CATANDO PEDAÇOS
LIVALDO FREGONA
1ª EDIÇÃO
CATANDO PEDAÇOS:
Crônicas, contos, causos
divagações, opiniões
e até poesias
Imperatriz, MA
Gráfica Brasil
2024
ÍNDICE:
007- Apresentação
011- Divagando
019- Velhos tempos, belos dias!
023- Beleza existe?
027- Mijando contra o vento
031- O porquê dos maus profissionais
033- Entre as tantas injustiças
037- Frei Tadeu
047- Saudade dos meus tempos de criança
048- Tudo passa
049- Deixe que os mortos enterrem seus mortos
053- Além de meu entendimento
057- Amazônia: insônia do mundo
063- Decorando as teclas da vida
067- Passando fome tendo alimento
069- Um cavalo inconformado
073- Desemprego
077- Aedes e suas performances
081- Durma com um barulho desse!
085- Cada um na sua
087- As secretárias dos “esses e xises”
091- Massacre e descaso bancário
095- Jonas Gavião
101- A falta de humildade
105- Imperatriz, portal da Amazônia
107- Aberta a temporada de caça
111- Araruta tem seu dia de mingau
113- Maranhão do Sul: agora vai!?…
117- Ano 2.000 – o ano do jubileu
121- Juíza Luzia: certa ou errada?
125- Ziraldo: Republiqueta de merda
127- Imperatriz – 160 anos
131- Botafogo!
137- Carnaval
140- Egoísmo cruel
141- Pedrinho e Paulo Jessé
145- Manejo Sustentável
153- Marcola
159- Intercessão
163- Êta mundão de Deus!
167- Persistência:
169- Obrigado
173- Já estou quase acostumado!
175- Penso que seremos julgados assim
177- Pois é, Jurivê!
179- Livros: emprestou? Perdeu!
181- Quadrado ou moderno?
183- No limite da revolta e do sarcasmo
185- A suspeita mais triste de minha vida
189- Como surgem os grandes escritores
193- Pesadelo
195- Os rigores da lei
199- Marilândia bem no comecinho
205- Políticos “de la sampígola”
209- Por que não confio
211- Eu: um pronome antipático
213- Os dois maiores roncadores do mundo
217- Um homem, duas cidades
223- Meu saudoso pai
227- Melhor não se envolver
231- E o feitiço virou-se contra o feiticeiro
237- Biografia
Apresentação:
Na minha família, apenas dois estão ultrapassando os 80 anos de vida, ainda que a trancos e barrancos. O restante aceitou a determinação genética e foi descansar mais cedo. Resta ainda a caçula, que vem aí claudicando, monitorada por uma das melhores médicas de Uberlândia-MG, sua filha Daniela Falqueto.
Encontro-me no meio desse tiroteio genético, temendo ser atingido a qualquer momento. Escapando dessa fatalidade, há ainda a realidade da Covid19 – que se apresentou como cadastrada à função de fazer uma faxina na Terra. E nós, idosos e mórbidos, constituímos as sucatas mais inúteis a serem recolhidas. Alguns, mesmo infectados, costumam escapar pela tangente: é que o vírus parece não querer espantar as lebres! Que assim seja, porque, de fato, tudo neste mundo precisa ser renovado. Há quase um século, substituímos nossos pais. Não escaparam das avalanches dos mares e foram forçados a desistir. Tomamos-lhes a capitania, mas novos vendavais recomeçam e na praia já vemos nossos sucessores aguardando.
Tentando fugir das tantas armadilhas, sobrevivo assustado e permanecendo escondido dentro de minha própria casa…, mas, confesso: um ano é tempo demasiado para um velho doentiamente ansioso como eu. Estes acuos impertinentes, ininterruptos, já estão me convencendo a não esperar guarnições de apoio: vacinas ou remédios milagrosos. Sinto-me de braços atados, com uma serpente taipam dormindo em meu colo. Nessa hora, acho melhor aceitar a vontade de Deus, mesmo porque não sou imune nem especialista em acalantar serpentes.
Começar um romance inédito nesta indecisão, será um contrato de risco que ainda não ousei. Percebo que o Alzheimer tem me roubado muitas horas de sono quando, tento e não consigo, lembrar o nome de alguém que foi – e ainda continua sendo – importante para mim. Esforço-me à exaustão. Perco o sono. Levanto-me e vou ao computador. Aciono o Google e não demoro a encontrar o que procurava, porque nem sei como um disco rígido, CPU, consegue armazenar tantas informações. Aí volto para a cama e tento dormir. O problema é que tive e tenho muitos amigos, ou conhecidos, sobre quem não consigo aceitar o esquecimento dos nomes, ainda que temporariamente: razão por que evito pedir a palavra até em simples reuniões ordinárias de nosso sodalício.
Sentindo que a cortina está se fechando e que o ato ainda não terminou, volto ao palco claudicando, sempre esquecendo parte do script que me foi passado pelo Diretor da Vida. Então, pulo da cama novamente, o dia vai amanhecendo e a insônia vencendo mais uma batalha.
Por enquanto, sem tornozeleira eletrônica continuo em prisão domiciliar, olhando pela fresta das portas, vigiando os tais bichinhos invisíveis a olho nu. Não os vejo, mas os noticiários maliciosos me fazem senti-los como se fossem meteoros com toneladas de peso, caindo a poucos metros de mim. É muito difícil conseguir alguma coisa de valor nesse clima de insegurança!
Foi assim que procurei – entre os milhares de escritos de meu passado – selecionar alguns e editá-los. Este livro é feito disso. Fotos, interpretações, jornais e revistas, velhos cadernos manuscritos, divagações, algumas inserções atualizadas, misturando passado/presente/futuro. Por isso, não estranhe algum presente envolvido no passado. É que alguns pontos de vista ainda continuam os mesmos de quando os emiti; outros, não. Por favor, tentei mais dizer quem sou do que quem eu era.
Neste vai-e-vem encontrei a explicação irrefutável do meu maior incômodo:
“Ser útil para alguém é uma coisa muito cansativa. É interessante você saber fazer as coisas, mas acredito que a utilidade é um território muito perigoso porque, muitas vezes, a gente acha que o outro gosta da gente, mas não, ele está interessado naquilo que a gente faz por ele. É por isto que a velhice é esse tempo em que passa a utilidade e fica só o seu significado como pessoa. Eu acho que é um momento em que a gente se purifica, né? É o momento em que a gente vai tendo a oportunidade de saber quem nos ama de verdade. Porque só nos ama, só vai ficar até o fim, aquele que, depois da nossa utilidade, descobrir o nosso significado.
Por isso eu sempre peço a Deus para poder envelhecer ao lado das pessoas que me amam. Aquelas pessoas que possam me proporcionar a tranquilidade de ser inútil, mas ao mesmo tempo, sem perder o valor.
Quero ter ao meu lado alguém que saiba acolher a minha inutilidade. Alguém que olhe para mim assim, que possa saber que eu não servirei pra muita coisa, mas que continuarei tendo meu valor.
Porque a vida é assim, fique esperto, viu? Se você quiser saber se o outro te ama de verdade é só identificar se ele seria capaz de tolerar a sua inutilidade. Quer saber se você ama alguém? Pergunte a si mesmo: quem nessa vida já pode ficar inútil para você sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora?
É assim que descobrimos o significado do amor. Só o amor nos dá condições de cuidar do outro até o fim. Por isso eu digo: feliz aquele que tem ao final da vida, a graça de ser olhado nos olhos e ouvir do outro: você não serve pra nada, mas eu não sei viver sem você. Padre Fábio de Melo”.
Estou lançando este livro com a intenção de passar mais tempo entre vocês. Acredito que nossa passagem por aqui durará o tempo em que formos lembrados. Aqui vocês encontrarão capítulos que nunca foram editados; alguns editados, mas não divulgados; outros de um passado não tão distante, quando ainda não precisava rezar para que “alguém me levasse ao sol”; outros ainda, mostrando minha reação temperamental diante de acontecimentos sobre os quais eu discordava. O que fiz de bom ficará somente entre mim e Deus. Devo ter ferido muitos e, pelos ferimentos peço perdão. Aquilo que me fora tão enervante, “agora são bobagens: ninguém quer saber”.
Ofereço este livro à mulher mais venerada por mim depois de Nossa Senhora, minha mãe; à Sofia, onze anos; Pietra, seis meses e Corina, 74 anos.
DIVAGANDO
Hoje estou com 81 anos. Aos oito eu começava minha inglória e impossível pretensão de me libertar da tarefa de entender quem é Deus, como surgiu, onde vive, como consegue não entrar em depressão diante do mais nada a fazer. Por quê? Como? Onde? Por que, por que, por que, por quê?….
A tarefa mais árdua e impossível de se adequar à minha limitadíssima razão – desde o início – sempre esbarrou na onisciência, onipresença e onipotência do Criador. Jamais irei entender a razão da existência do mal, criado ou deixado acontecer pelo Criador com todas as prerrogativas supracitadas. Para o meu entendimento, a ação foi parecida como, se aqui na Terra, um incauto criador de galinha, inadvertidamente, resolvesse criar, juntamente com elas, raposas, gaviões, gatos do mato; ou ainda, a um jardineiro que não quis abster-se da criação de suínos, agregando-os ao seu jardim de flores.
Ultimamente – vendo certas invenções e criações humanas – tenho aceitado a tradição de que fomos feitos à imagem e semelhança do Criador. Que se destaque “à semelhança”, porque, apenas resquício da aparência talvez nos tenha sido dado.
A Bíblia – nossa cartilha orientadora – foi-nos passada por escribas geniais. Dos 39 livros do Antigo Testamento – do Genesis a Malaquias – é de impressionar a coerência. Imagino que muitos relatos de livros apócrifos foram desconsiderados, a fim de que, a coerência pela encarnação de Jesus, fosse incontestável. De qualquer forma, é impressionante a linha de raciocínio daqueles que, depois de haver juntado os papiros danificados, organizaram-nos com tamanha harmonia para nos fazer acreditar que tudo aconteceu daquele jeito narrado.
“Na maioria das vezes, há uma imagem estereotipada de Deus na cabeça das pessoas a respeito do céu: alguém sentado numa nuvem, tocando harpa e aparentemente entediado com os seus talentos. Será que o céu se parece com isso? Duvido muito!
Pense sobre isso: estamos falando sobre Deus. Como você mesmo percebe, Ele é muito criativo e perfeito. Se você tem alguma dúvida a respeito, somente contemple um pôr do sol, ou tente sondar como o Universo pode estar suspenso em união, de maneira totalmente segura; ou pense sobre a vastidão do espaço; ou leia sobre o DNA. Sim, Deus sabe um “pouquinho” das coisas!
Então, o que sabemos nós sobre o Céu prometido? A Bíblia diz que lá “não haverá mais morte ou lamentações, choro ou dor”. Isso é “gigantesco e incrível”, não é? Será que os que conseguirem a misericórdia de passarem a eternidade em lugar assim irão acostumar-se, depois de sair desse nosso, totalmente avesso à justiça e ao amor? Não haverá mais morte? Quer dizer que não haverá mais câncer, AIDS, guerras ou assassinatos? Parece muito bom! Sem mais lamentações? Quer dizer que não haverá mais jovens viúvas tentando criar seus muitos filhos, nem bebês sendo sequestrados por psicopatas, nem cruzes ao lado das estradas significando que alguém foi morto por um motorista bêbado, nem cidades perecendo com terremotos? Nunca mais? Depois de alguns trilhões de séculos sem problema algum, não sentiremos saudade do tempo em que éramos mortais ativos, que viviam fugindo de ladrões e todo tipo de bandido?
Não haverá mais choro nem dor? Quer dizer: sem mais divórcios destruindo lares, sem mais nenhuma filha violentada pelo próprio pai, sem mais nenhuma adolescente vendendo seu corpo por dinheiro, sem mais ninguém se sentindo inseguro porque é muito alto, ou muito baixo, muito gordo, ou muito magro, sem mais comunidades famintas, sem nenhuma avó solitária cujo marido morreu 20 anos antes do tempo, sem nenhuma pessoa talentosa perdendo a vida por overdose, sem mais maridos alcoólatras agredindo suas mulheres e filhos, sem palavras de ódio. Esse lugar parece ser realmente excelente! Mas, sem percalços, não se tornará enfadonho?
Com o que mais se parece o céu? Somente Deus sabe. Mas ser um estilo de vida completamente novo, com certeza será. E se o mundo atual pode servir como exemplo, podemos esperar que o próximo mundo mostre muito mais sobre a criatividade de Deus. Estamos falando de dimensões de tempo e espaço diferentes, e de novas atividades e entretenimentos com os quais nunca sequer sonhamos. E esse é justamente o X da questão: o que nos espera no céu está além do que podemos imaginar. Pense o que quiser, mesmo assim jamais irá aproximar-se da realidade.
Você acha que poderia conceber a ideia de criar uma girafa? Ou um tigre? Ou uma zebra? Talvez você esteja se sentindo muito confiante. E o que dizer das quatro estações? O que dizer sobre a Terra girar em torno de seu próprio eixo ao mesmo tempo em que gira em torno do sol, nos dando quatro estações? Essa é realmente boa, você deve admitir…. E o fato de a Lua influenciar a maré dos oceanos aqui na Terra? O que dizer do olho humano? E sobre o sexo? Bilhões já morreram e mataram por causa dele.
O Criador é extremamente criativo, poderoso e perfeito! Para provar é só olhar à nossa volta. Nosso mundo é incrível! E talvez Deus ainda não tenha nem começado o Seu show. É bem provável que não tenha começado mesmo. Mas podemos estar confiantes: seja lá como o céu for, ele será muito melhor do que podemos imaginar agora, ou no futuro. Nós simplesmente não fazemos a menor ideia.
Acho que meu problema maior é não conseguir uma resposta que me satisfaça, quando penso na ocupação de Deus. Outro dia, quando o despertador me acordou, pensei: irei ao banheiro para a higiene (já fui); o café (já tomei); escovar os dentes (já escovei); almoço, café da tarde, jantar, dormir… pronto, o despertador já toca novamente. Mas, meu Deus, se não há nada mais a fazer e se tudo o que deseja se faz imediatamente, como o Senhor ocupa o tempo por toda a eternidade?
Teria Deus criado os espíritos maus, ou permitido que determinados anjos de sua criação se rebelassem? Que com a discórdia iniciada, nossas almas seriam disputadas como prêmio pelo lado vencedor? Teria – para ocupar-se – deixado que os anjos revoltados se rebelassem, para provar a eles que são espírito criados, mas não mais poderosos e justos como Ele? Bem, digamos que foi assim, mas daí a proclamar-se bom e tornar-nos prêmios a serem disputados, sinceramente, fica difícil de entender. A razão é simples: nada é mais poderoso e bom que o Senhor. Por que nos permitiu o livre arbítrio, se sua onisciência sabia de nossas fragilidades?
Os geniais e inspirados escribas organizadores dos textos bíblicos afirmam que Deus criou tudo o que existe em seis dias e reservou o sétimo para descansar. Depois de tudo concluído, Ele achou que o que havia feito era bom e resolveu descansar. De fato, o que existe é simplesmente maravilhoso e intrigante.
Hoje, no entanto, os homens – segundo os dons dados por Deus – estimam que tudo começou há 2,5 bilhões de anos e findou-se há 550 milhões de anos. Nesse tempo ocorreu grande acúmulo de oxigênio na atmosfera e foi nesse clima que apareceram as primeiras formas de vida unicelulares avançadas. Isto confronta a afirmação bíblica do criacionismo, que afirma que todos os seres vivos surgiram na Terra por meio da criação divina. Segundo essa ideia, Deus criou todos os seres vivos, incluindo os seres humanos, no espaço de “seis dias”. O que não podemos esquecer é que: dias, para a Bíblia (Deus) pode significar “eras”, bilhões, trilhões de séculos.
Entendo que a Terra foi criada depois da insurreição dos revoltados lá de cima, tipo as eleições aqui da Terra. O Criador “resolveu provar” que eles não conseguiriam. O desafio foi feito e Deus afirmou que iria provar. Organizou um dos planetas, criou seres pensantes para que decidissem de que lado ficar. Estabeleceu-se que cada um teria livre escolha, evolutivamente, e que Ele, o Criador, só interviria em caso de desrespeito ao combinado. Deus agiria com bondade; os anjos revoltados, tentariam atrapalhar.
E eu cá fico pensando – baseado, como sempre, na razão limitada com que fui agraciado e no tanto tempo sem procurar o que fazer: se hoje, durante meus 81 anos, o homem já evoluiu tanto, transformando-se – como sempre defendi, num semideus – não teria um daqueles seres primários evoluído a ponto de eliminar o tempo e se transformar num sábio eterno? Às vezes pensamos que a fórmula para eliminar a morte, tornando-nos eternos, deve ser constituída de milhões de cálculos precisos. No entanto, a equação E = mc2, de Albert Einstein em 1905, é tida como, até então, a mais revolucionária da Física. E reparem a aparente simplicidade da fórmula.
Que os estromatólitos surgiram na Terra – supostamente há três bilhões e oitocentos milhões de anos – não bate com os editores do Gênesis, no surgimento de Adão e Eva, ou seja, da raça humana. Biblicamente, Deus criou tudo em poucos dias, inclusive, o ser humano.
Ele sabe que qualquer humano que tentar explicá-Lo, servirá de chacota no céu, porque somos limitadíssimos seres vivos em relação à sabedoria do Criador. Mas, estamos, dia a dia evoluindo e não havendo proibição, poderemos, daqui a mais ou menos quatro bilhões de anos, sermos, também, deuses criadores de outros universos. Não alcançaremos o Deus primeiro, porque, nesse tempo, Ele estará quatro bilhões de anos à nossa frente, mas poderemos ser como Ele, daqui a quatro bilhões de anos.
Mas, quem garante que a fórmula utilizada pelo Criador não foi mais ou menos assim: v-m=e (vida, menos morte, igual a eternidade). Isto não passa de um passatempo. Quem, de Adão a José que acaba de nascer, conseguirá daqui para frente, livrar-se matematicamente da morte? Quem, aqui na Terra, poderá admitir que entre tudo o que existe, Deus não teve princípio; ou mesmo, que o Universo é infinito. Como – para você – Deus apareceu? O que existe depois do infinito? Mas tem resposta sim: Ser humano algum jamais saberá. Ainda bem que criaram a resposta tangente: MISTÉRIO.
Fica disponível uma loteria e quem acertar será o contemplado. Ela é assim: um trilhão de números, cada um agregando letras de todos os idiomas, mais figurinhas não repetidas. Seus 50 números escolhidos, terão de ser sorteados. Percebo que não é lá muito fácil, mas se quiser tentar, é grátis.
Isto significa que nosso Deus todo poderoso pode ter tido início, nos estromatólitos, por exemplo, e foi evoluindo como nós, humanos estamos fazendo agora. Suprima a explicação de como surgiram os estromatólitos. Essa fica de lambuja. Não precisa rir, porque ninguém sabe melhor que eu, que quanto mais mecho na palhada dos mistérios universais, mais se esvai a chance de encontrar a agulha que perdi. Às vezes me pergunto: por que isso me preocupa tanto, se achando ou não, tudo vai ser como está escrito nas estrelas? Peço desculpas em praticamente brincar com um assunto tão sério, mas que fazer se isto me incomoda desde os primeiros anos de entendimento?
Na verdade, concordo com a Filosofia do pensador holandês Baruch de Spinoza, que propôs uma ideia de Deus imanente e panteísta, resumida na máxima: Deus sive natura (“Deus é a Natureza”). A única maneira de eu entender a presença de Deus em tudo e em qualquer lugar, é considerar a imanência. Não sendo assim, como pode Ele estar em todos os lugares: saber de cada fio de nossos cabelos?
Num tempo não tão distante, sabia-se que a menor partícula existente na formação de tudo quanto existe, era o átomo. Depois o dividiram em muitas outras partes, inclusive nas já conhecidas, mas ainda invisíveis aos maiores telescópios modernos. E o tempo sem pressa continua criando séculos e eras, com os seres chegando, aprendendo, descobrindo e partindo para outra dimensão.
Nosso velho átomo já virou procura de paleontólogos divinos. Cientista já falam em neutrinos, quarks, fótons, glúons…. Isto por enquanto, mas daqui mais alguns milênios – e não tenha pressa, eles chegarão – os quarks e Cia. mostrarão mais divisões. Já sabem os astrônomos, que há partículas ainda desconhecidas vagando por todo o Universo. Agora mesmo elas devem estar passando por dentro de nós, passeando como se fôssemos, apenas, um bosque recreativo para elas.
Seriam lavas de um vulcão, ou epicentro da Terra: não faria diferença. Continuariam indo e vindo naturalmente, porque nem a brisa suave, nem a temperatura de Planck conseguem afetá-la. Aliás, elas e tudo quanto é formado por tais partículas invisíveis, não apenas a olho nu, mas também aos mais evoluídos microscópios do nosso tempo.
E aí entra minha divagação explicativa de Deus onipresente, sem princípio nem fim. Imagino que “logo aí atrás, há apenas alguns milhares de sextilhões de séculos, puxa – parece que foi ontem – apareceu uma dessas partículas. E aí, os segundos foram passando, e ela jogada de lá para cá. Bem, havia tempo e ela começou – como tudo o que acontece até hoje – a evoluir. Apesar do “curto tempo disponível” ela foi sofrendo modificações, aprendendo, aprendendo, aprendendo…, até se tornar um ser racional.
Notem, por exemplo, como alguns seres humanos já evoluíram! Ver, aqui da Terra, uma nave espacial pousando em Marte e enviar mensagens e fotos em tempo real; criar celulares incríveis; fiscalizar com satélites, a nossa Terra e o próprio espaço…. Bem, ver e ouvir nossas grandes descobertas modernas é sinal mais que convincente que muitos homens já se transformaram em semideuses. E temos apenas alguns milhões de anos de evolução: um pouco menos do que aquela partícula que já vem se desenvolvendo naquela suposição acima mencionada. Aquela partícula supracitada a que me referi, tanto evoluiu que acabou conseguindo suprimir ou parar o tempo, tornando-se eterna.
Caramba! Por sorte, minha demência não requer internação imediata, mesmo porque toca simplesmente a mim, que estou no fim da caminhada. E nesse fim, toda minha curiosidade cessará. Serei apenas uma rápida lembrança ou rirei de mim mesmo, lá em cima, ao lado de minha família, de meus amigos…… e de Jesus. Terei tempo de sobra para pedir a Ele, desculpas por escrever tantas asneiras. Muito cuidado para não se distrair e chegar a pensar que ainda tenho cura!
É que, depois dos anos de provações continuo vivo. Muitos sonhos viraram pesadelos. Estou cansado, mas não deixarei de lutar nessa prorrogação.
Lembro do confrade Adalberto Franklin. Todos nós, seus amigos e confrades, sabíamos da caducidade da vida dele. E ele, sem qualquer interesse em aceitar o resultado do jogo, tomava a palavra e falava de seus sonhos, como se fosse aquele confrade de quinze anos atrás. E exatamente em sua última participação em nossa reunião acadêmica ordinária, quando falava de seus planos e sonhos, digamos, ele acordou.
VELHOS TEMPOS, BELOS DIAS
Texto escrito em 1950 e revisado posteriormente
Hoje, quando despertei, ouvi – pela primeira vez neste ano – o canto de um bigodinho. Ele emigra, passando por essa região no início do inverno. É pequeno, assemelha-se à coleirinha autóctone, só que possui faixas brancas e pretas bem definidas, e seu canto, poeticamente poderíamos compará-lo a uma suave rajada de metralhadora de brinquedo.
Eu estava fazendo pelotas à sombra de uma mangueira, quando vi que um instalou-se sobre a folha de um açaizeiro da alameda da casa de meu pai e, pela demora, concluí que ali delimitaria seu território para passar o inverno e construir seu ninho.
Nesse tempo restrito, a garotada os persegue, tentando capturar um macho para ouvir seu canto e beleza durante todo o ano. Mas é proibido. Pela lei, daria até cadeia. Não estranhe: o futuro do pretérito está devidamente aplicado. Agora retorno aos meus tempos de criança!
Entre os dias de maior euforia de minha vida de menino, consta aquele em que, usando um visgo de jaca, capturei um. Passava horas e horas cuidando dele, procurando sementes adequadas e, quando começou a cantar, era como se os anjos do céu estivessem cantando só para mim.
Naquele tempo, a lei que proíbe prender passarinhos, já existia. Lembro, um pouco mais adiante, de um agricultor de Venda Nova do Imigrante/ES, que precisou de pistolões políticos para se livrar da cadeia por ter abatido um gambá que surrupiava suas galinhas; também não esqueço o caso do homem que derrubou um açaizeiro e a quizumba que causou.
A discrepância da lei em fazer barulho e justificar ação por meio de declarações, divulgações e ameaças sobre coisas banais, e desconsiderar crimes hediondos, não é de hoje, não somente contra a Natureza. A soma dos roubos de muitos presos que hoje cumprem pena no Brasil e superlotam as cadeias não chega ao montante do juiz Nicolau. No entanto, por ironia – vejo e verei até à morte – milhões de seres vivos sendo dizimados por interesses financeiros (usinas, barragens, estradas, fogo…).
Eu sou um que carrego comigo a triste lembrança de ter sido um dos maiores caçadores de inhambus do País. Um dia, porém, meu mano mais velho achou um ninho de macucos e trouxe os seis ovos existentes. Meu pai os colocou sob uma galinha e todos nasceram. Era bonito ver meu pai, o dia inteiro com uma enxada na mão, cavoucando minhocas ou descobrindo insetos para os filhotinhos que não lhe saíam dos pés.
Os bichinhos eram tão bonitos e tanto amansaram que acabaram também me despertando do crime que estava cometendo. É que já havia recebido de amigos e cientistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, conselhos sobre caçar por esporte, os Tinamídeos (inhambus). Aderi a meu pai e aos bons conselheiros e pendurei a espingarda.
O primogênito, mano Adalho, tomou a mesma decisão. Para ser sincero, ele mais piava para os outros atirarem! Fez a felicidade de muitos caçadores de primeira viagem! Para sermos sinceros, nunca havíamos percebido o lado meigo e bonito dos passarinhos que caçávamos impiedosamente. Os inhambus, quando percebem nossa amizade, são tão amáveis quanto os cachorros.
Por isso, aqueles que os tratam bem, conservando-os em ambiente aprazível e quase natural, que os alimentam dignamente… deveriam ser separados dos comerciantes ou traficantes de animais silvestres, e não sujeitos às mesmas leis. Isto até é possível, mas as exigências dos órgãos responsáveis são tantas, que a maioria prefere criá-los às escondidas.
Alguém que cuida bem de um animal, acaba suscitando, principalmente aos filhos, o mesmo carinho e a mesma proteção. Crianças que têm animais de estimação, normalmente se transformam em defensores ferrenhos da Natureza. Não seria razoável repensar ou amenizar os rigores da 5.197? Sei que o que estou defendendo é possível, mas as exigências são excessivas! Quem tenta, acaba desistindo. O meu caso serve de exemplo.
Quando abandonei as caçadas e comecei a criá-los em cativeiro, já entendia muito sobre os inhambus, tanto pela experiência como estudando-os cientificamente. Por isso, capturar quase 50 espécies não me foi nada difícil. Bolei um lacinho que cabia na palma da mão, emitia piados de localização, aproximava-me do local, examinava o nicho e escolhia uma possível passagem e armava o lacinho. Por cima pendurava um alto-falante. Afastava-me uns 15 metros e escondia-me com visão ao laço. Se o pássaro respondesse e atendesse ao chamado, eu parava de piar e acionava o alto-falante. Comumente dava certo. Era coisa de minutos.
Certa vez, estando eu em plena forma, parando para esvaziar a bexiga, ouvi um inhambu poca-taquara (Cripturellus griseiventris) piando a uns 50 metros daquela estrada de chão em que um amigo e eu estávamos passando. Disse a ele:
– Quer apostar que em menos de uma hora e estarei com aquele pássaro que piou aqui na mão?
Ele riu e respondeu que duvidava. Retruquei que iria provar. Apanhei o lacinho, o alto-falante e o fio com 50 metros de extensão. Deixei o plugue na estrada e entrei. Quando descobri um lugar aprazível, armei o lacinho, pendurei o alto-falante por cima e voltei às pressas. Dei um piado na estrada, a fêmea respondeu. Acionei o alto-falante e aguardei. Ela respondeu pertinho do lugar. Acionei novamente e, sem demora, ouvimos o barulho de uma ave se batendo. Corri para o local, retirei-a e retornei – às pressas para ganhar mais tempo – com ela na camisinha de força. Tudo isso em apenas quarenta minutos. Ele olhou, examinou, constatou e foi enfático e conciso:
– Putaquepariu, cara!
Bem, voltemos ao assunto.
A cultura vem da tradição e da criação. Um animal silvestre se apega ao dono e há até os que adoecem se forem separados. Tornam-se dependentes. Sei que há o problema da liberdade que, no entanto, não deve ser visto sob o prisma do raciocínio humano. Com a exceção dos que emigram, os passarinhos vivem confinados a territórios, mesmo fora das gaiolas ou viveiros. O amor e o carinho talvez sejam os sentimentos mais desejados pelos seres vivos, mesmo nos irracionais. Não há prisão que os sobreponham. Por isso acho que se deve combater o tráfico e os maus tratos, e incentivar a criação em ambiente sadio de pessoas bem-intencionadas e recomendadas pela comunidade ou bairro em que moram.
BELEZA EXISTE?
O senso de beleza é uma característica singular e individual dos seres humanos. Somente nós parecemos observar e obedecer a este detalhe. É muito difícil os humanos se procurarem para um relacionamento mais afim, sem ter como base, o que entendem por beleza física. Mas, afinal, o que é beleza? Será que ela independente de critérios de cada um, existe mesmo?
Com certeza, a beleza não existe como tal: ela é, pura e simplesmente, o encaixe perfeito de linhas harmoniosas criadas e aceitas pela ótica de quem olha. Não é por menos que, às vezes, ao metermos o bedelho na vida alheia, comentamos: “Como aquele cara pôde casar-se com aquela sirigaita”!… Ou: “O que aquele “avião” viu naquele mostrengo”?
Bem alerta o sábio provérbio: “Para quem ama, o feio lhe parece bonito”! Fora os seres humanos, nenhum outro ser vivo possui esta característica, embora alguns cientistas encontrem nas plumagens exuberantes das aves, ou no porte forte e agressivo dos vertebrados, um atrativo para merecer a deferência das fêmeas.
Quando, nos irracionais, uma fêmea entra no cio, os machos a procuram afoitamente, brigam e até se matam para transmitir, proteger e salvaguardar sua herança genética, pouco se importando que ela seja gorda, velha, deficiente… O importante, a lei imperativa, e talvez divina, é que se passe por cima de tudo para que a espécie seja preservada. Este parece ser o primeiro mandamento da Natureza. Nessa hora entra em jogo, não a beleza das fêmeas, mas a obrigatoriedade dos machos em não descumprirem a ordem da Natureza de perpetuar a melhor e mais forte espécie. Daí as ferrenhas lutas dos machos, que disputam até à morte, o direito de cobrirem as fêmeas.
A bem da verdade, nosso senso de beleza parece mais vir dos olhos do que do cérebro. Se verificarmos, por exemplo, que todas as mulheres (normais) têm cabelos, dentes, boca, orelhas, seios, barriga, pernas…; se imaginarmos que numa escuridão total, toda mulher do mesmo porte físico poderia ser escolhida para fazer um par; que a beleza que nos enredou num casamento já não é tão acentuada depois de anos de convivência; que nossa mãe jamais é feia…, haveremos de convir que “beleza” é apenas uma ilusão ótica.
Nos concursos de beleza é muito fácil comprovar isso. Se colocarmos dez mulheres e vinte jurados, é bem provável que nenhuma fique sem um voto. Isso, segundo meu ponto de vista, prova que a beleza não pode ser generalizada: ela é própria de cada um. No correr do tempo, os seres humanos inventam ou criam modas, e os meios de divulgação se encarregam da “lavagem cerebral”, convencendo as pessoas que bonito e atraente é – entre outros detalhes pessoais – aquilo que a mídia divulga. A beleza feminina, para os brasileiros, não é a mesma dos americanos. Enquanto lá eles não ligam para bumbuns arrebitados e acham excitante grandes seios, aqui, a maioria vê na mulata esguia, um símbolo sexual cheio de atrativos. Ora, se beleza existisse como tal, uma coisa teria que ser bonita sempre, em todo lugar e em todos os países.
Todo mundo é bonito para alguém. Quando se chega em aglomerações com milhões de pessoas, você não encontrará duas pessoas iguais, mas todas bonitas para alguém.
Por enquanto, somos levados mais por opiniões genéricas ilusórias do que por avaliação particular. Se todo mundo fala e propagandeia que fulana é bonita, passamos (por assim dizer) a acreditar… e a cobiçar também. Neste caso, a mulher fica bonita de uma hora para outra e o homem que vivia tranquilo com sua amada, passa a se preocupar com a concorrência. Experimentem jogar algo grande, um osso com alguma carne, por exemplo, para uma porção de galinhas reunidas. Uma pega e, não podendo engolir, tenta se distanciar das demais. As tantas, achando que a fugitiva pegou algo apetitoso, perseguem-na para surrupiar. Correm à exaustão. Já trocando as pernas, o osso é surrupiado e percebido pelas usurpadoras de que não valeu o esforço empregado. É deixado de lado. Só então, “elas percebem” que foram enganadas.
Enquanto isso, a beleza vai sendo o mito do amor…, a mentira e a dúvida que estonteia; a doce ilusão da busca obcecada pelo mais belo e atraente segundo a maioria, sobre a qual criamos nossos desejos, colhemos nossas angústias e amargamos nossas frustrações…e, não podemos esquecer: vivemos os mais inesquecíveis momentos de nossa existência. Fortes ilusões também satisfazem, ainda que temporariamente.
Tornam-se ridículos ao disputar as mulheres que, na rodinha dos bares, são consideradas gostosas, bonitas e atraentes. Existem muitas mulheres assim, mas poucas entendem que aquilo é ilusão. Algumas acabam cedendo aos galanteios de algum pinguço, engravidam e logo é deixada para outro. Sem saída, ela também se entrega e a vovó cuida dos dois.
Não demora muito, o corpo esbelto se relaxa, as pernas se enchem de varizes e aquilo que pensou que nunca iria acabar, acabou.
Quantas não lembram com saudade e muita tristeza do tempo que podiam escolher um homem honesto e trabalhador para constituir uma família. Hoje, ela podia ter um companheiro e dividir a felicidade dos filhos, bagunçando a casa, brincando e gritando:
– Mamãe, o Zé me bateu
– Mentira dela, papai, foi ela quem começou!
– É mentira, mamãe! É mentira dele!
E você, juntamente como o marido, ririam apaixonados.
MIJANDO CONTRA O VENTO
Escrito um mês antes da Revolução de Janeiro, ocorrida na cidade de Imperatriz/Maranhão. Em 18 de janeiro de 1995.
Aos três anos de idade, minha filha ainda não tomava os remédios que lhe eram necessários. Filha única, dengo de sobra, paciência dos pais que talvez Jó invejasse. A gente conversava, pedia, negociava, chantageava, quase implorava… Meu Deus! Usava de artifícios e artimanhas que qualquer estranho saía da beira para não vomitar.
Todas as vezes que colocávamos os remédios em sua boca, ela enrugava a testa, respirava fundo, apertava os lábios e soltava um esguicho que qualquer cetáceo assinaria, sujando tudo e todos que estivessem por perto.
Um dia, porém, depois de esgotados todos os recursos supracitados e os não citados, até o pai extremoso ‘enJÓou’ e acabou optando pela ignorância incontida. Fora de mim, empurrei-lhe a colher de remédios boca adentro, jogando minha filha querida de pernas para o ar, quase sufocando-a.
No mesmo instante, tomando consciência de meu descontrole, retirei-me envergonhado, sob o olhar acusativo de minha mulher. Daquele dia até hoje, no entanto, nunca mais precisei me preocupar com medicamentos: tornou-se a criança mais dócil do mundo para ingerir qualquer remédio.
Um ano atrás, talvez tenha sido eu o pobre coitado que mais escreveu ao vento, esperneando contra os roubos, crimes e desmandos de Imperatriz. Cheguei a reclamar de meus confrades, porque os considerava omissos, ou pouco ativos, diante da vergonhosa calamidade que se abatia sobre a cidade. Sem que a historieta do rapazinho que ‘falara ano após ano na praça’ me convencesse, acabei quietando, na certeza de que lutar contra certos elementos mancomunados e inescrupulosos da cúpula da Polícia, da Justiça e da Política, era o mesmo – como dizia meu velho e saudoso pai – que mijar contra o vento.
Não podemos esquecer, também, ‘o exemplo do beija-flor’, nem a filosofia sensata dos que pregam a ‘esperança das sementinhas’. Tudo são armas que não podemos dispensar, pois são as únicas disponíveis àqueles que ainda acreditam em compreensão, justiça, fraternidade… que creem, enfim, que é possível demover corações egoístas.
Hoje, depois de minha estiagem de revolta, retomo a consciência da luta, enfileirando-me, outra vez, juntamente com companheiros persistentes que mantêm a bandeira do brado, na esperança de que Deus, ao menos Ele, tenha compaixão dos raros Lots que possa haver, perdidos nesta Sodoma de conluios, descasos e crimes.
Dói-me ver, os filhos deste torrão implorarem a quem de direito, que não permita que maus políticos solapem e destruam a cidade, conclamando a cada um em particular a que faça sua parte (a parte do beija-flor), limpando as ruas, recolhendo o lixo, tapando os buracos…. Com todo respeito e admiração pela ideia e pelas pessoas de boa índole e de caráter ilibado que assim pensam e agem, sinceramente, tomo a liberdade audaciosa de discordar. Acho que é hora de mudar de tática: é hora de enfiar a colher pela garganta da própria filha querida.
Contaram-me, quando criança que, no início, quase todos os pilotos de aviões a jato morriam porque, ao acionarem a alavanca de subir, a aeronave não obedecia, voltando-se diretamente para o solo. Um dia, um piloto maluco, ao notar o problema, numa revolta desesperadora, virou a alavanca para baixo a fim de tornar o impacto ainda mais violento: o avião, então, subiu. Descobriu-se assim, por puro acaso, que a coisa funcionava invertida. Apenas história, mas me serviu agora.
Vamos lá, minha gente sofrida! Vamos apanhar o lixo e jogá-lo na frente da Prefeitura; vamos nos unir e expulsar esses solapadores desavergonhados de nossos direitos; vamos… êpa, pode dar processo! O “supremo” não gosta que mexamos nos apadrinhados!
Vamos meter a colher pela garganta abaixo dessa gente que não quer tomar o remédio da vergonha. Quem sabe se o “similia similibus curantur” dos homeopatas não dará certo? Tentar não custa. A cura de toda essa imundície pode estar no monte de lixo, vamos experimentar. É minha maneira de amar Imperatriz, fazendo com que a coisa se torne insustentável e calamitosa, estimulando assim os raros homens corajosos do Maranhão a usarem a força para promover a justiça.
Os verdadeiros filhos de Imperatriz estão manietados, castrados no seu mais sagrado direito democrático: o de expressar suas ideias e seus pensamentos. Como é triste a gente olhar para nossos televisores, ouvir nossos rádios ou ler nossos jornais! É como se fossem igrejas, tendo cada um em seu altar, o demônio da outra. Sei quanto custa a determinados jornalistas terem de dizer e mostrar no ar, ou nos jornais, aquelas coisas que lhes valem o pão de seus filhos!
Que Democracia é essa em que mais de 90% da mídia está nas mãos de políticos e só se divulga aquilo que eles autorizam, castrando assim o direito constitucional de cada um expressar sua maneira de pensar? Sei que temos, embora esporadicamente, gente de fibra e honesta, sofridos sonhadores que vivem, como bola de pingue-pongue, jogados de um lado para o outro, sem jamais poderem matar sua sede de justiça. São sempre transferidos, exonerados e até mortos, dependendo do quanto estiverem incomodando os donos do poder e da situação. Tornamo-nos escravos e, no céu, Isabel parece distraída.
Nesta terra sem lei, onde os que tentam cumpri-la são taxados de doidos, e exonerados, e mortos; onde – quando chega o Fundo de Participação – uma corja invade o Banco do Estado e saqueia até o último centavo; onde não se paga merecidamente os professores, o funcionalismo e se aplica o mínimo com a limpeza urbana e com a saúde…. Onde não se presta conta; onde tudo é encoberto; onde todos sabem quem são os ladrões e assassinos e nada é feito. Só mesmo poetas sonhadores podem se virar contra o vento para dar uma mijada.
Mas, mesmo respingando nas calças, vamos lá! Afinal, o sol continuará nos aquecendo. É só não desistir; é só não perder as esperanças.
Pena que, certamente, não verei isto acontecer!
