimas e na frustração de muita gente.

O que eu hoje queria era apenas caminhar por este mundo sem fim, sem ter na alma o remorso daqueles que, em algum tempo gostaram de estar comigo. Queria ser livre de espírito e de ação. Mas, como posso ser feliz, sabendo que, para trás, olhos perdidos fixarão os horizontes na esperança de reviver o passado?

Onde estará a verdade de tudo isto?

Liberto-me das pessoas e vou pelo mundo em busca de minha vocação, de um sonho, sem importar-me com os liames que se partem com minha distanciação. Enclausuro-me no casulo da fantasia e mostro os dentes como se estivesse feliz.

Onde estará minha verdade?

Numa lembrança retrospectiva, retrocedo à infância. Durante tantos anos, a verdade sempre foi a mesma: a luta pela união, a responsabilidade do exemplo, a esperança de gratidão.

Minha verdade esqueceu-se da parte humana de tudo isto, da minha e da dos que eu tanto amei. E agora, nesta encruzilhada, qual joguinho de esconde-bolas, fico indeciso, perdido na incerteza. Já não sei até aonde vai o meu direito; de que tamanho é o meu orgulho; onde está o erro de tudo e de todos.

No fundo eu bem sei que em todos os erros cometidos, jamais esteve ausente a intenção de acertar. Tudo tem seu tempo, seu dia, sua hora. Como uma planta, a gente um dia frutifica e no tempo exato, os frutos são mais saborosos. Com o tempo, eles diminuem ou mesmo desaparecem. Poderá restar um pouco de sombra, se a água da gratidão cair em suas raízes. Poderá até dar folhas novas e fazer sombra, se umedecerem seu tronco com o carinho da fraternidade e da compreensão.

Tudo tem seu tempo e por mais que eu me debata, sempre cairei na realidade de que meus frutos já foram saboreados. Hoje, sou um tronco desfolhado, cujas sementes exigem que eu liberte o sol para que nasçam e cresçam: rodízio da vida.

Esta talvez seja, não a minha verdade, mas a verdade da vida.

Tudo e todos nascem para servir. Há até um provérbio que diz: “Quem não vive para servir, não serve para viver”.

E assim, toda liberdade não o é, perante os reclames da existência. Os únicos seres que tentam tal pragmatismo são os irracionais, que independentemente das consequências, realizam seus instintos. Hoje, eu queria ser como eles, para seguir meus instintos sem a preocupação de voltar, nem a inquietação por ferir. Os animais sofrem menos porque agressor e ferido não retém as mágoas da recordação vingativa nem o pensamento do orgulho ferido. Mais doem as lembranças do que o ato em si; mais machuca o cérebro do que a espada.

Minha verdade é causticante e não me oferece a sombra das evasivas de um falso silogismo. Queria ser livre como os irracionais, mas não nasci um deles; queria tanto fazer minha liberdade plena, mas dela não sou senhor; queria tanto que a verdade estivesse comigo, mas temo morrer apenas no desejo.

Só hoje me dou conta de tanta pressa! Quantas vezes fui indelicado, apressado, doentiamente ansioso. Via as horas passarem, os dias esvaírem-se e inquietava-me com aquelas parcelas do tempo. Agora, neste momento de reflexão, em busca de um caminho, sinto que todos aqueles dias não me serviram, sequer, para perceber que a própria vida passava. Tanto corri para chegar, sem aperceber-me que, embora parado, tudo vinha a mim. Quanto cansaço inútil!

Aí está a verdade de tudo desse meu momento de angústia: no eterno rodízio da vida, um outro nasceu e precisa do meu espaço.

  A VIDA
Sempre ouço as pessoas, na certeza de que, em cada mente humana, por mais simplória que seja, existe um dom exclusivo capaz de acrescer alguma coisa aos meus conhecimentos. A vida é maravilhosa para as pessoas que usam os olhos apenas para avivar a mente. Por incrível que pareça, milhões de pessoas nascem e morrem, sem jamais ter noção dos processos metabólicos que mantêm e desenvolvem a vida.

Uma planta qualquer tem todas as razões necessárias para ser como é. Há olhos que veem flores sem jamais imaginar os processos que as fizeram acontecer tão cheia de cores e belezas. Experimente olhar um inseto qualquer debaixo do espírito especulativo, pesquisador. Do que vive; o que faz; onde mora; como procria; do que se alimenta; de onde veio, para que serve…. Se fizer isso, passará a respeitar mais os seres vivos, pois os mistérios que os envolvem são dignos, no mínimo, de respeito.

As matanças desenfreadas e inescrupulosas de seres indefesos, apesar de combatidas pelos ecologistas, continuam criminosamente pelo mundo, num sinal peremptório de que o homem desconsidera as belezas que Deus pôs no mundo.

Não haverá palavras ou leis que eliminem tais mentalidades. Somente uma educação consciente fará com que um motorista desvie seu veículo de um sapo que se mantém agachado na pista. Àquele que enxergar naquela figura quasímoda um animalzinho inofensivo e necessário, que vive de insetos que incomodam o homem, a vida será mantida.