O PORQUÊ DOS MAUS PROFISSIONAIS
Com a descoberta da influência genética na personalidade das pessoas, muitos procuram explicar a razão do comportamento humano por meio dela. Antigamente, era comum interpretar as tendências humanas segundo a vocação ou a graça dada por Deus. O Criador usou o comando genético para deliberar sobre as tendências de suas criaturas, facilitando a cada ser gerado, técnicas para desempenhar melhor seu papel nesse mundo. Isto fica claro quando notamos que um ser humano – fisicamente formado como nós – classifica-se em primeiro lugar entre os tantos concorrentes do mundo inteiro.
Assim como se faz o machado para cortar madeira, a enxada para capinar, a picareta para cavoucar lugares duros, o alfinete para prender…, assim também são engendrados os seres humanos: cada um com uma função específica a desempenhar no mundo. Ora, se alguém usar a enxada para derrubar uma árvore ou o machado para capinar, poderá até conseguir, mas será grande a dificuldade e estúpida a tentativa.
Ao serem gerados, os seres humanos são talhados geneticamente para desempenharem determinados papéis, isto é inegável. Aqueles que aceitam suas aptidões e as desenvolvem com esforço próprio, conseguem viver melhor, mais alegres e dificilmente reclamam do que fazem.
Normalmente progridem na vida e estão sempre satisfeitos com sua missão, cumprindo-a com prazer e satisfação.
Contrariamente, aquele que nasceu para cuidar da terra, mas que pelas condições financeiras dos pais acabou frequentando as faculdades e se formando, digamos, em Medicina, tem todas as probabilidades de ser um profissional medíocre. Há muitos assim! São médicos que passam boa parte das consultas falando da própria fazenda, do gado e de seus futuros planos para a agricultura. Falam sobre os problemas que aparecem em suas plantações, e exatamente nada sobre as últimas descobertas na área da Medicina.
O mundo seria melhor se cada um utilizasse o dom dado por Deus e fizesse sua parte, estudando ou trabalhando para se aperfeiçoar dia a dia. Continuo afirmando que todos os seres vivos, inclusive os vegetais, são uma experiência de Deus. O Criador preparou a terra e semeou, e tudo o que tem vida nasceu, mantendo as características ao fim que lhe foi programado. Mas, o Criador fez questão de ir, apenas, até ali. O resto ficou por conta dos seres humanos.
A maior desobediência humana está no poder financeiro. Aos pobres com vocação científica, falta de dinheiro para frequentarem as faculdades: acabam como garis ou moradores de rua. Do mesmo modo, os filhos de rico são privilegiados, mas por serem doutores, envergonham-se de capinar o quintal, e preferem ser profissionais medíocres.
E assim, lá de cima, Deus fica observando como vai sua experiência. Continua firme e deixando seus entes preferidos quebrarem a cabeça, apanhando, sofrendo, cometendo injustiças…. Como para Ele não existe tempo, certamente ainda a experiência continuará alguns trilhões de séculos. E logo chegam, porque para o Eterno, um trilhão de séculos se completa logo no nosso segundo seguinte!
ENTRE AS TANTAS INJUSTIÇAS
Todos sabem: não pagou em dia a conta de água, luz, telefone, Sky, Internet, imposto sindical, financiamentos de qualquer espécie… ITR, IR, IPVA, ICM, IPTU – e como desabafaria meu velho e saudoso pai: IAPUTAQUEPARIU –, algumas semanas depois, começam os telefonemas, as cartas, as notificações e, por fim, a retirada do benefício, a cobrança judicial do imposto não pago e suas consequências.
Dois meses de atraso em algum pagamento e logo o benefício deixa de existir: água, telefone e luz são cortados inexoravelmente.
Mesmo assim, poucos os cidadãos que já não receberam um comunicado de que as contas tais e tais, de alguns anos passados, não foram pagas e que é preciso levar o comprovante ao escritório deles, no horário predeterminado por eles. Caso contrário, os débitos serão cobrados na justiça com juros e correção. O nome irá para o SPC e SERASA, manietando o infeliz cidadão em suas ações comerciais.
Todas as vezes que os órgãos públicos, ou mesmo as grandes firmas particulares erram na contabilidade, o cliente é quem tem de procurar o documento, perder dias e provar que o erro foi deles. E, às vezes o cliente mora longe, é pobre, analfabeto, não tem condução própria nem dinheiro para pagar táxi ou ônibus. Precisa do mísero salário para comer e consertar a falha deles; perde o dia, passa sede e fome, enfrenta fila, é desconsiderado, humilhado, sem o mínimo direito a qualquer justificativa. Ou mostra a quitação, ou paga.
Direitos Humanos? Procurar direitos ele não sabe, não entende dessas coisas. Muitos nem desconfiam que isso é um verdadeiro acinte aos seus direitos de cidadão. Há cinco anos, mais ou menos, no rodapé do boleto mensal da CAEMA a mim enviado, veio o aviso: tem débitos anteriores referentes aos meses tais e tais do ano tal.
Como a maioria dos brasileiros idiotas, passivos e covardes, fui à caixa de papelão empoeirada, já jogada há anos no almoxarifado, cheia de alérgenos, espirrei muito até encontrar duas das três contas solicitadas e desisti da terceira.
Tomei um banho, enfrentei fila, apresentei as duas e paguei a terceira, mesmo porque a quantia era pequena e só compensou mesmo pelo desabafo que me propiciou, ouvido pela pobre atendente que nada tinha a ver com o problema.
Se eu procurasse um advogado, hoje ainda estaria aguardando a solução, perdendo tempo com audiências e dobrando meus gastos. Pensando assim, sempre propicio a continuidade de funcionários irresponsáveis e a ocorrência dessas injustiças.
Na verdade, se quisermos mudar este quadro – ou ao menos diminuir esses absurdos – precisaremos mesmo investir “cem em um”, senão, por muitos anos ainda estaremos subjugados a funcionários displicentes, incompetentes ou desonestos.
A bem da verdade, todos sabem como é difícil a vida para quem faz valer seus direitos em todas as situações em que é explorado, usado ou roubado.
É taxado de antipático, cricri, intempestivo, indesejado, ranheta, inconveniente, enfim, com todos os adjetivos desta linha. Entretanto, é graças a esses “cricris”, que maus funcionários pensam duas vezes antes de cometer injustiças.
Sei que errar é humano, mas quando se erra – pelo que aprendi até hoje – o prevaricador é quem tem de pagar. Não bastasse, onde foi parar o dinheiro de tais contas, se foram pagas e o dinheiro não consta da contabilidade da firma?
Concordo que se peça o comprovante, porque como já disse, errar é humano, mas não acham vocês, caros leitores, que no caso de o cliente apresentar os comprovantes, todas as despesas sobre os dias perdidos, as viagens, a alimentação, enfim, todas, não deviam ser pagas por quem errou? Imagina se o cliente exigisse que o acusador fosse à casa dele revirar velhos caixotes empoeirados em busca do comprovante?
Alguém dirá: mas é assim mesmo que a coisa funciona. Se você entrar na justiça, você ganhará e será ressarcido. E eu apenas retruco: quando? Valerá a pena?
Com a palavra quem entende do assunto: os legisladores e os políticos que elegemos como nossos representantes, já que, desde que me entendo por gente, essas coisas se repetem sem que haja solução. Se a sociedade pressionar demais, eles “fazem mais uma Lei”… Lei que jamais será cumprida. Veja o caso das filas. Experimentem, caros legisladores, passar uma semana dando uma de office-boy, enfrentando duas ou três agências bancárias. Ah, de preferência as federais, nas segundas e sextas-feiras!
FREI TADEU
Texto escrito a pedido da irmã Luigia Gottoli.
Frei Tadeu nasceu na Itália em 26 de novembro de 1929, com o nome de Pietro Gabrielli. Ingressou no seminário no dia 13 de março de 1954, e foi ordenado na Itália pela Ordem Franciscana Capuchinha.
Teve como primeiro desafio evangelizar tribos africanas. Foi em Cunama, na Eritreia. É que os colonizadores italianos, no final do século XIX, deixaram muitos sonhos e planos por lá, até serem desbancados na II Guerra Mundial (1941) pelas tropas britânicas, que ocuparam o país, expulsando os italianos de todo o Chifre da África (a Eritréia situa-se na costa do mar Vermelho, no nordeste do continente africano, na região conhecida por Chifre da África).
Por lá trabalhou até o ano de 1961, quando a Fundação da Frente de Libertação da Eritréia (ELF) iniciou a rebelião armada contra a Etiópia. Nesse ano foi chamado de volta à Itália e de lá transferido para o Brasil, mais especificadamente para o município de Alto Alegre, lá chegando no ano de 1962. Começava assim sua via crúcis pelo Maranhão: Esperantinópolis (1963); São Luís (1967); Pedreiras (1969); Presidente Dutra (1980); novamente em São Luís (1981) e, no mesmo ano, Açailândia: no tempo em que essa cidade ainda fazia parte do município de Imperatriz.
Por essas bandas não havia qualquer esperança, ou pelo menos qualquer prognóstico de melhora para os “excluídos”, que viviam à mercê de “fazendeiros” latifundiários. Os trabalhadores rurais eram como ovelhas sem pastor, entregues a todo tipo de exploração. Mas em 1981 esse pastor apareceu, cheio de coragem e de projetos.
Conhecedor profundo das leis (ainda que já nesse tempo pouco fossem respeitadas), ele seguiu as orientações legais, fundando sindicatos, associações, comunidades de bairro, enfim, legalizando os grupos para que pudessem, por meio de seus direitos legais conseguirem terras agricultáveis a fim de criarem suas famílias.
No final de 1981, ele e um grupo de amigos criaram o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Açailândia. Em seguida, por meio de movimentos eclesiais de base, fundaram a Associação de Moradores. Os mantenedores de grandes áreas improdutivas, até então despreocupados com aqueles movimentos iniciados por um Frei que mal conseguia se expressar em português, que andava a pé, de mochila nas costas através das florestas da região (à época ainda existiam em profusão), logo viram que não se tratava de um movimento inexpressivo e, muito menos, assistido por um homem sem determinação. Possivelmente seria mais um oportunista tentando levar vantagem financeira.
Suas andanças visavam fortalecer o povo humilde mantido, podia-se dizer, em regime de escravidão. Logo nasceu a C.P.T. (Comissão Pastoral da Terra). Era intenção do Frei despertar nos latifundiários, o senso cristão da justiça social (uma vitória das mais difíceis de serem alcançadas). Nessa luta muitas pessoas engajaram, destacando-se irmã Natália e irmã Luísa. Entre trancos e barrancos, num clima de animosidades e ameaças, o Sindicato foi criado em dezembro de 1982, tendo como cabeça, outro destemido religioso: frei Fausto.
Percebendo a obstinação de frei Tadeu, logo alguns políticos e fazendeiros se uniram, tentando por todos os meios, impedir o andamento do projeto. Depois de séculos de desmandos – ou de mandos escusos – cuja lei imperante era a força e o poder, era admissível que os latifundiários estranhassem tal pretensão. Até então, ninguém ousara tal enfrentamento.
Frei Tadeu, manso e humilde, obstinado e convicto – como se fosse um dos apóstolos do início da era cristã – disseminava suas ideias pelas igrejas, pelas comunidades, enfim, em todo agrupamento de pessoas simples que se fizesse. Concomitantemente, os adversários foram reagindo, ameaçando sem, contudo, demover a ideia fixa do Frei na luta por maior justiça social, preferencialmente através da Reforma Agrária.
Como tal reforma batia de frente com os latifundiários e eram apoiadas pelo sindicato dos trabalhadores que agiam mal orientados, as invasões acabavam quase sempre em tragédia. Em vista de tais acontecimentos o INCRA tentou legalizar as invasões, doando terras devolutas aos considerados invasores.
Testemunhei a entrega de milhares de hectares de terra às margens da Transamazônica, todos bem divididos e documentados. Em menos de dois anos, não havia mais proprietário: venderam suas áreas e, quem sabe, estão esperando nova oportunidade para seus tipos de negócio. Mas, frei Tadeu não pensava assim. Ele era, de fato, um sonhador. Havia escolhido dedicar-se inteiramente aos pobres e humildes, nos moldes ensinados por Jesus Cristo, o Filho de Deus.
As instituições criadas por ele foram sempre dentro da legalidade. E, dentro da Lei, frei Tadeu dava assistência, acompanhava, apoiava e a defendia. Em seguida, com a intenção de abranger e, ao mesmo tempo reforçar todas as vertentes de injustiçados da região, frei Tadeu partiu para a criação do SINDMETAL – Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, de Açailândia. Aqueles que produziam o carvão vegetal para as indústrias, os madeireiros e toda sorte de firmas que exploravam e obtinham a matéria prima da Natureza, na maioria das vezes, por meio do que hoje classificam como “trabalho escravo”, logo se sentiram prejudicados e reagiram.
Mesmo assim, no interior das igrejas, na casa paroquial, nas casas das freiras do Pequiá (localidade contígua à Açailândia – MA) e na residência de amigos que apoiavam a ideia, o SINDMETAL foi criado, junto com outros movimentos. O fato ocorreu numa de suas estadas em Açailândia, entre os anos de 81 e 83.
Em 1983, por causa das constantes ameaças, frei Tadeu foi transferido para a cidade de Porto Franco – MA. Nesse tempo, em outro estilo, padre Josimo lutava pela reforma agrária na região do Bico do Papagaio. A diferença – sintetizando – é que frei Tadeu agia amparado pela lei; Josimo, nem tanto. Josimo não confiava plenamente no Poder Judiciário, mormente quando as nomeações passaram a ser políticas. A chegada de frei Tadeu a Porto Franco foi desastrosa. Os fazendeiros, sabedores da força do Frei frente aos sindicatos que vinham sendo por ele criados, reagiram incontinenti. Ameaças e até tocaias foram feitas, mas, milagrosamente, frei Tadeu escapou de todas elas. Nunca se intimidou. Amparado pela Lei, continuava sua luta, agora mais estritamente pelos municípios de Porto Franco, Estreito, Campestre, São João do Paraíso, enfim por todos os recantos daquela região. Nessa luta, o Frei contava com o apoio da FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional e da CPT – Comissão Pastoral da Terra.
Num sábado, 10 de maio de 1986, às 12h15min, padre Josimo era assassinado. O mesmo Josimo que, como frei Tadeu, doara a vida por uma causa digna e justa. Dele são as palavras abaixo, proferidas um pouco antes de morrer:
“Tenho de assumir. Estou empenhado na luta pela causa dos lavradores indefesos, povo oprimido nas garras do latifúndio. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu favor? Pelo menos eu nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos, riqueza… Só tenho pena de uma coisa: de minha mãe, que só tem a mim e ninguém mais por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidam dela. Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma causa justa. Agora, quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma consequência lógica do meu trabalho na luta e defesa dos pobres, em prol do Evangelho, que me levou a assumir essa luta até as últimas consequências. A minha vida nada vale em vista da morte de tantos lavradores assassinados, violentados, despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar”.
Percebendo que as ameaças começavam a ser cumpridas, os superiores de frei Tadeu o transferiram para Imperatriz, no mesmo ano de 1986. Imperatriz ainda não vivia o clima de revolta das adjacências. Josimo havia sido morto em Imperatriz, mas a desavença e os assassinos eram do Bico do Papagaio. Antes de deixar Porto Franco, porém, ele adquiriu um pedaço de terra, levou para ela muitos colonos e criou, lá, a Comunidade Agrícola São Paulo.
Em Imperatriz, ele continuou seu projeto. Conseguiu uma grande área no município de Carolina, na região Canabrava, margens do rio Manoel Alves Grande e criou a Comunidade Agrícola São Patrício. Assumiu, a convite, a assessoria da Comunidade Agrícola São Francisco, criada por frei Fausto, que conseguira do Vaticano, dispensa do sacerdócio.
Nesse tempo, era governador do Maranhão, Luís Rocha, que além de possuir grandes áreas de terra, ainda não apoiava qualquer movimento que viesse pôr em risco o seu latifúndio e as grandes áreas de terra de seus amigos. Nesse tempo houve muitas perseguições: verdadeira guerra contra aqueles que pretendiam mais justiça no campo. Para formalizar a defesa, foi criada a UDR – União Democrática Ruralista. Embora muito poderosa, a UDR sofreu baixas também. Fazendeiros e sem-terra eram assassinados e as ameaças ao Frei não paravam.
Certa feita, ao tentar passar pela estrada de um fazendeiro para celebrar missa numa capela adiante, encontrou a porteira no cadeado. Sem pestanejar, ele quebrou a corrente e prosseguiu sua viagem. Celebrou, pediu coragem e persistência aos pobres que lutavam por justiça e retornou sem maiores problemas. Também seu anjo da guarda merece destaque, pois não devia ser fácil proteger um frei que se expunha tanto! Era destemido: nunca se intimidava quando tinha certeza de estar “combatendo o bom combate”.
Mas, que não se confunda aqui, coragem com agressividade. Ele era manso e corajoso: nem o perigo de morte o fazia retroceder se estivesse certo de que deveria ir em frente. A casa em que morava servia de centro de reuniões. Além de todo apoio logístico, ele ainda, oferecia o financeiro. É que, graças à confiança e ao prestígio que desfrutava entre seus amigos italianos, nunca lhe faltava o necessário para levar adiante o projeto de minimizar o sofrimento dos trabalhadores que moravam na região em que atuava.
O Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins – GETAT, criado pelo Decreto-lei nº 1.767, de 1º de fevereiro de 1980, tinha por finalidade coordenar, promover e executar as medidas necessárias à regularização fundiária na área de atuação da Coordenadoria Especial do Araguaia-Tocantins. Na verdade, tinha mesmo como prioridade, evitar os conflitos na terra. No entanto, era palpável a tendência do órgão em favor dos latifundiários e das grandes empresas. Sempre que havia “invasões” em latifúndios, ainda que improdutivos, o GETAT, como mediador, separava um cantinho qualquer para centenas de trabalhadores, reservando mais de 95% da área para uma única pessoa ou empresa.
Um dos motivos que influenciaram sua primeira transferência de Porto Franco para Imperatriz foi, certamente, a quase certeza de que ele seria, como o padre Josimo, assassinado. Todos percebiam que ele era seguido por onde andava.
Sua estada em Imperatriz, dessa feita foi rápida. Voltou em 1989 para Porto Franco, retornando, em 1995, para Imperatriz. Passou um pouco de tempo em Açailândia (época em que criou o Sindmetal) e, meses depois, retornou para Imperatriz, agora para ficar. Corria o ano de 1995.
Por causa de seu caráter forte, austero no cumprimento do dever, avesso a muita conversa e pouca ação, ele não contava com o apoio integral de muita gente. Percebendo isso e pela grande força que representava diante do povo humilde, certa feita (com a autorização de seus superiores) ele foi procurado pelo bispo de Imperatriz para assumir, também, o controle das comunidades sob a jurisdição da diocese. Como sempre, trabalhar pelos oprimidos era-lhe uma tentação que não resistia: aceitou.
Infelizmente, foi assassinado antes que pudesse fazer muita coisa nesse sentido.
Em suas pregações pelas paróquias, incentivava e procurava motivar os fiéis a se agregarem em comunidades, baseado no slogan “povo unido, jamais será vencido”.
A primeira comunidade de Imperatriz foi criada pelo ex-deputado Luís Vila Nova e levou o seu nome; depois, outras se seguiram: Vila Lobão, Santa Inês, Santa Rita, Bacuri… Atingindo, posteriormente, quase todos os bairros de Imperatriz.
Frei Tadeu sempre foi um sonhador. Era-lhe simpático o Marxismo, adaptado ao sentido democrático/cristão. Jamais se conformou com a ideia da divisão perversa da terra e de seus bens. Por isso, apoiou, participou e lutou pelas Eleições Diretas e nunca se furtou combater o crime organizado. Há os que ainda se lembram quando, na hoje Praça do Camelódromo, durante um comício do então presidente Sarney, ele entregou, junto com representantes de outros movimentos, em mãos, denúncias contra Zé Bonfim e Davi Alves Silva à época, considerados algozes da região. Raríssimos os que se atreviam denunciá-los. Até juízes eram transferidos para outras cidades, caso os incomodassem. A meritíssima Oriana, foi uma delas.
E, seguindo o destino daqueles que lutam pelos mais fracos, aqueles que combatem a injustiça social praticada pelos ricos e detentores do poder, no dia 19 de julho de 2003, sem discussão, ele foi assassinado a facadas por Manoel Goiano, amigo do marginal Parasinho, que o vivia ameaçando.
Parasinho era mais um entre os tantos “trombadinhas” que rondavam a Praça Brasil e que viviam causando problemas à propriedade dos capuchinhos, contígua à Praça. O crime não foi totalmente elucidado, já que o Frei vivia sob ameaças tendo, inclusive, sido fechado na BR 010, nas proximidades da Lagoa Verde, por duas camionetas. O carro em que viajava para celebrar missa no Povoado foi lançado fora da pista e, mais uma vez, ele escapou com leves escoriações. Havia muita gente interessada no fim do frei Tadeu e, com certeza, Manoel Goiano era o último deles.
Hoje, o homem que deu a vida por esta região parece estar sendo esquecido muito rapidamente. É sabido que o país, o estado, o município, a cidade ou a comunidade que não honra seus heróis, que não cultua a memória de suas expressões maiores, que não repassa aos filhos os exemplos dignos de abnegados como frei Tadeu, certamente não está preparada para um futuro de desenvolvimento, de justiça social e de paz.
É bom que nunca nos esqueçamos que ele doou a própria vida pelo desenvolvimento do Maranhão, sendo a maior parte de seus 42 anos de trabalho foram dedicados a este estado da federação.
Ao ser assassinado ele se despediu do Maranhão. Deixou Imperatriz, e entregou seus sonhos à missionária/enfermeira Luigia Gottoli, para representá-lo e dar continuidade a seus tantos projetos.
Como dizem os bandidos: perde quem morre. Na ocasião de sua trágica morte, foi prometido que seria solucionado o problema da presença ostensiva de menores infratores nas dependências da Igreja São Francisco; que a Praça Brasil seria chamada Praça Frei Tadeu; que seria erguido um busto ou mesmo uma estátua em homenagem a ele pelos relevantes serviços prestados em prol do engrandecimento de Imperatriz etc. E, no próximo dia 19 de julho, completar-se-á 21 anos de sua morte. Hoje, vemos a Praça Brasil sendo modificada. Seria o cumprimento de uma das promessas? Há também uma escola sendo construída e que levará seu nome.
É um começo, mas muito tênue para uma expressão tão grande. Contudo, mais importante do que monumentos, será mantê-lo num cantinho de nossos corações, onde ele possa ser lembrado e amado como o “homem de macacão” que deu a vida pelos pobres e oprimidos da região em que vivemos. Ele estará entre nós enquanto for lembrado.
O certo é que ele está no céu, ao lado de todos os privilegiados que amaram a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, conforme sintetizou os dez mandamentos, Jesus Cristo.
Para quem não o conheceu, afianço que era um homem sem vaidade, simples como os humildes por quem lutava, destemido como um inconsequente, sem horário como um relógio sem bateria, sempre pronto como um soldado no pelotão de frente de combate. Talvez eu nem consiga explicar direito, embora perceba que há muitos Tadeus no mundo: felizes no meio do sofrimento.
Saudade dos meus tempos de criança
Quando lembro meu torrão
de planície e de serra,
a saudade me abraça de morte,
então sigo como rês de corte
para o holocausto de pedra.
Curvo a cabeça sem lágrimas,
submisso e conformado,
viver já me é castigo,
fui expulso do paraíso,
sinto-me velho e apenado.
Quando do túmulo a “pedra tombar”
a vida surgirá de verdade
e no milagre dos céus
talvez os anjos de Deus
me devolvam a felicidade.
Das estrelas e planetas
serei errante peregrino,
pularei como criança,
agarrado à lembrança
de quando era menino.
TUDO PASSA
Relâmpagos, trovões!
Barulho de pingos
Batucando no telhado
Mostrando o outro lado
Dos dias cheios de luz.
A água escorre pelo chão
Os pássaros quietam pelos galhos
Na enxurrada, a borboleta indefesa
Despida da realeza
Luta pela salvação.
Mas a torrente rigorosa
Arrasta tudo sem piedade
Parece os anos no corpo
Marcando, sulcando o rosto
Com as rugas da senilidade.
Enfim, do céu as nuvens se vão
E o sol volta a brilhar
Lembrando que tudo passa
Bons tempos e borrascas
Nesse eterno caminhar.
“DEIXE QUE OS MORTOS ENTERREM SEUS MORTOS”
Pois é! Também eu me postei frente à TV Senado, das 19h de um dia, às 2h do dia seguinte (3 e 4 de 3/2009) para saber, ao vivo e em cores, sobre a cassação do “homem”, ou não. Nunca – eu, alguns amigos e familiares – nos sentimos tão desinformados juridicamente. Burros mesmo!
A cada 30 minutos da logorreia de um dos cinco “pretores” emproados sob negras e fantasmagóricas togas, obrigava-nos a baixar o volume da TV e especular sobre o lado em que o “cabra” se encontrava. Afinal, ele estava a favor da cassação, ou contra?
Eram tantos os “ad quo; animus abutendi; caput; dolo res ipsa; habeas corpus; interpretatio cessat in claris; ipsis verbis; mutatis mutandis; data venia; stricto sensu; vacatio legis e sine qua nons que, sinceramente, nem sei para quê transmitiram aquilo ao vivo aqui para o Brasil. Bem podia ser só lá para as bandas da Itália, onde se escondem Marco Túlio Cícero e Lúcio Sergio Catilina. Se o povo também pudesse ser ouvido, eu tentaria, depois, é claro, de uma cerimoniosa data venia, lembrar-lhes do vox populi, vox dei. Ora, vendendo o voto, ou de graça, o povão “botô o homi no trono”, logo, só ele, o povão, devia ter o direito ou a obrigação de tirá-lo.
E aquela plumagem toda, transvestida de honestidade e poder, saber e justiça, na verdade não passava de seres humanos partidários, impregnados da cultura do poder no mais ambicionado e bem remunerado cargo do País, que ali estavam apenas para cumprir o prometido a quem os nomeou.
E eu e minha turminha, acuados em nosso canto de ignorância jurídica – ad argumentandum tantum – protestávamos: aquele “cabra” ali não havia votado a favor? É, achei que estava a favor, sim, mas talvez não tenhamos ouvido, nem tomado conhecimento do animus lucrandi – observava alguém já latinizado, lá do canto da poltrona, cheio de malícia.
E, finalmente, lá pelas duas da madrugada, consumou-se mais uma prova incontestável de que, de fato, nós brasileiros continuamos espólio da mixórdia de nossos colonizadores: aqueles “párias” criminosos que os portugueses nos enviaram para deles se livrar: tipo a nossa antiga, hoje formosa, Ilha Grande. Para mim, aquela peça teatral não passou de uma tremenda encenação do que já havia sido aprovado pelos “búzios”.
É…., pouca coisa tem mudado entre os Tavares: o da Ribeira Grande e o do Maranhão! Paradigmas não se mudam assim, de um “século” para outro. E se há um estado que defende a “cultura” a unhas e dentes, com certeza este é o Maranhão.
Pelo menos na política, somos imbatíveis. Alagoas, Pará, São Paulo, Rio de Janeiro… diante do Maranhão, não passam de aprendizes ou meros coadjuvantes.
Quanto a turminha do Supremo – por utilizar uma linguagem própria do povão – gostaria até de lhes pedir para verterem para o Latim, o laudo sobre a radiografia de minha ponte fixa ter apresentado uma fístula.
O radiologista explicou, mas eu não entendi: Dente 26: Quadro sugestivo de coroa protética com infiltração próxima. “Desvio vestibular no trajeto do preparo biomecânico com decorrente trepanação do material obturador na região de furca, compatível com perfuração da parede dentinária (soalho). Lesão de furca estabelecida. Tratamento endodôntico efetuado com obturação aquém do limite CDC. Rarefação óssea periapical sugere processo inflamatório de origem endodôntica.
Bem, acho que para eles dizerem o que aconteceu com meu dente, será apenas uma questão de verterem para o Latim.
De uma coisa estou certo: o velho Sarney é a raposa mais astuta e poderosa, politicamente, que já pisou no lombo deste gigante adormecido em berço esplêndido. Êta véio porreta, sô! Do nada, tornou-se dono de quase metade do Maranhão, apenas aplicando, “sabia e honestamente”, o salário político. E, como dizem por aí: toma dinastia!
Ainda bem que contra o tempo não há argumento: nem para o velho, inteligente e esperto raposo: um dos maiores escritores de nosso Brasil.
Na verdade, nunca acreditei numa pessoa que, sendo religiosamente honesta, consiga enriquecer rapidamente.
Quanto a mim – parte do povão que sou – considerado estrume do tal gigante adormecido, já acostumado à varejeiras diferentes, NÃO TÔ NEM AÍ! De lá ou de cá, para mim, nada vai mudar. Lamento apenas por meus filhos e pelo nosso País.
Lamento, porque morrendo o velho cacique, já seus curumins, netos e até tetranetos, irão substituí-lo. E, com certeza, já escolados para viverem às custas de idiotas como nós. Protestamos como matilha de beira de estrada: latimos ameaçadores, mas, se a motoca parar, paramos calados, baixamos os rabos e retornamos ao terreiro.
ALÉM DE MEU ENTENDIMENTO
Não é de hoje que vivo neste mundo! São, aproximadamente, vinte mil e quinhentos dias. Vinte mil e quinhentos dias! … É tempo “pra burro”! Daria até para consertar, com um pequeno martelo, um Titanic moderno. No entanto, minha canoa está com vazamentos por todo o casco. Tento justificar-me perante Deus, com aquele sorrisinho amarelo de safado: aquelas desculpas esfarrapadas que sempre arranjamos para arrefecer a teimosia, a irresponsabilidade, o egoísmo e adjetivos atinentes.
Se Deus nos entende, melhor para nós, porque entender Deus é humanamente impossível. Esse relacionamento Criador/criatura é qualquer coisa de enervante: ingrediente bastante para enlouquecer um exército de pensadores teimosos.
Estou rodando o toco para falar do filme “OS DESAFIOS DA VIDA”, do antropólogo Sir David Attenborough. As cenas são filmadas nas ilhas Shetland e mostram passagens horripilantes de sadismo e crueldade que, presumia, fossem somente atribuídas aos humanos maníacos em overdose.
Imaginar que o homem drogado ou cheio de ódio martirize ou judie suas vítimas, transcende o divino e até o humano, mas se enquadra perfeitamente na ideia dantesca do mal, essa força intrínseca que herdamos, segundo a Bíblia, da desobediência de Adão e Eva.
Desviando de pontos e interrogações, a gente vai progredindo, caminhando e aceitando, por meio do “faça-se segundo a Tua vontade”, mas quando assistimos às cenas de animais predadores, com crueldade e sadismo, sinceramente, a coisa fica muito complicada.
O filme mostra episódios que – mesmo eu que sempre leio revistas e livros atinentes – jamais poderia imaginar. Baleias assassinas de oito a doze toneladas, investindo contra leões marinhos e focas em plena praia, só não encalhando graças ao estágio de versatilidade que alcançaram; gatos selvagens que aprisionam a vítima e levam horas para matá-las; chipanzés que caçam macacos menores com a estratégia de um general inteligente…
Tudo me pareceu normal: afinal, a vida só tem valor para aquele que a detém. Para Deus – que a refaz no rodízio prazeroso do sexo – não faz diferença que ela se chame Pedro ou José, lagarto ou víbora. Em suma, o importante é que haja vida, e todo aquele que não quiser ser substituído antes do tempo, terá de usar estratégias e contar bastante com a sorte.
Um sendo alimento do outro faz parte do equilíbrio natural que controla o excesso de espécies que ultrapassam a lei do equilíbrio natural. Mais que comum é o gavião pegar a pombinha; a cobra, as rãs; o gato, os ratos e nós, como ápice da cadeia, a a todos que nos incomodarem ou servirem como alimento. O que não consigo entender é a maldade de uma baleia que após pegar um leão marinho ou uma foca, passa horas com eles no mar aberto, desenvolvendo, inclusive, a arte de arremessá-lo a muitos metros de altura através de rabanadas acrobáticas. Será que os animais torturados acham normal?
E o pobre leão marinho, indefeso, paulatinamente vai morrendo e somente quando já não esboça qualquer sinal de vida, é então engolido. Ora, eu pensei que éramos maus por opção e não como hereditariedade! Sim, porque não encontro explicação, pelo menos divina, do sadismo de muitos irracionais.
Mostraram, dias atrás, um casal de leões comendo um gnu vivo, começando pelas entranhas. O gnu, deitado, cabeça alta, assistindo a carnificina sem poder fazer nada. Uma veada parida passeava com seu filhote de uns três meses quando foi surpreendia por uma leoa. Não abandonando o filhote a leoa a abateu. Imóvel, o filhote ficou ali, pertinho dos destroços da mãe e da leoa. Inocentemente, ele buscou proteção nela, esfregando-se em busca de proteção e carinho. Como a fera estivesse empanturrada, apenas lambeu o veadinho e até demonstrou carinho. Passado um bom tempo, ela tomou o veadinho pelo pescoço e subiu numa árvore, com ele entre os dentes. Cheguei a imaginar que fosse protegê-lo, expulsando ou reagindo aos tantos predadores que se alimentam de animais indefesos, ora pequenos, ora doentes.
Imagine o que aconteceria a um desalmado ser humano, se passasse a fazer o que a baleia fez com o leão marinho! Os predadores a seus imolados! O que apareceria de “Greenpeace” não seria fácil! Não consigo encontrar explicação para isso, já que tantos culpam nossa inteligência doentia pelos atos de crueldade. Sentir-me-ia mais aliviado se os animais não me dessem tantos maus exemplos!
Enquanto isso vou alongando meu caminho e somando meus dias, cada vez mais convicto de que o melhor mesmo é não tentar entender certas coisas, mas se possível, aceitá-las… ainda que entre os dentes.
“AMAZÔNIA: INSÔNIA DO MUNDO”
Título criado por Marcel Pilatti e reforçado na voz de Roberto Carlos.
Introdução:
A Amazônia é uma região da América do Sul, definida pela bacia do rio Amazonas e coberta em grande parte por floresta tropical. É conhecida, também, por Floresta Equatorial ou Hileia. Possui 60% de sua cobertura em território brasileiro.
A bacia hidrográfica da Amazônia, no Brasil, tem muitos afluentes importantes, tais como o rio Negro, Tapajós, Juruá, Purus, Madeira, Xingu, Trombetas, sendo que o rio principal é o Amazonas.
Ele nasce na cordilheira dos Andes e estende-se por nove países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. É considerado o rio mais volumoso do mundo.
É chamado também de Amazônia, o bioma que, no Brasil, ocupa 49,29% do território
Uma área de seis milhões de hectares no centro de sua bacia hidrográfica, incluindo o Parque nacional do Jaú, foi considerada pela UNESCO, em 2000 (com extensão em 2003), Patrimônio da Humanidade.
Por tudo isso, a Amazônia bem merece – tanto pela extensão como pela despoluição do planeta Terra – a preocupação mundial e a designação de “insônia do mundo”. Os países desenvolvidos, tendo como carro chefe os Estados Unidos, vivem pressionando o Brasil para que a preserve, alegando que ela é fundamental para diminuir a poluição do nosso planeta, mas, a bem pouco tempo, o presidente Bush negou-se a validar o “protocolo de Kyoto”, que exigia compromisso, principalmente de seu país, em diminuir a criminosa ação poluidora de suas fábricas.
MEU TESTEMUNHO
Por mais que os bem-intencionados lutem, os oportunistas não arredarão pé. As belezas naturais da Amazônia sucumbirão bem antes que se imagina, infelizmente.
Com algumas raras exceções, todos os anos eu passo minhas férias numa pequena parte da Amazônia. Fica lá no rio Uruará, entre a cidade de Altamira e Santarém, no Km 140.
Deixo a Transamazônica, adentro mais 67 quilômetros pela mata – antes totalmente virgem – e monto minha barraca às margens do rio Gaia, afluente cristalino do rio Uruará, repleto de impressionantes silhuetas de surubins ao fundo. Faço isso há pelo menos, 10 anos.
Tudo começou em julho de 1996, quando um de meus sobrinhos convidou-me a acompanhá-lo para visitar a região na qual pretendia instalar-se.
Deixando-me numa tapera em que moravam uma idosa e seu neto, ele, acompanhado de um guia, o Gonçalo, andou durante três dias, até alcançar a margem do rio Uruará. Retornou alquebrado, moído, com as partes internas das coxas em carne viva, em vista da fricção continuada da calça jeans molhada, ora por chuva, ora pelo suor. Mas, voltou maravilhado e logo fechou a primeira compra de 500 alqueires de mata.
Em 1998, acompanhado de mais três irmãos, ele se instalou no Km 140. Em apenas alguns anos, eles já eram donos de toda a extensão percorrida em 1996, agora com estrada piçarrada, patrolada e larga.
Foi nesse tempo que comecei minhas visitas anuais, em busca de conhecimentos sobre os Tinamídeos brasileiros.
Como lembro de minha primeira viagem! Era perigoso aproveitar a boa estrada e andar a mais de 40 Km por hora. Antas, veados, porcos, onças, centenas de jabotis, muitos mutuns… eram vistos na estrada, como se estivessem confusos com aquela trilha gigante, que bem podia ser – e era – a trilha de seu maior predador: o homem.
Pelo dossel da floresta, a algazarra dos psitacídeos, os guinchos de centenas de espécies de símios, o chirriar de corujas e gaviões, o “ganido” do tucano de coleira branca… confundiam-se com a singeleza da suave flauta do uirapuru, do sabiá verdadeiro, do jaó, com seu belo piado sempre presente às margens dos rios e igarapés.
E os anos foram passando, as indústrias instalando-se, o número de pessoas aumentando. Aquele lugar deserto de outrora ia recebendo gente, normalmente humilde, em busca de trabalho.
O que antes era conhecido apenas como Km 140, foi-se transformando numa vila, hoje, Vila Alvorada, que já pensa em virar cidade. À medida com que a população aumentava, os milhares de bichos que antes cruzavam a estrada foram se transformando em centenas, dezenas…
E o progresso continuava. Aquelas terras devolutas e abandonadas, agora com estrada e velhos caminhões indo e vindo lotados de madeira para as serrarias, atraíram posseiros que se infiltraram em todo canto ainda vago. Munidos apenas de anzol e espingarda, eles iam sobrevivendo de bichos e peixes, até que algum madeireiro se interessasse pelas madeiras existentes no pedaço que ocupavam.
E assim, ano a ano, o contingente humano avançava e o dos animais, encolhia-se. Agora, estou voltando de lá. Fui e voltei à margem do Uruará e não vi, sequer, um jaboti atravessando a estrada.
Lindas e grandes fazendas de gado se instalaram e há gente para todo lado…. Até os peixes diminuíram, pois, a fartura de antes logo atraiu a ganância dos pescadores de rede, que acharam cômodo estendê-las à tarde e apenas recolherem os peixes pela manhã. Nada de anzol mais, nem para nós que íamos lá para nos divertir.
Daquela riqueza natural, apenas resquícios. Uma casa, bichinhos de estimação colhidos no ninho e criados em casa. Bichinhos que vivem pelos cômodos, dormem em casa, alimentam-se pela manhã e vão passear no mato. Se a fome aperta, retornam, como o caso das ararinhas de dona Alzeni.
As matas, ricas em ipês, jatobás e cedros (todas de real interesse dos importadores europeus), foram sendo exploradas a qualquer distância. Mas, como são encontradas distantes umas das outras e extraídas por “esquíderes”, em menos de dois anos, apenas os tocos são percebidos.
O problema mesmo são as derrubadas. Estas sim, destroem o ambiente, expulsam definitivamente a vida autóctone e desequilibram os ecossistemas.
Os invasores ou exploradores oportunistas, com certeza espantam e diminuem as espécies, mas não as eliminam. Em menos de dez anos, os vestígios da destruição nem mais seriam percebidos. Infelizmente, daqui a 10 anos, estará muito pior.
Diante do que sempre via e continuo vendo, esperneiem os bem-intencionados, criem leis, multem, ameacem, matem…. A bela Natureza, intacta, tal qual nos foi entregue por Deus, ruirá, porque, mais forte que todo argumento convincente é a ganância dos homens.
Conheci a Mata Atlântica e o Maranhão de 30 anos atrás. Hoje, estou acompanhando a destruição de uma pequena parte da Amazônia.
Há seis meses, com a valorização da madeira, as invasões aumentaram. Só no cantinho que visito, 19 corpos já tombaram na luta entre os próprios invasores pela melhor parte. Polícia Federal, IBAMA, polícia civil…, todos foram acionados, avisados, mas a saga continua do mesmo jeitinho. Infelizmente, assim sempre foi, continua sendo e será, até que se atinja o fundo do poço.
Podem algumas pessoas de determinados órgãos, com suas posturas radicais e, para muitos, suspeitas, confiscarem gado, lacrarem serrarias, prenderem, multarem…, que as coisas continuarão acontecendo como sempre aconteceram, aqui e no resto do mundo: a luta desigual entre o poder insaciável dos corruptos, contra a revolta dos necessitados.
É simplesmente impossível criar porcos em jardins, ou seja, manter a Natureza intacta com tanta gente nascendo e querendo tudo para si.
Enquanto alguns morrem ao tentar invadir um pequeno pedaço de terra devoluta, outros não se contentam nem com 50 mil alqueires.
Pesquisem sobre latifundiários insaciáveis, mas não esqueçam dos invasores oportunistas. Ambos agem impensadamente: uma parte luta pelo desnecessário; a outra pelo necessário ilegal.
DECORANDO AS TECLAS DA VIDA
A vida talvez não seja um mistério menor do que um Deus sem princípio nem fim. Jamais haverá alguém com capacidade de explicar isso. Milhões de pessoas que hoje tentam sentem-se desestimuladas diante das infinitas perguntas sem respostas. Não cabe no entendimento humano, algo que exista sem princípio.
Sempre quando fico a cismar tais coisas, não posso evitar uma certa interrupção de raciocínio, dando lugar a um sorrisinho sarcástico de descrença a quem acredita terem os seres vivos organizados vindos do nada. Para mim, já basta a existência de Deus.
Dias atrás estive lendo sobre o tamanho do átomo. No meu tempo de estudante, ele tinha apenas três partes. Hoje, umas dez. Pois bem, depois de milhares de anos de nosso aparecimento, ainda nem sequer descobrimos todas as partículas infinitesimais que formam as substâncias. Vê-las, então, nem pensar, ainda que descubram microscópios bem mais possantes, dos que existem atualmente.
Mas, voltemos à vida. Com ou sem explicação estamos aqui, beirando o polêmico ano 2.001, em torno do qual tanto se conjetura.
Bem, se não podemos explicar a vida – poderemos, ao menos, torná-la menos misteriosa. Como isso também é tarefa difícil, vamos aos grupos parecidos: os seres humanos, por exemplo. Afinal, como devemos viver melhor? O que devemos evitar e por que fazê-lo?
A vida é como um aparelho sofisticado visto por nós pela primeira vez. Um computador com programas em russo, por exemplo, para quem não conhece a língua utilizada é, a princípio, assustador. Porém, uma criança, depois de alguns dias de curiosidade, aprende que, apertando tal tecla lhe será oferecida determinada tela. Ela não sabe o porquê, mas todas as vezes que desejar a tal tela ela acionará o ícone correspondente. E assim, devagarzinho, vai aprendendo o jeito de manejar a complicada máquina, mesmo sem entendê-la.
A vida é qualquer coisa parecida. Embora não saibamos explicá-la, ela poderá ser aprazível e feliz, desde que acionemos determinadas “teclas”. Temos em nós a tecla do amor, do perdão, do ódio, da indiferença, da solidariedade, do carinho, da traição, da hipocrisia, da raiva, do sorriso, da amizade, do egoísmo, da ganância, da sensatez, da ingenuidade, da estupidez, da ignorância, da mansidão, da compreensão, do mau humor, do bom humor, da cordialidade, da honestidade, da corrupção e por aí afora.
Algum principiante já clicou em cima dos ícones de um computador? Embora não saibamos, os programadores explicam, com facilidade a ação dos códigos utilizados.
Se para nós, que adquirimos um computador para nos dar comodidade, que usamos apenas alguns aplicativos já não é fácil, imaginem o conhecimento cibernético de milhares de especialistas formados que trabalham no Google, por exemplo.
Depois de algum tempo, nossos computadores já têm dezenas de ícones e a gente sabe, mesmo sem entender o mecanismo, que clicando neles, algo mágico, em fração de segundos, acontece.
Ora, culpar a quem se somos os digitadores de nossa sorte? Ser feliz ou infeliz, andar direito ou não, portanto, é pura opção. Não é por outra razão que não me canso de dizer que somos felizes ou infelizes por nós mesmos. Todos sabem que ao acionar a tecla do ódio, da hipocrisia, do egoísmo, da ganância…, o ser humano, como tal, fica descaracterizado, irascível.
Isto, certamente, nos aconteceu todas as vezes que as acionamos por livre e espontânea vontade. Se assim o foi e se conhecemos o teclado, a quem culpar quando por opção acionamos o ícone da desordem?
A vida é simples. Basta apenas usar o necessário, na certeza de que ela é um pequeno investimento e que, mesmo pequeno equivale à nossa felicidade eterna. Bem, isso pode ser balela, mas gostaria que aqueles que não acreditam dessem a opinião deles sobre coisa melhor a fazer.
Se quer ser feliz, não acione os comandos que o tornarão irascível e infeliz. Os reveses da vida ensinam a reconhecê-las, você sabe disso. Já percebeu que o perdão é mais vantajoso que a vingança? Que quando se pratica o bem, se tem mais paz e felicidade? Que é difícil dormir quando praticamos o mal? Que a consciência só nos acusa quando fazemos ou falamos algo que não devíamos ter feito ou falado? Que fomos criados com plena liberdade de escolher a própria sorte?
Jamais iremos entender a vida, mas podemos torná-la bem mais agradável se escolhermos a tecla certa.
Desde o aparecimento do homem na face da Terra, muitos estudiosos já tentaram e não conseguiram satisfazer os curiosos. O negócio mesmo – a mim me parece – é decorar as teclas do bem e, se possível, deletar as do mal. É notório que as pessoas enquanto vivas, andam divididas por essa opção, porque o próprio Criador assim deliberou sobre isso por meio da liberdade plena de escolher a própria sorte.
PASSANDO FOME TENDO ALIMENTO
Domingo de manhã, desjejum, “Globo Rural”, informações, notícias, sugestões… Lá está um agricultor, com vários hectares de terra plantados com batatas prontas para serem colhidas e vendidas. A produção fora fenomenal: a maior de todos os anos, e a qualidade era excelente. Mas, com aquele ar de frustração, o pobre agricultor confessava ao repórter da Globo que, infelizmente, iria deixar toda produção se perder porque se a colhesse, apenas iria aumentar o prejuízo. É que o custo já estava em R$15,00 por saca e o preço de mercado era de sete.
Foi então que em minha santa ingenuidade econômica, fiquei a matutar, chegando à dolorosa conclusão de que, em última instância, nossa política econômica é burra, insincera ou, talvez, incompetente.
Onde já se viu, num país em que a fome impera, em que algumas crianças pobres e famintas recolhem do lixo migalhas para matar a fome, em que tanto se prega a educação e a produção agrícola, em que, demagogicamente, os políticos vivem apregoando a diminuição da fome… deixar que isso aconteça? Que diabo de política é essa que não assume o preço mínimo do produto (conforme financiamento feito) e o distribui aos pobres e às crianças das escolas? Simples, não é mesmo?
Há alimento mais barato, mas é preciso que o agricultor confie quando o governo faz propaganda para maior produção e “avaliza” os empréstimos bancários. Com o dinheiro garantido, os agricultores plantam mais. A produção agrícola interna de um país não pode fazer parte da lei da “oferta e da procura” globalizada. O governo é quem tem de assumir esse risco, ainda que em algumas safras ocorra prejuízo financeiro ao erário.
O mercado mundial é omisso aos problemas internos de qualquer país. O Brasil é um dos poucos do mundo que incentiva quando há escassez e que deixa o cidadão na mão quando há excesso.
Prega-se a Reforma Agrária, luta-se por maior produção e quando a coisa acontece porque o tempo ajudou, aí “ele tira o bumbum da hipodérmica”, como costuma dizer nosso confrade José Geraldo da Costa.
O governo teria por obrigação – quando se trata de produção agrícola que ele incentivou – estar atento a essas variações, providenciando exportações (ainda que com prejuízo), ou fazendo a distribuição do excesso às pessoas carentes, como andaram pregando antes das eleições. Mesmo ficando mais caro, o governo podia usá-los para merenda escolar.
Como acreditar que estejam preocupados com o sofrimento dos pobres, com a fome das crianças nas escolas, se os agricultores não colhem para não aumentar o prejuízo?
UM CAVALO INCONFORMADO
Imperatriz apesar de ser considerada a segunda maior cidade do Maranhão, ainda utiliza carroças de aluguel. Carroceiros vivem trocando lixos de um quintal cuidado para outro abandonado, ou alugando-as para transportar qualquer coisa usada para famílias mais carentes.
No ano de 1996, um velho pangaré arrastava, cansado e sem reconhecimento, seu interminável trabalho de todo santo dia. Velho e cansado ele “imaginava” um meio de alertar seu patrão de que já estava na hora de ser aposentado. Amuado era seu nome que, por sinal, fora-lhe bem dado, já que a muito tempo vinha se deitando no chão e ali permanecendo, mesmo que interrompesse o trânsito. A amuada mais célebre aconteceu em outubro, mês mais quente desta nossa região tropical.
Logo pela manhã, quando Astolfo passou-lhe o cabresto, ele sentiu vontade de lhe morder a mão, mas se lembrou da peia que o inflexível carroceiro lhe punha nos pés todas as vezes que se mostrava arredio. Contemporizou e deixou, mais uma vez, que o cabresto lhe fosse colocado. Mas, lá no fundo, não havia submissão: apenas a falta de oportunidade para que ele resolvesse a situação de uma vez por todas.
Sábado, 15 horas, sol a pino. Lá ia o Amuado descendo a Dorgival Pinheiro, quando notou que havia dois caminhões envolvidos num acidente, bem embaixo do sinal. Os proprietários dos caminhões envolvidos mantinham-se em acirrada discussão, cada um querendo ser ressarcido do prejuízo. Pela esquerda havia espaço para carros pequenos.
Bem na saída Amuado empacou na única passagem que havia, deu uma olhada de soslaio por entre a malvada proteção de couro e pensou: vai ser agora, ou nunca mais!
Era véspera de domingo. Os motoristas mais estressados que se viram sem qualquer chance de retornarem de ré um quarteirão inteiro, partiram para cima do Astolfo insistindo para que ele desse um jeito de se desvencilhar daquele cavalo velho e sonolento com uma velha carroça pendurada atrás. Mas ele não estava nem aí! Nas chibatadas, rabo torcido e chutes ele aparentava decisão inabalável. Com o sinal verde acendendo e apagando dezenas de vezes, os impacientes da retaguarda começaram a buzinar, a gesticular e a proferir impropérios. Astolfo, o carroceiro, diante dos mal-educados palavrões que começaram a ser-lhe dirigidos, instigou Amuado a desobstruir a passagem.
Mas, Amuado já estava de cabeça feita, com a ideia fixa de transformar aquele incidente em sua carta de alforria. Num total descaso, fazia de conta que as chibatadas de Astolfo eram carícias em seu lombo calejado. E por causa da obstrução ocasionada, do movimento de um sábado à tarde e da decisão do Amuado, o engarrafamento foi se transformando num grande problema. Enquanto uns esbravejavam e outros levavam na esportiva, Amuado se mantinha impassível e determinado. Aumentaram ainda mais os risos e os palavrões quando ele resolveu ajoelhar-se no asfalto quente, como se estivesse pedindo a Deus uma santa ajuda para seu arriscado plano de liberdade. Chegou a titubear quando alguém – se dizendo vaqueiro – lembrou que a melhor maneira de desempacar animais amuados, era torce-lhe o rabo até quebrar.
Amuado, pela greta das malditas olheiras, marcou bem o gaiato, fazendo um juramento de que – ainda que fosse sua última ação neste mundo – se lhe quebrassem o rapo, ele daria um coice mortal no vendedor da ideia.
Por sorte, passava pelo local um “franciscano” que, sensibilizado ao notar que o cavalo era muito velho e não mais suportava a rotina imposta, convenceu o senhor Astolfo de que o animal devia encerrar ali mesmo, sua vida de trabalho.
E de encrenqueiro a animal imprestável, Amuado passou a contar com um bom grupo de simpatizantes, que o defendia como herói, pondo mais combustível na encrenca que se formou. Um chegou a dizer que conhecera o agora velho cavalo quando ele ainda era um jovem cheio de vida, manso e muito desejado pelos fazendeiros da região e que todos viviam querendo comprá-lo, mas somente o Astolfo conseguira. Mas, explicava ele, a juventude, a força, o cumprimento do dever…. tudo se esvai com o passar dos anos.
– Este pobre animal já passou da hora de ser aposentado, solto numa boa pastaria para viver descansando até o final de seus dias. Ele merece, eu o conheço bem.
Falava isto, baixava a cabeça e ia se retirando com um sorrisinho sarcástico disfarçado.
Infelizmente, Amuado já não conseguia convencer a maioria que passara a gostar do impasse. Titubeou na fé, quando achou que Deus não ouvira suas preces. Foi quando surgiu do nada um rico fazendeiro – cujo preço do velho cavalo com a carroça não passavam de pequenas esmolas que vivia distribuindo.
E assim, sob aplausos, vivas e urras dos presentes, Amuado foi solto das velhas amarras de couro e, vagarosamente, levantou-se, ganhou a Rua Ceará a passos curtos, mas cheio de felicidade, rumo à liberdade. Em cada passo livre, seus pensamentos retrocediam às verdes paragens em que um dia, ele, como poldro feliz, saltitou ao lado de sua mãe, sem imaginar o futuro que a vida lhe reservava.
DESEMPREGO
Num livro com mais de 500 páginas falando sobre desemprego, o autor dizia tratar-se de “apenas algumas considerações sobre o problema no mundo”. Apenas o folheei, mesmo porque não sou do ramo, mas sinto na pele as consequências que ele acarreta às pessoas desempregadas que convivem perto de mim.
Se não impossível, ao menos muito difícil é estabelecer uma única causa para explicar os desequilíbrios que o desemprego acarreta. São centenas de erros que, somados, o originam. Junto com ele, a maior parte de todos os males que afligem a humanidade: as desigualdades sociais.
Sabemos que uma pessoa desempregada não recebe salário. Com sorte, às vezes consegue auxílio governamental temporário. Sem dinheiro, não consegue comer, nem se vestir dignamente, nem sustentar a família se for casado, ou arrimo de família. A cada dia a leva de desempregados aumenta. Junto com este problema, cresce o número de dependentes de drogas, aumentam os assaltos, os crimes, os sequestros, o terrorismo e todo tipo de coisa que está tornando este mundo um verdadeiro inferno. Mas, por que tanta gente desempregada?
Como disse acima, há centenas de causas, e cada uma mereceria – por um especialista no assunto – um livro de 500 páginas para ser esclarecida. No entanto, vejo a ganância humana como a principal. Se a desordem social é causada pelo desequilíbrio financeiro; se uns tem muito e outros nada; se todos sabem que tudo que temos além do necessário irá fazer falta ao irmão que não tem nada, com certeza, a avidez para acumular riquezas é uma forte causa do desemprego e consequentemente, da pobreza no mundo.
Vejamos: nos bancos, a gente passa horas numa fila para pagar uma simples conta de água, porque apenas duas ou três pessoas atendem nos caixas. No entanto, os bancos são citados como os que mais obtêm lucro entre as empresas do País. Ora, se dividissem melhor, se não quisessem acumular tanto, poderiam dar mais emprego, colocar mais pessoas para atenderem nos caixas, facilitar a vida dos usuários e diminuir o número de desempregados.
Embora os bancos sejam o exemplo mais comum e sentido, quase todas as grandes e mais ricas empresas do mundo agem da mesma maneira: sempre aumentando os desníveis sociais e juntando o que não poderão carregar quando se forem deste mundo.
Embora pareça cafona falar de Deus neste mundo perdidamente globalizado e financeiro, é bom que se saiba que, embora assim seja, Deus existe. E, se não amarmos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, jamais haverá paz e justiça social no mundo.
Quando um patrão divide boa parte dos lucros com os funcionários, não só ele vive melhor e em paz com sua consciência, como todos os que o ajudam a crescer. A gente vê isso todos os dias nos noticiários.
Enquanto esta consciência não for formada, o mundo continuará sendo uma eterna disputa pela supremacia. Daí aos tais “poderes paralelos”, os atentados, o terrorismo e o desemprego, é um pulo.
Não se deve ater aqui aos que carregam um diploma debaixo do braço. Profissional de fato é aquele que, por vocação, desempenha seu papel neste mundo. Todos nós nascemos com uma incumbência: somos um tijolo na construção do mundo. O profissionalismo está estritamente ligado à vocação. Mas, por causa dos desníveis sociais, apenas os ricos parecem ter nascido para ser doutores, advogados, juízes, políticos etc. Aos pobres resta a falsa ideia de que nasceram para serem garis, jardineiros, mordomos…
Mas não é bem assim. Há grandes homens escondidos em profissões simples, apenas porque não têm condição de frequentar faculdades. Há também muitos doutores que só servem para enganar seus clientes. Motivo: não nasceram para a função que desempenham. Nota-se, por isso mesmo, que a interferência do dinheiro e, consequentemente do poder, modifica o projeto do Criador de um mundo feliz.
Para o verdadeiro profissional, o trabalho é quase um divertimento. Para o mau, um sacrifício extremo que o faz atender mal, chegar atrasado ao serviço, orientar erroneamente os clientes e olhar continuamente para o relógio. Cada hora no serviço é-lhe uma tortura. É bom que se diga que jamais faltou ou faltará emprego para o verdadeiro vocacionado. Pessoas assim são sempre muito procuradas. Milhões de pessoas pelo mundo ostentam diplomas, mas andam de porta em porta procurando emprego.
Na verdade, jamais faltou e nunca irá faltar emprego para o bom e competente funcionário. Nisto, fica o conselho a quem pretende fugir do problema: estude se puder e o quanto puder, prepare-se com todo afinco, seja responsável, considere o lugar que trabalha como se fosse seu. Se assim fizer, jamais fará parte desta leva que vive de porta em porta à cata de um emprego. Infelizmente, isso nunca acabará. O próprio Filho de Deus nos alertou: “quanto aos pobres, sempre os terás convosco, mas a mim nem sempre me tereis. Mateus 26,11.
Jesus, inclusive, lembrou que os necessitados existirão para sempre, para que todos tenham a oportunidade de praticar a caridade e alcançarem a salvação.
AEDES E SUAS PERFORMANCES
Dizem que a emoção exagerada é má companheira e que, por isto, devíamos sempre esperar um momento de perfeito equilíbrio para denunciar algum desmando que nos incomoda. Mesmo assim irei à questão. É que, já faz oito dias que estou aqui com febre e dores intensas nas articulações, dor de cabeça, dores musculares e manchas vermelhas pelo corpo: enfim, estou com Chikungunya. Bem, o Aedes Aegypti pode acometer um, alguns…, mas se tornar epidemia por falta de responsabilidade de quem tem a obrigação de combatê-lo, sinceramente, não dá para aguentar calado.
Tendo encontrado aqui pertinho de minha casa dois focos enormes de proliferação de mosquitos, falei sobre o assunto com alguns membros da Fundação Nacional de Saúde. No dia seguinte, ao retornar da padaria, os agentes já estavam no meu portão, munidos de equipamentos para o combate. Cheguei a pedir perdão a Deus por ter pensado mal da secretaria responsável.
Contudo, o problema não era no meu quintal, mas no lote contíguo, transformado em depósito de lixo, cheio de recipientes propícios à proliferação de mosquitos. Constatado isso – sentindo-se aliviados – disseram que o problema não era mais deles, e sim da Prefeitura.
Fui para lá.
Contatei com os possíveis encarregados uma, duas, três… sei lá quantas vezes. No pingue-pongue do jogo de empurra, o tempo foi passando, os mosquitos proliferando, a gente sendo picado a torto e a direito… Alguém da prefeitura argumentou que havia mais um problema: “O nome do proprietário desleixado”. Procurei saber, consegui e passei o nome e o endereço. Comuniquei os dados, mas me avisaram que agora o problema deveria ser passado ao setor jurídico, para que o proprietário fosse acionado, ouvido e, quem sabe, convencido a limpar o lote.
Terceira semana de telefonemas e pedidos. Já não há mais ninguém do entorno de tal lote que não esteja sujeito à dengue e suas variações. Meus vizinhos não estão em situação melhor. Enquanto isso, a Prefeitura vai aguardando o momento exato e legal para agir. Nessas horas, tem de ser tudo legal, de papel passado, assinado, com firma reconhecida….
Sinceramente, preciso desabafar! Há coisas ou problemas que não dá para esperar por lei, requerimentos ou qualquer outro papel. Seria o mesmo que aguardar de Brasília, um pedaço de linha esterilizada para amarrar uma artéria que se rompeu aqui em Imperatriz. Será que, em pleno século XX haveremos de nos defender dos mosquitos limpando áreas de lotes abandonados? A gente quando vota num representante que acabou se elegendo, espera muita coisa dele, inclusive pulso forte para “atropelar a lei” quando isso se fizer necessário para salvar vidas, ou mesmo para nos livrar de sofrimentos imediatos.
Já disse e repito: ameaças sem cumprimento gera descaso, descrédito e coisas que os valham. Dengue é coisa séria. Já matou gente aqui em nossa cidade e deixou outros em cadeira de rodas. Devagar pode ficar bem em samba para os Martinhos da Vila e da vida ou em obras sob manobras políticas, mas em emergências que põem em jogo a vida das pessoas, é simplesmente descaso e desrespeito. Afinal, onde as exigências apregoadas sobre as calçadas, lotes abandonados, som abusivo nos carros, nos bares, clubes e lanchonetes, recolhimento do lixo…?
Esse pessoal do “empurra-empurra” deveria fazer um estágio na Fundação Nacional de Saúde para aprender a ouvir e atender as necessidades da população, ainda que dentro de parcas possibilidades de solução. A gente não exige, senão, boa vontade, porque há certas coisas que, de fato, sem dinheiro fica difícil. Só reforço o conselho: não fiquem prometendo se não podem ou não irão cumprir. A gente perde a confiança e, o que é pior, a esperança.
O mais triste é saber que 90% dessa gentalha voltarão aos cargos no próximo pleito. Prometerão as mesmíssimas coisas dos pleitos anteriores, investirão alguma coisa naqueles que se mostrarem desconfiados, mas, no fim, só mesmo “bananas” lhes serão retribuídas, aquelas do “ó qui ó”! Aquele gesto com um dos braços retesados e o outro dando o endereço, batendo no bíceps. Se a “banana” não fosse esquecida, a quantidade de políticos compradores de votos diminuiria.
Alguém se lembra do Garrincha do Botafogo, aquele das pernas tortas que tanto nos alegrou na Copa do Mundo? Em todo tempo que jogou no Botafogo ou na seleção brasileira, aplicou o mesmo drible em seus adversários. Nunca precisou mudar nada para que funcionasse. Para quem assistia aos jogos parecia inacreditável que o marcador não percebesse o mesmo drible em todas as disputas.
É o que faz a maioria de nossos políticos, desde os distritais até os federais: investem o que seria impagável, paga sem problemas e ainda investe a sobra de maneira humilhante, até mesmo aos mais entendidos ministros do ramo dos países desenvolvidos.
Há aqueles que, conseguindo a “bocada” uma vez, nunca mais “desgrudam”, da “teta”, assegurando “boa-vida” para a família, parentes e até para amigos. Acumulam centenas de processos e quase zero de condenação.
DURMA COM UM BARULHO DESSE!
Quando os pássaros acordaram, com eles eu também despertei. Tentei, em vão, distender alguns tendões já emperrados pelo tempo. Aprumei-me, firmei a visão para não acrescer à canela, mais um murundu ocasionado pela quina da cama ao lado. É que mudei o posicionamento dos móveis do quarto e meu cérebro reluta em aceitar a nova configuração.
Dali ao desjejum, tudo normal. Tratei minhas aves, molhei as plantas, sempre lembrando a obrigação de escrever algo para o jornal. A ideia já estava na cabeça. Restava, apenas, transferi-la ao papel. Assentei-me em frente ao computador, liguei-o…. Tudo certinho. Iria ser moleza.
De repente, lá do outro lado da rua onde funcionava um antigo clube, aquele barulho muito familiar que – há mais de um ano – transformou a vida dos vizinhos num verdadeiro inferno: se é que os anjos revoltados utilizam a tortura sonora para atazanar a vida dos adversários.
As cacetadas intermitentes no tambor e nos pratos da bateria indicavam tratar-se de uma criança: talvez filho do dono da banda, que chegara primeiro para afinar os instrumentos.
Depois de meia hora de tum, tum, tum… e tome tum, tum, veio a segunda parte, não menos ostensiva a quem tencionava organizar ideias para escrever uma crônica: o acerto do som: “som, som, Jesus, som, Jesus…” e mais meia dúzia de palavras que toda equipe de sonorização das bandas usam para deixar o equipamento afinado, segundo os princípios máximos do senso de perfeição deles.
E como diz o Viegas: e eu ali, olhando para a tela do computador, sem, sequer, lembrar o título que pretendia explanar.
E carros encostam, o pessoal chega e o show começa a todo vapor. Percebo que cantam músicas gospel e isso seria até louvável, não fosse a necessidade que sentem de lembrar a todo o bairro de que estão louvando o Criador que, pela intensidade do som, deve ter-se afastado para outra galáxia.
Meses atrás, um de meus vizinhos procurou a Justiça alegando que estava se tornando difícil, senão impossível, dormir, ler, assistir à televisão ou tratar de negócios, quando o vizinho se entusiasmava demais lá do outro lado da rua. Esteve aqui e me pediu que participasse do abaixo assinado solicitando ao pastor, a diminuição do som. Disse-lhe que lamentava não poder assinar 100 vezes, porque, na minha casa, ninguém estava mais tendo sossego também. Talvez um ramal da igreja dele estivesse se instalando por aqui.
Minhas filhas fecham as portas e janelas, ligam ventiladores barulhentos, utilizam toda estratégia possível para mascarar a algazarra que vem de fora, mas não conseguem. É aleluia demais para modestos tímpanos normais!
Todos sabem que, quanto mais a gente tenta não ouvir um barulho que nos incomoda, mais irritante ele se torna. É como almoçar ouvindo o som de alguém mastigando com a boca aberta. Bem, vocês sabem como é! Há barulhos ou sons que nem percebemos; há outros, tipo pingo d´água, ratos roendo alguma coisa… que, se desconfiarmos de que estão nos incomodando, não tem outra solução senão nos retirarmos dali.
Imaginei: depois do almoço eu escreverei. Mas, veio a hora do almoço, do café da tarde, do jantar e, nada. A noite chegou, lá se foi o Jornal Nacional e começou a novela: não havia mais qualquer chance de escrever minha crônica. Liguei para a polícia. Avisaram-me que eles não podiam fazer nada, que outros já haviam ligado, mas que os “oradores” estavam dentro da Lei, porque o horário do silêncio ainda não havia sido atingido.
– Mas, e se eu colocar aí na rua um som com músicas de forró, a toda altura, não infringirei a Lei?
– Aí sim, porque sua intenção já será de confronto.
Então me lembrei do ocorrido lá no Bairro São José, quando o esposo de nossa funcionária resolveu enfrentar a gritaria de uma seita que se instalara bem do outro lado da rua em que mora, abrindo o som de seu carro. Em menos de meia hora a polícia chegou e o obrigou a desligar.
Na verdade, jamais irei entender as pessoas que acham que o próximo – esse mesmo do segundo mandamento – seja obrigado a engolir o que outros acham justo e correto. Não irei citar trecho bíblico algum, embora saiba o que Jesus disse e ensinou a respeito daqueles que oram para se mostrar, ou para arrecadar. Lembram da reação de Jesus ao se deparar com situação parecida dentro de uma sinagoga de Jerusalém?
Nada mais sensato do que rezar, mas para fazê-lo não é necessário avisar o bairro todo. Aqui, nas casas que circundam moram crianças que precisam dormir e estudar; adultos que precisam descansar, ler e escrever; velhos que necessitam dormir em paz. Será que se as pessoas rezarem em silêncio ou baixinho, Deus não ouvirá? Será que a intenção dos que rezam gritando é impressionar a vizinhança? Será que amar a Deus sobre todas as coisas não inclui respeitar o próximo?
E eu que, por sinal, fui sócio desse clube, quando ele foi vendido nem lastimei – porque sempre sonhei morar num lugar sossegado – agora vejo que a emenda ficou pior que o soneto. Pelo menos o clube oferecia show uma vez por semana e apenas à noite. Agora, a gritaria acontece todos os dias. Tenho notado, ultimamente, que são constantes as reclamações contra aqueles que fundam seitas visando a sobrevivência, lucros, dízimos… Está ficando mais que claro que entre os de boa intenção, há milhares de oportunistas, que sem qualquer escrúpulo ou medo de Deus, fundam empresas com nome de igreja e vivem à custa de ingênuos fiéis, que chegam até a tirar dos filhos para pagar o dízimo dos tais chefes dessas empresas.
E nem adianta mostrar, por exemplo, que Edir Macedo é hoje um dos homens mais ricos do planeta, à custa da exploração de ingênuos fiéis. Não adianta, porque isso já se tornou comum em quase todas as religiões e seitas.
Já perceberam a quantidade de canais de televisão que as “seitas” estão adquirindo? Tente ficar um pouco numa delas e veja quanto tempo levam para oferecer produtos, viagens ou pedir dinheiro na maior cara de pau. Bem, sei que os tempos mudaram, mas, para ser sincero, eu preferiria mais as demonstrações de amor ao próximo às ostentações de luxuosas igrejas e luta ideológica como se estivesse em jogo o primeiro lugar desta ou daquela denominação religiosa. Não seria justo e honesto àqueles que utilizam o nome de Jesus, (em cada propaganda em que pedem colaboração financeira) mostrar ao lado os nomes dos associados, a soma do dinheiro arrecadado e a utilização do mesmo?
É…., coisas estranhas andam acontecendo e, se não me engano, o: “quando virdes essas coisas acontecerem…”, o fim estará próximo. Sabe o que significa “próximo” para quem é eterno? Sobre a tal crônica que eu pretendia escrever naquele dia, nem mais lembro o título. Lembro apenas que este desabafo foi no lugar.
CADA UM NA SUA
Bem cedo – ainda pelos colégios de meu Espírito Santo inesquecível – eu arreliava, protestando contra os professores que me tomavam tanto tempo com lições de Química, Física e Matemática…. Ainda que argumentassem que eram necessárias à cultura geral e ao desenvolvimento de nosso raciocínio, eu sempre discordava. Não sabia a razão, mas jamais aceitava ter de passar horas e horas, estudando teoremas, fórmulas e equações, estando certo de que jamais iria utilizá-los diretamente. Para mim, superficiais noções de determinadas matérias seriam suficientes. Eu nunca me preocupava com os fenômenos naturais relacionados com a mecânica, termologia, acústica, óptica, eletricidade.
Por coincidência, ou vocação, desde criança eu sonhava com as letras: sonhos vividos e partilhados com o fascínio pela Natureza: reino animal e vegetal. Comecei a escrever pequenas histórias e a ficar maravilhado diante das flores e dos animais. Por isso, não gostava de Matemática e, por decisão própria, preferia decorar fórmulas do que entendê-las. As matérias que não me interessavam, estudava-as apenas para passar. Entendia – naquele tempo – que iriam ocupar “o espaço destinado às Letras”.
Pois bem, o tempo passou! O mundo evoluiu. E como evoluiu! … Hoje, apesar de dizerem que nossa memória tem capacidade para aprender e gravar tudo o que já se descobriu no mundo, estou ainda convicto de que os pais e professores deveriam dar tudo de si para descobrirem, o quanto antes, a vocação de seus filhos e alunos, evitando sobrecarregar o cérebro, transformando o profissional numa pessoa que saberá um pouco de tudo, mas não tudo do pouco, ou seja, da profissão escolhida. No meu caso, as quatro operações fundamentais satisfazem plenamente minhas necessidades matemáticas. O total esquecimento das complicadas fórmulas, é uma prova mais que razoável de que o próprio cérebro deleta aquilo que não usa por muito tempo.
Hoje, quando ouço falar na reformulação do ensino, fico feliz por saber que já pensam em não exigir dos que pretendem escavar um buraco, que se munam de foices e machados.
Mais que antes, acho absurdo fazer com que os alunos que pretendam Medicina, estudem tantas outras matérias pouco atinentes. Certamente será um homem culto, mas não um profissional competente. Desculpem-me os que pensam diferente, porque, até hoje, nunca consegui entender Química, Física e Matemática…. Nem como escrever um bom livro! Na verdade, hoje, com 84 anos de idade, percebo que fiz sempre o que mais gostava: caçar, pescar, jogar futebol, escrever e pedir perdão a Jesus Cristo pelas marteladas que também dei para fixá-lo à cruz.
AS SECRETÁRIAS DOS “ESSES E XISES”
Lembrando a saudosa Neneca
Semana passada, com todas as cadeiras ocupadas na grande mesa de reunião ordinária de nossa Academia de Letras, aconteceu um fato inusitado: ao menos não tão comum para um grupo de senhores preocupados apenas com a Literatura.
A reunião seguia seu rumo de trabalho preestabelecido pelo presidente Vito Milesi, quando a confreira Neneca Motta Mello pediu a palavra para narrar sua tentativa de assistir ao centenário da fundação da Academia Brasileira de Letras. Vejam se a narração, apesar de hilariante, não é também um testemunho de prepotência e de descaso da maior entidade literária do Brasil, para com as humildes academias interioranas. Vamos à narrativa da confreira:
“Todos vocês sabem que no dia 20 de julho, a nossa Academia Mãe, com sede no Rio de Janeiro, completa 100 anos. Pretendendo assistir à festa comemorativa, telefonei para a sede da ABL e falei com seis secretárias. Vocês sabem como é o povo brasileiro: você fala com a pessoa, ela escuta tudo o que você tem a dizer e depois avisa que não é com ela. Passa para uma segunda, que também escuta toda a história e depois passa para a terceira, que não sendo diferente, escuta tudo outra vez e passa adiante. Falei com seix! Neneca enfatizou o seis e observou:
– Estão vendo? A coisa pega!
Afinal, consegui falar com a que – imaginei – iria resolver o meu angustiante problema. Também ela escutou toda a história que, afinal, resumia-se à solicitação de um convite para assistir à festa do centenário. Depois de um breve silêncio, desmanchando-se em seus típicos “esses e xises” cariocas, explicou:
– Ah, minha nega, não vai dá! Olha, noix figemux quinhentux convitix… aliaix, foi uma firma que feix pra nóix, quinhentux convitix. E exis convitix, já foram todux distribuídux, para autoridadex militarix; para o mundo político-social do Brasil; para a elite da intelectualidade brasileira… e degenax de convitix já foram para o exterior.
Interferi:
– E nós, Academias do Brasil, não fomos lembrados?
– Infelixmente não, queridinha. Maix alguma coixa, minha nega?
Aí eu bati firme, esnobando:
– Escuta: a Nélida está aí? Sim, porque eu recebi uma correspondência dela pelo Natal… e gostaria de falar com ela.
Então, perdendo alguns “esses” pelo caminho, ela ponderou:
– Ah!… Olha, minha nega! …. Você não quer passar um faquix pra ela?
– Quero. Passe-me o número – respondi categórica.
Passei o bendito fax e como já devem ter concluído, gastei apenas mais um pedaço de papel e um pouco de meu tempo. De qualquer forma, com resposta ou sem ela; com convite ou sem ele… no dia 19 desembarcarei no Galeão, e estarei presente aos festejos comemorativos: nem que eu seja a última lá no cordão de isolamento. É…., porque o bicentenário, “possivelmente”, eu não poderei assistir, a não ser que mudem os critérios… e a secretária dos “esses e xises”.
Depois de muitos risos e observações, nosso presidente disse que o esforço seria válido e que nossa confreira não esquecesse de fazer uma careta, caso esbarrasse com a “secretária dos esses e xises”.
A bem da verdade, Austregésilo de Athayde, lá de seu sossego tumular, deve ter-se lembrado do dia em que teve de engolir a cearense Raquel de Queiroz como a primeira mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Naquele tempo (há 20 anos), como presidente da ABL, Austregésilo de Athayde desabafava: “Todas as entidades desse tipo que permitiram a entrada de mulheres, desapareceram”.
Nesse caso que estou narrando, o desagrado foi de mulheres para mulher. Que as nossas sete acadêmicas decidam sobre a célebre e infeliz frase do ilustre presidente. Nós, homens, garantimos – salvaguardados pela impossibilidade de se provar o contrário – que se o presidente da ABL, neste dia fatídico da confreira Neneca, fosse um homem, ela teria recebido o convite… e se livrado dos tantos sibilos provocados pelos “esses e xises” das secretárias. Bem… talvez não, caso fosse um sósia reencarnado do Austregésilo de Athayde!
Essas atendentes podem até ter desagradado nossa confreira, porque os enjoativos sibilos não são fáceis de serem suportados “pelos cabras do sertão”!
Provando que nosso modesto sodalício composto de 40 membros não foi infectado pela infeliz profecia de Austregésilo de Athayde.Mantém o número de sete mulheres, sempre elegendo uma substituta feminina para ocupar a cadeira vaga por motivo de falecimento de uma confreira. E convenhamos: são tão capazes e até mais prestativas e presentes do que a maioria dos 33 membros masculinos.
Às vezes brinco, dizendo que muitos fazendeiros possuem milhares de bovinos em suas pastarias, mas na hora de selecionar um grupo para arrastar madeiras pesadas: mourões, tábuas e todo o mais imprescindível para organizar e manter a beleza de suas terras – ele escolhe, a dedo, apenas 40, “os chamados bois de canga”. Deu para entender?
MASSACRE E DESCASO BANCÁRIO
“O Progresso” de janeiro de 2002”.
Há poucos dias, na coluna Bastidores de “O Progresso”, estava denunciado: “Ontem, um cidadão esperou 4h35min para ser atendido em uma agência bancária. Em Imperatriz foi aprovada uma lei determinando que o cidadão não pode ficar mais do que meia-hora na fila. Só que a lei jamais foi respeitada e, pelo jeito, nunca o será. “
Exatamente há um ano, diante desse “massacre” que continua, eu escrevia e, hoje, em apoio à denúncia de O Progresso, tomo a liberdade de repetir o artigo.
PALHAÇOS DO SISTEMA
Segunda-feira, treze horas, Bradesco do Entroncamento. Ali cheguei afugentado pela fila da agência do centro, na qual havia contado mais de cem usuários esperando pela vez. Embora não me ativesse à conta, logo deduzi que não havia feito uma boa escolha, pois se no Bradesco do centro era maior o número de usuários, também o número de caixas era bastante superior à agência do Entroncamento.
Gente entra, gente sai e a fila não anda, não progride, não diminui. De repente, ela se desordena, enrosca-se pelo interior do Banco. Um guarda, muito mal-humorado chega e a organiza. Olho para frente: tenho a impressão de que o número de pessoas continua sempre o mesmo; olho para trás e conto: cinquenta e três pessoas, inquietas, sôfregas, impacientes.
E a coisa continua: gente entra, gente sai…, e nada de a fila diminuir. Cada um que era atendido – para aumentar minha desdita – parecia trazer consigo todos os papéis do mês. Quatorze horas! Encosto no balcão. Já me era difícil suportar a dor nas pernas. Puxo conversa com uma senhora que está a meu lado:
– Isso é um abuso! Exatamente os que mais ganham são aqueles que mais sacrificam os clientes! Onde se viu apenas dois funcionários atenderem a tantas pessoas!
– É verdade! – Limitou-se a exclamar a mulher. Talvez por nunca me ter visto; talvez por achar inútil revoltar-se, ela preferiu ser lacônica.
Quinze horas. As portas são fechadas. Para muitos, não há mais atendimento. Na minha frente, dezessete pessoas; atrás, agora, quarenta e três. Para cada um que era atendido na ponta da fila, os caixas atendiam dois ou três por fora: gente que vinha com visto do gerente ou de outros funcionários graduados, gestantes, deficientes, idosos…. Nos guichês, apenas dois rapazes atendiam.
Imponente e autoritário, o guarda que vigiava a porta para que o horário fosse respeitado, ia rechaçando (os humildes) e sendo compreensivo e complacente para com os de camisa engomada ou celular na cintura. Esses entravam e iam diretamente ao caixa. E eu, ali, com as pernas inchadas e uma grande revolta no semblante. Um negro retaco que sustinha um saco plástico enrolado na mão esquerda, dormiu em pé e, talvez pelo desequilíbrio provocado pelo peso do embrulho, tombou em cima de um rapazinho magriço que também aguardava a vez, provocando risos e amenizando as tensões. Mais um pouco e refaço as contas: em minha frente: quatorze pessoas; atrás, vinte e uma. Assustado e surpreso, insisti com a circunspeta mulher:
– A senhora está observando que a fila daqui para trás – que era duas vezes maior – está ficando menor que a daqui para frente?