As coisas vêm de berço. Ainda pequenos aprendemos a matar os animais, a considerá-los perigosos, maledicentes, asquerosos, mantendo paradigmas que romperam séculos. As crianças, pelo menos em princípio, aprendem a língua, a religião, o sotaque, os costumes – imitam a vida dos pais. Já imaginaram se os pais se conscientizassem disso e passassem aos filhos o valor inestimável das demais vidas em relação à nossa própria existência?

A crueldade com que se abate um jacaré para retirar o couro; um elefante, para o marfim; uma ema, para as penas…, faz-nos tristes ante a ascendente falta de proteína para mais de 50% da população dos países subdesenvolvidos.

As aves de rapina, os felídeos, enfim, toda a gama de depredadores naturais é considerada nociva e assim obcecadamente perseguida. Desconhece-se o valor inestimável dos mesmos no equilíbrio dos depredados existentes. Neste mundo existem apenas coisas das quais ainda não se descobriu o sentido ou o motivo da existência, porém, tudo tem explicação e mesmo necessidade. Assim o é, porque os aparecimentos ou adaptações das espécies se fazem por condições prementes da vida (e toda condição, em geral, provém do aumento ou diminuição de espécies), ocasionando um desequilíbrio apenas temporário. Por isso, cada ser encerra em si, além dos aparentes mistérios de seu surgimento, a necessidade incomensurável de um papel que lhe foi confiado para a harmonia quantitativa dos demais seres.

Todo ser é uma máquina quase que excêntrica, sofisticada, e que nem mesmo todo o progresso do mundo poderá reproduzir fielmente. Digno é respeitá-lo como tal. Graças à ação do homem, vivemos a remendar nossos malefícios, lutando por equilíbrios que nós mesmos desfizemos. Um dia, até mesmo a misteriosa “escada de ADN” terá sua explicação no aparecimento dos caracteres existenciais de cada um. A ciência poderá influenciar, modificar, convergir tais caracteres, introduzir, porém, jamais fabricá-los. Esses aparentes mistérios que envolvem cada vida, deverão sempre merecer mais respeito. É muito bom e necessário que olhemos a vida por este prisma, evitando assim que se destrua o elo da harmonia que foi deixado por Deus.

Tudo o que vive, precisava, por leis criativas, nascer. Que não tenhamos mais esta pretensão de querer modificar essas coisas que ressoarão como uma blasfêmia à sensibilidade do Criador.

Antes de crermos cegamente em Sua bondade e complacência, acreditemos só um pouquinho em Sua justiça.

MISTERIOSA LUTA POR UM PODER INSTÁVEL
15/06/1984

Queira ou não, goste ou deteste, já não se pode (ainda que se tente) deixar de imiscuir-se em política, Internet, guerras…

Como no Brasil – o mais lucrativo e fornecedor de status é a política – os outros dois ficam mais exclusivos de outros países. Aliás, para que perder tempo em computação, se mal entendemos as noções elementares dos vídeos games? Guerra? Bem, não está no sangue e, por esta santa covardia inata, até devemos agradecer aos céus. A destruição ocasionada por uma guerra civil, que sempre advém por ganância ao poder, é muito cruel.

Há mais de ano que as principais revistas, jornais, noticiários, programas de televisão e entrevistas, vivem explorando e inadvertidamente incentivando tudo isso, que a meu ver se define como a mais irrefutável prova de inversão de valores.

Já imaginou se em lugar do tempo despendido em divulgar o almoço do presidente, o telefonema do presidenciável, a opinião da oposição…, enaltecessem as virtudes que dignificam o ser humano? Não é preciso ser muito inteligente para se deduzir que, enquanto banqueteiam, viajam, marcam presença em comícios…, nada estão fazendo em prol do País. Também não é preciso ter um QI elevado para entender que, indistintamente, todos estão mais preocupados com eles mesmos do que propriamente com a inconcebível realidade de uma professora nordestina que ganha (segundo denúncia de uma entrevista que ouvi) menos de mil cruzeiros mensais e, mesmo assim, não recebe “sua esmola” há mais de um ano.

E o que ainda agrava mais é a gente perceber que ainda não esbarramos num “homem de topete” para governar o Brasil. Cada um procura, primeiro salvar sua posição, seu emprego e suas amizades, destituindo-se em cada entrevista, da personalidade forte exigida a um pleiteante à presidência de um país quase que totalmente falido e minado de politicagem.

A gente aprende a admirar um chefe. Dele fazemos a ideia de nosso herói: um homem culto, valente, corajoso, empreendedor, dinâmico, HONESTO… Só um tipo assim, nós leigos, admitimos carismáticos e capazes de dirigir milhões de pessoas. Admiramos e até sentimos inveja. De repente, um repórter astuto (desses que conseguem indispor dois grandes amigos) faz uma pergunta frontal, cuja resposta exige coragem, determinação e personalidade. Aí, a perguntinha inocente agiganta-se, torna-se confusa e depois de alguns caríssimos minutos de TV, o expectador, cansado, sonolento e frustrado, vê que seu herói é tão pequeno quanto ele. Evasivas, rodeios e nada daquilo que gostaríamos de saber.

Um HOMEM deveria sê-lo em toda extensão, principalmente aqueles que aspiram comandar o País.

Perguntaram a alguns ministros demissionários, as causas que os levaram a tal decisão; a um presidenciável (se eleito), a sorte do Delfim; a tantos outros, perguntas atinentes ao quadro triste da situação. Pergunto a este Brasil hoje:

Que acontecerá ao Delfin, se o Andreazza ganhar? Por que o ministro Maximiliano da Fonseca renunciou? Não dizem.

A covardia anda nas pessoas e com ela o pior de seus resquícios: a ocultação da verdade, o qual o Juruna, silvicolamente, encontrou adjetivo bem mais forte para definir. Chega a ser engraçado o uso dos sinônimos. Fala-se abertamente em “desvios de verba”, mas quando o Juruna resolveu simplificar para “roubo”, ameaçaram-no com a perda do mandato.

Por estas razões, o povo brasileiro vive indeciso, incerto, tateando na escuridão deste presente, sem saber de seu futuro. Com os olhos no infinito, este povo forte pacato e covarde espera que ressurja do nada, ou da podridão, o seu herói.

Se tiverem dúvidas quanto aos meus conhecimentos políticos, eu os tiro agora: não entendo exatamente nada. No entanto, não tenho muita dificuldade para perceber a qualidade moral de um cidadão, depois de ouvi-lo muitas vezes e saber de sua conduta e realizações. Sei também, que dois pontos fundamentais são exigidos a quem quiser tirar este país do caos: honestidade e coragem. Sabedoria não resolve, pois nem os maiores sábios da política econômica mundial conseguiram entender nossos economistas, no misterioso ofício de ludibriar e forjar balanços. Só mesmo a genialidade dos sábios para, diante de tanta inflação, incapacidade, miséria, recessão, desemprego etc., para conseguir a submissão e até mesmo os aplausos de nós, súditos masoquistas.

Como seria bom se tivéssemos políticos autênticos, sem “rabos de palha”, corajosos para dizerem a verdade, determinados em atacar a podridão pública, fiéis ao carisma político de dirigir dignamente seu povo, honestos na responsabilidade de cumprir suas obrigações.

O que eu, leigo no assunto, não entendo é como se briga tanto para conseguir a presidência de uma nação como a nossa. No meu modo de ver as coisas e sentir o problema, o presidente do Brasil, na atual conjuntura teria, por coerência, de ser coagido a aceitar a função. No entanto, o que vemos é a luta, até mesmo por eleição indireta, numa afirmativa clara de que o povo é mesmo o último a falar e o primeiro a apanhar. O mínimo que exigimos é que nossa liberdade seja respeitada. Ela não foi dada por nenhuma constituição: é antes de tudo, uma graça de Deus, tão sublime que, por meio dela podemos até mesmo escolher nossa própria desgraça.

As leis devem ser ajustadas às reivindicações do povo e pelo povo modificadas. Afinal, por que não deixar que o povo escolha seu chefe? Se um partido é o melhor, está fazendo o melhor, por que mudar?

Se a Constituição agora prescreve as indiretas, deve ter sido modificada, porque antes não era. Se foi, por que não mudar agora também? Será tão bom assim ter o comando do País?

Na verdade, se existe um “emprego ruim”, este de comandar uma nação inflacionada, recessiva, endividada, deve ser o primeiro. Mas, não é o que está pensando a nossa safra de políticos. Onde está a razão de tudo isso?

Nunca tive partido e achei criminoso quando instituíram o voto vinculado. Em qualquer agrupamento humano existe gente boa, valente, covarde, honesta, infiel, enfim, gente diferente, com muitas qualidades e muitos defeitos. Nada mais justo para o povo do que poder separar (segundo sua convicção e consciência) o joio do trigo. Mas isto iria prejudicar o poder totalitário do partido vencedor e nisto eles são coesos e harmônicos: festejar sem “penetras” perturbando.

Os que são contra a um governo eleito pelo povo, estão demonstrando que estão no poder por imposição, e isto é mau, pois podem tirar proveito disto, numa vingança instintiva de sua deposição moral.

Para o povo, bom é aquilo que ele quer. O povo é a massa humana que constitui uma nação, é a afirmação de um país. Este por sua vez, é apenas uma medida geométrica física, que serve de moradia a seus filhos, o povo, e deve ser usado para atender suas aspirações. No enunciado dos Direitos Humanos, também o direito humano de escolher seu chefe deveria ser respeitado por todos os povos. Quando a safra estiver ruim como agora, a gente tenta, quando nada, escolher o “menos ruim”.

Infelizmente, jamais o Brasil terá o melhor dos seus filhos na presidência. A distância entre suas virtudes e as insanas artimanhas políticas, é simplesmente intransponível e antagônica.

A história tem demonstrado que, em não se sendo tão prepotente, vingativo, egoísta e ganancioso, a receita dá para satisfazer gregos e troianos, ou se preferirem, brasileiros e suíços.

Que se proíba por lei os investimentos no “open” e afins (dinheiro ocioso e improdutivo que desaparece em benefício das mordomias cruéis e desumanas), que conforme estimativa extraoficial, ultrapassam o valor da dívida externa; que se “extradite” dos cofres suíços, os mais de vinte bilhões de dólares encafuados lá pelos nossos “decentes e honestos políticos brasileiros” e jogue-se tudo isto em circulação no país. O problema da recessão e do desemprego diminuiria acentuadamente.