– O senhor não está percebendo que estão furando a fila? Respondeu, já afetada pela minha revolta, a sisuda senhora.
Embora concorde que a emoção não seja boa conselheira, retirei-me da fila e fui falar com o gerente. Talhado para o cargo, ele me recebeu educadamente. Disse que a direção do Banco continuava demitindo funcionários e que não havia qualquer prognóstico de melhorias no atendimento. Ofereceu-se, em seguida, a somar-me ao número daqueles que se acham mais importantes; que não entram em fila e são atendidos tão logo cheguem, em detrimento daqueles que ainda acreditam em organização e justiça.
Fi-lo ver que era exatamente por aquela razão que eu estava a reclamar e que por isso mesmo continuaria na fila. Queria apenas que houvesse organização e justiça, já que isso não depende da alta direção e sim do funcionamento interno de cada repartição. Ao tomar meu lugar na fila, a mulher, já mais acessível, arriscou:
– E aí?
– Certamente o gerente, preocupado com minha reclamação, não irá dormir esta noite – rebati sarcástico.
Aquele gerente, assim como qualquer pessoa um pouco inteligente, sabia que clientes modestos não passam de palhaços do sistema: gente que não dá lucros e que funciona como mera propaganda, enchendo os recintos e dando a falsa impressão de preferência e grande movimento.
Os banqueiros (e muitos gerentes são coniventes), depois dos maus políticos (99%), são as pessoas mais egoístas e desumanas do país. Nunca se contentam com ganho normal e não se importam de pisar, usar e extorquir os seus semelhantes e irmãos. Fazem dos clientes humildes (com a conivência dos mais abastados), verdadeiros palhaços do sistema.
E para que eu não fique apenas na reclamação, vai aqui minha sugestão: que o tratamento seja uniforme, que os direitos sejam iguais e que todos respeitem a fila e esperem por sua vez. É ledo engano imaginar que pessoas inteligentes, privilegiadas com atendimento diferenciado levem da gerência boa impressão. Quando admiro alguém e este alguém comete injustiça para me favorecer, certamente fico frustrado. Penso que ninguém gosta de se mirar em espelho defeituoso.
Observação:
No outro dia a diretoria do Bradesco compareceu à minha casa e educadamente me pediu desculpas pelo que havia acontecido e que tais comportamentos de funcionários não iriam mais acontecer.
JONAS GAVIÃO
Aconteceu no último dia 19-6-1997, na sede da Academia Imperatrizense de Letras. Em sua sessão destinada a assuntos de interesse da comunidade, foi abordada a situação das tribos indígenas no Maranhão. Muitos falaram na animada e proveitosa sessão, mas o que impressionou mesmo pela coerência e simplicidade foi o convidado de Amarante, índio Jonas Gavião. Eis na íntegra, as suas palavras:
“Em primeiro lugar eu dou boa noite a todos. Eu quero falar que sou vice-presidente da Associação dos Krikatis em Carolina e presidente da Associação Gavião, aqui no Amarante. A luta dos índios é muito grande e difícil, desde quando os portugueses chegaram empurrando os índios do Nordeste pro Norte. Por isto, a região que tem mais índios é pro lado do Norte.
Vou falar dos Gavião, onde eu vivo, moro, sou daquele povo e luto para conservar nossa cultura, tradição, crença e pra me defender. O nosso povo, como disse a nossa amiga (professora Margarida Chaves), está perdendo a identidade, a língua, a tradição… e ela falou também que índio sai pra estudar e falar português. É um idioma muito difícil, que pra gente aprender passa necessidade, passa dificuldade. Mas nós precisamos aprender falar português para lutar pelo interesse de nosso povo, em defesa da nação indígena.
Como ela tem falado, na cidade a gente tem outro aconselhamento de vida, mas quando a gente retorna pra área, é uma outra cultura, uma outra vida, outro sistema de convivência. Dentro da área, a gente fica só de calção, pintado… cantamos, jogamos, fazemos festa, corremos com tora… tudo isso é a nossa identidade. É uma preservação. É claro que precisamos aprender o Português, porque se eu chegar numa loja e pegar uma coisa calado ou falar no meu idioma, eles vão me prender, espancar ou fazer qualquer coisa ruim. Então, nós índios precisamos aprender o Português.
O nosso idioma não interessa a vocês porque vocês não precisam de nós, mas nós já não conseguimos viver sem entender o de vocês. Vocês falaram das terras dos Krikatis. Acham que a terra é muita pra pouco índio, mas esquecem que tem branco que, sozinho, tem área latifundiária mais que o dobro de terra que os Krikatis têm.
Então os portugueses chegaram aqui e encontraram os índios no Brasil. Foi logo atacando, foi acabando, foi matando… O nosso povo quando foi encontrado, só tinha 130 índios. A água foi envenenada, o chão foi envenenado, os índios tinham que morrer. Para não morrer eles tinham que se colocar andando entre Açailândia, Imperatriz, Barra do Corda, Porto Franco e vai virando. O nosso povo Gavião fica virando que nem pião. Houve dias em que a gente não sabia mais pra onde ir, porque estava cheio de branco, de pessoas que vinham de outros lugares, do Nordeste, do Sul… Eles ficam apertando os índios e índio não tem mais onde ficar, porque as terras todas já têm dono branco. Às vezes, a educação indígena depende das autoridades que há por aí. É preciso que as pessoas que têm interesse de ajudar, faça isso depressa, porque como o Solimões falou, é muito precário o atendimento na saúde, na educação e em tudo.
Pra melhorar, a gente estuda, aprende português, para poder defender nossos direitos. Mas a gente não vai ser branco, só porque aprendeu português! Ele nasceu índio e vai morrer índio. O nosso povo Gavião é forte, porque se não fosse, ele perdia seu idioma, sua cultura, sua crença… e sua tradição própria. Com muitos índios aqui dentro do Brasil isto já aconteceu. Já falam um idioma que não é o deles. Nós, Gavião, lutamos contra isso, para que não aconteça o mesmo com o nosso povo. Sou um índio que trabalha com cinco grupos do povo G, que acompanha todo movimento e atividade dos índios.
Eles gostam de pescar, de caçar, de fazer suas festas… Pra eles não tem fim de semana, não tem mês, não tem ano. Pro índio todo dia é sagrado. Eles vão fazendo as coisas de acordo com a vontade ou a necessidade. Então a gente tem uma sobrevivência bem diferente. Às vezes a gente pensa: pra onde vamos? Qual o interesse do governo em ajudar o índio? Nenhum. É um pouco difícil, porque eles não têm boas intenções. Eles vão pro exterior, e arranjam dinheiro pros índios, pros pobres, pros negros, pros lavradores, pros sem-terra… Mas, o que fazem com o dinheiro? Embolsam, nas bolsas deles, e os pobres, o homem do campo, o índio, e todos os que necessitam de uma melhoria, de uma sobrevivência melhor, continuam na mesma situação.
Então, nós índios, observando isso, começamos a nos reunir para ver como resolver a situação. Resolvemos que temos que lutar contra essa discriminação que o governo está fazendo agora, tentando reduzir sempre mais algumas áreas indígenas. Não é justo isto, porque aqui no Brasil tem Maranhão, tem Mato Grosso, tem Amazonas, tem Pará… e será que estes lugares estão cheios de índios? Não, esses lugares estão cheios de brancos. E quando nós índios, queremos esse tamanhinho de terra, eles botam sacrifícios, e todo tipo de dificuldades. Terra boa pra índio eles não dão. Eles tomam, quando o índio está nela.
A minha preocupação é grande! Estive viajando por outros lugares, por outros países, e vi muitas comunidades indígenas já sem identidade: vive igual o branco, não tem mais sua cultura, não preserva mais nada: desmata a floresta, não liga mais pros animais silvestres. E nós, povo Gavião de Amarante, queremos preservar, tanto a nossa língua, como a nossa cultura, a nossa crença, as nossas florestas, os nossos animais silvestres, porque nós sabemos que a nossa vida depende da deles e eles precisam ter lugar pra morar, criar seus filhotes e viver.
Eu não estou dizendo isso porque a nossa área é muito grande, não. Nossa área é a menor de todas, no Maranhão. Deste tamanhinho! E quando eu viajei e vi aquelas tribos, a minha preocupação ficou grande, porque senti que daqui há 50 anos vai ficar cheio de branco ao redor de nossa área e aí, talvez, já não tenha lugar vago pra gente ir acampar mais. Hoje, o índio tem que sair, tem que caçar, pescar mais distante, porque por perto não tem mais, e a área que deram pra nós está devastada pelas fazendas de gado.
Estamos lutando para ver se tem alguma entidade que queira ajudar o índio, fazendo um projeto para plantar árvores, repovoar as matas e os rios, para retornar a área como era antes. Alguns animais silvestres nem existem mais. Estamos tentando resgatar aquilo que era nosso e que o branco destruiu. É um pouco difícil nossa vida lá na mata devastada.
Aqui na cidade, vocês têm médico, dentista, têm infraestrutura pra manter vocês. Mas nós índio não. E quando a gente traz um doente pra cá, é uma discriminação muito grande. Os hospitais não querem receber, porque a FUNAI não tem mais dinheiro para pagar. Quando a gente vai fazer uma consulta por esse sistema único de saúde, esse tal de SUS, eles botam dificuldades. Então a saúde indígena é muito precária. A educação também, a assistência também. É muito difícil! Mas, eu sei que se as autoridades competentes da cidade quiserem, eles podem fazer as coisas, resgatar o povo indígena. É só ter humanidade, interesse pela comunidade indígena. Mas enquanto as autoridades: prefeito, vereador, governador… continuarem com coração mau, eles vão estragar a vida de índio, como fez o Ministro Nelson Jobin, que escreveu a lei 1775, pra reduzir as nossas áreas”.
Em seguida a palavra foi facultada para que os presentes pudessem fazer algumas perguntas e dirimir algumas dúvidas. As mais importantes foram dirigidas ao índio Jonas Gavião, a respeito de:
EDUCAÇÃO: Em relação a Educação Indígena, pro índio ter matéria no seu idioma, precisa estudar português pra escrever o som que fala. Eu sou uma das pessoas que escrevo no meu idioma. Escrevo livro, dou aulas para as criancinhas das escolas… ensino no nosso idioma. As crianças, depois de aprender nosso idioma, então estudam o português, pra ter mais facilidade de viver com os brancos. A gente não tem material suficiente em nosso idioma. Precisava apenas que alguém ajudasse a gente fazer os livros.
TEMOR: Eu também chego na cidade, desconfio de muita gente, fico olhando as pessoas, achando que elas podem fazer maldade comigo. Depois, se converso com elas, vejo que aquilo é uma pessoa boa. O branco e o índio têm o mesmo coração, o mesmo entendimento, só que falam línguas diferentes e vivem em mundos diferentes. A diferença é a gente não conhecer o que tem no coração do outro que a gente não conhece. Eu acho que esta é a diferença.
LÍNGUA: Bom, o nosso idioma é a língua G. Há outro nome que inventaram pra gente (Konkomiê ?), mas o nome do Gavião, original mesmo, é (Tonkonbadile ?).
ETIMOLOGIA: O nome Gavião foi dado pelo branco dizendo que éramos carnívoros como os gaviões.
ETNIA: Com os Krikatis, a gente tem uma mistura de família. Eles eram de Amarante, só que tiveram problemas, conflitos e vieram pra perto de nós. Aí nossas tribos se misturaram muito. É como maranhense casando com baiano, baiano casando com maranhense.
POLÍTICA: Às vezes o governo faz as coisas sem consultar o índio. Por isso o índio só fica sabendo do que eles decidiram, sem poder dar sua opinião. Os estudiosos fazem as leis para os índios, sem consultar o índio, sem saber nada do índio. Fazem lei de branco para a gente seguir, mas não sabem que a lei deles não serve pra nós. Na hora de aplicar as leis, vêm os conflitos”.
A FALTA DE HUMILDADE
Alex Alves, jogador do Cruzeiro de Belo Horizonte, artilheiro isolado do campeonato, até domingo passado, estava sendo cogitado pela Imprensa como o melhor jogador do Brasil. No ápice da carreira, com tudo dando certo, ele merecia o destaque, conforme as tantas observações feitas pela mídia esportiva do País. Aí, veio o pior: a falta de modéstia e humildade. Numa entrevista em que, nem sequer foi perguntado, ele apressou-se em se proclamar o “melhor jogador do Brasil”.
Minutos depois, as contestações já apareciam aqui e acolá, porque os seres humanos ainda não se acostumaram com a arrogância. As proezas, os grandes feitos, os atos de heroísmo, enfim, tudo o que merece honra e destaque, jamais deve ser proclamado pelo protagonista. Desde o aparecimento do homem, o falar de si é antipático, ainda que a pessoa tenha todas as qualidades que se atribui.
O dom de Deus independe da humildade, mas o reconhecimento, sim. E como é difícil esperar pelo reconhecimento dos outros! Normalmente, tudo o que acontece de extraordinário, têm pressa que os outros saibam. Isto é como comer um fruto ainda verde. Todo mundo conhece alguém que, em poucos minutos de conversa, logo insere o EU e passa a contar proezas de si. Não participa de nada, se não for o protagonista. Mal sabe que, quanto mais fala de si, mais cria antipatia.
Os que conseguem ser humildes conhecem o sabor da descoberta de seus valores, quando recebem uma carta, um telefonema… o reconhecimento, enfim, de alguma coisa que fez de bom e importante, sem que precisasse proclamar aos quatro ventos.
Já que estamos falando de futebol, percebam o que anda acontecendo com Denilson, Marcelinho, Romário, Edmundo, Felipe e tantos outros craques sem modéstia. Têm valor, mas são obrigados a guardá-lo para si, porque até os técnicos preferem acreditar que uma “maçã podre pode estragar as demais de uma caixa de maçãs que estavam boas”.
Não bastasse, vamos ao máximo das máximas, proferida por um homem gerado pelo Espírito Santo no seio da virgem Maria, nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus: “Todo aquele que se eleva será humilhado, e aquele se humilha será elevado”. Perceba que vale também para nós, seres humanos temporários.
Se não impossível, pelo menos é muito difícil àquele que se arvora, ter o apoio dos demais, ainda que seja “o melhor” naquilo que faz. E para finalizar, vai aí mais uma observação de Jesus a este respeito: “Evitai praticar as vossas boas obras diante dos outros para serdes vistos por eles. Do contrário, não tereis nenhuma recompensa do Pai que está nos céus”.
Na verdade, todo aquele que se enaltece, nem pelos companheiros e parentes é admirado “já recebeu a recompensa, aqui mesmo na Terra”.
Chega a ser engraçado notar que – desde o começo do mundo – todos os que passaram a vida se exaltando não receberam apoio, sequer, regional e, mesmo assim, nunca mudaram.
Nunca diga “eu sou o cara”. Deixe que os outros digam: ele é o cara! A pessoa que se exalta torna-se inconveniente. Acaba, imagino, acreditando que é a maior, a mais sábia, a mais importante de seu tempo. Mas, dificilmente recebe homenagem espontânea de outros sem interesse escuso. Normalmente são bons mesmo, mas não têm humildade: virtude imprescindível para o reconhecimento daqueles que convivem com ele, ou acompanham os noticiários. Mostram que são doentes e morrerão assim, não entendendo a razão do silêncio daqueles que evitam falar sobre o que fez ou o que faz de bom. Esses acreditam no “quem se exalta, será humilhado”.
E aqui deixo o conselho que colhi do livro Provérbios, capítulo 9:8: “Nunca repreenda uma pessoa vaidosa; ela o odiará por isso; mas, se você corrigir uma pessoa sábia, ela o respeitará”.
Como exemplo cito o encontro de duas pessoas assim, residentes na mesma rua em que eu também morava. A pé, na esquina, chegando à minha casa, os dois estavam conversando. Diríamos que se chamavam Artur e Rutro.
Artur – EU, no sábado passado, pescando na minha lagoa, peguei um tucunaré com quase dois quilos. Minha lagoa podia ser considerada lago, de tão grande. Infelizmente, eu tenho muito trabalho para retirar os matos dos recantos.
Rutro – EU, na missa do bispo do último domingo, rezei como um condenado, para que as pessoas reconheçam o quanto eu já fiz pela comunidade.
Artur – EU confesso que a pescaria sempre foi o meu melhor passatempo. Ainda criança, eu vivia dando banho nas minhocas e pegando piavas.
Rutro – EU, para ser sincero, não gosto da missa do bispo. Acho muito demorada. Passa horas repetindo o evangelho já lido.
E ali passaram horas conversando. No outro dia esbarrei com o Artur na fila da padaria. Como fiquei contíguo a ele, perguntei:
– Como foi o papo com o Rutro, ontem?
– Pode acreditar: não dá para conversar com ele não! O homem só fala dele e das coisas dele. Para ser sincero, eu nem lembro do que ele me falou!
Por mais cultura e dinheiro que alguém acumule, se não for humilde, o seu melhor se perde na arrogância. A humildade ainda é a parte mais bela da sabedoria. Mesmo não sendo de seu interesse, interaja. Não duvide jamais da dependência de um presunçoso. Ele jamais irá ouvi-lo e dar importância aos seus planos e sucessos. Se não quiser equiparar-se, não fale de si e do que anda fazendo. Finja que é todo ouvidos e não perca a oportunidade de escapar pela tangente. Pouca coisa dói mais do que perder tempo com nada.
IMPERATRIZ, PORTAL DA AMAZÔNIA
A expressão foi criada em 2008 pelo escritor e membro da AIL, Agostinho Noleto Soares. A Ele, minha homenagem.
Há 19 anos pisei essas plagas. Era um mundo inóspito, dirigido por forças inescrupulosas. O dinheiro corria solto: Serra Pelada iniciava, transpunha limites, semeava esperanças, enriquecia e ao mesmo tempo levava à miséria milhares de sonhadores. Sonhos e mortes, sorrisos e decepções, famílias dizimadas. Puxa, parece que foi ontem que tudo começou!
Perdido nesse mundo, vi, ouvi, li e sofri na carne, a falta de justiça que campeava. Hoje, muitos daqueles que deixaram rastros de sangue e que nodoaram o passado, ainda vivem; outros estão nas cadeias, foragidos ou transvestidos de heróis por meio do poder político escuso.
Foram 19 anos de transformações, de verdadeiro desafio para aqueles que para aqui vieram para crescer e agradecer à terra que lhes deu guarida. Muitos foram embora: desistiram da luta desigual. Outros, porém, persistiram, e continuam alimentando a esperança de viver numa cidade organizada, limpa, sem tantos buracos e bem arborizadas.
Imperatriz cresceu muito! As arbitrariedades judiciais são contestadas, a inoperância de alguns policiais delatados e as gatunagens políticas denunciadas a cada momento. Ainda que a força e a corrupção sobrepujem a lei, os erros vão sendo protestados.
Com certeza, nenhum ser vivo gosta de viver em ambiente hostil: a cada ano Imperatriz vai se vendo livre de seus exploradores bandidos.
Hoje ela comemora 147 anos de existência. É ainda uma “mocinha inexperiente”, mas que carrega nas veias o sangue azul da realeza. Num tempo não tão distante, se transformará numa bela, sábia e respeitável rainha.
Parabéns, Imperatriz, Portal da Amazônia! Que Deus perdoe seus filhos maus e premie todos aqueles que esperaram, sofreram, trabalharam e confiaram que um dia seria justa e grande e bonita.
Que como Leopoldina, arquiduquesa da Áustria e IMPERATRIZ do Brasil, você continue imponente e corajosa, digna e culta e que seus filhos a reverenciem sempre, porque seu destino é ser grande, é brilhar, é ser a capital de mais uma estrela que deverá brilhar no azul de nossa bandeira.
ABERTA A TEMPORADA DE CAÇA
Opinião escrita em 1993
Acho que estamos incluídos no artigo 5º do Código de Proteção à Fauna, no qual se prevê a possibilidade de caça aos animais em alguns meses de determinados anos. Como somos animais especiais, mas sem qualquer perigo de extinção, de quatro em quatro anos, apesar dos rigores do IBAMA, no Brasil, nossa caça é aberta, assim como acontece aos peixes após a piracema.
Também nós – como os irracionais – temos um período de proteção, que vai do fim de uma eleição ao início da outra.
Há anos estávamos sossegados em nossas pradarias, enquanto os “caçadores” carregavam os cartuchos e aprimoravam as armadilhas. Mas, com a caça liberada eles aparecem de mansinho, humildes e disfarçados com pele de cordeiro.
Foi aberta a temporada, completou-se a piracema e, novamente de armas, redes e dentes afiados, nossos predadores aparecem ameaçadores, camuflando-se em choças ou em peles de cordeiro para nos surpreender, atraindo-nos com ciladas apetitosas de empregos, aumento de salário, atenção… promessas e mais promessas que nunca se cumprem.
Tempo de eleição! Tempo de o povo se convencer de uma vez por todas de que precisa abandonar essa maneira estúpida de fazer humor com a própria desgraça, ou de tirar vantagens à custa do sofrimento dos menos favorecidos. É hora de pensar um pouco mais, de retroceder no tempo e de esquecer vantagens particulares. É falso imaginar que sendo o mais inteligente dos animais, o ser humano consegue descansar ao lado de irmãos famintos e abandonados nos guetos da vida.
Prestem atenção nos comícios eleitorais. Meditem e tentem chegar à conclusão se, o que está saindo pela boca daqueles que buscam a reeleição vem da intenção de cumprir. Examinem e vejam o que fizeram até aqui, se são homens comedidos, responsáveis, honestos, de passado limpo… se cumpriram o que prometeram na eleição passada. Não sendo por milagre, ninguém muda de uma eleição para outra.
Tentem descobrir o motivo que faz um homem dar a própria vida para assumir uma cidade ou um país cheios de problemas, e mais, o que o leva a gastar mil vezes o que irá ganhar (honestamente) por meio dos salários de sua gestão, caso se eleja. Vejam se, de fato, é um Gandy da vida, desprendido, altruísta…, alguém cuja fé nas virtudes faz com que entregue alguns anos de sua existência em prol de um nobre ideal; ou se é apenas mais um oportunista sedento de poder e riquezas escusas.
Tenho ouvido alguns discursos, examinado cada palavra, dissecado cada sílaba, constatado cada letra. Meu Deus! Quanta hipocrisia! Quanta coisa vomitada…. O humilhante é que a intenção de alguns deles é “fazer o povo de besta”, e pior ainda é que, até hoje, sempre conseguiram. Afunilando, examinemos nossos candidatos a prefeito (que é o que mais nos interessa). São todos conhecidos. Tiveram mandatos anteriores e, atualmente, todos os três estão desempenhando suas funções políticas.
Sabemos do que são capazes, do que são acusados ou elogiados e que tipo de liderança representam para nossa região. Por isso, sem ressentimentos, sem mágoas, sem interesses próprios, simplesmente pela dedução honesta de seus acurados exames, procure votar no melhor. Lembre caro leitor e eleitor: o importante é Imperatriz, seu bem-estar e progresso. Mesmo que se sinta indeciso, que ache que nenhum deles mereça seu voto, lembre-se: sempre há um “menos ruim”. Nunca vote em branco! Nesse tempo somos animais em período de caça, ou peixes fora da piracema. Precisamos aproveitar a única oportunidade que temos para fugir das armadilhas dos espertos profissionais da caça e pescaria: O VOTO.
Lembre-se do que prometeram, do que fizeram e tire suas conclusões se são dignos de voltarem a ser seus representantes. Você sabe que a maioria quer mesmo é viver às custas de seu trabalho e impostos.
Se nenhum deles preencher seus requisitos, vote no menos ruim, ou respire fundo e desabafe como o amigo Reinildo Barros, diante de algo sem solução: “Não dá pra mim, não”! Mas, vote.
A trancos e barrancos, atropelando as gestões descompromissadas, Imperatriz constrói prédios e casas, cria bairros, alastra-se pelos derredores, cresce. Cresce – como costumamos falar – no peito e na raça, até mesmo com invasões em terras descuidadas.
Sob o crivo do desmazelo administrativo público – também entre trancos e barrancos – Imperatriz cresce de forma estonteante. Vivemos numa cidade praticamente abandonada, feia, cheia de buracos, ruas abandonadas, alagadas no inverno e de mato no verão.
Para quem passa por Marabá, Araguaína e até mesmo cidades menores do Maranhão, não consegue entender como nos tornamos a segunda maior cidade do estado e, também, a mais rica.
Como avalanche inesperada invadindo e levando tudo de roldão, Imperatriz avança sem controle.
ARARUTA TEM SEU DIA DE MINGAU
Escrito em 2001/2003.
Não é de hoje que acredito que se uma pessoa lutar por daquilo que almeja, a probabilidade de realizar seu intento é muito grande. É que a única exigência de Deus para nos ajudar a alcançar um objetivo honesto é fazermos a nossa parte. Às vezes, o nosso objetivo chega ao limite de nossa resistência, mas nunca além. O resto é com Ele, que tudo pode e nos ama como filhos.
E como a araruta, também Imperatriz está no tempo certo de emergir, de se destacar, de se impor, de se transformar numa cidade conhecida no Brasil e no mundo. E desta vez o povo está fazendo a parte dele, cobrando dos mandatários, a coerência do que apregoaram durante a campanha.
Se as pessoas mais credenciadas quiserem empurrar a cidade de Imperatriz alguns degraus a mais na pirâmide do destaque, agora é chegado o momento. Assistindo ao lançamento do CD do confrade Zeca Tocantins, mais uma vez saí maravilhado com a quantidade e a qualidade de valores imperatrizenses, que estão por aí, lutando desesperadamente por um lugar ao sol…. Com certeza, aquele que fizer bem-feita a parte dele, irá conseguir.
Uma cidade que lançou mais de 200 livros em 20 anos (veja na Internet, no site http://www.jupiter.com.br/socultura na parte ESCRITORES DE NOSSA REGIÃO); que possui uma gama de compositores, poetas, cantores (compareça a um show deles para comprovar); que é candidata séria à capital do Maranhão do Sul; que foi classificada em vigésimo quarto lugar conforme o professor Moisés Balassiano, aos interessados que pretendem nela desenvolver carreira profissional e ganhar dinheiro; que possui diversas repetidoras de televisão, dezenas de rádios e jornais, universidades e faculdades… enfim, tem tudo para que qualquer pessoa inteligente invista e cresça com ela.
É aí que entra o aforismo “Araruta tem seu dia de mingau”. Está na hora de os políticos, principalmente os prefeitos, darem prioridade à Cultura, subsidiando livros, CDs, palestras, enfim, imitando a grande mídia (Globo, Folha de São Paulo, Revista Veja…) que até hoje norteia o destino do País.
O Balassiano nos deu o mote. Agora é só os prefeitos participarem do sorteio. Nós estamos aqui para oferecer a munição. Pela milésima vez, repetirei: relativamente, Imperatriz é a cidade que mais cresce e que mais produz literatura no País. Pense nisso, prefeitos! Vocês têm o privilégio de aprontar o mingau. A araruta está no ponto e temos balaios cheios dela. Nunca foi tão fácil entrar para a história! Depende de vocês serem os Caras, ou o Zés Ruelas. A escolha é de vocês.
MARANHÃO DO SUL: AGORA VAI!?…
Empurra de lá, empurra de cá, espreme por baixo, aperta por cima…, o “troço” acaba saindo. Atualmente, se for feita uma pesquisa, centenas de pessoas lutam e sonham, convencidas de que ainda não se mudou a máxima de que “água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”.
O tempo urge! As dores do parto exigem ambulância: o rebento está para nascer mesmo. Jamais houve – em todo este projeto de dividir o Maranhão – um momento mais oportuno. Uns, almejando governarem o novo estado; outros mais modestos, serem vices, secretários, funcionários. Qualquer canequinha que lhe assegure uma porçãozinha de leite nas tetas da novilha mojada, transforma-se em esperança de fugirem do sufoco desse tempo de vacas magras.
Estou até para acreditar que Lázaro terá concorrente contemporâneo, porque não deverá causar admiração se a pedra que cobre o túmulo dos sonhadores, amanhecer fora do lugar no dia em que o Maranhão do Sul for aprovado como novo estado da federação. Era um grande “sonho” deles na eleição passada! Como tantos, eles também só pensavam no povo, lembram? Mas, agora é diferente, está tudo prontinho: maternidade, médicos a postos, gestação avançada, ambulância na porta, parentes e muitos puxa-sacos na expectativa. Agora vai!
Com Roseana sendo candidata à presidência da república; com a velha raposa protegendo-a para que não se desperdice um único voto; com Fernando Henrique declarando sua simpatia por novos estados, podem contratar os “fanqueiros” para o show do plebiscito: “Tá dominado, tá tudo dominado”.
Nossas comissões afirmam que não estão lutando por qualquer interesse particular. Chegam até a pregar publicamente que ninguém deve falar em partido, no local da capital, em sigla partidária: puxa, desprendidos assim, só os monges tibetanos. E há alguns que os acusam de interesseiros! Uma calúnia!
Há poucos dias, a Academia Imperatrizense de Letras – que abraçou a causa utilizando a arma que possui (a caneta) – fez uma cartilha com versos de cordel, tencionando a publicação de 50 mil exemplares para serem distribuídos aos plebiscitários do Estado. O Acadêmico Domingos Cézar escreveu os versos e os demais membros deram algumas sugestões. Aprovada, foram feitos os bonecos e o presidente partiu em busca de patrocinadores. O primeiro a ser consultado foi um político que não estou autorizado a dizer o nome. Olhou, aprovou prontamente, mas pediu para ler, em casa, todo conteúdo. Logo depois devolvia a cartilha dizendo que para ele não servia, pois nela não viu seu nome relacionado. A folha em branco que fora reservada para isso, era pouco para valer o patrocínio de cinco mil exemplares.
Pois é, minha gente, o novo estado, “com certeza”, vai ser aprovado. It´s now or never. E vem com a graça de ter nascido de uma “luta desinteressada”. Nenhum dos que estão lutando pelo êxito do projeto, aceitará qualquer cargo ou encargo, podem espalhar isto. Se acreditaram, só me resta plagiar o Saraiva do Zorra Total: Eles acreditaaaaaaram!
Sinceramente, temo até que nosso novo estado tenha de passar por um governo de coalizão, mais ou menos parecido com esse que estão formando lá no “pacato” Afeganistão. Lá, por causa de tantas facções sedentas para governarem; aqui, “por não encontrar ninguém” com tais pretensões. “É verdade, é sim senhor, quem me contou foi um pescador”.
Resumindo todo blá-blá-blá: cela n’arrivera jamais! (Isto nunca vai acontecer). Há anos os políticos contam a mesma piada, e nós, de pé em frente aos palanques, aplaudimos e batemos palmas. Os políticos sabem que burros precisam mesmo é de taca, e isto eles cumprem à risca. Podem fazer uma enquete: a maioria dirá que neste ano, o Maranhão do Sul sairá e, Imperatriz será a capital. “Êita! Vô morá na capitá!”
Não é de hoje que acompanho as falsas narrativas políticas no Maranhão! Enquanto funcionou, eles usaram a “certeza” do asfaltamento entre Açailândia e São Luís. Garantiram umas três eleições. Quilômetro a quilômetro terminaram a obra. Ficou cheia de curvas e muitos acidentes aconteceram ceifando centenas de vidas.
Agora está funcionando, pela terceira vez, a criação de um novo estado. Os partidos envolvidos na costumeira farsa já denominaram Maranhão do Sul como a mais promissora estrela de nossa Bandeira Nacional.
Nos noticiários escritos, radiofônicos e televisados, não se lê, vê, e ouve outro assunto. E falam sem escrúpulos. Todos sabem que liberdade para mentir possuem sobejamente. São velhos oportunistas profissionais: traem, trocam de partido, vendem apoio, juram que serão lembrados por todos que agora estão morando, ainda que seja na periferia da nova capital. Melhorará a vida de cada morador, até daquele que possui lote vazio na periferia.
Bem, tem alguém aqui morando na capital?
Meu primeiro voto foi dado a um político chamado Osvaldo Zanello. Sobre o título eleitoral e até mesmo sobre a carteira de habilitação, prefiro não comentar. Fico em dúvida se o papa passasse por Marilândia se seria mais bem-recebido do que o Zanello! E o encontro era sempre na igreja católica. O padre João Guilherme não passava de um desconhecido coroinha. A igreja nem cabia a italianada de sapatões novos que gritavam: viva, iuuuuu, é o maior, já ganhou e até criações interjetivas da velha Itália, eram proferidas acimas dos decibéis permitidos. Por fim, ele deixava o altar e descia ao coreto. Ali prometia um pouco mais do que Deus prometeu a Moisés, descia para o carro que o esperava e dando com a mão, ganhava a estrada para Colatina. Na verdade, nunca perdeu uma eleição!
Para ser sincero, sempre votei em quem acreditei que estava sendo sincero. Para ser mais sincero ainda, todos, depois de eleitos – sem qualquer exceção – tatuaram minha alma com a indelével marca do não cumprimento de suas promessas.
Por isso, nada de sonhar, porque os pesadelos roubarão a cena. Tudo vai continuar do jeitinho que que sempre foi, se não piorar.
Mas, está bom: moramos na segunda maior cidade do Maranhão.
ANO 2.000: O ANO DO JUBILEU
Hoje já não se fala mais em dívida externa e sim, em dependência externa. Nos anos 90, os economistas dos países hoje endividados, não pareciam atentar para a gravidade do problema. Quem trouxe esse assunto à baila foi o papa João Paulo II, na carta apostólica de 1994, quando convocou as nações para o ano do Jubileu (ano 2.000). Disse ele:
“É de se avivar que o empenho pela justiça e pela paz num mundo como o nosso, marcado por tantos conflitos e intoleráveis desigualdades sociais e econômicas, são aspectos qualitativos da preparação e da celebração do Jubileu. Assim, imbuídos no espírito do livro Levítico, os seguidores de Cristo deverão unir suas vozes, propondo o Jubileu como um tempo oportuno para pensar mais numa consistente redução, ou até mesmo no perdão total da dívida internacional que pesa sobre o destino de muitas nações”.
O Jubileu, conforme o livro Levítico, se dava de 50 em 50 anos, tempo em que os devedores eram perdoados de suas dívidas. Como o ano 2.000 vai ser o último Jubileu do segundo milênio, entendendo a realidade caótica por que passa grande número de países da Terra, o papa propõe a redução ou até mesmo o perdão da dívida externa. Propõe que o dinheiro que será utilizado no pagamento dos juros extorsivos, seja utilizado para sanar as dívidas sociais que cada governo tem com seu povo. Não sei se o papa pensara nos governos corruptos dos países endividados, aqueles mesmos que não podem ver dinheiro oferecido, que abocanham, como porcos famintos, a lavagem oferecida no cocho.
Hoje, todos os noticiários econômicos afirmam: o Brasil está totalmente dependente do “Capital Vagabundo”.
Entre 1991 e 1997, o Brasil pagou entre amortização do principal e juros, 148 bilhões e 503 milhões da Dívida Externa. O problema da dívida é algo que foge a qualquer tipo de ética. Os países que constituem o chamado G7 (os sete países mais ricos do mundo) de 1980 para cá, deixam claro sua preocupação para com os países emergentes, ou seja, países que, pelo grau de industrialização estão próximos à classificação de países desenvolvidos, tais como: o México, o Brasil e a Argentina na América; a África do Sul, na África e os Tigres Asiáticos, na Ásia. Eles, os credores, não conseguem, sequer, camuflar o desejo de que os demais países do mundo continuem sujeitos às suas regras de mercado.
O Brasil – como a Índia, a China e a Rússia – pelo tamanho e pela riqueza natural de seu território, tem amplas possibilidades de crescimento, mas estará sempre truncado pela ganância ou incompetência de ministros da economia, incentivados por presidentes corruptos.
Temos 28% de pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza: pessoas que vivem com um dólar ou menos por dia. Razão: a Dívida Externa. Ela absorve o dinheiro que devia ser aplicado no social e, como uma bola de neve, crescerá e levará o Brasil à falência. Falido, o Brasil terá de pagar de uma outra forma. O México deu sua parte de petróleo e nós, possivelmente teremos de entregar a Amazônia, tão cobiçada por eles.
Segundo um representante do Banco Mundial, precisamos crescer 5% ao ano, para em 20 anos reduzirmos a taxa de pobreza absoluta para 10%, que hoje está em 28%. Ele disse que se se investir na Reforma Agrária e na Educação, essa taxa, em 20 anos, cairá para 5%. No entanto, o Brasil vem crescendo 2,5% a 3% e a população crescendo praticamente no mesmo percentual, o que ocasiona uma estagnação da renda per capita e um acúmulo de concentração de renda na elite.
O que mais me preocupa, não é propriamente o problema em questão, mas sim a apatia e o desinteresse daqueles que, podendo, nada fazem para resolvê-lo. Há muitos brasileiros que já detectaram o perigo de nossa dependência externa, mas há outros que, diante de seu interesse particular, diante dos lucros que usufruem de sua participação em empresas multinacionais, pouco se importam ou até tentam impedir que o Brasil saia do sufoco, se isto representar diminuição de seus lucros. E os principais sempre foram e continuam sendo, boa parte da classe política e judiciária de nosso País.
Nos últimos 30 anos, o Brasil já pagou perto de 600 bilhões de dólares, pelo menos três vezes o valor da dívida. Isso nos dá uma média de 20 bilhões de dólares ao ano. É bom lembrar também que se não fossem os juros, ultimamente altíssimos, o Brasil não deveria qualquer centavo.
Essas cifras que parecem apenas números, se levadas para a realidade, traduzem-se em degradação humana, em miséria, em desemprego e em fome. Hoje, já não há mais confrontos bélicos que permitam dúvidas sobre quem irá vencer. Os bombardeios econômicos são lançados em cima de países desprotegidos sem qualquer chance de reação. É uma guerra injusta e criminosa. O mundo hoje está sem planos: é um Titanic à deriva no meio de corais. Alguma coisa tem de ser feita urgentemente.
A cada dia nossa dívida aumenta e nosso patrimônio diminui. Das grandes empresas estatais, só nos restam a Petrobrás e o Banco do Brasil; e de bancos privados, o Banco Itaú e o Bradesco. Acho que isto explica e justifica toda preocupação.
O que a humanidade terá de entender um dia é que, aceitando ou não, Deus existe, e foi Ele quem criou todas as coisas, inclusive a Terra para ser o quartel general de sua obra prima: o homem. Criou para todos e não apenas para alguns. Precisamos acreditar na caducidade da vida terrena e na eternidade da espiritual. Temos de ser mais amigos, mais fraternos, mais honestos, juntar menos e distribuir mais.
Conclusão:
“Um homem muito rico designou seu empreiteiro para construir uma casa enquanto ele faria uma longa viagem. Determinou ao empreiteiro que caprichasse ao máximo e que usasse o melhor material possível, sem se preocupar com gastos. Aconteceu que estando ausente o patrão, o empreiteiro pensou: ‘O chefe não está aqui mesmo para ver, então por que vou fazer exatamente como ele mandou? E passou a fazer as coisas a seu modo, economizando no material e não se importando sobre o resultado.
Quando o homem rico voltou de sua longa viagem, a casa estava concluída. Aí chamou o empreiteiro, pagou a conta que lhe foi apresentada e perguntou: “Você está satisfeito com o trabalho que fez”? O empreiteiro respondeu que “sim”, com o entusiasmo que lhe foi possível. Mas está satisfeito mesmo? Insistiu o patrão e, diante da confirmação do empregado, disse-lhe: Isto é muito bom, porque esta casa é para você viver nela o resto de sua vida.”
JUÍZA LUZIA: CERTA OU ERRADA?
Segundo a Bíblia, os pais ou responsáveis devem castigar as crianças confiadas a eles, sempre que necessário, a fim de educá-las para a vida. É preferível fazer uma criança chorar enquanto pequena, do que fazer-lhe coro na maturidade. As mães sensatas ensinam que não se deve realizar todos os gostos dos pimpolhos, para não os tornar egoístas e prepotentes.
O mundo todo sabe que a proteção dos pais é indispensável às crianças, porque elas ainda não conseguem discernir o que é certo, permitido ou errado, e se não sabem, alguém deve decidir por elas. Mas, até que idade um ser humano pode ser considerado criança? Bem, aqueles que não enxergam – ou que não quiseram enxergar – estabeleceram como transitória a idade de 18 anos. Certo ou errado, de 18 anos para baixo, todo mundo é criança, e se é criança, deve ser protegida.
Dezoito anos é muito! Tanto o é que já abriram muitos precedentes aos forjados menores, dando-lhes inúmeros direitos, até então só permitido aos adultos. O menor, hoje, pela palhaçada interesseira de muitos artigos existentes no Estatuto do Menor, passou a constituir um dos maiores problemas do País e do mundo. Imaginemos um marmanjo com 17 anos e 11 meses, estuprando, traficando, matando…, sem que ninguém possa filmá-lo de frente, usar a força para prendê-lo ou mesmo…arrebentar-lhe o nariz com um safanão!