AMAR
Amar é dar-se por inteiro, sem exigir nada em troca. Por isso, não é tão incompreensível que, apesar de alguém tratar bem seu companheiro (a), ele ou ela se desagradem e cheguem à separação. É que pessoas assim, amam comercialmente; fazem tudo para dar-se, mas exigem o mesmo em troca. Isto está bem longe de ser amor! É permuta.

A pessoa que ama prima sempre pela felicidade de quem vive a seu lado. Todo aquele que quer em troca qualquer coisa, apenas fantasia o amor.

Amar é uma coisa tão sublime, pura, difícil e divina, que somente Jesus Cristo, como filho de Deus, conseguiu fazê-lo plenamente. Nosso senso desta sã virtude é totalmente deturpado em sua magnitude, quando deixamos infiltrar o ciúme doentio. Quem trata o outro sob vigilância, seguindo seus passos, exigindo explicação, tolhendo sua liberdade, na verdade ama a si próprio.

Há pessoas que passam a vida inteira lutando para ser amadas, como se isto fosse possível. Amor é algo sublime, involuntário, inato, que vem com a gente no entrelaçamento dos seres; é também, e antes de mais nada, algo independente, separado, que atua fortemente, ainda que nossa razão não aceite. Por isso, o ciúme e a possessividade não fazem parte dele.

O amor vem com a gente e se expressa num tempo. É algo que está dentro da gente e age independentemente, queiramos ou não. Não há nada que afete o verdadeiro amor, nem a infidelidade. Por isso, a razão, embora cheia de probidade, perde a eficácia pelo coração, na hora de decidir essas coisas.

Há mulheres, principalmente no casamento, que perdem os dias e a própria vida, numa luta inapta para tornar todo seu e somente seu, o companheiro. É uma luta inglória. Além de não alcançar o intento, ainda deixa como resquício, muita angústia, desgosto e sofrimento.

A pessoa que realmente ama, não exige, não pede explicações, não magoa, não faz o bem para receber compensação. Faz sua parte com bondade, carinho, abnegação e mesmo mortificação. O amor é divino e sua plenitude aos humanos é impossível.

Nos dias de hoje, amor e egoísmo misturam-se, formando uma massa homogênea, difícil de ser separada. A mulher lava, passa, é carinhosa…, mas em troca quer favores equivalentes. Na verdade, seria de justiça e faria parte da gratidão tais ressarcimentos. Seria gratidão, seria justo e direito, porém, a não ser feito por uma força intima e voluntária, jamais amor.

O homem traz presentes, é fiel, chega sempre cedo em casa e dá satisfações de tudo que fez e para aonde foi naquele dia. Em troca…

Amar é também respeitar a liberdade integral do outro. Ninguém será inteiramente feliz com outrem tolhendo-lhe os passos. O casamento não devia ser nunca considerado uma mordaça que escraviza e subtrai a liberdade. Os maiores problemas nos enlaces surgem da mudança radical de vida, totalmente desnecessária. A união deveria apenas favorecer, apresentando mais um companheiro de confiança.

Como animais que somos, temos necessidade de andar, pular, brincar, fugir, correr, e quem sabe, até mesmo aprontar. Como racionais que somos, temos a obrigação de escolher bem e não medir esforços para não magoar a quem nos ama.

Não é preciso dizer que a nossa liberdade não poderá jamais prejudicar a liberdade dos outros. Não podemos ser livres prendendo os demais, porque a liberdade é algo extensivo, que abrange também o senso de justiça que provém do espírito.

Não é bom interferir insistentemente nos desejos de outrem. Devemos sim, se convictos de nossas ideias, mostrá-las, deixando em seguida que a pessoa escolha o caminho.

Pela vida afora, tenho visto e lido acontecimentos e romances, mas somente os romances conseguiram atingir o ápice da felicidade, na mente inventiva do autor.

Amar é muito difícil, quase impossível:

– Eu amo você, mas não gosto que fume, que dance, que vista tal roupa, que fale alto, que me peça explicações…

Assim é a maneira com que, tradicionalmente, aprendemos a amar. No entanto, não é a forma correta. E o que ainda se torna pior é que, normalmente, as pessoas confundem amor com orgulho próprio. Tantas vezes se vê homens e mulheres em crise de ciúmes ridículos, que nada mais representam do que o sentimento do orgulho próprio ferido.

A pessoa gostaria que todas as atenções convergissem para ela e que seu companheiro a venerasse pelos favores que recebe diariamente.

Em nós, todo sentimento de amor, ódio, indiferença etc. é representado por sementes que poderão germinar ou morrer, dependendo dos cuidados de quem as retém. Grande amor castigado pode tornar-se nenhum, e pequeno amor ativado pode, maravilhosamente, arvorar-se.

É um ponto de meditação e um alerta para os que almejam a felicidade. Enquanto estiverem juntos, apenas mostrem, mas não exijam, sob pena de, exigindo muito, nada conseguirem.

Amar é muito difícil; amar plenamente é divino. Como não somos divinos, façamos esforços para respeitar, no mínimo, a liberdade do outro. Não há maneira mais empírica de escolher-se o melhor.