Quando vejo os motins que praticam, incendiando carros, desafiando policiais, destruindo o patrimônio público, matando pessoas… sinceramente, sinto vontade de vomitar.
Devemos lembrar que há meninos que aos 15 anos pensam, agem e vivem como adultos maus; assim como outros que, mesmo aos 18, vivem e agem de acordo com os bons ensinamentos recebidos dos pais. Sabemos que é assim, mas a justiça precisa de parâmetros e, também, de sensibilidade para julgar tais casos.
O maior infortúnio social de nosso país se fundamenta no egoísmo/ganância e corrupção de nossos políticos e seus apadrinhados. Para se promover ou ganhar uma eleição, essas pessoas são capazes de tudo, de corromper e até de matar. Eles estabelecem direitos e obrigações para Deus e o mundo, sem se importar de onde e como virão, posteriormente, os recursos para cumpri-los. Evidentemente, o caos acontece.
Agora, a juíza Luzia Madeiro Nepomuceno, da vara da Infância e da Juventude da comarca de Imperatriz, estabeleceu que menores não poderão mais transitar pela rua a partir da meia-noite. E não é que alguns pais que perderam as rédeas de seus filhos, certamente deixando-os à vontade para algum sossego, criticam a ordem, considerando-a arbitrária e cerceadora do direito de ir e vir. Meu Deus! Como é difícil tentar fazer alguma coisa boa e certa aqui em Imperatriz!
A juíza está coberta de razão! Aliás, meia-noite, para uma criança, foi muito, vocês concordam? Ou é menor e tem que dormir cedo; ou é adulto e terá de ir para a cadeia todas as vezes que promover assalto, traficar, matar…. Acho que está na hora de saber se, de fato, marmanjo é criança ou se menino é adulto. O que não pode acontecer é que certos menores usem a estratégia dos camaleões, mudando de cor (idade) conforme o interesse. Para passarem a noite em boates, querem ser adultos; na hora de pagar pelos erros, crianças.
A maior parte das leis que protegem os ditos menores parece ter sido escrita num raro momento em que os legisladores estavam com a consciência sobrecarregada. Na verdade, depois dos 14 anos, a pessoa devia responder pelos seus atos. Qualquer planta o é, desde o dia que nasce. O limoeiro, a ingazeira, a bananeira, o tucum… quando tenros, devem ser cuidados, para que o sol não os seque e o mato não os sufoque, mas após a primeira florada, eles já conseguem suportar a maior parte das intempéries e também competir com o mato. Portanto, para colhermos laranja no pé de limão, só através de um bom enxerto, senão, ele dará limão a vida inteira. Em miúdos: há pessoas que tentam o enxerto, e outras que tentam impedir.
Não adianta generalizar qualquer definição, mas o certo é que não se podendo criar uma Lei para cada pessoa, que se estabeleça qualquer tempo para ser adulto, mas que antes disso, a Lei seja obedecida a rigor, tanto nos direitos como nas obrigações: criança é criança; adulto é adulto. Nada de ora adulto, ora criança. Quem ficar como menor, deverá dormir cedo (pelo que sei, as crianças dormem cedo) e não, muitas vezes, madrugar pelas ruas, aprendendo cedo demais as malícias do mundo: fomentando gangues, assaltando, traficando, roubando e matando.
Embora a juíza Luzia M. Nepomuceno, no meu entender, esteja coberta de razão, temo que seu futuro não seja muito diferente de outros expoentes de nossa dignidade, como o delegado Cutrim, o então promotor Velozo ou a juíza Oriana, que se viram cheios de problemas e entraves pelo simples fato de tentarem aplicar as leis ou estabelecerem normas morais aqui em Imperatriz. Pior ainda do que conseguir fazer a sociedade entender o que seja menor e o que seja maior de idade, será a juíza se livrar da pressão de alguns interessados em se livrarem – sempre que possível – de filhos mal-educados, sem religião, sem Deus.
Atualmente, quem mais dá trabalho e cria problemas para a sociedade, são os “pobrezinhos e desamparados inocentes” na faixa etária de 15 a 18 anos.
Com a estúpida lei, que em determinados artigos exacerba a sensatez humana, estabelecendo proteção extrema às crianças em qualquer circunstância, a sociedade se vê aviltada, sem poder arranhar, até mesmo, o sagrado direito de defender-se. Mas, dar escola, saúde e alimento, que também é lei e que, por sinal, de total responsabilidade daqueles que rabiscaram o estatuto, isto não é cumprido.
Gostaria de saber a razão de 70% de pessoas considerados dignas e honestas, se eleitas tornam-se corruptas, indignas e desonestas. A percentagem é suposição minha. Você tem todo direito de aumentar ou diminuir.
ZIRALDO: REPUBLIQUETA DE MERDA
No guines não sei se consta, mas se houver algum país detentor de maior número de leis que o Brasil, certamente está errado. Há lei contra tudo o que é errado e outras tantas para neutralizá-las. É como se Deus e o diabo, sentados atualmente lá em Brasília (antes no Planalto Goiano) estivessem, dia e noite, há mais de cinco séculos, tentando estabelecer as diretrizes do povo brasileiro. Um vê o erro e cria uma lei para coibir; o outro, cuja intenção é bagunçar, contesta, cria emendas e destaques a fim de oferecer uma saída para que as leis sejam neutralizadas.
Realiza, Carolina, realiza! … diria o Saraiva de Zorra Total: um Guilherme de Pádua – há milhares deles por aí – comete o crime bárbaro que cometeu, é apenado com quase 20 anos de cadeia e em menos de sete já está em liberdade. É mole?
Jader, Maluf, Nicolau, Pita e toda turma da SUDAM… roubam milhões dos cofres públicos. Nem as amebas têm dúvida sobre isso, mas ninguém consegue reaver o dinheiro nem colocar os culpados atrás das grades. Agora, um milhão, trezentos e quarenta mil reais aparecem num cofrinho da Lunus. O dinheiro não tem procedência honesta e, é claro, nada vai acontecer também.
Um juiz faz, o outro desfaz; a polícia prende, um juiz manda soltar… e tudo dentro da Lei. É brinquedo não! É preciso saco, muito saco para viver “nesta republiqueta de merda” como desabafou Ziraldo por ocasião da ameaça de apagão.
Apagão! Lembram? Quase morremos no escuro, tomando banho frio, dormindo de janelas abertas, vestindo roupas malpassadas, lavando-as à mão, para, agora, depois de livrar a cara do governo, pagar os possíveis prejuízos das fornecedoras de energia. Por que eles não ficam no prejuízo? Por que só nós podemos ficar? E as indústrias que não puderam trabalhar, muitas até multadas por não poderem cumprir contratos, quem irá ressarcir?
Por que os bancos, sem qualquer constrangimento, estampam seus lucros exorbitantes em todo balanço anual, e temos de amargar horas na fila para sermos atendidos por um ou dois caixas? Por que, quando as prestadoras de serviço, ou os órgãos públicos esquecem ou erram em sua contabilidade, temos de perder dias ou semanas buscando o comprovante para nos livrarmos de novo pagamento? E se encontramos, temos de ir lá no escritório indicado, mais uma vez aguardar horas na fila, para mostrar para eles que a conta foi paga. E os nossos dias, o tempo perdido, as despesas…, quem irá pagá-las? Por que sempre o povo?
É, Ziraldo – concordo com você – de fato, essa é uma republiqueta de merda!
Pesquisa:
A Amazônia – nome derivado das guerreiras mitológicas amazonas – é uma região definida pela bacia do rio Amazonas e coberta em grande parte por florestas Tropical ou Equatorial. Possui o maior rio do mundo em volume d´água, o Amazonas, que se estende por nove países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. É chamado também de Amazônia o bioma que, no Brasil, ocupa 49,29% do território, dividido em ecossistemas. Estes ecossistemas abrangem os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e pequena parte do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.
IMPERATRIZ: 160 ANOS
Ainda existem matas por essas bandas?
O mundo é a casa dos seres humanos; a Amazônia, nosso nicho. Novamente me ponho a divagar. Que posso eu fazer diante da responsabilidade de cuidar desse presente do Criador? Já estamos caminhando para sete bilhões de seres humanos, a minoria pensando em si, no poder, na hegemonia, no bem-estar próprio, esquecendo o futuro de seus filhos e netos. Se para Imperatriz já achamos que nossa atitude isolada é insignificante, que dizer da mesma, frente ao País e, mais adiante ainda, frente ao mundo inteiro? Seria, logicamente, como colocar uma única pessoa para resolver o problema da humanidade, principalmente se equacionarmos que nem Jesus conseguiu.
Mas, se o mundo está aparentemente cada dia pior é porque há muitos não fazendo a parte que lhe é devida. Pobres e bandidos jamais deixarão de existir. São encontrados por aqui e nos países desenvolvidos como Suíça, Canadá etc. Só que, nesses lugares, o compromisso dos bons é maior do que o descompromisso dos maus. Você que está lendo estas considerações é um dos culpados pelas dores do mundo. Eu também.
“Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira… O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar com os pássaros, a nadar com os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de respeitar, como eles, o mundo em que vivemos.” – Martin Luther king.
Como todo sonhador ou todo aquele que não tem outra coisa a fazer, fico a pensar, divagando em cima de suposições…, criando projetos mirabolantes em cima de pequenas coisas, de pequenos atos.
Tenho o bom costume de caminhar quase todas as manhãs. Nessas caminhadas, vejo algumas senhoras de vassoura na mão limpando a frente de suas residências. Em menos de 15 minutos elas varrem e recolhem o lixo que pessoas mal-educadas jogaram ali.
Bem, já que haveremos de consumir mais alguns séculos para remover a “cultura suína” – que muitos receberam como herança – continuei minha caminhada pensando: puxa! veja só, pode-se, em apenas 15 minutos, limpar Imperatriz, São Paulo, New York, Londres, enfim, todas as cidades do mundo. É só cada um fazer o que algumas senhoras já fazem, todos os dias pela manhã, aqui em Imperatriz: levantar-se, apanhar a vassoura e limpar a rua da frente de sua residência.
Conheço um gerente de fazenda com mais de 40 funcionários. Vou lá todos os anos. Na casa em que todos se alimentam e tomam café, nunca há uma xícara suja na pia. É que a lei lá é seca: cada um tem de lavar o que suja. O trabalho do cozinheiro se restringe a fazer a comida e a lavar apenas as panelas, nada mais. Vivemos na entrada da Amazônia, uma área com dimensão continental, cheia de riquezas que, até poucas décadas, era considerada inexpugnável. Mas, com CADA UM pensando em si, metendo o machado, a motosserra, derrubando sem critério, pondo fogo, poluindo inconsequentemente…, eis que já a grande e eterna Amazônia mostra clarões.
Há 160 anos, aqui também era lindo e puro, cheio de terras férteis, florestas prenhes de madeiras nobres e de animais, rios com peixes em abundância. Hoje, nem é preciso descrever. E, como chegamos a isso? Foram os políticos, as guerras, os tratores? Não somente eles. Tudo se fez devagarzinho, palmo a palmo, dia a dia; cada um, por ignorância ou egoísmo, foi destruindo, queimando, desmatando as margens dos rios, transformando a paisagem, empobrecendo os ecossistemas, matando a vida e a beleza de cada recanto. Motivo: gente demais, uns tentando enriquecer; outros, sobreviver.
Quantas vezes choramos diante de imagens tristes de crianças definhando de fome – principalmente em alguns países africanos – esquecendo que aqui, bem debaixo de nossos narizes, temos os mesmos problemas. Preferimos recitar ave-marias e pais-nossos num banco confortável da igreja, a visitar essas pessoas e a fazer alguma coisa por elas. Confortavelmente vamos até Deus, apenas para levar-Lhe problemas, pedir, pedir, pedir boa-vida, emprego, enfim, coisas temporárias. Tenho muita pena e, ao mesmo tempo, muito ciúme de um maltrapilho, porque sei que logo, logo estará no céu.
Mas, ainda podemos resolver isso. Ainda é tempo. Ao invés de oferecermos lágrimas, ofereçamos ações. Evitemos aquelas pequenas coisas que certamente fazemos contra a Natureza, e que sabemos proibidas.
Podemos e devemos protestar, sim, mas não apenas com palavras. Nosso bom exemplo é o maior protesto. Se não pudermos fazer nada de bom, ao menos não pratiquemos o mal. Empunhemos a vassoura e varramos a frente de nossas casas. Se as agressões contra a Natureza cessarem, em menos de 40 anos ela já estará praticamente recuperada. É muito mais racional evitar o crime do que praticá-lo. Não jogue lixo em qualquer parte que não seja a lixeira, varra a frente de sua casa todas as manhãs, agrida menos a Natureza, deseje e faça ao próximo tudo o gostaria que acontecesse com você mesmo…. Faça essas pequenas coisas que estão totalmente a seu alcance. Seu bom exemplo atingirá seus filhos e os que convivem com você. Esses, com certeza, passarão adiante o que receberem. Transfiramos paradigmas. Sempre seremos produto do meio em que vivermos.
No ano 2000, questionaram Chico Anísio por escrever “Como segurar seu casamento”, já que poucos têm mudado tanto de parceiras quanto ele. E a resposta veio de chofre: “Exatamente por ter tanta experiência é que me sinto indicado em mostrar as falhas que desestabilizam os casamentos”.
Pois é, eu também trabalhei com madeira, tive serraria, cacei inhambus pelo Brasil inteiro e me sinto pronto para dizer o que deve e o que não deve ser feito, se quisermos oferecer um mundo melhor para nossos filhos e netos. E, o que aprendi e hoje divulgo é que estou tentando fazer a minha parte, conforme o fôlego que ainda me resta e a aprovação de minha consciência.
BOTAFOGO!
Nunca influencie seu filho, neto, bis, tri ou tetraneto a torcer pelo Botafogo!
Tudo começou em 1948! Eu era uma criança de apenas nove anos, inocente, sem poder de discernimento, mas já com os dedos dos pés faltando muitas unhas, de tanto chutar uma velha bola de meia cheia de capim, por cima das raízes expostas das fruteiras do quintal. Já nessa idade, minha vida se resumia em jogar futebol e a caçar de estilingue.
Louco por bola, e com o Botafogo em franca ascensão, tornei-me presa fácil para o mano Hildebrando, botafoguense fanático. Apelidou-me logo de Pirilo e sacramentou minha sina de sofredor pelo resto de meus dias. Pirilo foi um goleador nato. Quando pelo rádio o narrador descrevia aos berros os gols do Pirilo, o mano gritava por mim e sacramentava: está vendo aí, maninho, você vai ser a mesma coisa. Agora você é muito novo, mas quando crescer, vou levar você para o Botafogo.
E fiquei tão apaixonado, que até a escalação daquele ano ainda guardo na lembrança: Osvaldo, Gerson e Santos; Rubinho, Ávila e Juvenal; Paraguaio, Geninho, Otávio, Pirilo e Braguinha.
O começo foi maravilhoso, e não tão mau nos anos seguintes. Afinal, brilharam no Botafogo craques inesquecíveis como Nilton Santos, Garrincha, Didi, Zagalo, Gerson, Jairzinho…, e mais 46 jogadores convocados ao longo dos anos para a Seleção Brasileira, sem contar que foi o único clube brasileiro que conseguiu, ao lado do Flamengo, jogar 52 partidas seguidas sem perder.
Ainda não descobri o porquê, mas a cada dia que passa ando comendo o pão que o diabo amassou. Perder para qualquer equipe que não seja o Flamengo, não eleva muito a minha pressão arterial; mas enfrentar meus familiares flamenguistas! Metade de meus 30 familiares próximos são flamenguistas, inclusive meu pai, agora falecido. Todo mundo percebia que ele era torcedor do Flamengo camuflado. Apenas um da família, o Édi, torcia para o Vasco, que ele também detestava.
Quem era o Édi?
Num dia abençoado, apareceu lá em casa um menino negro com seus 16 anos, pedindo abrigo e trabalho. Disse que vinha de Muniz Freire e que saíra de casa para aliviar o sufoco de seus pais, sem condições financeiras para sustentar os dezesseis filhos. Meu pai mostrou um quarto e disse que ele ficasse lá até ver o que podia fazer por ele.
Lá permaneceu até o dia do casamento, estando já com quase 40 anos. Para meu pai, flamenguista disfarçado, só tinha um defeito: era vascaíno.
Numa tarde, os dois caminhando lado a lado, dirigiam-se para um campo de peladas onde iríamos treinar. No caminho, começaram a comentar o jogo entre Vasco e Flamengo. Não precisou mais do que dez minutos para meu pai empacar e concluir:
– Olha aqui, Édi, nois dois num cumbina nem no caminho do inferno!
Bem, voltando ao Botafogo. Até promessa já fiz para implodir a “estrela solitária” que não se apaga aqui dentro do peito. Infelizmente, amor por time é como amor de puta sincera: jamais transverte. E todo ano, o mesmo caminho, a mesma esperança, a mesma angústia, as tantas noites de sono perdidas…
A história, nos dois últimos anos, tem-se repetido: mal começa o Brasileirão, estou lá, esperançoso de que o time, mesmo sem craques de renome, possa entrosar e até ser campeão. Cinco rodadas após, esse sonho esvai-se e vem a esperança da Libertadores. Apenas esperança! Resta ainda a Copa Sul-Americana. Essa, também, não vinga. E aí, a dura realidade, o eterno sufoco, a luta para não ser rebaixado.
E eu ali, jogo após jogo, enrustido em mim mesmo, mãos geladas, rosto pegando fogo e pressão nas alturas, vou cumprindo minha sina. Tropeçando mais que velho sem bengala, o Botafogo vence uma, perde duas, empata três… O campeonato vai-se afunilando, apertando, chegando às últimas rodadas. Agora o negócio é apanhar a maquininha de somar, fazer as contas, examinar a tabela, anotar os confrontos que faltam…
Neste ano, os quatro últimos jogos foram ainda piores do que aqueles do ano passado: Internacional, São Paulo, Atlético Paranaense e Palmeiras. E os cálculos indicavam: tem de ganhar três dos quatro jogos. Mas, como? São Paulo, Palmeiras e Internacional são considerados os melhores times do País; e para enfrentar o Atlético lá no campo dele, o time irá sem seis titulares. Não vai dar! Jogo a toalha: estamos rebaixados! Mas, contra todos os prognósticos, o desgraçado ganha do Internacional do Irineu, do São Paulo do Jorge Ventura, perde pelo Atlético Paranaense do Bogdan e tem seu jogo decisivo contra o Palmeiras do meu velho amigo Jurivê de Macedo.
Última rodada se aproximando. Ligo para o amigo Messias, botafoguense sofredor como eu, mas muito mais otimista e e menos covarde que eu.
Sugiro-lhe que fujamos da cidade, ao menos para não sermos tripudiados pelos flamenguistas em carreata. Ele concordou plenamente. Flamengo campeão, e Botafogo rebaixado, admitamos, é demais! Naquele domingo, ainda cedo, desaparecemos do mapa: fomos nos esconder lá para os cafundós do Judas, a quase 100 km de Imperatriz.
Chegando lá, meu amigo estendeu a rede sob uma velha mangueira e eu, munido de gravador e máquina fotográfica, embrenhei-me num capoeirão prenhe de espinhos capa-garrotes, arranha-gatos, urtigas, brejaúvas e, é claro, inhambus chororós e tururins.
A cada minuto, eu me lembrava do que estaria acontecendo no Engenhão, e o coração disparava. Às 17h30min, retornei abatido, certo de que estávamos na segunda divisão. Messias me viu de longe e dando cambalhotas disse que estávamos vencendo o Palmeiras por 2 x 0. Não acreditei:
– Quantos minutos faltam para terminar? Perguntei temeroso.
– Uns 20 minutos.
– Conheço o Botafogo – observei com meu eterno pessimismo! Se o Palmeiras não empatar, ao menos um gol irá fazer, para que se cumpram as escrituras: “E todo botafoguense haverá de sofrer até o último suspiro”.
Ele riu. Então perguntei:
– Não conhece essa passagem bíblica? Foi descoberta num papiro apócrifo, no ano de 1894, quando fundaram o Botafogo.
Certo de que “a Bíblia” estava certa, dei meia-volta, mergulhei sob a cerca de arame farpado e bati covardemente em retirada, mais uma vez. Parece terrível torcer pelo Botafogo, não é mesmo? Mas, se o coração resistir, nem tanto. Não há time no mundo que oferece mais emoção do que ele. Quando ser campeão já não é possível; quando a Libertadores ficou a quilômetros; quando a Sul-Americana saiu dos planos e apenas o rebaixamento encurrala os botafoguenses, eis que surge ainda uma motivação: azarar o Flamengo, nosso arquirrival. E tome emoção; e tome sofrimento. O Mengão subindo, como se estivesse brincando com o Fogão, numa gangorra: enquanto ele subia, o Botafogo descia.
Aí apelamos para Deus e o mundo, porque, nada mais há de verossímil do que a assertiva de que “há coisas que só acontecem ao Botafogo”. Mesmo quando tentamos tomar uma decisão drástica e irrevogável, prontos para jurar nunca mais falar de futebol, o desgraçado emerge das cinzas como Fênix. Enquanto vivo, um botafoguense de verdade nunca perde a esperança.
E o Fogão vai lá e arrebenta o Internacional, o São Paulo e o Palmeiras e retorna macabro, prontíssimo para nos oferecer mais um ano de sofrimento.
Bem, penso, o time, enfim se acertou. Dois mil e dez será melhor. Ligo o computador e vou à página do Brasileirão. Clico na estrela solitária e vejo lá: “Botafogo não terá, em 2010, nem Jobson, nem Juninho, nem Reinaldo, nem Diego, nem André Lima, nem Renato… E aí vem o rosário dos jogadores que deslancharam no final do campeonato e que estão indo embora. Como contratação, alguns nomes “muito conhecidos”: Agustim, Zeca, Otávio, Mané, Joca, Saci… E, então desabafo: “Meu Deus, por que me abandonaste”!
Mesmo assim, como faço todos os anos, estou aqui de olho nos canais 38, 39 e 121 da Sky; revirando sites esportivos, novamente sonhando, fazendo contas e pronto para mais um ano de angústias e tensões. Como me dizia o amigo Dr. Pedro Boninsenha: “Terá de ser assim, porque está escrito no livro de Moisés”.
Já cobrei do mano que me iludiu e está no céu, para que ao menos azare o Flamengo. Mas ele me lembrou:
– Maninho, aqui estou em desvantagem numérica. Papai e o mano Adalho também estão aqui, esqueceu? Esses dois continuam quebrando a lei divina do silêncio em cada gol que o Flamengo faz aí embaixo”.
Pois é, caros desportistas, minha insegurança é tão grande em relação ao Botafogo que, mesmo sabendo que ele vencera o Palmeiras por 2 x 1, na segunda-feira, ao ver o VT, ainda fiquei nervoso e com a pressão alterada. Bem podia o Palmeiras empatar, porque, sem qualquer sombra de dúvidas: “há coisas que só acontecem com o Botafogo”. Se for essa minha sina, que assim seja. E vamos que vamos.
CARNAVAL
“Carnaval é o período de festas e divertimentos compreendidos entre o Dia de Reis e a Quaresma, especialmente os três dias que precedem a Quarta-feira de Cinzas.
A dança, o canto, a máscara e a liberdade de comunicação entre as pessoas, refreados durante o ano, caracterizam o Carnaval: festa popular que valoriza o riso e o inusitado.
Não se sabe ao certo qual a origem da palavra carnaval. Na opinião de Antenor Nascentes, aplicava-se originariamente à terça-feira gorda, a partir de quando a Igreja Católica sugeria o não consumo de carne. Outros etimólogos propõem, como origem, o baixo latim carnelevamen, modificado mais tarde em carne, que significa “adeus, carne! Carnelevamen pode ser interpretado, também, como carnis levamen, “prazer da carne”, antes das tristezas e continências que marcam o período da Quaresma”.
Pois bem, caro leitor, depois de pesquisar em enciclopédias e separar alguns tópicos, cheguei à conclusão de que (excetuando-se a leve possibilidade do carnis levamen), nos primórdios do Carnaval não havia qualquer ligação de tais festejos com a promiscuidade sexual e os atentados ao pudor mostrados pelos jornais, rádios, televisões e redes sociais de hoje.
Torna-se muito difícil falar sobre isso, porque qualquer opinante que discorde dessas festas, por achar que ferem e maculam os bons costumes, atrai sobre si o revide daqueles que transformaram o Carnaval na mais perigosa e destrutiva arma contra a moral e os bons costumes. Cheios de defeitos como somos, com certeza se torna constrangedor “atirar a primeira pedra”. Mesmo sem ser o indicado, não consigo calar-me diante do aleijão moral que – com o estímulo e a ajuda financeira dos governos e redes de comunicação – vem sendo incutido às festas carnavalescas. Causa-me mal-estar quando – sem inspiração, meio e, até mesmo força de impedir – vejo crianças atentas à degradação moral que se processa na telinha das tevês e das redes sociais em qualquer horário.
Se ao invés de o governo investir milhões em propagandas e na distribuição de preservativos (o que não deixa de ser um estímulo à prostituição), optasse para o perigo que causa à vida e à alma, o desrespeito àquilo que Jesus Cristo ensinou – e que a própria natureza recomenda – surtiria mais efeito. Jamais uma nação será forte se não respeitar as normas morais e não investir na família. E o que é mais contrário a essas normas do que aquilo que nossos governantes estão favorecendo?
Se aqueles que estão transformando o Carnaval num “bacanal”; que estão propiciando a degradação moral das crianças com propagandas que vulgarizam o sexo; que estão estimulando a promiscuidade… parassem um minuto para se conscientizar sobre o grande mal que estão semeando, talvez levassem em conta a caducidade da vida, não arriscando trocar esses segundos de prazer por uma eternidade de sofrimento. Sim, porque o mal que causamos será cobrado. Está escrito no Livro de Deus: “E quem receber uma destas crianças em meu nome, é a mim que recebe. Mas quem escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, melhor seria para ele que lhe pendurassem uma pedra de moinho ao pescoço e o jogassem ao fundo do mar”. Estaria o Filho de Deus, blefando?
A prostituição é moralmente reprovada em quase todas as sociedades, dada a degradação que representa às pessoas que a praticam. Somente o homem – entre os seres vivos – opta por esse caminho, e mais o faz quando tem a infelicidade de nascer num país cujos governantes, além de não se importarem com os valores morais, ainda os estimulam e até financiam. Evitar a AIDS por meio do princípio moral é mais certo, mais justo, mais barato e mais seguro. Obrigar um povo sem escolas, sem saúde… a financiar tal depravação é algo que, sinceramente, revolta até mesmo aquele que não pode, como eu, “atirar a primeira pedra”.
Olhe as estatísticas sobre o período momesco: milhões de camisinhas distribuídas; aumento de gravidezes indesejadas; aumento acentuado da Aids e de outras doenças transmissíveis sexualmente; álcool, drogas, assassinatos, roubos acima da média, enfim, um sem-número de malefícios que não preciso enumerar. Há os que apenas brincam, mas esses são como um cardume de sardinhas à mercê de orcas vorazes.
EGOISMO CRUEL
O ganancioso não lembra
Que logo, aqui não mais estará
Trabalha, mata, junta e briga
Comete injustiças, escraviza
Querendo o mundo conquistar.
O que seria das riquezas
Se não afetassem o coração
No ouro haveria tropeço
Aos diamantes, desapego:
Tudo correria de mão em mão.
Mas assim não é!
Somos cegos a insistir
Estúpidos racionais
Que não entendem jamais
A necessidade de dividir.
PEDRINHO x PAULO JESSÉ
Há uns 20 dias estive lá no meu velho amigo e juiz de futebol aposentadíssimo, Pedrinho, para aumentar em um centímetro o salto direito do meu sapato. É que, embora não se note a olho nu, nasci com a perna direita mais curta. Eu mesmo não teria percebido, se a coluna não reclamasse. Só depois que percebi que milímetros fazem um corredor perder o primeiro lugar é que fui acreditar no valor dos pequenos detalhes.
Pedrinho continua trabalhando em sua modesta sapataria, aqui mesmo na minha Rua Paraíba, remendando sandálias, costurando bolsas, bainhas de facão, perneiras, enfim, quebrando os mais diversos galhos de quem não pode adquirir uma peça nova todo mês ou mesmo àqueles que não quer desgarrar-se a algo que estima.
Conversa vai, conversa vem, chegamos ao tempo em que ele apitava nossas peladas. E foi aí que inserimos um novo personagem: o amigo advogado Paulo Jessé. Jessé não era brincadeira! Nem um acará defende com mais afinco seus alevinos, do que o Jessé o gol de seu time. Por isso, ele só conseguia permanecer em campo se o juiz fosse o bíblico Jó. Reclamão, aguerrido… podia dar carrinhos, chamar o juiz de ladrão…, podia tudo. Os outros? Não.
Se um jogador do time adversário disputasse uma bola com excesso de força, ele metia o dedo no nariz do juiz e exigia a expulsão; se o juiz marcasse uma falta dele por causa das voadoras que dava nos atacantes adversários, o dedo voltava ao nariz do juiz, porque aquilo era jogada normal.
Mas, com o Pedrinho no apito, a coisa se complicava! Nunca permaneceu em campo mais de 20 minutos. Aliás, se o Jessé não conhecesse os alimentos que comemos, com certeza o Pedrinho teria indigestão de apitos, já que a diferença física é qualquer coisa como Golias e Davi.
Foi enquanto eu esperava o remendo da bainha de meu facão corneta, que o Pedrinho lembrou:
– Pois é, larguei de apitar por causa do Dr. Paulo Jessé. Às vezes, eu até tomava calmante quando sabia que ele iria jogar comigo apitando.
Pois bem, há uns seis meses, numa manhã de domingo – Pedrinho nunca tomara conhecimento de qualquer calendário – estava eu esperando o conserto de uma sandália, quando um carro cheio de jogadores parou em frente à sapataria:
– Pedrinho, não tem jeito, você terá de nos quebrar esse galho. Não encontramos nenhum outro juiz na cidade. Você terá de abrir uma exceção em seu juramento de nunca mais apitar uma partida.
E como sabiam da incompatibilidade, mentiram:
O Paulo Jessé está doente, acamado e com febre. Você pode abrir uma exceção e apitar pra nós.
– Nem morto. Já jurei não tomar mais um apito nas mãos e irei cumprir… pelo menos enquanto o Jessé estiver vivo.
Uma hora depois, estava lá o Pedrinho erguendo o cartão vermelho para o Jessé, que com toda sua verborragia jurídica, interrompeu a partida mais de trinta minutos. Para aceitar a expulsão, Dr. Jessé esqueceu tudo o que aprendera na faculdade e apelou ao popular:
– PQP, Pedrinho, há dez anos você não apita jogo e ainda não esqueceu que tem de me expulsar?
– Pois é, doutor, nesses 10 anos, apenas alguns fios de cabelo não vejo mais em sua cabeça. O resto está tudo do mesmo jeito.
Rimos bastante lembrando aqueles bons tempos em que acreditávamos ser o futebol, o melhor da vida.
Pois bem, na última terça-feira, estando eu na sacada de minha casa, bem em frente ao Juçara Clube, ouvi lá os peladeiros numa algazarra infernal. Olhando bem, reconheci o Dr. Paulo Jessé, gesticulando, reclamando como nos bons tempos, somente porque “o cara era fraco e não aguentou o tranco”.
O juiz não era o Pedrinho, mas alguém com menos paciência que ele. Aos 15 minutos, cartão vermelho para o Jessé. Meio mundo de confusão, jogo interrompido, “representação averbada”, testemunhas arroladas e…. Jessé, sumariamente expulso. Vi-o retirar-se cabisbaixo, resmungando – como criança que se viu privada do picolé – e ir sentar-se à margem do gramado.
– Foi então que lembrei de você, Pedrinho: de fato, nem com promessa dá para aguentar o brilhante advogado quando troca a beca pela chuteira!
Há coisinhas ou bobagens que vivemos ou fomos testemunhas que, de fato, nunca esquecemos. Com o tempo, nossos arquivos cerebrais os ocultam temporariamente, só os mostrando nos pesadelos.
Não vêm de outra fonte as recordações de coisas desagradáveis, e raramente agradáveis, que florescem nos sonhos e pesadelos, principalmente quanto estamos muito cansados.
Dr. Paulo Jessé e o árbitro Pedrinho ainda mantêm tais arquivos bem salvos e ativos!
MANEJO SUSTENTÁVEL
Escrito em 2003
Acabo de receber uma revista com propaganda de um pool de empresas buscando apoio para a implantação do “Manejo Sustentável” como forma de salvar a Amazônia. Como nele já fui artista e bandido, ouso dar minha opinião.
Ele, nos moldes apresentados é, economicamente inviável. O que se gasta para criá-lo, levá-lo a efeito e mantê-lo conforme rigorosíssimas cláusulas contratuais, a madeira nele existente não paga, nem que se venda até as raízes. Estou dizendo isso, baseado na realidade, e não no palavreado das cláusulas e artigos.
Há pouco, tentei um desses projetos numa área de cinquenta alqueires. Um técnico no assunto, logo me pediu quatrocentos e setenta reais para a documentação inicial. Em seguida, um engenheiro de Belém – segundo o despachante – pediu condução e cinco mil reais por fora para vistoriar a área e dar parecer favorável…. Aí eu desisti do projeto.
Logo percebi que minha receita não iria cobrir as despesas e todo empreendedor honesto sabe que estou falando a verdade… ou então desconhece a triste realidade desses nossos dias. Sei que não há lei para que cobrem a maior parte das despesas, mas a verdade é que cobram e se não pagar, não tem projeto.
Denunciar? Para quê e para quem? Certamente, há muitas maneiras melhores de ser perseguido… ou morrer mais cedo! Os que desmentem é porque têm interesse na mentira. Ora, eram cinquenta alqueires e a madeira de lei extraída e posta em tombadouro está valendo vinte e dois reais em média por metro cúbico. Como só compram o que desejam, o máximo que se consegue por alqueire são cem metros cúbicos. A vinte e dois reais brutos, estou certo, não me sobraria dinheiro nem para o café da manhã.
Imagine os custos com trator, motosserras e seus profissionais e ajudantes, camioneta para assistência, alimentação, obrigações sociais e todo o mais que se usa para fazer estradas, derrubar as árvores, prepará-las, transformá-las em toras, medi-las, entregá-las…. O preço que hoje pagam por metro cúbico de madeira em tora, mal dá para cobrir as despesas da extração. Tente imaginar se, sobre isso, incidirem as obrigações legais (reais) absurdas do manejo, o trabalho de “silvicultura após o corte” e os tais “por fora”, que são os mais onerosos.
Não bastasse, por lei e honestamente, a gente só poderia extrair dentro dos limites do manejo e isto exigiria que cada serraria de grande porte, tivesse, no mínimo, milhares de alqueires em seu projeto. Como isso só é próprio de latifundiários e como esses são perseguidos pela lei das terras improdutivas, o projeto continua sendo inviável para os pequenos e médios investidores, tanto pela quantidade necessária, como pelos gastos. Para que se tenha ideia do disparate dos atuais moldes de Manejo Sustentável, baseiem-se na COPAL do Itinga e do Grupo CIKEL que ora faz parte ativa do programa. No ano de 1995, segundo seus compradores, ela consumiu 70 mil metros cúbicos de madeira. Somente meus irmãos e eu vasculhamos quatrocentos alqueires de floresta para entregar-lhes cinco mil metros cúbitos de madeira em toras. Como só compram essências específicas, calculem quantos km2 de floresta foram usadas só para atender as necessidades de matéria prima da firma em questão, num único ano.
O manejo sustentável é um incentivo camuflado para o comércio ilegal de madeiras. Alguém que consiga aprovar um simples projeto de 100 alqueires, vende madeira “ilegal legalizada” durante anos e anos: basta apresentar à fiscalização, o documento legal e dizer que veio daquele projeto. Ora, o tal projeto não daria nem para um ano de extração, tendo o vendedor, um único caminhão. O segredo da multiplicação é simples: o dono do projeto, tira madeira de qualquer lugar e jura que veio do projeto legalizado dele. Há milhares de projetinhos assim por aí. Mesmo assim, dá prejuízo. É claro que a fiscalização sabe de tudo isso, mas se contenta em participar dos indispensáveis “por fora”, confirmando a procedência.
O Manejo Sustentável pode e deve existir como proteção das florestas, mas não como investimento financeiro lucrativo. Economicamente, reflorestar seria muito melhor e mais sensato. O Manejo Sustentável, no Brasil, é uma verdadeira farsa. É inviável, dá prejuízo e problemas a todos os desavisados que acreditarem em propagandas enganosas, hasteadas no interesse escuso de estrangeiros que estão pensando, tão somente, no carbono, nas riquezas, no oxigênio e nas condições climáticas do planeta… mormente nas deles que já não contam com tal proteção. Aliás, a manutenção da Amazônia significa pouco mais de um por cento de ar puro para a humanidade.
Os países que destruíram suas florestas e agora precisam da nossa é que deviam arcar com as despesas para protegê-las. Eles que entrem pela Amazônia cortando cipós, marcando árvores, passando fome, andando a pé, pegando malária, impondo-se todo tipo de infortúnio…, pois, na realidade, ao menos pelo ar de que precisam, deveriam pagar.
Assisti ao andamento de um projeto desses na Amazônia. Para marcar as árvores de maneira sofrível e desacreditada em mil alqueires, um anotador do IBAMA, acompanhado de dezessete caboclos (tudo por conta da firma interessada), passou lá muitos meses. E isso era apenas o mais elementar e menos oneroso do projeto. Não bastasse, normal e tristemente, para cada um real legal, as serrarias pagam cem em propinas.
Veja que não estou buscando lei nem palavreado tecnicamente atinente: estou falando apenas da prática dos quinze anos lidando com serraria, IBAMA, projetos, guias, fiscalização…. Não esqueço porque foi a mais frustrante experiência como cidadão que sonhou com um país íntegro e justo.
É um dó que os promovedores de falcatruas não deem entrevistas nem assinem recibos; é um dó também que, todo louco que disser uma verdade sem papel assinado e registrado, acaba tendo contra si as imputações dos conluios denunciados. Se assim não fosse, eu poderia contar muitas histórias sobre a inviabilidade do Manejo Sustentável. Na realidade nua e crua, ele seria muito bom – se funcionasse – para os países estrangeiros interessados no clima do planeta; como proteção de nossa fauna e flora; como bons negócios aos interesseiramente envolvidos (engenheiros, funcionários, despachantes, indústrias de máquinas pesadas); porém, nunca para um pequeno proprietário de terra que pretenda ter um pouquinho de lucro e andar conforme a legislação.
Bem sei que qualquer área (desde que o proprietário concorde), poderá ser transformada em projeto, mesmo por terceiros. Mas, eis uma superficial história de um caso desses: O senhor Francisco Andrade de Alencar, deixou que se fizesse um desses projetos em cinquenta alqueires de sua fazenda, perto de Buriticupu, no KM 100. Depois quis vender a fazenda e ninguém a comprava tendo de assumir o projeto. Para desfazê-lo, luta até hoje. Já pagou 12 mil reais na primeira etapa e ainda está devendo o que talvez a venda da fazenda não cubra, devido à desvalorização das terras por causa da instabilidade e mesmo do descumprimento dos direitos de propriedade em que vivemos.
Só mesmo uma criatura por demais ingênua poderia acreditar na boa intenção da ITO, BPA, ANA…que diz auxiliar na conservação da Amazônia para os brasileiros. Mais que ninguém eles sabem que o Manejo Sustentável é impraticável. A única coisa que irão conseguir é promover mais gastos e muitos transtornos, no ilusório processo de adiar a destruição das matas.
Que milhares de alqueires são derrubados e queimados e que em seu lugar estão plantando capim, é mais que verdade. No entanto, as insaciáveis firmas asiáticas, com milhares de equipamentos sofisticados e pesados, estão destruindo mais a Amazônia do que todas as firmas brasileiras reunidas. Segundo a VEJA, mais de 20 dessas firmas estrangeiras (Malásia, China e Indonésia) depois de dizimarem a Tailândia, o Vietnã, Papua Nova Guiné e a própria Malásia, continuam dominando setenta por cento do mercado mundial de madeiras. Atualmente, já são donos de vinte por cento do Suriname, negociam a compra de dez por cento da Guiana e no Brasil, entram sem pedir licença nem dar satisfação a ninguém, burlando nossa legislação, contando com a cumplicidade de nossas autoridades.
E ainda querem que os brasileiros se comovam com as florestas, respeitando o Meio Ambiente etc. etc. Por que não investem contra essas gigantescas firmas estrangeiras que, de fato, destroem nossas florestas e carregam nossas riquezas? Se os países europeus e asiáticos de fato pretendem salvar a Amazônia, por que importam nossas madeiras?
Quanto desperdício!