Há pessoas que fogem de si mesmas e depois de ter andado, cansados retornam, na certeza de que tudo não passou de sonhos e ilusões. É a hora da verdade e da vitória daquele que amou muito sem esperar nada.

Que o amor, razão primeira de tudo, seja cultivado. Que cada um fale por si, sem a covardia dos grupos liderados, que são como árvores enforquilhadas, escoradas. Não existe e nunca existirá dois seres cujas tendências sejam exatamente iguais.

Se no casal, um apenas respondesse por si, não haveria transtornos nem discussões. A gente mais exige dos outros do que dá de si próprio. Aliás, quase que exclusivamente exigimos. O amor verdadeiro não tem idade, cor, nem aparência, porque vem de dentro, do espírito, que desconhece a parte material.

Muitas uniões se fazem, na maioria das vezes, por conveniências, beleza, paixão e até mesmo, vingança. Vêm impregnadas de todas as características do erro e da fatalidade.

Amor é um sentimento que vem de dentro, puro e desapegado. Amor é isto que o próprio Filho de Deus fez por nós: ajudou, deu, perdoou, ofereceu, propiciou e morreu em troca de nossa salvação.

Amar é, também, ser bobo, cego, surdo, inocente, insensato, pueril; amar é querer sem poder; é perder noites, amigos, passeios… amar é…. bem, amar é aquilo que todo ser humano, num tempo qualquer da vida, sentiu e que talvez, não saiba, sequer, explicar.

Amor é o “ferro-quente” de marcar, que entalha no coração as marcas indeléveis da felicidade, da angústia e até mesmo da morte.

  AH, SE FOSSE HOJE!
Uma vez, há quase dois mil anos, ao voltar ao monte das Oliveiras, Jesus, sentado, ensinava, quando escribas e fariseus Lhe apresentaram uma mulher flagrada em adultério. Segundo eles, conforme a lei de Moisés, a mulher devia ser apedrejada, e insinuavam isto a Jesus com a pretensão de envolvê-Lo e acusá-Lo. Mal sabiam aqueles judeus, que aquela figura sóbria que ali riscava o chão com o dedo, era o mesmo que deles possuía a folha corrida há trilhões de anos antes de seus nascimentos. Mas eles insistiam e, então, erguendo-se, o Filho de Deus disse:

– O que de vós outros está sem pecado, seja o primeiro que a apedreje.

Dito isto, voltou a sentar-se e a rabiscar com os dedos a poeira do chão. Quando ergueu os olhos, nenhum dos acusadores e inquiridores mais ali se encontrava. Disse então:

– Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?

Ao que ela respondeu:

– Ninguém, Senhor!

E Ele:

– Nem eu tão pouco te condenarei: vai e não peques mais.

Ah!, se hoje apresentassem esta mulher aos nossos fariseus! Ficaria soterrada de pedras ante o ímpeto dos nossos infalíveis hipócritas.

Pela trilha das condenações desumanas, figura uma listagem de ardentes defensores da verdade, que jamais titubeiam ante a oportunidade de afastar seus concorrentes por meio de condenações injustas.

A humanidade de hoje se declina ao acusar para inocentar-se; rebaixar, para crescer; matar, para viver; espoliar, para enriquecer….

São tantos os que, não podendo subir, procuram derrubar os outros!

O mundo de hoje desdenha o sacrifício supremo do Filho de Deus, pelo descaso com que ignora o fim sublime de Sua vinda à Terra. Já poucos O lembram e os que O lembram, perdem-se no emaranhado sutil de Suas parábolas.

Estamos imiscuídos de toda sorte de erros, de falhas, de maldades, de pretensões descabidas, de simulações, de artifícios, de perfídias, de omissões, de preguiça, de inveja, de orgulho, de lamúria, de infidelidade, de desonra, de avareza, de covardia, de desonestidade, de ambição, de interesse, de ingratidão, de desamor, de extorsões, de paixões, de cobiça, enfim, de toda esta gama que nos define como criaturas mesquinhas e desmerecidas dos privilégios dados por Deus.

Embora eu esteja convicto de que toda promiscuidade é fruto do excesso, fico atônito diante da percentagem!

Mas, se não pudermos “trazer o Nilo até nós, vamos a ele”.

Se temos de conviver com tantos erros e não temos mais forças para nos desvencilharmos deles, então corramos às Oliveiras, onde certamente ainda estará lá aquele Homem rabiscando o chão com o dedo, pacientemente esperando por nós. Enquanto aqui, Deus é bom e perdoa; depois, Ele será apenas justo: não esqueçamos disto.

SOBRESSALTO
Acordo alquebrado como se tivesse tido uma noite dura na vida: mas não foi assim. Fui dormir cedo e tive o sono dos justos. Depois de lavar o rosto e do desjejum, fui ao espelho e pude, pela primeira vez, notar que os anos carregaram de mim o frescor maior da juventude. Algumas rugas, madeixas grisalhas, reflexo diminuído, corpo recurvado, olhos vermelhos, passos mais curtos.

– Meu Deus! Como nunca, até então, havia percebido?
Que saudade dos meus idos de criança, de minha juventude enfim. Quantas diabruras, quantas extravagâncias…. Tudo era fácil, suportável, solucionável.

– Como o tempo passa!

Hoje, restam-me ainda algumas folhas verdes neste tronco sofrido. As intempéries danificaram-no; o dia a dia legou marcas profundas, refletidas nestes escombros. Em cada palmo do meu corpo, os sinais do tempo:

– Que saudade! Quantas desilusões!

Dói-me a convicção das omissões, a certeza de oportunidades esbanjadas que jamais retornarão. Dói-me, sobretudo, o medo de ter que repor agora, cansado, o bem que deixei de fazer quanto podia, quando estava cheio de vida.

Os anos roeram-me, debilitaram-me. Refazer, agora, será muito mais difícil, senão impossível.

Como gostaria de retornar, de ser criança, de correr pelos campos como um potro feliz. Como gostaria de ver minhas forças direcionadas para o bem, somente para ele: disto jamais abrirei mão.

Jamais pensei que o brilho dos meus olhos se fosse; que minha pele lisa se ressentisse do tempo; que meus dentes alvos, amarelecessem. É, jamais pensei, mas tudo se fez! Vejo agora olhando-me no espelho e examinando-me mais amiúde. Hoje lamento não ter acreditado nas figuras decrépitas que me cortaram o caminho.
Queria mais vida para acertar, corrigir, viver, viver e viver. Mas, querendo ou não, o tempo passou. Ainda posso acertar, mas jamais terei a oportunidade de remendar o meu passado, porque ele é imutável e foge à competência do próprio Deus. Ficou para trás, escrito, gravado, calculado, pesado, diligenciado. Ninguém mais poderá desmanchar, diminuir ou acrescer nada nele. Passou, virou passado.

Sobre a terra, as marcas de meus pés que caminharam e caminharam, sem se aperceberem da direção. E agora, assim, meio perdido, encontro-me numa encruzilhada misteriosa, perigosa.

Mais de meia existência. Muito mais!

Agora paro recurvado sobre esta escrivaninha e deixo meus pensamentos divagarem, cheios de saudades.
Vejo o ponteiro do relógio caminhar, lento, mas implacável, diminuindo meus dias até a decrepitude total. Quero, quando meus olhos, além do brilho, ofuscarem a própria visão, e mais, meus dedos não puderem mais tocar estas teclas, que pelo menos minha mente confusa possa, num misto de lucidez e loucura, balbuciar, no delírio do fim, o Seu nome, Senhor.

ATREVIMENTO:
  ONIPRESENTE, ONISCIENTE E ONIPOTENTE
Entre as tantas dúvidas que me assolavam no início deste livro – e que ainda perduram no momento em que resolvo descansar de minha PROCURA – a questão de Deus onipresente, onisciente e onipotente, sempre foi a mais forte. Não consigo entender como Deus, com todas estas prerrogativas, escolheu deixar a possibilidade de deixar que alguns filhos de sua criação predileta – o ser humano – perderem-se eternamente. É, eternamente! Sem volta, sem apelação. Como define o vocábulo: ETERNAMENTE.

Sem descanso, na despedida, para reforçar meu devaneio, pesquisei:


“Ser onipotente, onipresente e onisciente são três caraterísticas de Deus. Ele tem todo poder, todo conhecimento e está em todo lugar. A Bíblia não usa as palavras onipotente, onipresente e onisciente mas mostra que Deus tem essas caraterísticas. O prefixo “oni” significa “todo”, algo que é completo, sem falhas. Assim, onipotente significa todo-poderoso; onipresente significa presente em todo lugar e onisciente significa com todo conhecimento.
A Bíblia mostra que Deus é o único que é onipotente, onipresente e onisciente. Ninguém é tão poderoso ou sábio como Deus e somente Ele consegue estar presente em todo lugar ao mesmo tempo. As caraterísticas de onipotência, onipresença e onisciência mostram que Deus está acima de tudo quanto existe.

O Deus onipotente
Deus tem todo poder. Não há nada que Ele não possa fazer! Seu poder é total (Gênesis 17:1).
Por Seu poder, Deus criou o mundo e estabeleceu suas regras. Por Seu poder, Deus também faz milagres. Nada é impossível para Deus, nenhuma situação está fora de Seu poder e ninguém é mais poderoso que Ele (Jeremias 32:17). Todo poder vem de Deus, por Sua permissão.
Nosso poder é limitado, mas o poder de Deus é completo (Marcos 10:27). Deus é todo-poderoso, onipotente.

O Deus onipresente
Deus está em todo lado e vê tudo! Nada está escondido dele.
A Bíblia diz que é impossível fugir de Deus, porque Ele está presente em todo lado (Salmos 139:7-8). Não existe lugar algum em que Deus não possa entrar para ver o que está acontecendo. Deus vê tudo, até mesmo os segredos mais escondidos de nossos corações (Provérbios 15:3). Não dá para mentir a Deus, porque Ele sabe o que está acontecendo (Salmos 33:13-15).
Deus não está limitado a ficar em um só lugar de cada vez, como nós. Ele pode estar em todo lugar ao mesmo tempo! Nenhuma outra criatura, nem mesmo os anjos ou demônios, têm esse poder.
Somente Deus é onipresente.