Se desejam evitar os desperdícios das madeiras da Amazônia, o que deveriam fazer era lutar para que se asfaltasse a Transamazônica e se eletrificasse a região. Hoje, os extratores utilizam apenas as qualidades mais nobres (ipê, mogno, cedro, sucupira, jatobá, macarnaíba) e, não bastasse, somente os toros sem defeitos. O motivo é que só as exportações estão deixando lucro e os importadores não aceitam qualquer defeito nas madeiras. Com isso, queima-se mais do que se vende. Passei lá 38 dias, filmando e registrando o fato. Dia e noite, fogueiras com dezenas de metros de altura, destruíam aquilo que, há cinco anos, daria para satisfazer um deputado… dos mais modestos, é claro. Mas, como o presidente tem interesse nas exportações, vai fazendo de conta que não sabe de nada.
Os senhores, se quiserem, poderão visitar as serrarias existentes entre Altamira e Santarém. Estão oferecendo, de presente aos caminhoneiros, todas as madeiras de segunda. É que elas não cobrem o frete de vários dias por estradas esburacadas, com pontes perigosas etc. A Amazônia, atualmente, sem estradas e sem energia, faz-me lembrar o caçador que abate uma anta a grandes distâncias e apenas lhe tira o filé, deixando o resto para os abutres, onças e mucuras.
Carl Alfred Orberg fala sobre “aumentar o valor da madeira que é produzida pelo método sustentável”. É bem possível que ele talvez seja totalmente leigo ao assunto, mas sendo ou não, disse a única verdade para que as madeiras não sejam desperdiçadas. Resta saber como irão diferenciar as madeiras dos projetos legais, daquelas clandestinas. No Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e na Bahia, quando remanescia apenas os troncos e raízes dos jacarandás, todo mundo os arrancou para vender. Motivo: o preço. Agora, com três anos sem aumento de um centavo na madeira de lei – os madeireiros, que como qualquer outro profissional temem mudar de ramo – continuam nele, mas aproveitando apenas o que dá para sobreviver.
No Brasil (e talvez em muitas partes do mundo), ainda se insiste em combater o mal e não a causa. Nessa vã luta, jamais irão conseguir qualquer melhora. Se me permitem um pequeno parêntesis fora do assunto, diria que, enquanto não se mudar a consciência do povo através da Educação, jamais qualquer plano, sonho ou projeto dirigido à Natureza e à justiça social, terá sucesso. Todos os nossos problemas são, em última análise, culturais. Faça uma pessoa entender e acreditar o que significa a Natureza para os seres humanos, e essa pessoa não a destruirá mais.
Quando os “habitantes da Amazônia” acreditarem que se é possível ganhar mais com o turismo do que com a venda de madeira, talvez resolvam mudar a estratégia. A Amazônia, se fosse um país independente, seria o sexto do mundo em tamanho e o primeiro em riquezas naturais. Possui o maior rio em quantidade de água; a maior biodiversidade da Terra…, em suma, é a maior e mais importante riqueza natural do mundo. Em caso de destruição, o mundo ficaria em apuros e pagaria muitas vezes o seu valor para compensar o que ela representa em termos globais de equilíbrio. Mas é preciso que haja honestidade, sinceridade de nossos políticos. E isso é impossível. Nossos governantes e os que de fato destroem as florestas em busca de dinheiro, são em última análise, farinha do mesmo saco.
A respeito das palavras iniciais de Renzo Colombo:
A destruição criminosa das maiores reservas florestais ao longo da Belém Brasília, nos últimos anos, deu-se mais por autodefesa dos proprietários do que propriamente por insensatez e desconhecimento. Com a guerra criada entre o MST e a UDR, ambas as partes contaminadas por interesses políticos e por anarquistas que desejam sempre “ver o circo pegar fogo”, nenhum direito, ainda que constitucional, pôde mais ser observado. Como no início do governo FH, a madeira era o ramo de maior rentabilidade da região, parte e outra mantiveram suas atenções para ela. Muitas florestas foram devastadas pelos invasores e hoje não passam de juquirões. Diante da insegurança, quem mantinha reservas, tratou logo de vender as madeiras, a fim de afastar o perigo das invasões e salvar, ao menos, a terra. Assim foi com a MAPISA, com a UNIÃO, com a CIAMA, com áreas da CIKEL (que o digam) e com dezenas de outras.
Jamais iremos conseguir um lindo jardim em sintonia com uma criação de suínos: haveremos de escolher uma coisa ou outra. Querendo ou não, gostando ou não, sendo justo ou não…
MARCOLA
O que verão a seguir é a transcrição de uma entrevista que o marginal Marcola concedeu a um jornalista de O Globo, analisando os Novos Tempos na vida dos brasileiros. Pelo depoimento do traficante, não há solução para o problema, mesmo porque não são considerados por aqueles que propagandeiam preocupação para resolvê-los. Chamo a atenção de vocês para o fato dessa entrevista ter sido publicada num dos maiores jornais do País, e que todas as autoridades tomaram conhecimento da gravidade do problema. E o que estamos vendo? Exatamente o que o que foi profetizado:
Estamos todos no inferno!
O repórter pergunta:
– Você é do PCC?
– Eu sou mais do que isso. Sou o sinal dos Novos Tempos. Eu era pobre e invisível. Vocês nunca me olharam durante décadas. Olha, antigamente era mole resolver o problema da miséria. O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, favelas, raras periferias etc., etc. E a solução nunca vinha. E o que fizeram? Agora te pergunto: o governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Não, só aparecíamos nos desabamentos dos morros ou nas músicas românticas, sobre a “beleza dos morros ao amanhecer”, essas coisas… agora, estamos “ricos” com a “multinacional do pó”, e vocês, estão morrendo de medo. “Nós somos o início tardio de vossa consciência social”. Viu? Sou culto… leio Dante, mesmo aqui na prisão…
O repórter contra-argumenta:
– Mas, a solução seria…
– Solução?
Não há mais solução, cara… a própria ideia de solução já é um grande erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio de Janeiro? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governo de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, uma verdadeira revolução na educação, urbanização geral etc., etc…. e tudo isso teria que ser sob a batuta de uma “tirania esclarecida”, que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do legislativo cúmplice (ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão até roubar o PCC). E o judiciário que impede as punições? Teria de haver uma “reforma radical” do processo penal do País… teria de haver comunicação e inteligência entre policiais municipais, estaduais e federais… (veja bem, nós até fazemos “conference calls” entre presídios…). E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do País, ou seja: é impossível … não há solução! Vocês estão num beco sem saída.
O repórter faz outra pergunta:
– Você não tem medo de morrer?
– Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar…, mas eu posso mandar matar vocês lá fora… nós somos homens-bombas. Na favela tem cem mil homens-bombas… estamos no centro do insolúvel, mesmo! Vocês no bem e eu no mal e, no meio “a fronteira da morte” a única fronteira. Sabe, já somos uma outra espécie, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração… a morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala… vocês intelectuais não falavam “seja marginal, seja herói”? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha, ha… “vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né”? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante…, mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse País. Não há mais proletários, ou infelizes, ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um “monstro alien” escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da justiça”? Pois é: é outra língua. Estamos diante de uma espécie de “pós-miséria”. A “pós-miséria” gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia: satélites, celulares, internet, armas modernas… e a merda de chips, com megabytes. Meus comandados são uma “mutação da espécie social”, são “fungos de um grande erro”.
– O que mudou nas periferias?
Marcola responte:
– Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem u$ 400 milhões de dólares como o Beira-Mar, não manda? Com 40 milhões, a prisão é um hotel, um escritório… qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma “empresa moderna”, rica. Se funcionário “vacila”, é despedido e jogado no “micro-ondas” … há… há…há, vocês são um “estado quebrado”, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio”. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos sempre no ataque. Vocês na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstar do crime. Nós fazemos vocês de palhaços! Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais provincianos. Nossas armas e produtos vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto da violência.
O repórter, meio incrédulo pelo que ouve pergunta:
– Mas, o que devemos fazer?
Com aquele ar de superioridade, veja a resposta irônica que Marcola dá:
– Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os “barões do pó”. Tem deputado, senador, generais, ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas, quem vai fazer isso? O exército? Com que grana? Eles não têm dinheiro nem para o rancho dos recrutas… o País está quebrado! Sustentando um estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, “empregando 40 mil picaretas”. Você acha que o exército vai lutar contra o PCC e o CV?
Estou lendo o klausewitz, sobre a guerra. Não há perspectiva de êxito… nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas… a gente já tem até “foguetes antitanques” … se bobear, vão rolar uns “stingers” por aí… para acabar com a gente só jogando “bomba atômica” nas favelas… aliás, a gente acaba arranjando algumas daquelas bombas sujas mesmo… já pensou? “Ipanema radioativa”?
Mais uma vez o repórter intervém:
– Mas … não haveria outra solução?
– Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a “normalidade”. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma “autocrítica da própria incompetência”. Mas, vou ser franco… na boa… na moral. Estamos todos no “centro do insolúvel”, só que com uma diferença muito grande, “nós vivemos dele” … e vocês… não têm saída. Só a merda! E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: “Lasciate ogna speranza voi che entrate”! Ou seja: percam todas as esperanças! Estamos todos no inferno!
Formatação e criação: Antônio Carlos Correia. Texto extraído do jornal “O Globo”.
E a pergunta que não quer calar! E agora?….
A entrevista pode até ter sido formatada, adaptada, inventada…, mas não deixa de ser preocupante, mesmo porque faz sentido e contém muito do que vem acontecendo.
Agora, além dos conselhos do Marcola, ouso dar também minha opinião. Percebemos que houve metástase. O câncer alastrou-se afetando quase todos os órgãos. Noto, também, que uma possível solução está no combate acirrado à corrupção, mormente política. Não há quem desconheça o que está acontecendo ao nosso País. Noventa por cento dos meios de comunicação já se renderam ao aluguel que recebem, jamais noticiando os desmandos.
Os políticos: do vereador ao presidente, passando pelos deputados, senadores, suprema corte, juízes, generais e todos que sustentam o caos, continuam submissos ao que recebem, pouco se importando com o futuro do Brasil.
Acredito que hoje a palavra mais pronunciada é democracia, mas ela é a que menos está sendo aplicada. Um tal de juiz da Suprema Corte é o principal culpado por tudo quanto está acontecendo. Desde um pinguço ladrão condenado na presidência até os milhares de empregos criados para assegurarem a ditadura, digo, a Democracia.
INTERCESSÃO
“Deus é Pai de todas as coisas. Suas criaturas são irmãos e irmãs.” Santo Antônio de Pádua.
Neste Natal de 2009 eu completei 70 anos e vinte e nove dias de vida, já que nasci no dia 26 de novembro de 1939. E todo este tempo eu quis acreditar na existência da vida após a morte, embora nunca tivesse conseguido plenamente. Durante o tempo em que tive consciência de mim, procurei, incansavelmente, obter uma prova contundente, algo que me desse segurança em relação ao porvir. Foram mais de 50 anos pedindo, esperando!
E, às 12 horas do dia 26 de dezembro, um dia após o Natal de 2009 – ao menos para mim – esse dia chegou.
Sempre gostei de criar inhambus e estava, nesse dia, com um filhote de Tinamus Tao (foto acima), vulgarmente conhecido aqui na região por azulona, tona, já com 16 dias de vida. O filhote vivia pela casa, sempre atrás de mim. Se o perdia de vista, eu chororocava e o bichinho vinha correndo, às vezes, dando voos rasantes, o que indicava que podia exagerar, passar por cima do muro e perder-se. Chamei minha filha e, juntos, cortamos as aletas maiores de uma das asas dele, responsáveis pelo voo.
Mas, nesse dia 26, sábado, às 12 horas, o bichinho desapareceu. Procuramos por todos os lugares possíveis. Andei o tempo todo chororocando, pela casa e quintal, pois ele sempre vinha correndo aos meus pés quando eu assim o chamava, porque era compensado com algum inseto ou com minhocas que eu cavoucava no fundo do quintal…, mas, ele não apareceu.
Às 15h30min, eu e minha mulher fomos caminhar numa pista, ao lado do aeroporto. Durante todo o exercício, o assunto conversado não foi outro: o que teria acontecido ao macuquinho? Um gavião de cidade, sorrateiro? Teria sido roubado? Alguém pisara em cima e o escondera para evitar repreensão?…
Retornamos da caminhada às 18h. O sol já se pusera no ocaso e a noite vinha chegando levemente. Pela última vez saí pelo quintal, chororocando, chamando (ele me atendia pelo nome de “Cuquinho”, uma síncope de macuquinho).
E, naquele momento, uma saudade muito forte do bichinho me bateu aqui no peito e, então, eu liguei para minha amiga Kássya, devota de Santo Antônio de Pádua, em quem acredita com fé inabalável. Ela sempre me falava dele, emprestou-me o livro que trata da biografia do santo e disse que jamais a Terra viu um santo mais milagreiro, considerado o santo de todos e para tudo. Num impulso, liguei para ela e pedi que reforçasse meu pedido a ele, já que minha fé seria insuficiente.
Desligado o telefone, bastante emocionado, eu continuei lembrando Santo Antônio, pedindo a ele que fizesse meu bichinho aparecer. Ele podia estar morto, mas argumentei que, para Deus, nada é impossível. Nisso, correu-me pelo corpo um arrepio que jamais eu sentira na vida e me pareceu que, embora invisível, o frade agostiniano/franciscano estava ali, perto de mim.
Um macuquinho é apenas um bichinho! Ao pensar nisso, imaginei que estaria sendo inconveniente. Afinal, teria o santo tempo disponível para compartilhar de coisas tão aparentemente insignificantes?
Minha filha mais nova estava na sala, juntamente com o namorado, assistindo a um filme na TV. Ambos sempre foram muito incrédulos e haviam me ajudado, durante toda a tarde, a procurar o filhote. Nesse momento, ela estava de pé, frente ao namorado sentado na poltrona, procurando um DVD que pretendiam assistir após o filme.
De repente, vindo não se sabe de onde, o filhote baixou num curto rasante, no meio dos dois.
Eu me encontrava no quintal, ainda sentindo a mais estranha sensação que já senti na vida. Foi quando, num grito de espanto, minha filha e o namorado chamaram por mim, dizendo que o bichinho, vindo do nada, pousou entre eles. Vieram com ele nas mãos e me entregaram.
Apesar de meus 70 anos, vendo tantas coisas estranhas acontecerem, não consegui falar. As palavras não saíam e tão logo se retiraram, chorei em soluços.
Pedi e esperei uma vida inteira, e quando em muitos, nem a esperança mais vinga, recebi a graça de não mais duvidar de que Deus existe, está presente e pronto a atender até bobagens que podem nos dar felicidade. De fato, ele é Pai. Agora não tenho mais qualquer dúvida: Deus existe e Santo Antônio de Pádua é um dos maiores amigos de Jesus. Obrigado, meu Deus! De fato, o Senhor não brincou quando nos orientou a pedir, pedir sempre, porque um dia seremos ouvidos. Obrigado. Muito obrigado.
Digam e pensem o que quiserem, mas, para mim, o agora, Fernandinho, foi o maior presente que já recebi nos natais de minha vida.
Observação: Fernandinho é em homenagem ao nome de batismo de Santo Antônio.
ÊTA MUNDÃO DE DEUS!
Ontem deitei muito cansado e, mesmo assim não conseguia conciliar o sono. Nada de soníferos: apenas a televisão como companhia. Aciono diversos canais: nenhum me interessa. De repente, um filme/documentário sobre duas tribos, em algum ponto da terra. Confesso que não sou lá de me prender a filmes, mesmo porque demoram muito e sou um ansioso confesso. Às vezes deixo comida no prato – mesmo com vontade de comê-la – somente porque lembro que esqueci uma folha de bananeira na passarela. Levanto-me, e sem saber a razão, caminho para lá e para cá, como um robô estúpido… e, sonâmbulo.
Pois bem, cutucando a Sky, deparei-me com este tal filme/documentário. Já estava pela metade e, até o fim, nada foi dito sobre o ponto da Terra em que viviam aquelas tribos. Depois, vasculhando a Internet, notei tratar-se de tribos do rio Sepik, em Papua Nova Guiné: uma ilha perdida no oceano Pacífico. O documentário era de lá.
Eu sei que em muitos lugares do mundo, culturas diferentes fazem com que seus membros passem por dolorosos ritos de iniciação para provar sua fé, inteligência e maturidade. A tribo mostrada mantém a tradição das cicatrizes e mutilações para provar que seus meninos se tornaram guerreiros. Para tanto, o candidato é cortado nas costas, na barriga e nas nádegas. Além disso, durante semanas, a paciência do rapaz é testada, sendo tratado como mulher e suportando as chacotas dos que já haviam sido humilhados anteriormente. Tipo trotes de algumas de nossas faculdades atuais. Como se vê, na estupidez, eles se nos equiparam! Ainda há a “dança do bisão”, na qual o guerreiro deve provar sua força física e sua coragem. O jovem jejua, não só de comida, mas também de bebida e não pode dormir, por quatro dias, seguidos. Depois é perfurado e pendurado pelos furos em uma tenda. Para aumentar a dor, suas pernas são presas a um tipo de peso que o puxa para baixo. Ele deve ficar assim até desmaiar. Voltando a si deve sacrificar o dedo mindinho de cada mão e, feito isso, correr pela praça da aldeia várias vezes. Cortar o dedo, para mim, seria cruel. Desmaiar, no entanto, eu não levaria mais que alguns segundos. Aliás, quase o fiz apenas olhando a cena.
Mesmo acompanhando o documentário do meio para o fim, consegui perguntas para passar o restante da noite bem acordado. Agora sim, eu tinha motivos para não dormir. Por mais que tentasse, não conseguia explicação para aquelas tribos que viviam como os Largados e Pelados da Malásia, em pleno 2015, sem equipes de salvamento filmando e protegendo.
Havia lá um rio que servia de divisa às duas tribos em questão. Chegar à margem, para qualquer uma das duas, era temeroso. Matar a sede na grande extensão daquele rio – mesmo sendo em sua margem – era perigoso. Sob algum arbusto da outra margem, bem podia haver algum guerreiro inimigo espreitando. Como o raciocínio era curto, eles obedeciam mais ao instinto do que as probabilidades.
Como peguei o bonde andando, não sei o motivo que desencadeou a guerra entre eles. O certo é que viviam em guerra. Como armas, apenas lanças e flechas, mesmo assim, precárias. Só atingiam o adversário se esse estivesse a uma distância de mais ou menos 20 metros. Então, no campo de guerra, os guerreiros posicionavam-se uns frente aos outros. Avançavam, avançavam… O inimigo agrupava-se e começava a buscar posição para atingir o guerreiro agressor e inconsequente. Às vezes, eles lutavam o dia todo e ninguém, sequer, ficava ferido.
Tendo um guerreiro sido atingido por flecha inimiga, a disputa parava. E aí é que o bicho pegava! A flecha era arrancada na marra e se formasse hematoma, o “doutor” deles, com um espeto de pau, fazia mais quatro furos em volta para drenar o sangue pisado. Não dava para perceber o que era pior: a flechada ou os “procedimentos médicos”. Bem que minha mãe dizia quando a gente esperneava para retirar um espinho do pé: “Sossega, moleque, a dor tem limite. Só dói até certo ponto, depois a dor maior tira a menor.”
Banho, qualquer tipo de higiene? Nem pensar, apesar do Pacífico circundar a ilha. Eles criavam porcos e, nas festas, matavam 10 ou 20 deles. Cortavam as orelhas e os rabos e os ofereciam aos fantasmas para que não os atormentassem. Depois, os porcos eram colocados no fogo e nem ouso dizer como eram cozidos e saboreados. Nada se perdia: um bicho morto, Deus sabe lá como, não estando podre demais, também era aproveitado.
Bem, por mais que eu exagerasse não conseguiria passar ao leitor a ideia aproximada da vida naquelas tribos. Mas, o que mais me impressionou – e ainda fica martelando aqui na minha cabeça – é imaginar o tamanho de nosso mundo, normalmente rebaixado a um grão de areia, quando comparado ao Universo e, mesmo depois de milhares de anos, ainda existir essas coisas.Com certeza ele não é tão pequeno assim, haja vista os vulcões que continuam eruptando, apesar dos bilhões de anos da Terra… e da vida de tribos como essas do documentário, que ainda vivem como se fossem Australopithecus em lenta evolução. Diante das avançadas tecnologias – fartamente noticiadas por toda mídia – não consigo imaginar que ainda exista um pedaço de terra assim tão primitivo.
Quando o celular disparou seu pequeno alarme, avisando-me que eram seis horas – hora do colírio – eu ainda estava “aceso”, tentando entender o tamanho de nosso mundo. Como não conseguia dormir mesmo, distendi meus músculos mirrados, abri a janela e fiquei olhando, através dela, para o Céu. O Universo podia ser imenso, a ponto de humilhar nosso planeta em relação à sua expansão, mas que este nosso mundo é um grão de areia, ah, não: eu contesto. Fui ao computador. Estava lá:
“Terceiro planeta a partir do Sol e quinto em tamanho entre os oito que compõem o Sistema Solar. 6 586 242 500 000 000 000 000 toneladas é o peso da Terra. Isto é: seis sextilhões, 586 quintilhões, 242 quatrilhões e 500 trilhões de toneladas. Seu volume é de 1 083 319 780 000 quilômetros cúbicos. Para saber o que isso significa, basta imaginar um trilhão e 83 bilhões e ainda 319 milhões e 780 mil cubos justapostos, um junto ao outro, e cada um deles com um quilômetro de altura e de comprimento. Muitas cidades caberiam inteirinhas dentro de cada cubo de tais dimensões, e ainda sobraria espaço.” E…. blá, blá, blá, blá, blá, blá…
Ah, sim, agora estou situado! Sei tudo, inclusive que apesar de toda tecnologia, ainda há lugares, neste mundão de Deus, com macacos encurtando os rabos e descendo das árvores. Há até – sem que percebamos – ratos evoluídos que já conseguem, inclusive, dirigir países, ministérios, estatais, judiciários … Eta mundão de Deus!
PERSISTÊNCIA
Era uma vez um menino, fisicamente igual a todos os demais: olhos, orelhas, nariz, tronco, membros…. Porém, espiritualmente bem diferenciado. Havia nele uma descrença de tudo. Ainda que seus pais fossem religiosos, ele só os acompanhava aos cultos por estrita incapacidade de se antepor. E assim, como todas as coisas vivas, o menino foi crescendo. Tornou-se um jovem muito observador de tudo. Era-lhe comum surpreender-se pensativo, olhares fixos em algum ponto da Terra ou do Universo, vasculhando a razão das coisas. Mesmo duvidando da existência de Deus, sentia que havia algo de estranho vibrando e que, com certeza, algo misterioso existia por trás de tudo aquilo.
Mesmo sem fé, começou a “rezar”. Eram palavras soltas, mecânicas, algo como o ronronar de um gato em sua preguiçosa modorra ou o sibilar de fortes ventos em tempo de verão. Havia dias em que passava horas pedindo a “alguém” que lhe desvencilhasse um pouco dos tantos mistérios que lhe embaraçavam a mente.
E no rodízio eterno das coisas, o tempo foi caminhando, passo-a-passo, empurrando-o para a velhice. Mas, mesmo depois de tantos anos – sempre repetindo o mesmo refrão em busca da verdade e da fé – ele continuava incrédulo, não conseguindo entender como “o Deus bom, justo, e poderoso” que apregoavam, permitia tanta miséria e desgraças no mundo.
E em cada passo de sua caminhada ininterrupta rumo ao destino dos seres, começou a perturbar-se ainda mais. Sentia que a hora da verdade estava chegando, sem que seus pedidos, “sem fé”, surtissem qualquer efeito. Sem desistir, continuou “rezando”, balbuciando ou dizendo mecanicamente: “Deus, se existe, ajude-me, esclareça-me porque o tempo urge”. Esta frase – entre tantas do mesmo teor – parecia enlouquecê-lo a cada semana que se esvaía. Até que, um dia ele caiu enfermo: a idade o prostrara em extremo cansaço. O turbilhão de dúvidas continuava sendo a inseparável companhia em seu leito de dor. E ele insistia, agora mais que antes, a pedir socorro a um “deus” que procurara a vida inteira sem o encontrar.
De repente, seus olhos embaçados viram um rebuliço no quarto… e duas pequenas luzes de velas tremelicantes pousarem nas mãos dele.
Foi então que o prêmio de sua persistente busca chegou. Aqueles fragmentos de fé que cultivara a vida inteira, juntados um a um, transformaram-se num alto brado que chegou aos céus, ao ouvido do Criador. E naquele último segundo, Deus, em sua infinita bondade, mandou que seus anjos descessem com o prêmio da persistência. E o menino incrédulo, agora decrépito e moribundo, num delírio de imensa paz, cerrou os olhos ouvindo um lindo canto de anjos que sobre ele entoavam o hino da vitória: “Vem, bendito de meu Pai…”.
obrigado
Um dos maiores milionários do mundo, enfastiado com a falta de privacidade – vivia diuturnamente ladeado por seguranças – resolveu, depois de contratar um dos melhores cirurgiões plásticos de seu país para lhe disfarçar a aparência – sair em busca de liberdade plena.
Ordenou que o piloto o levasse a um quase deserto e lá o deixasse por uma semana, quando deveria retornar para resgatá-lo. Apesar dos conselhos para que não fizesse aquilo, assim ele o quis, sem avaliar as possíveis consequências, tão lembradas pelos seus familiares.
Logo depois que o helicóptero o deixou em campo aberto e eclipsou-se no horizonte, o milionário começou a sentir um misto de prazer e medo, ora por aperceber-se livre, ora por lembrar que há mais de 30 anos, nunca apanhara, sozinho, um copo d´água para matar a sede: tudo o de que precisava era-lhe entregue nas mãos por subalternos.
Já no terceiro dia ele percebeu que a água que trouxera seria insuficiente para os sete dias de retiro. Desacostumado a exercícios e ao calor, seu organismo começou a sentir redobrada necessidade de hidratação. Andando sem direção à procura de qualquer ponto em que houvesse água, acabou se perdendo.
Depois de uma semana, conforme fora combinado, o helicóptero voltou, mas não mais encontrou o rico senhor. O piloto gritou, esperou, andou em volta, sobrevoou áreas contíguas e, nada. No oitavo dia ele retornou ao império do rico senhor e, juntamente com boa equipe de rastreadores de regiões inóspitas, voltou ao local em que deixara o patrão.
Enquanto isso, extenuado, o rico milionário estendeu-se no chão e nada mais esperava, senão a morte. Lembrou de toda sua fortuna, que agora não lhe servia para adquirir um simples copo d´água. Foi quando um aborígene que caçava por lá o encontrou. Através de sinais, o homem perdido tentou explicar o que havia acontecido e que o socorro devia estar longe dali, esperando por ele.
O aborígene, conhecedor de toda a região, depois de saciar a sede dele e dividir o parco alimento, jogou-o aos ombros e, durante dias, ora o levando, ora caminhando pacientemente ao lado dele, foi desfazendo o caminho que, erradamente, o rico senhor havia percorrido. Enfim, chegaram à região em que o rico senhor havia sido deixado.
Era incomum aeronaves sobrevoarem ali e, por isso, o aborígine, mesmo através de sinais, entendeu o que havia acontecido.
E, assim, a trancos e barrancos, eles encontraram a equipe de resgate que já vasculhava a área.
Foi grande a alegria! Com abraços, sorrisos e lágrimas, o rico senhor entrou no helicóptero e retornou à sua cidade, sem se quer lembrar-se mais do pobre homem que o havia salvado.
Há uma observação de Jesus ao ver ricos e uma pobre viúva depositando ofertas na caixa de esmolas: “Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais do que todos, pois ela, na sua pobreza, deu tudo que tinha para o sustento”.
Pois é, há gente que mede tudo pelo lucro das negociações, esquecendo-se dos favores que recebe. Alguns têm muito dinheiro, e só entendem a vida pelo prisma financeiro; outros vivem na mais extrema dificuldade, sobrevivendo pela troca de favores e pela caridade. Contudo, há uma moeda chamada “OBRIGADO”, que tanto os ricos, como os miseráveis têm em abundância, mas poucos deles a retiram “do coração” para sanar suas dívidas.
Dói – e como dói – você fazer um favor e não receber, sequer, um obrigado. Há os favorecidos que saem de fininho, dão um “tchau” e curvam na primeira esquina, como se a gente, ajudando-o, estivesse apenas cumprindo com a obrigação. Alguns dão aquela de “joão-sem-braço”: mostram-se distraídos, desconversam e vão saindo de mansinho. Nesse caso, com medo de que lhe seja cobrada alguma importância pelo favor.
Duvido que você – que está lendo esta mensagem – já não passou por situações semelhantes: dando “tchau”, ou o recebendo como pagamento, depois de passar horas ou dias trabalhando pelo “amigo”.
Percebe-se a intensidade de amizade que a pessoa tem, pela maneira com que abraça, sorri ou olha para você. É muito diferente o abraço de um conhecido, se comparado àquele que o admira, tem respeito e gosta de fato de você. Muito diferente!
Por isso, mesmo quando passo dias ou semanas fazendo alguma coisa por alguém, e no fim recebo um “MUITO OBRIGADO”, sinto-me ressarcido à altura, dependendo, apenas, do modo com que me foi dito. E, obrigado, todo mundo tem para dar, sobejamente. Com ele a gente pode pagar a dívida sem exigir troco, e manter o crédito para muitos outros “negócios”.
As pessoas mal-agradecidas sempre perdem muito, e suas explorações chegam a um ponto em que não há mais como abusar da bondade alheia. Acabam caindo naquele brocardo que afirma que você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar todas por todo o tempo.
Portanto diga sempre OBRIGADO quando receber qualquer favor, por mais ínfimo que seja. Evite ser referência negativa nas conversas informais. Todo aquele que se sente explorado, por mais que se esforce, acaba comentando.
Dizer OBRIGADO não diminuirá nem um pouco seu saldo da conta “reconhecimento/gratidão”, aquela que você abriu, quando nasceu, no banco da convivência social. Desejar bom-dia, boa-tarde, boa-noite ao passar por alguém que caminha cabisbaixo, também ajuda… e como ajuda. Experimente.
E por falar sobre isso, MUITO OBRIGADO por ter lido esta baboseira. Como já anoiteceu, receba também o meu boa-noite e um grande abraço. A mais: vamos que vamos.
JÁ ESTOU QUASE me ACOSTUMADO!
Não acredito que possa haver um período pior do que o tempo das campanhas eleitorais. E elas chegaram com expectativas “deslumbrantes”! Com a graça de Deus, utilizo canais fechados, o que facilita escapulir daquela criminosa propaganda política obrigatória. Mas, sobre os carros de propaganda, não vejo saída, a menos que me mude para outro planeta.
Resta-me o pequeno conforto de estar quase imune às gritarias políticas, “graças” à brilhante ideia da diretoria de um antigo clube ao lado de minha casa em alugar o ambiente para um grupo de cristãos que no entender de um revoltado que encontrou na Bíblia dele que Jesus Cristo era surdo. Não sei mesmo se a barulheira evangélica que me atrapalha há quase um ano preparou-me para aceitar a propaganda política, ou se ela será o tiro de misericórdia que me levará à fase terminal da loucura. O certo é que já estou sofrendo por antecedência. Hoje, quando escrevo esta crônica, li na coluna do Jurivê:
“Candidatos e candidaturas a postos, alianças e recursos à justiça deixados de lado, e quem está mesmo gostando disso tudo são os donos de gráficas e de veículos com serviço de som instalado. A campanha já está ganhando as ruas, serviços de som, volantes e fixos, estão sendo contratados, milheiros de panfletos divulgadores de nomes, fotos e números de candidatos estão encomendados: chovendo forte no roçado desses prestadores de serviços. Pobres dos nossos ouvidos que não têm nada com isso. Se a Justiça Eleitoral não nos ajudar e o MP Eleitoral não fiscalizar, a semana que vem marcará o começo do nosso suplício auditivo. A barulheira dos carros de som, aquele que o eleitor precisa correr atrás para saber o que estão dizendo (eles começam a falar aqui e vão terminar em outro quarteirão), irá começar. Já não fosse o bastante para nos infernizar a paciência, as mesmas caras, mesmas promessas, mesmas mentiras e mesmos besteiróis de campanhas passadas. “
E eu que pensei estar sozinho nesse sofrimento, vejo que há mais gente submetida à tortura, em pleno regime democrático. O pior de tudo isso e saber que estamos diante de Garrinchas da política, jogadores que, temos certeza, usarão as mesmas mentiras, as mesmas promessas enganosas e não temos como marcá-los, porque se a gente correr, o bicho pegará; e se parar, ele nos comerá. Irão passar, entrar na área e, se não fizerem o gol, certamente passarão a bola a outro não menos “competente” em viver às nossas custas. Como os dribles de Garrincha – sempre iguaizinhos – eles, em todos os pleitos, mentindo do mesmo jeitinho de sempre, descaradamente, tomam o nosso tempo e nos forçam a ficar na fila algumas horas, para cumprir nosso dever de cidadão. Arre!
PENSO QUE SEREMOS JULGADOS ASSIM:
O passado registrado pela história dá conta de como a moral e os costumes funcionavam. Com o passar do tempo os paradigmas foram-se firmando e ditando aos seres humanos o que podia ou não ser feito. As verdades sempre foram, para os homens, temporárias, ainda que seja definida como única e absoluta.
Ontem os homens podiam ter, legalmente, muitas mulheres; depois, a monogamia foi consagrada, tornando crime o adultério; hoje, ainda que a Lei não permita, desmancham-se as uniões por qualquer motivo, enchendo o mundo de filhos sem família que, na maioria das vezes, acabam criando problemas à sociedade. Os exageros de ontem e de hoje só apresentam uma saída, ou um ponto de equilíbrio: os ditames da consciência.
Seja você mesmo, desconsidere tudo o que o força a ser uma cópia do sistema. Há coisas que fazemos, não por ser certo, mas porque todo mundo faz. Se a maioria pensa e age de determinada forma, achamo-nos na obrigação de não nos tornar um estranho no ninho. De fato, agir de modo diferente chama a atenção, atrai críticas, às vezes inimizades, sem contar com a definição de louco que logo lhe é imputada. Mas, entre o que quase todo mundo faz e a verdade, pode haver uma distância de alguns anos luz.
Aceitar o que lhe é imposto pode ser covardia. Se estiver convicto de que precisa mudar, mude; se o mundo estiver caminhando para a direita e você estiver certo de que todos estão errados, mude para a esquerda. Será, para muitos, mais um “alienado mental”, um anarquista, um revolucionário, mas, acima de tudo, um homem coerente com o que acredita. Deus poderá esquecer os bilhões da direita, mas não o solitário da esquerda. Para aquele que acredita na continuidade da vida, seu grande investimento para um bom lugar do outro lado é seguir aquilo que considera certo e justo… ainda que não o seja. Imagino que ao morrer, nós mesmos – por meio de nossos atos enquanto vivos – decretaremos a sentença eterna.
POIS É, JURIVÊ!
De fato, costumes também não se discutem! Enquanto aqui pelo Nordeste aspergiam fumaça perfumada de alfazema, lá em Marilândia – ES, meu berço natal, o costume era diferente. Colônia formada de descendentes italianos – todos plantados às margens do riacho Liberdade e Santo Hilário – nenhuma novidade escapava, principalmente se a expectativa fosse de mais “um comedor de polenta” à vista.
Médico algum sabia mais do dia exato do nascimento, do que as mulheres italianas de lá. E nenhuma passava pela estrada sem lembrar a comadre que varria o terreiro, que o dia estava próximo. Com isso, alguns dias antes do nascimento do bebê, a procissão das comadres já tomava o rumo da casa. Debaixo de um braço, a galinha gorda; pendurada no antebraço, uma fieira de roscas feitas no fogão a lenha.
Bem, até aí: tudo comum e tradicional. Como disse: costumes não se discutem. Mas, o problema maior é avivar essas lembranças! É que jamais um chef francês, ainda que seja Daniel Boulud, conseguirá convencer-me de que existe um prato mais delicioso do que a sobra do pirão de galinha de minha mãe recém-parida. Se eu tivesse de reclamar alguma coisa de meus pais – programar-me para ser o penúltimo – com certeza, seria a mais apresentada. Não fosse minha irmã mais velha, parideira de cinco baitas italianos, talvez eu não perdoasse minha mãe por ter me privado de tantos pirões.
Ainda hoje lembro, com a boca cheia d´água, aqueles tempos de criança, menino, meninão, rapagão e homem. Quando em vez apelo à minha cunhada Dilza, especialista no ramo, e ela faz um, especialmente para mim. Sinceramente, não há comida melhor! Desce redondinho, cheia de doces lembranças do tempo mais feliz de minha vida. Chego a ver minha saudosa mãe deitada na cama, com a Leide (caçula) sugando seu peito túmido, e aquela sobra programada ali, na cabeceira da cama, toda minha.
Pois é, Jurivê, nesse pormenor, acho que os polenteiros superaram os cabeças-chatas! Saborear um pratarraz de pirão de galinha – com a fome insaciável de um moleque da roça – com certeza é bem melhor do que cheirar fumaça de alfazema queimada. E quanto aos espíritos indesejáveis, que fiquem se quiserem, desde que não me peçam a sobra do pirão das paridas.
LIVROS: EMPRESTOU? PERDEU!
Tudo, neste mundo, nasce ou aparece, desempenha sua função, envelhece… e entrega seu lugar a outro mais adaptado, mais aperfeiçoado: é o ciclo da evolução, utilizado pelo Criador desde o dia do “Faça-se”.
Assim aconteceu comigo, no tempo em que – havendo dinheiro – eu não podia ver um livro que queria logo tê-lo para mim. Muitos eu nem lia. Transformei meu escritório no mais eficiente laboratório de acarinos.
O tempo foi passando! Quase dois mil livros acumulados, mais para impressionar. E foi chegando o tempo em que a maioria deles já não me interessava. Ácaros e poeira me agradeciam. Resolvi frustrá-los. Propagandeei na Internet, oferecendo títulos a quem desejasse saber alguma coisa sobre os assuntos que eles exploravam. Em suma: eu estava emprestando livros.
Por via das dúvidas, resolvi anotar os nomes de quem os levava, mesmo sabendo que poucos devolveriam. Depois de um ano dessa experiência, percebi que ninguém mais se lembrava que havia assumido o compromisso de devolvê-los. Há um livro que emprestei e que a não devolução me doeu: foi o primeiro livro escrito em Imperatriz, da professora e acadêmica Edelvira Marques. O volume fazia parte da primeira edição, totalmente original. De fato, uma raridade. É que, para consegui-lo, desembolsei quase mil reais a quem o tinha. Lembro bem a quem o emprestei, juntamente com tantos outros que narravam a história de nossa cidade desde a fundação.
Diante disso, separei alguns especialíssimos para mim e dividi os quase dois mil exemplares, doando metade para a Biblioteca Municipal e metade para a Biblioteca da Academia Imperatrizense de Letras. Hoje (7-8-2020) tenho comigo uns 50 livros apenas. Na AIL (Academia Imperatrizense de Letras), deixei a coleção completa de minhas obras. Desapareceram todos. Mais adiante, deixei outra, já composta de 20 livros. Tente encontrar cinco! Quando em vez aparece um interessado e o empresto com muito prazer, mesmo sabendo que jamais o verei, porque, é lei: EMPRESTOU? PERDEU!
QUADRADO OU MODERNO?
Eu era um rapazinho de nariz pelado que passava o dia nos cafezais perseguindo as cambacicas, as sairinhas…, os passarinhos de bando que viviam catando as frutinhas de “cariru” das derrubadas novas. Com catorze anos, eu só pensava nos meus estilingues, na minha pequena bola de tênis que ganhara no aniversário como bola de futebol, nos deveres da escola ou na funda de arremessar mangas verdes em nossa guerra dos recreios. Sexo? Só lembrava do “instrumental” na hora do “pipi”. Nem por isso deixei de ser o adolescente mais feliz do mundo.
Nesse tempo, namorados tinham de se comportar ou ser muito espertos para arriscar uma carícia. Qualquer moça de minha época de criança, lá na minha rocinha, se fosse flagrada levando um beijo, estava desmoralizada. Claro que a rapaziada de hoje não conseguirá entender isso, mas o fato é que era assim mesmo.
Ficaria mais fácil para eles entenderem se soubessem que o primeiro beijo na televisão brasileira foi levado ao ar em 1951 pela TV Tupi. Foi dado por Walter Foster em Vida Alves, na novela “SUA VIDA ME PERTENCE”: “Foi um beijinho insosso, de boca fechada, com Vida Alves coberta por meu corpo para que as câmeras apenas insinuassem. No outro dia a emissora foi soterrada por cartas que protestavam sobre a imoralidade que ameaçava os lares brasileiros”.