Deus é onisciente
Deus entende todas as coisas e tem toda sabedoria. Ele conhece tudo.
Deus não somente vê tudo, mas também conhece tudo de maneira perfeita. Não existe nada que Deus não saiba ou que não entenda. Ele conhece cada detalhe de sua criação (Jeremias 10:12). Seu conhecimento é completo e. Sua sabedoria é total. Ninguém é mais sábio que Deus, porque Ele sabe tudo e sempre conhece o que é melhor (Provérbios 2:6).
Nós nem sempre entendemos o que está acontecendo, mas Deus sabe e está no controle. Quando obedecemos a Deus, encontramos sabedoria (Salmos 111:10). Toda sabedoria vem de Deus, porque Deus é onisciente. ”

Agora, o atrevimento:
“Entre as partículas que têm alguma massa, a menor é o neutrino. “Ele pode ter 4 x 10-33 grama”, diz o físico Cláudio Furukawa, da USP. Isso equivale a um bilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de grama – e dá uma massa 100 milhões de vezes menor que a do próton, que tem 1,67 x 10-24 grama. Para se ter uma ideia do que isso significa, se o próton fosse do tamanho de uma bola de gude, o átomo seria equivalente a um estádio de futebol.

Seria necessário enfileirar 50 milhões desses Maracanãs microscópicos para poder formar uma linha de apenas 1 centímetro! Ao contrário dos prótons, os neutrinos não são como tijolinhos que compõem matéria – e, sim, partículas ejetadas por átomos a partir do interior de estrelas como o Sol. Acredite se puder, porque assim nos ensinam: bilhões e bilhões delas atravessam seu corpo agora mesmo, enquanto você lê sobre isso.”

Conclusão:
Eu nunca entendi como tendo bilhões de seres humanos – aumentando a cada segundo que passa – todos ora pedindo ajuda, ou mesmo ofendendo, desconsiderando, não acreditando nos profetas e muito menos no que eles disseram, Deus, digamos, se comporta. Uns acreditam quando algo inusitado e favorável acontece, citando milagres ou intervenção divina; outros, menosprezam, explicando que tudo foi acaso ou coincidência.

Deus nunca foi visto. Razão: as criaturas não suportariam a presença do Criador. Por isso Ele é citado como labaredas (no arbusto descrito numa passagem da Bíblia no livro do Êxodo [3:1-4:17] localizado no Monte Horeb. De acordo com a narrativa, o arbusto estava ardendo em chamas, mas não era por elas consumido. No relato bíblico, a sarça ardente é o local em que Moisés foi convocado por Adonai (Deus) para liderar os israelitas fora do Egito, em direção à Canaã, como voz: uma nuvem os envolveu e uma voz disse: “Este é o meu Filho, o Escolhido; ouçam a ele!”. As narrativas deste evento são encontradas em Mateus 17:1-8, Marcos 9:2-8 e Lucas 9:28-36.
Há muitos relatos sobre sinais da presença de Deus, mas tudo isto no passado. A verdade é que antigamente a tecnologia estava surgindo e qualquer acontecimento estranho ou inexplicável só encontrava respaldo na fé. Hoje, a maioria dos aparecimentos “milagrosos” são apresentados como naturais. Somente aqueles em que a ciência não consegue explicar são tidos milagrosos, mesmo assim são muitos os que não duvidam.

Bem, mas afinal, quem e como é Deus? Para mim, para que Ele saiba até dos fios de nossos cabelos; esteja em todos lugares do Universo e possa realizar qualquer transformação – desde que queira – só há uma definição que satisfaz meu raciocínio limitado:
Deus é a milésima parte inteligentíssima do neutrino. Tal partícula poderá estar em qualquer lugar; será sempre inatacável, inatingível, invencível e eterna. Constituindo tudo quando existe, qualquer milagre é mera opção. No entanto, cansando-me de procurar, ficarei com a tradição mesmo. Não encontrei outro caminho!

Reforço-me, apenas, em Ariano Suassuna, quando perguntado por um entrevistador, se ele acreditava ou não na existência de Deus. Depois de confirmar que acreditava, pois do contrário, seria um desesperado, citou o poeta Leandro de Barros – que também viveu às turras com as terríveis dúvidas sobre a maneira de ser de Deus. Escreveu Leandro de Barros:

“Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

 