Ontem, a mais cruel profecia dos novos tempos de imoralidade no cinema e na televisão, está sendo cumprida. Embora Walter Foster hoje até se envergonhe de relatar este fato, a verdade é que talvez tenha sido ele o responsável indireto pela destruição de muitos lares, profetizada pelos conservadores daquele tempo. Com cenas de sexo explícito em plena novela das oito, com propagandas obscenas diárias, com exemplos de adultério em cada filme, seriado ou novela, com carnavais… ou bacanais em fevereiro – não saberia diferençar – haveremos de convir que a evolução foi rápida e danosa.
Quantos pais, anos atrás, jurariam que sua filha de 13 anos não daria um beijo num “frangote” qualquer em sua frente numa festa apinhada de velhos amigos? No entanto, triste ou vergonhosamente, de tanto ver pelo cinema e pela televisão, os adolescentes acham tudo muito normal, e os pais se sentem impotentes para evitar.
E assim, achando que o mundo evoluiu, que agora é que as coisas estão certas, que o nosso passado foi uma perda de tempo…, achando que a felicidade e o prazer estão apenas no sexo, nossos jovens vão tendo problemas muito antes da hora e se transformando numa geração desequilibrada.
Nessas horas, os pais que não quiseram ser quadrados, enclausuram-se num manto de desespero e indignação: mas já é tarde, muito tarde, porque conforme as estatísticas, por mais sério e moderno que seja o tratamento levado a efeito pelas clínicas especializadas, apenas vinte por cento dos internados conseguem “voltar a ser quadrado”.
NO LIMITE DA REVOLTA e DO SARCASMO
Os votos foram depositados nas urnas. Graças a Deus que este tempo chegou… e já se foi! Agora, acabaram-se os nossos problemas! Sem qualquer exceção, os políticos de todos os partidos e naipes – homens de palavra que são – prometeram mais uma vez resolver o problema do desemprego, da saúde, da educação, dos salários defasados… juraram equilibrar as contas, cortar as mordomias aviltantes “de algumas classes injustificavelmente privilegiadas”, acabar com a violência, com as falcatruas, com os desvios de verbas, com os marajás remanescentes de Collor e com as aposentadorias prematuras e astronômicas “de alguns brasileiros diferentes”, amparar os deficientes físicos,… e mentais, os velhinhos aposentados… resolver o problema da Reforma Agrária, do descaso quase imoral de alguns congressistas diante dos problemas urgentes da Nação, da dívida externa e interna… cuidar do meio-ambiente, dos excluídos sem moradia, das crianças sem escolas… prometeram trabalho e honestidade, bem, prometeram, “desta feita”, “coisas diferentes, coisas que até agora, nunca tínhamos ouvido”. “Coisas novas” sempre nos deixam na esperança de que possam acontecer!
Por isso, “diante dessas promessas novas”, muitos acreditam que sairão do sufoco, do inferno da desigualdade para entrar no reino da equidade, da isonomia e da felicidade. Que seja louvado Jeová por tamanha benignidade para com “os pobres humildes, fiéis e cheios de fé”.
Esses “homens”, depois de gastarem mil vezes mais do que irão receber (caso sejam eleitos) por meio de seus salários, com certeza merecem nosso reconhecimento, nossa gratidão, mas, principalmente, nossas orações. Não “é sempre”, que homens desprendidos assim aparecem para doar quatro anos de suas vidas… e tanto dinheiro de seu esforço, em prol da coletividade! Valha-me Deus!
“Eu sei e acredito” que sempre vivemos no limite de nossa resistência porque, até agora, nunca ouvimos “tantas promessas novas de quem nunca cumpriu o que prometeu em campanhas anteriores”.
A SUSPEITA MAIS TRISTE DE MINHA VIDA
Aos 19 anos comecei a sentir umas reações estranhas no corpo. Jovem, em plena atividade física, eu nem sequer admitia que o médico consultado suspeitasse de leucemia e que eu estaria fadado a me despedir mais cedo deste mundo. Naquele tempo leucemia não tinha cura assegurada. Para piorar, conheci um adolescente, filho de um amigo que me vendera as madeiras de sua terra, lá no município de Jaguaré, para tentar salvar o filho desse tipo de câncer e, infelizmente, não conseguiu.
Depois de alguns exames em que se comprovou o aumento excessivo de glóbulos brancos, fui proibido de praticar esportes e convidado a lembrar que nem todo jovem é imortal. Da minha vida, foram os dias mais difíceis de serem vividos! Além de eu nunca pensar que iria morrer, também não me passava pela cabeça cessar de caçar, pescar, jogar futebol; partir para um lugar desconhecido sem a companhia de meus pais, irmãos e colegas da escola. O pior é que – antes da suspeita cancerígena, eu havia confirmado um jogo contra o Industrial da cidade de Linhares – ES.
Quando eu olhava os jogos de futebol, meus passarinhos, as flores, o céu azul…, quando via meus companheiros, numa algaravia indescritível, enfiar as chuteiras nos pés e entrar em campo (havendo oportunidade) eu saía de fininho para chorar em qualquer canto em que, somente Deus testemunhasse minha angústia. É que, nesse tempo, eu pensava que a morte fosse prerrogativa dos idosos!
No domingo seguinte, acompanhando meu time de futebol à cidade de Linhares, fui visitar o clínico geral, Dr. Joel Coelho que, quando em Marilândia, era zagueiro de nosso segundo time. Ficou sabendo que eu não jogaria, porque estava com suspeita de leucemia. Ele riu muito, mas quando ficou sabendo que eu estava falando sério, chamou-me de lado, fez perguntas, apalpou em vários lugares e, como receita, exigiu que eu entrasse em campo horas depois. Mas…, tentei argumentar… Ele não permitiu, assegurando-me que, leucemia seria a última hipótese a ser considerada. O certo é que, entrei em campo, fiz o gol mais importante de minha vida, driblando o famoso zagueiro do Industrial F.C., escapando e concluindo com sucesso a jogada.
Dr. Joel Coelho, depois do jogo, deu-me várias caixas de antibióticos com maior dosagem possível – essa era sua estratégia para resolver a maioria das graves infecções.
– Seu problema advém de uma grande infecção interna.
Pude, novamente, voltar aos campos, à luta, à vida normal. Isso foi há quase três décadas. De lá para cá sempre cismo o destino, lembrando a caducidade da vida. Estou consciente de que todo meu orgulho, vaidade, egoísmo, prepotência…, todas as fraquezas humanas que moram em mim, não são capazes de vencer uma colônia de infinitesimais vírus ou bactérias. Concluí que, normalmente, os seres vivos morrem depois que ficam velhos. Comecei, então, a me perguntar por que Deus preferiu usar esta estratégia para nos levar deste mundo sem tanta choradeira. É que até aos cinquenta anos eu dificilmente me lembrava que podia morrer. Sem cansaço, sem dores, disposto a tudo…, puxa, fora maravilhoso viver assim! Era como se eu carregasse o mundo debaixo dos braços, tendo-o sempre a meu inteiro dispor.
Mas, a cada ano, percebo que os olhos escurecem; a resistência cai, o raciocínio é mais lento…, enfim, já não consigo transportar o mundo. É que, distraidamente, estou ficando cansado.
Meditando, descobri por que ficamos velhos. Pela graça da juventude, quase sempre sadia, aprendemos a sonhar, a ter planos, a lutar, a amar a vida, a querer viver a qualquer preço. Seria extremamente doloroso despedirmo-nos da vida num tempo assim, quando acreditamos que, com a morte, tudo se acaba.
Mas, o tempo passa, envelhece-nos. A decrepitude, no geral, salienta as falhas orgânicas adquiridas por herança ou por atos inconsequentes praticados na juventude. Aí começamos a não amar mais tanto a vida. Impossibilitados de correr, de praticar esportes, de perder noites, de trabalhar, começamos a ser entraves para o mutirão saudável que, como água de enxurrada, vem exigindo espaço e arrastando tudo. No rodízio da vida, não há consideração pelo passado: bons e ruins tornam-se, fisicamente, imprestáveis na senectude. E, então, devagarzinho vamos aceitando a ideia de que é chegada a hora da substituição. A memória que, sarcasticamente aviva o passado memorável, encarrega-se do tiro de misericórdia. Paulatinamente – a morte que foi causa de desespero no passado – passa a ser algo aceitável, porque já não há graça se não participar do jogo desta vida.
A velhice foi determinada por Deus, principalmente para diminuir as reclamações daqueles que não acreditam na continuidade da vida após a morte. Para os que pensam assim, a despedida, embora inevitável, é mais dura e dolorosa do que para aqueles que, pela fé, acreditam nas promessas de Jesus Cristo, Filho de Deus. Como argumentou Pedro certa feita: só tu (Jesus) tens palavras de vida eterna. De fato, não há outra esperança aos seres humanos que sonham viver eternamente.
COMO SURGEM OS GRANDES ESCRITORES
Há poucos dias recebi um e-mail de Paulo Laranjeira, preocupado porque seu sobrenome havia sido registrado com g. Falamos sobre o assunto várias vezes, mas o que mais me chamou a atenção foi a observação que fez a respeito dos “pequenos/grandes escritores”.
“O Brasil é terra de muitas histórias, só falta ter quem as conte. A pobreza do povo, os baixos salários dos professores e o desinteresse de nossos governantes fazem com que a escolaridade seja um grande faz-de-conta, contribuindo para que as histórias morram com aqueles que as conceberam, porque nunca são divulgadas, diz Paulo Laranjeira.
Sem falar que estamos criando uma geração de ficcionistas, apertada em apartamentos pequenos e que, apavorada pela violência urbana, refugia-se desesperadamente em si, escrevendo sobre o próprio umbigo. É uma geração de desatentos ao que se passa em volta. Por isso eu gosto de ir às bienais do livro. Nelas posso encontrar obras de pequenas editoras que geralmente não têm vez no esquema editorial. Nessas pequenas editoras muitas vezes a gente acha histórias fenomenais, porém, não divulgadas”.
Achei interessante a observação dele, já que histórias há por aí, aos montões, passadas para o papel por escritores que ainda não tiveram a simpatia da mídia, ou não puderam pagar pela divulgação. A maioria dos seres humanos é levada pela emoção, pelo urra, pelo berrante promocional das grandes e interesseiras empresas de comunicação, que raramente se importam (até porque não são credenciadas para tal julgamento) com o valor literário e histórico do que se publica.
É inegável que se essas empresas, principalmente as televisões, resolverem transformar um escritor desconhecido num ponto de referência cultural do país, irão conseguir. Temos exemplos sobejos disso, não só na Literatura, mas em todos os demais setores culturais e esportivos.
Apresentadores, cantores, compositores…, tudo o que se pode engabelar com propaganda, consegue seu objetivo, porque o povo se assemelha a um estouro de boiada: algumas reses – por motivo inexplicável – começam a correr em determinada direção. O resto do rebanho, também sem saber porquê, acompanham. O fim de tal estouro desvairado, normalmente não é nada agradável.
Só a competição visual, sem votação de terceiros – como é o caso das corridas e afins – é capaz de premiar quem de fato merece. Aí não há como enganar: ou tem valor ou não tem. Vence o que chega primeiro. Prêmio Nobel, Discos de diamante, Miss Universo, enfim, todos esses tipos de premiação não são confiáveis, porque ainda deve estar longe o dia em que os interesses políticos e financeiros serão desconsiderados. Lá fora – se mesmo aos críticos for perguntado sobre Literatura Brasileira – certamente apontarão, no máximo, cinco escritores brasileiros: Jorge Amado, Paulo Coelho e.… e.… devem gaguejar na relação dos outros três. No entanto, antes da ascensão abrupta proporcionada pela mídia, eles eram praticamente desconhecidos… e até muito criticados. Os valores existem e acabam aflorando sim, mas quase sempre depois das catacumbas amarelecidas.
Paulo Coelho: seus livros já foram traduzidos em 23 línguas; publicados em 47 países; sete milhões de exemplares já foram vendidos…. Um fenômeno literário. Alguém que goste de ler resiste à curiosidade?
Às vezes me pergunto: se algum bom autor desconhecido, com estilo parecido com o de Paulo Coelho (e os há por aí), resolvesse assinar-se Paulo Coelho; ou se este, mesmo em Maktub, houvesse assinado Zé Minhoca, os leitores fariam a diferença? Eu respondo com convicção: NÃO. Continuaria valendo o “Faz a fama e fique na cama”.
Eu mesmo só ouvi falar de Paulo Coelho pela televisão, e na semana seguinte já ganhava de presente, de minha sobrinha que mora em Uberlândia-MG, o livro Maktub. Sem a imprensa, o fenômeno Paulo Coelho ainda estaria “hibernando” solitário nas estantes daqueles amigos que adquiriram seus exemplares para salvar as aparências.
De agora em diante, tudo que Paulo Coelho assinar será sucesso. Vende agora o nome, não a obra; a propaganda, não o valor histórico/literário.
Por isso, àqueles que têm sonhos de sucesso em vida e, é claro, boa qualidade, só resta arregaçar as mangas e partir para a propaganda. O caminho é vexatório, humilhante, dispendioso, muitas vezes, apelador, mas não há outro. Ser reconhecido pela consistência e profundidade das mensagens, pela coerência literária e pelas verdades pregadas, só mesmo por milagre… ou depois que os ossos já estiverem esfarelados em sepulturas ou mausoléus desmoronados.
PESADELO
De repente, sobreveio-me um pensamento estranho: eu teria, no passado, dirigido caminhões pesados? Estranho, sempre fui motorista de carros pequenos e, agora, fustigava-me a dúvida se, em algum tempo, eu dirigira algum dos Volvos de trinta toneladas que meus sobrinhos e irmão dirigiam.
Por que a dúvida? Não estou eu deitado, acordado, lembrando o passado? Via-me num tempo até certo ponto distante: vinte anos, talvez. A gente trabalhava em Itamaraju, na Bahia. Vejo-me dentro de uma boleia, ao volante de um caminhão que transportava vinte metros cúbicos de madeira branca, própria para compensados. Estradas acidentadas, carga alta, dia chuvoso. Sinto o caminhão estralando o estrado, gingando sob o peso descomunal que lhe fora imposto. Depois, tudo vai se dispersando, sumindo de minha mente, como se fosse uma baforada de fumaça esvaindo-se ao vento. É como se um botão de pausa fosse acionado. Não há mais seguimento. A imagem fica congelada.
Sim, estou deitado. A angústia não me deixa. Intermitentemente me sobressalta, mas não vai adiante. Há uma barreira, um fim de linha para o próprio pensar. Teria sido um sonho? Prendo-me nesta possibilidade e começo a forçar a lembrança. Nada. A ideia é vaga e angustiante. Apenas me vejo num carro pesado trafegando por estradas de chão muito acidentadas.
Os olhos quase fecham: madorra. No entre e sai da consciência, converso com meus pais e dois irmãos, todos já idos deste mundo. Sem lembrar que já não estão aqui, tento perguntar-lhes se sabem alguma coisa a respeito de eu ter ou não dirigido caminhões pesados. Eles, porém, não dão importância à minha aflição.
Conversam aleatoriamente, alegremente. Parecem felizes… e vivos. Falam de pescarias e contam histórias engraçadas de um tempo. Espreguiço-me e fico pensando, conscientemente, na ideia quase maluca que me ocorreu. Não consigo progredir… nem regredir: estou em pausa. Sem me livrar da ideia, sento-me na cama, pronto para levantar-se. Olho dos lados, olho para mim. Vejo-me transparente: apenas um pensamento adormecido. Percebo uma pequena dor de cabeça. Verifico a pressão: 13 por 7. A maioria das vezes ela mostra 11,5 x 6,5.
É possível que o caminhão tenha descido pela ribanceira, naquele dia chuvoso em que, sem experiência, eu o dirigia por estradas de chão sinuosas, às vezes enlameadas, acidentadas.
OS RIGORES DA LEI
Depois de evidentes e vergonhosas compras de votos nas eleições, resolveram aplacar a ira dos perdedores que não tiveram suporte financeiro para fazê-lo, com a sanção da Lei 9.840. Pronto, agora os “honestos sem condições financeiras” poderão ficar despreocupados: não haverá distribuição de sacolinhas, legalização de lotes, dentaduras, tijolos, remédios, exames, passagens, combustível gratuito, empregos para puxa-sacos sem competência, nem demissão de contrários capazes. Terminaram os desmandos. Agora viveremos a Democracia plena e desejada. É Lei!
Gostaria que também na escrita pudessem ser inseridas aquelas interrupções de gravação que mostram na TV todas as vezes que alguém desabafa com um palavrão, para aqui reproduzi-las. “Eta povinho desgraçado e tinhoso que Deus jogou neste País”! Não temos terremotos significativos, avalanchas, tornados, vulcões…, somos um dos maiores países do mundo e, no entanto, estamos entre os primeiros no “ranking” da corrupção, da miséria e da impunidade.
E quando a coisa parece insuportável, “ELES” aplacam a revolta do povo, criando mais uma lei, lei repetitiva, pois não há mais nenhuma contravenção, por mais chinfrim que seja, que não conste num inciso de algum código. Mesmo assim, os grandes roubos continuam impunes e a miséria cresce. Nunca houve na história um país no qual se usou tanto, disfarçada e hipocritamente, a Democracia no lugar da Tirania. Ainda continuamos sendo o lugar no qual os ladrões de galinha apodrecem nas prisões, enquanto os saqueadores da Nação desfrutam suas benesses no exterior.
Podemos falar e espernear sim, mas apenas até quando permitirem. Parecemos gazelas que pulam sobre leões saciados, ou seja, podemos incomodar o “rei”, mas apenas até que ele não se sinta incomodado, ou com fome.
Há 20 anos vejo aqui a tal Lei 9.840/99 infringida. Chegou-se ao insuportável, principalmente depois que aprovaram a reeleição, favorecendo aqueles que enriqueceram com o “gordo salário da primeira gestão”, podendo comprar votos para permanecerem no poder deles, dos filhos, netos, bisnetos, tetranetos, amigos e comparsas. Mas agora isso irá acabar! A “Lei é dura, dá multas pesadas, cassação de registro e cadeia”! Há, há, há, há, há…!
Está rindo? Pois não devia! Traga as provas e verá se a Lei não será cumprida. As provas são necessárias para que não se delibere apenas pelas evidências. As provas de que precisa? Vamos lá:
1- Pelo menos cinco testemunhas – de preferência de correligionários do candidato acusado de prevaricação – confirmando que assistiram a compra do voto, em cheque, dinheiro ou em favores.
2- Confissão do político corrupto, assinalando local, data, hora da compra do voto… registrada em cartório e com firma reconhecida.
3- Fita gravada com autenticação de especialistas de 10 universidades credenciadas, afirmando, todas, de que a mesma é autêntica.
4- Exame grafológico de bilhetes e cartas, realizado por algum discípulo de Jean-Hippolyte Michon com aprovação de paleontólogos franceses na aplicação de isótopos radiativos do carbono 14 (14C), de que a escrita coincide com a data da acusação.
5- Apreensão de papel semelhante e da caneta que escreveu a proposição que fere a terrível e temível 9.840. Aí entrará uma declaração expedida pelo Laboratório Científico da NASA, confirmando que a tinta que falta na caneta é igual a quantidade contida nos documentos em questão.
6- Comprovante bancário do dinheiro depositado pelo candidato na conta do corrompido.
7- Fotocópia autenticada do cheque emitido, provando que o dinheiro era público.
8- Confissão espontânea do corruptor e do corrompido, diante de juiz togado, em sessão aberta ao público, para evitar qualquer suspeita de pressão ou de perseguição.
9- Fita gravada do local mostrando as testemunhas que presenciaram a negociação envolvendo a venda do voto.
10- Confissão do corruptor e do corrompido de que conheciam os rigores da Lei quando praticaram a abominável transação.
Façam isto e verão se a Lei está aí para brincadeira! O diabo é que as pessoas veem e ouvem entrevistados dizendo que vendem ou que venderam o voto; que muitos só votam ou votarão em quem lhes pagar 50,00 ou lhes fizer algum favor; que ficam sabendo que alguns partidos distribuem combustível para seus veículos levarem eleitores para seus comícios e outras demonstrações; que o presidente, os governadores e os prefeitos arranjam empregos desnecessários para os “prós” e que demitem os contra; que os muros estão pichados com números específicos; que muitos “outdoors” foram posicionados em lugares proibidos; que a cidade está ficando emporcalhada com cartazes, santinhos e demagogias; que as emissoras de rádio e televisão e alguns jornais estão denegrindo os adversários, sem provas; que houve acusações mútuas gravíssimas entre os candidatos, taxando-se de ladrões e corruptos… e pensam que essas coisinhas bobas, sem importância, sem provas, apenas evidentes, servem para que a lei seja aplicada? Não, é assim não! É preciso provas! Provas.
Aplicar a lei pelas evidências pode acabar em vexame: coisa de prender pela manhã e soltar à tarde, como aconteceu com o pobrezinho do Catiola, ao injustiçado Nicolau, ao nobre ex-deputado Sérgio Naia, aos Anões do Orçamento e por aí afora. Ah, pode ser processado também! Lembram quando tentaram enodoar a honra dos irrepreensíveis Pita, Maluf, Eduardo Jorge, …? Agora, minha gente, arranjem provas e verão se a Lei é apenas para engrossar o código de baboseiras!
Mas não esqueçam: é preciso provar. Se você apenas ver sua mulher entrar furtivamente num motel com um moreno corpulento de olhos verdes, não serve para aplicar a lei da infidelidade. Afinal, há apenas indícios. Lá dentro eles poderão estar discutindo a sanidade mental de João ao escrever o Apocalipse ou deliberando sobre o melhor candidato para dirigir os destinos de nosso município. Como percebem: para que a lei seja cumprida, precisamos de PROVAS, só isso.
MARILÂNDIA: BEM NO COMECINHO
As lembranças me vêm por flashes. Vejo-me com seis anos (1945), nu, em cima de um monturo que havia à margem da estrada que liga Marilândia “às Pedras” (Alto Liberdade). O pequeno pedaço de terras (18 alqueires), que pertencia aos meus pais, abraçava a junção de dois riachos: Santo Hilário e Liberdade. Na confluência destes dois regatos, formou-se o “fundão”: lugar em que a criançada se reunia para se banhar. Já havia levado ali a maior surra da vida por tomar banho logo após o almoço: os imigrantes acreditavam que era muito arriscado pular na água fria logo após as refeições quentes.
Nesse tempo, Marilândia não passava de algumas casas, uma longe da outra. Bem no cruzamento das estradas, São Pedro x Alegria e São Marcos x Liberdade, Marilândia nasceu, tornando-se núcleo forte, tanto comercial como de pequenas indústrias de beneficiamento de café e arroz, normalmente instaladas em cima de carrocerias de caminhões. O Otávio Perim e o Passamani possuíam essas máquinas móveis que pilavam o arroz e o café em casca nas próprias fazendas. Como pagamento: dinheiro ou percentagem.
As terras, apesar de acidentadas, eram muito férteis e tudo o que se plantava, rendia centuplicado. Nesse tempo, 90% das matas ainda estavam de pé, a umidade era grande e as chuvas, constantes. A vida selvagem pululava em cada canto que se olhasse: macacos; psitacídeos; inhambus; felinos, roedores e centenas de passarinhos ornamentais eram vistos por quem andasse por qualquer trilha da mata ou mesmo dentro dos pequenos roçados.
Encontros de rapazes e moças, somente nos festejos religiosos ou em raros bailes na casa de alguém que, para isso, encontrava motivo. Mas eram festas sem segundas intenções. Tudo era pequeno, restrito, vigiado… Todos conheciam todos, e quaisquer deslizes logo eram propalados aos quatro ventos. Moça beijada, (se flagrada), ficava falada.
Diante destas felizes e providenciais dificuldades, o divertimento restringia-se, para os homens, aos jogos de bochas, caçadas, rodadas de vinho, “moretinas” e aos cânticos folclóricos peninsulares. As mulheres, felizmente, pouco haviam evoluído em relação às suas ancestrais: continuavam procriadoras, fazedoras de comida e, havendo folga, ajudavam os maridos na roça.
Mas, com uma centena de caçadores explorando as regiões contíguas, não precisou de muitos anos para que as reservas naturais das cercanias de Marilândia escasseassem. E foi nesse tempo que começaram as incursões para lugares mais distantes, principalmente Linhares e Bahia.
E como para qualquer grupo de pessoas, logo um líder surge, apareceu o Adalho, indiscutivelmente, o maior, melhor e mais sensato caçador do Brasil. Ele aprendeu tudo sobre o comportamento e nichos dos animais silvestres. Ainda estão vivos alguns de seus companheiros e, também, de seus discípulos. Aprendi com ele como atrair uma ave aos meus pés e até como saber o habitat de determinada espécie, apenas verificando as árvores presentes e o tipo de solo sob elas. Árvores essas produtoras de sementes apreciadas na alimentação de determinadas espécies.
As excursões eram preparadas meses antes. O Adalho relacionava os interessados, fazia as compras, alugava o caminhão (a comitiva costumava passar de 20 pessoas), dividia a soma e recebia, de cada um, a parte que lhe tocava.
No dia marcado, normalmente às quatro horas, chovendo ou não, eles partiam de Marilândia. Nesse tempo, o percurso até Linhares, em velhos caminhões que sempre apresentavam problemas, gastava-se 12 horas. Por isso, antes de deixar a estrada principal e entrar na mata, pernoitava-se. Improvisava-se um fogão, cozinhava-se arroz, esquentava a carne e depois, esperava-se a noite passar. Praticamente, ninguém dormia, tal a expectativa.
A estrada que hoje liga Linhares a São Mateus, era de chão e com a Mata Atlântica viçosa e aparentemente indestrutível, debruçando sobre ela. Em qualquer parte, logo se ouvia chorões, tururins, urus e até macucos, sem falar na algaravia de sons desconhecidos para a maioria dos incipientes.
No dia seguinte, penetrávamos na mata, rumo a um destino que nunca era inferior a quatro horas de caminhada. E, em se tratando de Linhares, naquele tempo, só por milagre não se era recepcionado por aguaceiros inesperados.
Embora as comitivas não fossem sempre as mesmas, lembro dos mais assíduos, aqueles que não faltavam ainda que houvesse um familiar hospitalizado: Eu, Antônio, Adalho, Dolmino, Ildebrando e Argeu Fregona, Emílio Croscop, José Vieira, Angelim Orlandi, Zaudino Scarpatt, Guerino Bravim, Joaquim Bona, Eleutério Lorenzoni, Eurides Canal, Arlindo Falqueto, Egídio Mariani, Agenor Gava, Albertino Cordeiro, Angelim Bravim… Todos perdiam o nome, tão logo subissem à carroceria do caminhão: Tunico, Velhão, Brusafer, Piaçarol, Guói Dio, Picão, Garnizé, Grapuá…
Com a caçada programada para 30 dias, os dois primeiros eram destinados à construção do barraco, pois já se sabia que constantes chuvas e temporais os visitariam todas as semanas. Lembro que, mais tarde, quando comecei a participar, consegui testemunhar 25 dias de chuvas ininterruptos. Nem é preciso dizer como ficaram os pios, as munições, as roupas…. Até aquelas que ainda estavam em sacos plásticos, encheram-se de bolor, tal a umidade. Mesmo assim, quando o chefe decidiu antecipar o retorno, houve quem discordasse. Nada de IBAMA, ninguém para “encher o saco”. Os caçadores desfilavam pelas ruas com espingardas e animais abatidos. Não se perdoava nem os gambás que visitavam os galinheiros pela madrugada e ai do veado que resolvesse mostrar o nariz a qualquer paroquiano. Não havia represália. Liberdade total, menos para os animais. “O tempora, o mores”!
Quando criança, eu cooperava com o mano Adalho na arrumação da excursão. Ajudava-o a carregar os cartuchos, a fazer as compras, a encaixotar os alimentos…. Eu ainda não tinha idade para enfrentar as matas, ainda que não perdesse uma caçada de inhambu ou de preás pelas cercanias de Marilândia, principalmente pelas margens dos riachos e de pequenas lagoas.
O tempo em que se ficava na mata era meticulosamente utilizado. Os cozinheiros levantavam-se às quatro horas. Faziam o café, esquentavam a sobra do jantar, enchiam as marmitas e, quando o caçador se levantava, era só jogar o preparado no embornal e embrenhar-se pela floresta. O retorno era sempre ao anoitecer. Este era o momento mais esperado, com cada um querendo relatar as emoções vividas durante o dia.
Formada a roda em torno da fogueira preparada pelos cozinheiros, cada um puxava o tamborete para o lugar desejado e o vozerio era de causar inveja às manadas de barbados, em pleno regozijar ao anoitecer na selva amazônica. Risadas e palavrões intercalavam-se até que o último contasse o dia vivido. Depois, jantar, pinga, vinho e rede. Aos poucos, as histórias diminuíam, roncos começavam, até que, ao último acordado, apenas o chiar agourento das corujas, ou mesmo os esturros de alguma onça no cio. No outro dia, como se tudo já estivesse programado, as coisas se repetiriam.
Ainda adolescente comecei a participar e, não acredito que haja semelhante à minha dependência de caçadas, até aos 45 anos de idade, quando tomei consciência sobre o crime que inadvertidamente estava cometendo. Se alguém quiser ler todos os relatos sobre caçadas e conhecer as dezenas de espécies de inhambus que os primeiros caçadores de Marilândia caçavam, basta pesquisar Livaldo Fregona no Google e seguir as informações sugeridas. Os livros O CAÇADOR e CAUSOS E CONTOS relatam muitas histórias sobre a vida dos colonizadores da, hoje, cidade de Marilândia.
Não havia escolha de profissão, nem de ocupação aos primeiros desbravadores. Nos períodos adequados, todos preparavam a terra e plantavam. Nos dias santificados, quem já não tinha medo, entrava na mata para caçar.
Qualquer família, por mais pobre que fosse possuía, no mínimo – ainda que magros – dois cachorros.
Nas pequenas derrubadas, diariamente apareciam tatus, veados, mutuns, porcos do mato, antas, enfim, muitos comodistas de espécies que se negavam dar a volta na derrubada. Chegavam no aceiro, examinavam e permaneciam em linha reta, parando ou vasculhando a abertura que lhes obstara a trilha.
Em toda abertura existia uma palhoça; nela sempre morava uma família; as famílias desse tempo eram constituídas de tantos filhos quanto o tempo de casados e, é claro, cães, quase sempre vira-latas magros que sobreviviam da cabeça e das entranhas de animais abatidos.
Qualquer bicho que desse bobeira ao aviso dos vira-latas, o chefe da casa surgia com a espingarda espoleteira Pica-pau, de um cano, carregada pela boca, com pólvora preta, esferas e pedaços de metais grossos como balísticos mortais, incentivando os vira-latas a acuarem a vítima. Se o bicho fosse inofensivo, em geral ia para a panela; mas se fosse uma vara de porcos queixadas, onça ou similar, no outro dia o morador estaria andando pelas veredas da mata, procurando os vizinhos mais próximos à procura de cachorros. Bem…., as calças ele já havia lavado.
Meus pais começaram a vida assim: vinte quilômetros a pé, uma palhoça, alguns cachorros e sete filhos. Eu era o penúltimo e já contava cinco anos de vida. Uma abertura, chuva quase todos os dias, animais para qualquer direção em que se olhasse.
Um dia um veado mateiro foi pressentido e visto pelos vira-latas bem pertinho da cabana. Diante do perigo iminente, o veado tentou voltar. Na reta que escolhera havia o riacho Liberdade. Com alguns vira-latas perseguindo, ele pulou na água, exatamente no lugar em que o riacho se apresentava mais largo e profundo, com a margem direita obstada pelo morro cheio de cipós como se fosse um muro de contenção.
Desesperado, sem entender nada do que estava acontecendo, o pobre animal se meteu no meio de uma cipoada caída num dos temporais e lá ficou quietinho, esperando que a serenidade e o silêncio lhe devolvessem a liberdade. No entanto, todos – gente e cachorros – sabiam que ele estava lá e sem saída. Buscaram corda, uma vara propícia e minutos depois, a corda foi passada no pescoço dele. Foi puxado para a abertura, humilhado, fotografado, morto e dividido.
Infelizmente, apenas minha irmã caçula e eu – que não estou na foto – ainda estamos vivos!
POLÍTICOS “DE LA SAMPÍGOLA”
O mano Jayr – como todo acadêmico que se preza – ainda no quinto ano de Medicina, muitas vezes recriminava minha mãe por insistir em rezar quebrantos, utilizar simpatias ou administrar garrafadas de ervas do campo para aliviar dedos destroncados ou qualquer incômodo que nos acometia. Acuada em sua medicina caseira, minha mãe defendia-se:
– Vá lá, vá lá, “doutor de la sampígola”!…
Nunca soube a tradução daquela expressão típica vinda da província italiana de Fregona, assim como de muitas outras, utilizadas pelos meus pais como foices para abrir caminho no emaranhado gramatical do Português. De uma coisa, porém, nenhum de nós duvidava: não era elogio, muito pelo contrário.
Pois bem, agora chegou o momento de eu encontrar uma definição para os homens que desempenham as principais funções administrativas do sul do Maranhão: “Políticos de la sampígola”.
O que minha mãe queria dizer, ainda não sei, mas quanto a mim, nunca estive mais certo: homens sem liderança, sem capacidade de realizar nossos sonhos, sem voz ativa para conseguir “nossa independência”, livrando-nos das amarras vexatórias da “Ilha”.
Num “Especial”, em primeira página, o jornal de Palmas estampa: “Reconhecendo nossos direitos, acreditando no enorme potencial do Tocantins e graças aos esforços do governador Siqueira Campos, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em visita às obras da usina hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães, no último dia 26 de maio, confirmou:
1- Criação da Universidade Federal do Tocantins.
2- Construção de cinco novas hidrelétricas no Estado.
3- Reconhecimento da dívida federal de R$ um bilhão.
4- Liberação de 2,7 milhões de reais para a melhoria da Unitins.
5- Implantação do Linhão Norte-Sul 2, com investimento de 1,7 bilhão de reais.
6- Intensificação das obras da Ferrovia Norte-Sul.
Enquanto isso, aqui, ficamos “eternamente agradecidos” à Governadora pela iniciativa própria e talvez por pena dessa região sem líderes, em “dar um grau” na Praça Beira-Rio.
Há anos, nosso confrade e jornalista Waldir Braga vem lutando pela criação do Maranhão do Sul. Praticamente sozinho, mendigando apoio de nossos “políticos de la sampígola”. Eles, acomodados, gordos e sem problemas, sentem prazer ao ver-nos espezinhados e dependentes da “Ilha”.
Estamos de mãos e pés atados até para uma carteira de identidade e nossos líderes políticos nada fazem, nada conseguem fazer ou não têm capacidade para fazê-lo. Somos a segunda maior cidade do Estado, fazemos parte da região econômica vital para a economia do Maranhão e somos tratados como crianças que precisam de mamadeiras.
Na velocidade que estamos caminhando, quando o Tocantins atingir o percurso de mil quilômetros de estrada caminhados, estaremos ainda arrumando a mochila para partir. Já foi provado, várias vezes, que o sul do Maranhão tem capacidade de se desenvolver e de se tornar um grande estado. A Ilha sabe disto e corta, e castra, e escraviza, e humilha, e compra nossas lideranças com migalhas, com promessas e com pequenos apoios particulares.
Eles lá sabem que em poucos anos – se independentes – seremos, como o Tocantins, também um grande estado, bem mais rico e desenvolvido que o Maranhão. Do jeito que as coisas vão, nossos líderes políticos acabarão fazendo a gente sentir saudade dos tempos do Davi. Tinha ele muitos defeitos, mas a qualidade indispensável a um homem público, ainda que lá meio na marra: liderança.
Segundo li, já tramita em Brasília, a possibilidade da criação de novos estados. O Maranhão do Sul não consta. Nossos políticos estão quietos, preocupados com a própria sobrevivência política, dependentes de cargos, vesgos aos anseios do povo… O “Maranhão” sabe que sua “Região Sul” pode caminhar sozinha: só nossos “políticos de la sampígola” não sabem.
Infelizmente parece que a Região Sul do Maranhão até gosta de ser submissa, podíamos até dizer, escravizada. Alguém lembra dos quarenta anos no deserto em que o povo israelita, comandados e protegidos por Deus, viveram?
“Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o SENHOR teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os mandamentos prescritos. Mas, pela minha vida e pela minha glória que enche toda a terra, 22. nenhum dos homens que viram a minha glória e os prodígios que fiz no Egito e no deserto, que me provocaram já dez vezes e não me ouviram, 23, verá a terra que prometi com juramento aos seus pais. Nenhum daqueles que me desprezaram a verá”.
Reconheço que mesclar a fé à podridão política, é algo extremamente impossível: óleo com água. Reconheço que é impossível alcançar o desenvolvimento de um país, sem a delegação pelo voto a pessoas honestas e dispostas a sacrificar parte de sua vida com honestidade, desprendimento e trabalho, o tempo que lhe foi delegado. Eu perguntaria:
– Existe esse tipo de homem/político por aqui?
POR QUE NÃO CONFIO
Dezenove horas. Dia oito de outubro de 2002. Milhares, talvez milhões de fogos espocam por toda Imperatriz. Cada explosão significava dinheiro público sendo desperdiçado por algum político que, certamente, foi eleito. Não saí para ver, nem perguntei quem, de quem ou para quem eram aqueles fogos.
Fechei as janelas e voltei à televisão, pulando de canal em canal, livrando-me das propagandas e das enfadonhas notícias políticas repetidas. Finalmente, vi que o canal da Record, no horário do Datena, mostrava uma reportagem comovente: uma brasileira se desfazia em lágrimas porque seu filho de alguns meses acabara de falecer… de fome. Literalmente, de fome. Mostrava-se pálida e barrigudinha. Não devia estar com fome e, sim, com extrema necessidade de alimentos adequados.
O pai desempregado há quatro anos, a mãe sem leite materno e as cinco filhas, a mais velha com 12 anos, encurralada num canto da tapera. A fome era palpável. A repórter perguntou para a mais velha, cujo olhar se assemelhava ao de um cãozinho medroso e assustado:
– O que você pediria ao futuro presidente?
E ela, encurralada em seu infortúnio, sem saber o porquê de tanto sofrimento, respondeu:
– Um pouco de felicidade para minha família.
A repórter não resistiu. As lágrimas lhe rolaram pela face, a voz lhe faltou: chorou convulsivamente. Uma pedra verteria lágrimas!
Enquanto isso, por lá também os fogos deviam estar espocando, trocando vidas humanas pela glória de ter alcançado o poder.
Daí meu nojo! O eleito não irá colocar em jogo o poder conquistado com mentiras e falcatruas. Sua mãe, irmãos e apadrinhados não precisarão saciar a fome de seus recém-nascidos com água açucarada e farinha, causando-lhes diarreia, desidratação e, por fim, a morte.
Quando esses tipos de políticos irão entender que Deus existe? Por enquanto ainda têm chances de salvação. Amanhã, com todos os beneficiados ao entorno, talvez só lhes reste o desespero.
Tenho nojo do político que assim se comporta, porque promete o impossível para se eleger; porque age como protagonista dos mais hediondos crimes de imposição.
Por dinheiro, vende, como Judas, a própria alma; porque mente, trai, difama, rouba e manda matar.
Chegar ao poder é a dificuldade maior para muitos políticos se aposentarem pelo resto de seus dias neste mundo. Uma vez eleito, nunca mais terá problemas financeiros. Se não se reeleger, ele muda de partido, de ideologia, de comportamento, do que for preciso, mas continuará agarrado na tutela dos impostos de quem trabalha.
EU: UM PRONOME ANTIPÁTICO
A gente vai vivendo, vivendo, e se não passar pela vida apenas respirando, começa a notar, – principalmente nos outros – o que deve ou não ser feito ou dito. Foi assim que percebi o quanto é antipático o pronome EU em qualquer escrito ou conversa. Em minha terra, resolvi denominar meu time de futebol (embora composto totalmente por membros da família) de FREGONA F.C. Não precisei mais que isso para notar que o meu time era o menos simpático do campeonato. Para maior azar dos adversários… e da simpatia, dificilmente a gente perdia uma partida.
Mesmo assim tem gente que vive pronunciando seu próprio nome em cada frase que diz. Define o mundo através de si: “Eu era; eu fui; eu sou; se fosse eu…” Não se importa com o interlocutor. Considera-se uma estrela, em torno da qual todos os planetas devem girar. Tem uns que até cortam sua conversa pelo meio, dando mostras nítidas do quanto seus assuntos e problemas lhes “convêm”. Você sim tem o dever de ouvi-lo. Ele é o melhor, o único que interessa, que pensa, que sente, que sabe…. Em toda foto, ele está no meio; em toda crônica ele mesmo menciona, a estrita amizade com o “rei”. Existem muitos subterfúgios para tentar gloriar-se, mas nenhum deles sobrepõe a humildade nata, aquela que somente espera o aval de Deus.