E JÁ QUE ESTOU DIVAGANDO SOBRE DEUS, NÃO CUSTA LER MAIS A OPINIÃO DE SPINOSA.
Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas” – Espinosa, Ética I, prop. 18
Deus não está separado do mundo como um grande legislador. Não existe uma entidade criadora do mundo que agora o observa à distância, julgando-o e decidindo seu destino final. Até hoje não conseguimos definir a natureza de Deus porque sempre o confundimos com um ser à nossa imagem e semelhança. Os teólogos, claro, mas também os filósofos. Não surpreende, pois, o objetivo dos teólogos sempre foi a obediência. A escritura é mandamento. A tradição descreve Deus como se fosse um homem, um rei, um déspota: com vontades, sentimentos, objetivos, e atributos corporais.
Esta visão é exageradamente antropomórfica e confessa uma ingenuidade para entender a essência das coisas. Por uma visão utilitarista, somos levados a crer que a natureza, e nós mesmos, temos um objetivo a ser cumprido, e concluímos que fomos criados com um destino a se cumprir. Sendo assim, achamos que um ser que nos criou à sua imagem e semelhança tem certos desígnios para nós. Mas Espinosa argumenta que se fosse dada a um triângulo a chance de definir Deus, este o faria dizendo que Ele possui três lados e a soma de seus ângulos internos resultam em 180 graus. E assim o homem, por ignorar as causas de seu conhecimento, o faz: Deus vê tudo, ouve tudo, sabe tudo, pode tudo e nos deu mandamentos que não podem ser quebrados.
Isto está de todo errado. Deus é o mundo, Deus é a Natureza. São dois nomes para uma única e mesma coisa. É preciso conhecer a natureza, o máximo que pudermos, se quisermos conhecer Deus. Ele não é exterior, ele é a causa interior de tudo que existe. A causa da essência e da existência de tudo, a causa imanente, não transitiva, ou seja, agindo em nós. Deus não gera o mundo por livre vontade, ele é o mundo por pura necessidade de sua essência. “Deus não produz porque quer, mas porque é”.
(Deleuze, Espinosa e o Problema da Expressão, p. 69).

FOI MUITO BOM ESTAR COM VOCÊ
Folhas amarfanhadas jogadas ao chão; papéis de todos os tipos lançados fora. Foi uma luta fatigada de coerências e contradições, sem a ajuda dos cicerones pioneiros que adentraram, antes de mim, por esse caminho escabroso de procurar a verdade. Pelos cantos, em cada lugar, amontoados disformes. Nas mãos, uma pasta surrada com aquilo que chamam originais. Acho que está pronto. Enfio a mão e retiro, do meio, um capítulo qualquer. Leio atenciosamente: uma droga! Acho mesmo que poucas vezes escrevi coisa pior.
Amassar outra vez? Refazer? Não vai adiantar, o chão está prenhe dessas tentativas. Acho mesmo que a maneira mais fácil de resolver este problema é ter a humildade de chegar aqui, neste finzinho, e cabisbaixo, humildemente, pedir desculpas por ser, apenas, mais uma criatura curiosa.

Viajei desordenadamente! Foi uma verdadeira refrega. Bastante cansado ponho a mão no topo de minha escalada. Os pés sangram, mas arrastaram-me até aqui; as mãos estão enrijecidas, mas escreveram o que lhes era ordenado. O cérebro, porém, que imaginou tudo isto, está mais confuso que antes e penitencia-se do sangue dos pés e do enrijecimento das mãos. Será que valeu a pena? Parece a ele, agora, uma utopia, algo bastante imaginário e que como tal foi só ilusão e…. desilusão. Está frustrado no meio de tantas incoerências que cerceiam o fim sublime de mais uma luta vã em busca do desconhecido. Parece ter sido uma caçada frustrada. A lebre escapou do disparo.

Mas, não sou de desistir. Foi, quando nada, um treino válido. Estarei surdo ante o sarcasmo dos pessimistas e bastante calmo à pressa de chegar. Na herança da obstinação, a determinação de prosseguir, e alcançar. Pela idade e os achaques do tempo, sei que logo ficarei sabendo de tudo. Perdi tanto tempo à toa! De qualquer forma, causarei inveja aos que ficam, malucos em busca de ficar, ainda em vida, sabendo do futuro que lhes aguarda. O meu – sinto – está bem próximo.

Tudo o que sabemos é parte do saber. Alento-me a investir contra preconceitos e pragmatismos, na sã consciência de estar expondo-me à espada justiceira dos conservadores e na certeza firme de estar jogando honesto com as dracmas que me foram confiadas a multiplicar. Posso tê-las aplicado mal, mas o fiz. Tentei.

Caminhei ao sol e pelas noites. Foi uma procura estafante e bem-procedida. Quando em vez parei nas sombras da fantasia, arriando o alforje de meu ceticismo, para respirar a graça dos irracionais. Eles, embora não tenham o apanágio da espiritualidade, andam por aí, sem a perseguição do raciocínio que cria inconformados, descontentes e revoltados.

Nessas paradas, abanado pelas aragens cálidas do Nordeste, pude sentir e imaginar, que toda a alegria e naturalidade dos animais hasteiam-se na ingenuidade pura de não se indispor com o Criador. Aprendi a ter ciúmes da avoante irrequieta que arrulhava em torno do caminho; da libélula ingênua, simples, sei lá, que passava o dia arremessando gotinhas d’água com seu abdômen; da plantinha sedenta, que embora crestada pelo sol impiedoso, aguardava da noite, o rocio; do bode e do jumento esqueléticos que buscavam ao longo da estrada, os bagaços e os restos de papéis; do beija-flor apressado que riscava as caatingas, na certeza instintiva de que, em algum lugar daquele semideserto, uma flor deixada por Deus o esperava.

Foi uma experiência e tanto! Não fiz nada grande, porque pequeno é meu entendimento. Mas caminhei o quanto pude. Talvez ainda eu o aborreça algumas vezes por esta vida afora. Um dia, quem sabe, por esta vastidão eterna do desconhecido – como o beija-flor otimista e cheio de fé – eu encontre, na florzinha deixada por Deus, o néctar para solucionar minhas dúvidas.

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