Quando nada temos contra a pessoa, ainda dá para engolir; mas, se já não lhe somos muito simpáticos, “aí é o diabo”: fica duro de aturar. E para maior castigo, gente assim raramente fala pouco. Dificulta até a despedida. Ah! Tem mais: conta-nos, quase sempre, a mesma história. Dessas pessoas, quase todo mundo foge… quando consegue, e muito se lamenta se, por azar, esbarrar com ela numa esquina.
Vocês já ouviram alguma entrevista envolvendo o Davi? É comum, em trinta frases, ele repetir “o deputado Davi Alves Silva” em vinte e oito delas. Dizem que ele é muito esperto – e nesse particular até preciso concordar – porque nessas tais entrevistas, ele consegue duas proezas ao mesmo tempo: fazer-se rei diante dos fãs incondicionais e interesseiros, e ainda massacrar aqueles que lhe têm aversão ou lhe são contrários por ideologia política e moral.
Quem tiver esse mau costume e não admitir a antipatia que fomenta, experimente ouvir aqueles que têm a mesma maneira habitual de ser. Se ainda assim achar normal, continue falando de si, porque já é proverbial e milenar, a necessidade de uma exceção para provar a regra. Ainda não há tratamento para curar os dependentes do EU.
Há muitos conselhos contra esse enervante hábito: “Quem se exalta, será humilhado”; “Os primeiros serão os últimos”; “Todo aquele que propala seus feitos, já recebeu aqui, sua recompensa” …, e por aí afora. É claro que não se deve “colocar a lamparina debaixo da cama”, mas a luz que não deve ser escondida e que de fato clareia, é a luz da humildade. Quem de fato merece e tem valor, não precisa apregoar-se. Dia menos dia, será reconhecido… sem antipatia.
OS DOIS MAIORES RONCADORES DO MUNDO
Dando uma olhada nas definições, fiquei sabendo que o ronco nada mais é do que a vibração intensa dos tecidos da garganta (úvula e palato mole), provocada pela passagem enérgica do ar inspirado. A apneia (parada respiratória superior a 10 segundos) muito comum nos roncadores, além de sequelas, pode cessar a respiração para sempre, ou seja, a respiração não volta e a pessoa morre enquanto dorme. Há muitos casos assim e você, certamente, conhece algum. Pois é, não sei como ainda não tivemos essa fatalidade na família! Outra coisa de que não duvido, é que alguns de meus familiares têm os tais palatos moles e úvulas mais resistentes do mundo.
Em nossas caçadas e pescarias, depois de um dia estafante e de um jantar descomedido regado a cerveja e vinho, muitos barbados (aquele tipo de bugio que anda em grupo pela floresta, e emite sons guturais graves que qualquer canguçu apaixonada em noite de luar, assinaria embaixo) ficariam humilhados. Com certeza, esses meus dois sobrinhos não sentem inveja de nenhum deles. Segundo testemunhas, nem eu!
Lá no rio Uruará-PA, os meus sobrinhos estavam com quase duas dezenas de peões derrubando matas e formando pastarias. A sede da fazenda – toda rodeada com varanda – parecia um desenho de linhas transversais, tantas as redes amarradas uma ao lado da outra. Pelo meio, dois espaços vazios: reservados aos meus sobrinhos Darutcha e Zé Colmeia, proprietários que lá chegavam todo fim de semana para descansar o espírito, já que os corpos voltavam mais moídos do que quando chegavam.
Saíram cedo, pescaram o dia todo e retornaram às 20h00min com o samburá cheio de peixes. Lá é assim mesmo: não é preciso se chamar Simão, nem incomodar Jesus para encher a canoa de peixes. Tomaram banho, assentaram-se à mesa e ficaram bebendo cerveja e vinho, enquanto o capataz Batista assava duas grandes caranhas na churrasqueira.
Pela varanda, já os peões dormiam tranquilos. Dificilmente se ouvia um ressonar. Pessoas magras, sofridas, cansadas… sempre se alimentando frugalmente e dificilmente bebendo algo que não fosse água natural, não roncavam nem sofriam de dispneia. Eles estavam lá havia seis dias e ainda não tinham, até então, recebido a visita dos patrões. Logo, não desconfiavam da armadilha.
Os meus dois sobrinhos conversaram, comeram e beberam até à meia-noite, quando, quase se arrastando, resolveram ir para as redes. Deitaram-se e apagaram em fração de segundos.
Lá pelas três horas, o Zé Colmeia, irmão mais velho que o Darutcha, acordou com a bexiga estourando. Sonolento, tonto, aprumou-se na rede e achou estar sonhando porque, na varanda, antes apinhada de redes e caboclos, só havia ele e o irmão. Este, ainda dormindo, dir-se-ia melhor, desmaiado, roncava tão alto que fazia vibrar até a roupa do varal. Parecia que a casa estava sob nova investida daquele terremoto de 8,2 graus na escala Richter, que assolou o Japão. Percebendo que o irmão podia estar mesmo correndo o risco de morrer sufocado, ele o acordou:
– Valber, pelo amor de Deus, que agonia é esta?
– Que foi? Que foi!? Gaguejou ele que nem mais falar direito conseguia: a garganta estava ferida.
– Pelo amor de Deus, cara! Vai roncar assim na “putaquepariu”. Você está numa agonia de morte. Roncar sim, mas nem um monte de leoas no cio faz tanto barulho.
Ele acabou de acordar… ou de roncar e, também, logo percebeu algo diferente, exatamente porque a varanda estava totalmente vazia:
– Ué! Cadê a turma que estava dormindo aqui com a gente? Será que já foram para o serviço?
– Só se estivessem em regime de escravidão, observou o Vilmar. São apenas três da madrugada. Mas, que é estranho, eu concordo. Será que estão todos mijando lá no terreiro?
Os dois, depois de aliviarem a bexiga, constataram que mais de vinte homens estavam amontoados num paiol de cinco por quatro, praticamente uns sobre os outros. Não houve, entre eles, um herói ou masoquista que não batesse em retirada depois que os meus dois sobrinhos se deitaram para roncar.
Quanto aos dois, naquele resto de madrugada, ficaram também sem dormir, sempre com um acordando o outro que ameaçava adormecer primeiro. Nem eles suportavam a tortura sonora originada pelas caixas de cerveja, os litros de vinho e as duas grandes caranhas assadas. No outro dia, cinco deles, imaginando que a dupla de roncadores iria continuar no barraco por muito tempo, pediram as contas.
Eu seria injusto se não registrasse a história verdadeira. É que junto aos funcionários desertores eu me encontrava.
Como mais velho e tio dos roncadores, recebi tratamento diferenciado. Um bom samaritano – que havia amarrado a rede no melhor lugar do improvisado dormitório – desato a rede dele e a estendeu no chão, pondo no lugar, a minha. Um saco com não sei o quê dentro foi usado como travesseiro.
Dentro de segundos podia-se ouvir trovoadas ao longe, mas dava para desconsiderar. Apaguei com eles.
Quando fui acordado pelo canto das jaós, notei que o dia estava amanhecendo. Olhei para os lados e não vi sequer uma rede.
– Que teria acontecido?
UM HOMEM, DUAS CIDADES.
A homenagem do Sanches
Do século VIII até comecinho do século XIX, havia na antiga Europa uma região chamada Germânia, formada basicamente de terras da atual Alemanha e também de áreas da hoje Itália. O nome “Germânia” vem do alemão”Wehrmann”, palavra formada de ”gehr-” (depois ”wehr-”, lança) e ”mann” (homem). Por extensão de sentido, a expressão “homem com lança” passou a significar “homem de guerra”, “guerreiro” – já que lanças eram muito utilizadas pelos germânicos nas guerras (muitas) em que se metiam.
A geografia (em especial a orografia, potamografia e talassografia) do território da Germânia – imagino – deveria ser ainda mais linda, pois que mais “natural”, 13 séculos atrás: onde mais se juntam belezas como os rios Reno, Vístula e Danúbio, os mares Báltico e do Norte e, de quebra, os montes Cárpatos. Tanta formosura deveria aquietar o espírito dos povos guerreiros, mas, como isso parecia não acontecer, as batalhas ao menos eram travadas em belos cenários…
É evidente que em um ambiente de guerras haja a presença, o desejo, a vontade da paz. Nada sobrevive em clima cem por cento guerras, guerras, guerras. Normal, portanto, que houvesse uma ou outra pessoa que buscasse a paz, a concórdia, a cessação das mortes e todos os demais estragos que uma guerra e, sobretudo, guerras sem fim provocam.
Aquele homem que buscava ou mantinha a paz recebia o nome germânico “Frithurik”, antropônimo formado das palavras “frithu” (= paz, amizade) e “rikia” (= senhor, príncipe, poderoso). “Frithurik”, assim, significa, senhor da paz, príncipe que assegura a paz, poderoso na paz. Com o passar dos tempos, dos séculos, pessoas e territórios da velha Germânia, que faziam parte do famoso Império Romano, foram se modificando: os territórios foram se dividindo e ganhando autonomia; as pessoas foram brigando menos…. Se pessoas e territórios se modificam, os nomes que os acompanham também se alteram. Deste modo, o nome “Frithurik” foi perdendo sua aspereza fonética e passou, em latim, a ser “Fredericus” e, após variantes intermediárias, chegou a “Federigo” (com “g”), reduzido depois para “Fedrigo”, até chegar à forma popular e coloquial ”Frigo”. Foi desse nome Frigo, complementado pela desinência ona, que veio a palavra “Fregona”, nome de uma pequena comuna (espécie de município), incrustada no canto superior direito do mapa da província de Treviso, na região do Vêneto, Itália.
O nome desse município italiano é o sobrenome do escritor imperatrizense Livaldo Fregona, nascido em Marilândia (“terra de Maria”, como os padres salesianos queriam). Marilândia está localizada bem no coração do Espírito Santo e foi construída com o grande trabalho de sua população, formada por muitos italianos e seus descendentes, como a Família Fregona. O que praticamente era mata virgem foi transformado em um município que, embora pequeno (309 km2, 12 mil habitantes), tornou-se culturalmente rico, tendo dado ao estado do Espírito Santo diversas pessoas influentes tanto na Cultura quanto na Política.
Pois bem: pela magia da Cultura, pelas artes da Literatura, um homem presente e sua terra distante se transportam hoje para Imperatriz. O meio de transporte não poderia ser mais charmoso, duradouro, efetivo: o livro.
Livaldo Fregona, o mais imperatrizense dos marilandenses, capixabas ou espírito-santenses, enriquece hoje esta cidade diversa e amplia sua diversidade com os conteúdos de seu mais recente livro: Marilândia: Vale de Sonhos e Lágrimas”.
O livro sobre Marilândia é lançado exatos 20 anos depois que Livaldo Fregona lançou um livro sobre Imperatriz. E em uma feliz conspiração de números e tempos, o livro sobre Marilândia é o de número 18 de autoria do Livaldo – e 18 é a razão (e título) do livro que o latagão Livaldo escreveu sobre sua cidade adotiva, afetiva, efetiva: “18 Anos de Imperatriz – O que Vi, Li e Ouvi”, publicado pela Ética Editora, do amigo comum Adalberto Franklin, falecido em março de 2017.
Quem não puder ter acesso à nova obra de Livaldo Fregona, tem uma quase obrigação de conhecer (ler) o livro que ele fez quando completou a maioridade imperatrizense. Com efeito, além de bem escrito, “18 Anos de Imperatriz” foi sobretudo escrito com paixão… e coragem. Ao lado de coisas e causas positivas, Livaldo não arredou um milímetro de reproduzir, em várias passagens do livro, os aspectos, digamos, “desconfortáveis” da Imperatriz da época – como a pistolagem. Livaldo não é de recuar – a não ser para pegar impulso. Quando, em 1981, veio para Imperatriz, trazia na alma o mesmo “espírito aventureiro” que ele enxergava e via brilhar nos olhos de seu velho pai, Seu Antônio Fregona que, com Dona Maria Pupim, o puseram no mundo.
“18 Anos de Imperatriz” … Livaldo não escreveu “18 Anos EM Imperatriz”. Com a preposição “DE”, a ideia e realidade do sentimento de pertencimento à terra que o acolheu. Estar EM algum lugar é uma coisa; mas, bem diferente, é ser DE. “Em” dá um sentido de transitoriedade; “de” carrega significado de permanência.
Agora já com 36, 37 anos aqui vividos, Livaldo Fregona tem no seu ”18 Anos de Imperatriz” o exato demarcador da metade dos anos dedicados a nós de corpo e alma – e que grande alma tem esse baita marilandense, que é talvez um dos melhores “produtos” que o mercado importador imperatrizense trouxe para nosso convívio, em pessoa e talento…
E se um marilandense é bom, mais marilandenses é bom demais. Além de irmãos e outros familiares, em Imperatriz também se fixou a marilandense Corina Fregona, professora e gestora educacional de excelência. Ela e Livaldo, no livro da vida, são autores de uma descendência (filhas), da qual sobrevém nova descendência…. Não há limite de páginas no Livro da Vida – e, assim, Marilândia é cada vez mais Imperatriz e, Imperatriz, mais Marilândia.
Neste 8 de junho de 2018, quando Livaldo Fregona estiver lançando na Academia Imperatrizense de Letras o livro que escreveu sobre sua cidade natal, sua alma imensa estará se lançando, satisfeita, sobre a memória de todos os espaços e gentes marilandenses e imperatrizenses…
… – uma imensa alma aquietada com o tributo às suas duas terras: aquela que viu nascer o homem e aquela onde, há 35 anos, o homem fez nascer o autor. (Seu primeiro livro, “Contos” foi publicado em Imperatriz em 1983).
Com um livro sobre Marilândia lançado em Imperatriz e com os livros de Imperatriz levados para Marilândia, Livaldo Fregona une e reúne Maranhão e Espírito Santo, Nordeste e Sudeste, Amazônia e Mata Atlântica.
É a mágica da Literatura: um homem, sua família e seus livros, como imensa fieira, unindo pessoas e cidades. É como se em Livaldo habitassem os velhos Fregonas da antiga Germânia. Aqueles Fregonas que, fazendo jus ao significado de seu nome (“senhor ou príncipe da paz”), os Fregonas cansados de guerras sangrentas, destruidoras, inúteis, passaram a buscar e a manter a paz, da qual dispensam ser senhores ou príncipes…, mas para a qual lutam como valentes soldados. Ó, bendito o que semeia livros e paz…!
Resumo biográfico do confrade Edmilson Sanches
É jornalista, radialista, consultor, palestrante e instrutor de cursos na área empresarial. Graduado em Letras (UEMA). Técnico em Contabilidade. Tem pós-graduação e aperfeiçoamento em Administração Pública (Brasília-DF), Administração e Negócios (Fortaleza-CE), Comunicação e Desenvolvimento Regional (São Paulo).
Deixou inconclusos os cursos de Direito (Universidade Federal do Ceará) e pós-graduação em Psicopedagogia (Ministério do Exército/Universidade Federal do Rio de Janeiro). Tem, entre outros, cursos os de Gerente de Classe Especial e de 1ª Classe do Banco do Nordeste, Gestão de Projetos e Update in Organizational Behavior (Wharton School).
Presidente de Honra do Conselho Municipal de Educação de Imperatriz (MA).
Membro de diversas instituições: Instituto Brasileiro de Executivos em Finanças (IBEF), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERKE), Conselho Regional de Contabilidade (CRC-MA), Instituto Brasileiro do Terceiro Setor (IBTS), Rotary International, World Wildlife Fund (WWF); Associação de Imprensa do Distrito Federal (AIDF); Associação Artística de Imperatriz; e Transparência Brasil, entre outras.
Pesquisador em assuntos de Segurança e Desenvolvimento. Foi o primeiro presidente do conselho deliberativo do CONSEG – Conselho Comunitário de Segurança de Imperatriz.
Fundador e presidente da Academia Imperatrizense de Letras. Fundador e membro da Academia Caxiense de Letras e membro da Academia Açailandense de Letras. Membro fundador do SINDIJOR (Sindicato dos jornalistas, radialistas e trabalhadores em empresas de Comunicação Social)
Instrutor da Polícia Militar (Polícia Cidadã) e de cursos de Gestão Pública da Universidade Estadual do Maranhão.
Foi Menor Estagiário e Menor Aprendiz do Banco do Brasil, em Caxias (MA). Em Fortaleza (CE) e Brasília (DF), foi Assessor da Presidência do Banco do Nordeste do Brasil, onde trabalhou 20 anos. No serviço público, foi Secretário municipal de Desenvolvimento Integrado, Secretário de Comunicação e Cultura e subsecretário de Governo e Projetos Estratégicos. Ex-diretor da Faculdade de Imperatriz (FACIMP). Foi Diretor e Consultor da Associação Comercial e Industrial de Imperatriz.
No jornalismo, exerceu funções de repórter, redator, revisor, articulista, colunista, diretor de sucursal, editor e diretor em vários jornais e revistas, entre os quais: O Pioneiro e Jornal da Cidade (Caxias-MA); O Progresso, Tribuna de Imperatriz, Jornal de Imperatriz, Jornal de Negócios, O Anúncio, Motivação, Jornal do Comércio e Indústria (Imperatriz-MA); O Estado do Maranhão e O Imparcial (São Luís-MA). Tem diversos artigos publicados em jornais de Brasília, Rio de Janeiro, Teresina etc.
Treinou centenas de líderes comunitários em Imperatriz. Criou e auxiliou na criação de diversas entidades sindicais (patronais e não-patronais), associações e outras entidades, comunitárias, classistas e culturais.
Autor da Enciclopédia de Imperatriz e de diversos livros nas áreas de Administração, Comunicação e Desenvolvimento. Tem inéditos mais de vinte livros técnicos e literários. Pelos relevantes serviços prestados ao município de Imperatriz, a Câmara de Vereadores e a Prefeitura Municipal concederam-lhe o título de “Cidadão Imperatrizense” e a “Comenda Frei Manoel Procópio”.
MEU SAUDOSO PAI
Hoje somos um bando de humoristas fracassados, pessoas que mais causam riso do que fazem rir, mas houve um tempo em que, Tom, Chico, Jô…, não nos faziam falta. Éramos um bando! Um bando como os jacus, as sairinhas, as aracuãs, os anus, os jacamins, os tiês…. Não sabíamos viver isolados.
Por mais paradoxal que pareça, meu pai, que só fora flagrado por mim duas vezes dando espalhafatosas risadas, era o que mais nos fazia rir. Só falava sério e, aparentemente, detestava brincadeiras. Ainda hoje ele é o senhor de todas as citações engraçadas daquele inesquecível tempo.
Na roça é muito comum os casamentos entre famílias vizinhas. Moça lá, rapaz aqui, falta de livre escolha…, é pano para costurar. Sem outras opções, logo se enamoram. Foi assim que três da nossa família se casaram com três de uma mesma outra. Enquanto se encontrou par, a coisa foi acontecendo.
Vicente, o caçula de lá, sacramentou o tácito e circunstancial acordo, desposando nossa caçula. A bem da verdade, meu pai sempre se calava quando o assunto era o possível casamento entre os dois últimos rebentos das duas famílias. É que o pretendente vivia dando cabeçadas na vida e, até então, não se fixara em nenhuma profissão. Meu pai era conciso, mas jamais conheci alguém que dissesse tanto com tão poucas palavras ou, até mesmo, sem pronunciá-las. Seu olhar, suas curtas observações, suas feições…, eram apuradas demonstrações do que lhe ia na alma.
Quando noivaram e já de casamento marcado, o Vicente veio morar com a gente, mas nem namorar na sala ele podia depois das 19 horas. Nessa época trabalhávamos com hortaliças por meio de um projeto da EMATER. O plantio ficava à margem esquerda do rio Doce, distando mais ou menos um quilômetro. Terra massapê, sempre muito escorregadia nos tempos de chuva, pernilongos que nem diabos insaciáveis, capoeira que nascia de uma hora para outra. E todos os dias, como um bando de jacus, lá íamos nós atender as exigências do técnico da entidade: um baixinho retaco, negro…, incansável em experimentar a qualidade de nossa produção, todos os dias passava por lá, enchia a pick-up do que encontrava de melhor e desaparecia sem dizer uma só palavra. Iria testar para receber o salário.
Num dia qualquer resolvemos roçar a capoeira que ameaçava sufocar as hortaliças. Meu pai afastou-se de nós e foi para um canto. Minutos depois voltava resmungando. Era costume bufar e gemer por qualquer incômodo, mas dessa vez o motivo justificava: uma vespa o havia picado bem na ponta do nariz, tornando-o mais proeminente do que já era.
Embora com muitos defeitos, o Vicente tinha (e ainda tem) a singularidade de ser cordato, atencioso e solidário. Logo jogou a foice ao chão e foi ver o que havia acontecido:
– Que foi, seu Antônio?
Notando que o inchaço do nariz dispensava a qualificação do inseto que o havia acometido, meu pai foi seco e direto:
– Como se chamam aqueles marimbondos pretos, grandes, de asas amarelas e com um ferrão deste tamanho?
Ao dar as medidas do ferrão, meu pai afastou demais as mãos, e o pobre e ingênuo Vicente, sem antever as consequências de uma observação dada fora de hora a quem já não lhe era muito simpático foi, também, repentino e inconsequente:
– É marimbondo Tucano, seu Antônio.
Meu pai o encarou rubicundo, deu meio volta e foi lavar os olhos que, pela dor da picada lacrimejavam.
Como dias passaram sem que meu pai esquecesse a maldita observação, o Vicente resolveu tomar a iniciativa. Numa tarde, notando que o velho estava dando com um grande facão cego numa acha de jenipapeiro – ele fazia coronhas para espingardas – observou:
– Seu Antônio, o facão está muito cego! Deixe-me amolá-lo para o senhor.
Embora a contragosto, meu pai passou-lhe a ferramenta. Tentando refazer-se da infeliz classificação que dera à maldita vespa, meu cunhado foi à oficina vizinha, mandou que passassem o esmeril e depois completou o serviço com uma lima chata KF, nova. Meu pai só afiava as ferramentas, jamais usava limas, porque dizia que elas as destruíam. Esmeril elétrico, então nem pensar. Por isso, quando o Vicente, com os olhos brilhando entregou-lhe o facão desbastado demais, recebeu o devido troco de sua infeliz classificação lá na horta:
– Varda (com raiva ele nunca dispensava a introdução peninsular), quel bruto fiol dun can! Acabou com a maior recordação que eu tinha do Policarpo: fez do meu “facão de tabuinhas”, um punhal. Nesse tempo as limas KF eram temidas pelos imigrantes italianos que trabalhavam usando ferramentas para prepararem a terra. A palavra “punhal” foi pronunciada com o “l” destacadíssimo, sem qualquer conotação com a letra “u”.
Policarpo era o nome de um dos irmãos de minha mãe, exímio ferreiro em Ribeirão do Cristo, no Espírito Santo, e seu inseparável companheiro de caçadas de pacas. Daí o ciúme pelo presente que, segundo ele, o Vicente o havia transformado num punhaL.
MELHOR NÃO SE ENVOLVER
Certa vez Jesus alertou seus discípulos, aconselhando-os a nunca se distraírem, porque o dia e a hora exatos em que seriam chamados, nunca saberiam. Acho que Jesus referia-se mais às pessoas sadias, àquelas que nunca sonharam com a morte. Nem àquelas com doenças crônicas que vivem sofrendo e se conformando em adiar o fim com remédios, fisioterapias… e teimosia. Embora Jesus não tenha incluído os irracionais em seu alerta, hoje pela manhã, ao passar pelo canil, vi a globalização de tudo que tem vida.
Há 17 anos, uma de minhas filhas comprou uma cadela da raça Doberman, batizando-a, imediatamente, de Shatzie. Contratou o adestrador Alves e em poucos meses, ela só não falava. Aos oito anos, estando no cio, foi-lhe apresentado um parceiro da mesma raça, mas de cor, digamos, marrom, e 12 filhotes apareceram. O pai se chamava Hulk. Acho que estou dispensado de falar sobre o quadro apresentado! Como dizem: a fotografia dispensa a descrição. O Hulk, de fato, não era fácil.
Já foi dito que a Shatzie apenas não falava. Seu comportamento, no entanto, dizia tudo. Ela passava o dia amamentando e arrefecendo os desentendimentos. Vocês lembram da história de Caim e Abel? Eram apenas dois e, mesmo assim, o mundo pareceu pequeno para Caim. Pensem agora nessa mãe, com doze?
O tempo foi passando! Tão logo dispensaram as tetas da mãe, os “gângsteres” começaram a se distrair com tudo o que encontravam: sapatos, chinelos, sofás…. Bem, tudo o que encontravam. Os prejuízos constantes, acrescidos da exigência imediata da presença da vigilância sanitária (cocô e pipi para todos os lados), forçou à Drielly a se desfazer-se de 90% da tropa devastadora, sob o olhar triste da mãe. Ela não conseguia esconder a dor de ver seus filhos indo embora. Drielly reservou uma cadelinha, que logo foi batizada com o nome de Panzer.
Apenas com alguns meses, ela – convivendo com a sábia mãe – já obedecia a todos os comandos: canil, deitar, morta, senta, mãos para o alto, enfim, tudo o que o Alves havia ensinado à Shatzie, ela absorvera. Bem, o Alves não ensinou à Shatzie, que não devia destruir calçados, nem as plantas do meu quintal. Nesta particularidade a Panzer superou a mãe!
A nossa casa vivia em constante preocupação: dois gatos filhos legítimos, três encostos, três papagaios, uma ararajuba, 40 galinhas poedeiras, animais acidentados ou doentes que a Kizy apanhava na rua e trazia para nossa casa, a fim de que fossem remediados. Comumente eram recuperados, só que ficavam sob nossa custódia. Era bicho para todos os lados.
E eu, que vivia criticando minha sobrinha Vânia, porque ela me deixava dúvida se morava numa casa, ou num canil, a cada dia me sentia mais impotente para combater a mesma mania de nossa Teresa de Calcutá.
A Drielly contentava-se, apenas, em municiar a dependência da irmã, não deixando que no quintal faltassem cachorros.
Infelizmente, a festa perdeu o brilho, quando a Panzer foi infectada pelo protozoário Leishmania donovani, o Calazar.
O tratamento foi imediato: funcionou na mãe, mas na filha, não. À mãe, restou um outro problema, não menos destrutivo. Apesar de todos os recursos veterinários, num dia, pela manhã, ela amanheceu sem vida. Choro de lá, lágrimas de cá, enterro digno e, toda responsabilidade imediatamente passada à filha, então com Calazar incurável.
Drielly ganhava, nesse tempo, apenas o necessário para os medicamentos da cadela. Apesar de todo cuidado, o Calazar progredia: joanetes por todos o corpo, cegueira total num dos olhos, lesões por todo o corpo, diarreia contínua, unhas enormes, dificuldade em se levantar, caminhar trôpego, olhar triste e perdido.
Diante desse quadro, comecei a insistir para que ela fosse sacrificada, mas a resistência foi total. Ainda que eu jurasse que o sofrimento dela estivesse me afetando, ninguém acreditava. E, escondidinho, eu a acariciava, massageava e até arriscava pedir a São Francisco de Assis que intercedesse para que a doença desaparecesse. Mas, minha fé não conseguia – nem com a alavanca de Arquimedes – mover uma pena de galinha.
E, sem fé, e sem remédio para combater a doença, a Panzer foi piorando, piorando. Até que, no dia quatro de julho, soluçando, a Drielly nos reuniu e disse que já havia alcançado o limite dos adiamentos: já havia combinado com a veterinária sua amiga, filha do Dr. Paulo Jessé, para que a sacrificasse.
Às 15h30min, a veterinária chegou, aplicou o sedativo, deixou que ela dormisse e, certificando-se de que o sonífero havia funcionado plenamente, aplicou o produto terminal. Ela simplesmente parou de respirar e dormiu para sempre.
Sucedeu-se um silêncio tumular. Não houve um que não chorasse. A veterinária foi guardando o que trouxera e foi saindo esfregando a manga do jaleco no rosto.
Apanhei a picareta e fui cavar a sepultara, bem ao lado da mãe, na sombra de dois limoeiros do fundo do quintal. Sinceramente, não sei se vale a pena criar animais de estimação!
E O FEITIÇO VIROU-SE CONTRA O FEITICEIRO
Antes de me dedicar ao estudo acurado dos inhambus brasileiros, já os conhecia sobejamente, caçando-os por todo o território nacional. Um dia, porém, alguns biólogos, zoólogos e ornitólogos de São Paulo, Rio de Janeiro e outros centros avançados, em visitas inesperadas, aconselharam-me a pesquisá-los, ao invés de abatê-los.
– Se não se mudar essa cultura, diziam eles, num futuro próximo essas aves estarão em extinção graças aos achaques renitentes dos depredadores humanos.
Foi quando parei para aquilatar meu grau de culpabilidade e avaliar o crime ecológico que estava cometendo. Para reforçar minha decisão, meu pai criava quatro macuquinhos: ovos encontrados pelo mano mais velho e chocados numa galinha. Como bom arrependido, não deixei para o outro dia: ali mesmo iniciei a reversão de minhas atitudes, pendurando a espingarda no “fumeiro” e iniciando a construção de um cativeiro.
Entretanto, meu grupo de amigos caçadores não foi tão sensível aos conselhos dos ecologistas e continuou, com funções diferentes, a acompanhar-me nas incursões às selvas. Eles abatiam e eu capturava para posterior reprodução em cativeiro. Porém, a lei nunca fora de fazer grandes distinções entre abater e apanhar, e assim, continuei contraventor. Jamais consegui convencer a quem quer que fosse, que minhas intenções, então, eram de proteção, reprodução e repovoamento das áreas que já não existiam.
Diante desse clima, meus cunhados, irmãos e eu, marcamos uma incursão na Reserva Sooretama. Eles, armados até os dentes, e eu, com minha sofisticada aparelhagem de captura. Tentaria fêmeas de jaó da mata, que somente ali eram encontradas. O lugar era de difícil acesso e teríamos, inclusive, de passar pela barreira dos agentes florestais, postados em guaritas pelo caminho. Iríamos arranchar durante quatro dias e o que levávamos às costas, por certo, não deixaria com fome um exército faminto durante uma semana. Cada um transportava um alforje com tudo “entulhado até à boca” – não menos de 40 quilos.
Na tarde de quarta-feira, véspera de nossa saída, podia-se notar aquelas tralhas rechonchudas e pesadíssimas. Meu cunhado Vicente, eterno estropiado, a cada minuto experimentava o peso da dele e reclamava:
– Nossa Senhora, pesa mais de 50 quilos, experimente! E o pior é que estou com a coluna em frangalhos.
Foi aí que o tridente saiu das mãos de seu usuário-mor e me foi passado como se fosse uma corrida com bastão. Saí sorrateiro para o fundo do quintal, transformado em almoxarifado, e encontrei um velho enxadão desencabado, uma cavadeira, uma travadeira dos primitivos grupiões italianos, uma grosa abandonada e uma marreta de aço alemão, pela qual meu pai falava maravilhas e desacatava a indústria brasileira. Arrumei tudo num embrulho só e, aproveitando a distração do Vicente, coloquei a sucata toda em seu picuá, acrescendo mais dez quilos ao peso primeiro do qual tanto reclamava.
Como malfeitor assustado, espremi-me ao portal e ganhei a varanda, sem que ninguém percebesse – assim pensei. “Puxa, será aquele sarro quando, mourejado e estafado, o Vicente chegar ao fim da jornada. Por certo ficará alguns minutos esticado e talvez até desmaie ao descobrir a sucata. O que terá de suportar de gozação, não será fácil!”
O que não me ocorreu foi o dom inato do cunhado, que conseguia perceber detalhes bem menores do que uma diferença acentuada de dez quilos. Ainda mais com sua coluna funcionando como detector sensível a um grama que fosse. Meu cunhado, até então, nunca fora um perfeito observador de tudo o que lhe dizia respeito.
Deleitava-me assim pensando, quando meio manco ele dobrou a esquina da Sorveteria Polar, que ficava a poucos metros de nossa casa.
– Fui comprar uma Decadronal – disse ele exibindo uma pequena ampola. Meu picuá pesa mais de 50 quilos e estou com a coluna na pior.
– É…, Decadronal é muito bom – disse eu um tanto arrependido.
Mas não era arrependimento, pois se eu quisesse, bem podia retirar a ferragem. Não o fiz. Não podia perder, ainda que levasse meu cunhado a internar-se. Gozações e sacanagens eram sempre as conquistas mais gloriosas de nossa família. Essa seria inesquecível!
Chegou a madrugada, a partida, as guaritas, o local, o desembarque e a caminhada. Levamos quase meia hora para arrumar os cacaios nas costas. Parecíamos uma tropa organizada com excesso de carga. Trôpegos, com os sacos agarrando nos cipós e espinhos, lá íamos nós, floresta proibida adentro. Minha carga parecia encurtar-me, tal o peso que sentia nos ombros. Sinceramente, cheguei a arrepender-me ao notar o sofrimento do meu cunhado que reclamava sem parar. Entretanto, talvez feliz por aquela aventura, o desgraçado seguia sempre com um sorriso safado e cínico. Quase que de minuto a minuto, virava-se para trás e comentava:
– Vai pesar assim nos infernos!
Isso me doía, mas não podia mais recuar. Afinal, também eu estava me arrebentando. Parecia-me transportar ltabira toda nas costas.
Enfim, depois de quase quatro horas de tropeções, quedas, arranhões e palavrões, chegamos ao local, com as roupas encharcadas de suor. Exatamente como previ, o Vicente estirou-se, cerrou os olhos e suspirou fundo dizendo:
– Até que enfim, pensei que não suportaria este peso até o final.
Enxugou o suor da testa com o próprio boné, abanou-se e insinuou:
– É, ainda bem que viemos prevenidos, pois aqui tem madeira pra chuchu – e deu uma olhadinha maliciosa para o meu outro cunhado, o Arlindo, o Quoque Grapii.
Foi aí que uma ideia maluca me ocorreu:
– Será?
Um calafrio perpassou-me a espinha. Não, ele não faria isto. Não viu, não descobriu… Ele não seria capaz disso. Se tivesse descoberto a tempo, bonzinho como é, não poria a carga nas minhas costas. Tentei iludir-me como pude, mas uma dúvida terrível, e cada vez mais acentuada, invadia minha cabeça.
– Como é, vamos desarrumar as tralhas? – outro risinho sarcástico.
De fininho e disfarçadamente, passei a mão pelo alforje como se estivesse enxugando o suor das mãos. Um objeto duro, esquisito e não muito estranho foi detectado… o mesmo objeto desgraçado que me roera as costelas durante quatro horas de trajeto. Já não havia mais dúvidas: o cunhado bonzinho, abrindo exceção, transferira a encomenda. Com mil furacões, pensei, estou arruinado. Desta não me safarei nos presumíveis 50 anos que me restam.
Brando, ainda apático, não haviam dado pelo fato, e se eu não continuasse tão idiota, talvez pudesse ainda deixar por menos aquela situação vexatória. Pensei: se ele não puder provar, será palavra contra palavra.
– Como é – retrucou insistentemente – vai amolar o grupião logo? Veja que jequitibá enorme aí do lado.
Depois de muitas estratégias, consegui convencê-los de que, o primeiro trabalho era preparar o barraco que usaríamos nos cinco dias em que ficaríamos lá. E mal o Vicente adentrou alguns metros para cortar um varão, arranquei aquela desgraceira de ferros velhos e levei-os a uma sapopemba, cobrindo-os com folhas secas. Cortei também um varão, mais para disfarçar, e voltei aliviado, jogando-o ao lado. Quando se aproximaram, às vistas de todos, comecei a desarrumar minha bagagem. Os olhos do Vicente brilharam e sua inquietação era por demais insinuadora. Peça por peça retirei tudo, sem que nada de anormal acontecesse.
– Onde escondeu?
– O quê?
– Pra cima de mim?
– Não sei do que está falando.
– Sabe sim. Então vai fazer uma derrubadinha aqui – ponderou o Arlindo, que já recebera a versão do Vicente.
– Este cara é maluco. Pensa que me pegou. Já estou sabendo das insinuações dele. Acontece que fui avisado e retirei a sucata.
– Duvido!
– Pois quando chegar em casa, olhe no fundo do quintal para ver se a ferragem não está lá no mesmíssimo lugar de sempre.
Para tentar provar que eu, o sabichão, o pregador de peças, que sempre impunha malvadezas aos outros não tinha entrado naquela vexatória situação de idiota, trouxe a sucata de volta e, mal ele apanhou uma xícara de café e se virou para conversar com a esposa, corri para o fundo do quintal e coloquei a desgraceira toda no lugar de onde nunca deveria ter saído. Só Deus sabe o que sofri e as ginásticas que pratiquei para não ser flagrado. Depois, chamei o Vicente e desafiei:
– Não vai olhar se a sucata está no fundo do quintal?
– Ora se vou – disse ele dirigindo-se para o local.
Ficou duvidoso ante o que viu, embora manchas roxas atestassem por todo meu costado a dura verdade. Por fim, examinou-as cuidadosamente e foi diabólico:
– É, mas estão lustras, muito lustras! Acho que foram usadas nos últimos dias.
Passei cinco anos dizendo o contrário e quando já confirmava a filosofia daquele maníaco secretário de Hitler, de que uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade, resolvi contar o que realmente ocorrera.
Nunca me arrependi tanto! Com toda sinceridade: há pecados que é melhor quitá-los no purgatório!
BIOGRAFIA
Livaldo Fregona é filho de Antônio Fregona e Maria Pupim.
Nasceu num pedacinho de terra devoluta, no convívio pleno com a Natureza, próximo à atual cidade de Marilândia, situada no sudeste do estado do Espírito Santo, no dia 26 de novembro de 1939.
Completou o curso primário em Marilândia – ES; o Ginasial em Colatina – ES; o Clássico em Vitória – ES; Filosofia em Belo-Horizonte – MG; Contabilidade e Laboratório de Análises Clínicas, em Colatina – ES.
Para se sustentar, trabalhou como protético na Odontótica Capixaba, do amigo Neil Pacheco; deu aulas de Português e Biologia nos Colégios Nossa Senhora do Brasil e Estadual Conde de Linhares, ambos de Colatina – ES.
Jogou futebol na U.A.C.E.C., que disputava o campeonato estadual do Espírito Santo.
Voltando a Marilândia, exerceu diversas profissões: laboratorista (análises clínicas de laboratório); professor de Biologia, Português, Geografia e Religião no Seminário Menor Sagrado Coração de Jesus; foi guitarrista do conjunto musical “Os Corujas” e contador de diversas firmas de Marilândia e adjacências.
Mudou-se para Linhares – ES. Fundou novo conjunto musical, formou seu próprio time de futebol, continuou com laboratório e contabilidade, acrescendo, ainda, o comércio de madeira.
Em 1981 mudou-se para Imperatriz, trazendo consigo a maior parte dos familiares. Entre escrever crônicas e contos para “O Progresso” e, esporadicamente, para outros jornais e revistas, lançou seu primeiro livro: CONTOS.
Obras:
01- Em 1983, CONTOS, 164 páginas narrando acontecimentos engraçados de seus amigos e familiares.
02- Em 1984, A PROCURA, 175 páginas narrando o início de sua crise existencial.
03- Em 1985, MENINO DA ROÇA, 255 páginas retratando boa parte de sua vida.
04- Em 1986, ESTRANHA PASSAGEM, 169 páginas narrando a vida de um homem bom envolvido nos males do mundo.
05- Em 1987, JABINO, O PREDESTINADO, 210 páginas de ficção, entrelaçadas nos mistérios da predestinação.
06- Em 1988, ABISMOS, 289 páginas contando parte da vida real de alguns amigos.
07- Em 1990, O CAMINHO, 242 páginas de crônicas e contos diversos.
08- Em 1992, OS HUMILDES, 172 páginas narrando a vida de homens pobres, humildes e analfabetos.
09- Em 1994, SIRIANO, 144 páginas sobre a vida real de “um menino de rua” da cidade de Imperatriz.
10- Em 1996, NUVENS PASSAGEIRAS, 252 páginas de crônicas e contos sobre os mais variados assuntos.
11- Em 1998, 18 ANOS DE IMPERATRIZ – O QUE VI, LI E OUVI – 420 páginas narrando, detalhadamente, o que aconteceu nesses dezoito anos.
12- Em 1999, A FAMA E A VERDADE DE JOSÉ BONFIM, 200 páginas sobre o considerado pistoleiro José Bonfim.
13- Em 2005, AO LADO DO TRAVESSEIRO, um livro que narra fatos incríveis produzidos pela fé em N. S. Jesus Cristo.
14- Em 2008, O CAÇADOR, 221 páginas narrando alguns acontecimentos do tempo em que caçava por todo o Brasil, excetuando-se os estados do sul do Brasil.
15- Em 2010, SIMBA, 189 páginas de um romance, ora real, ora fictício, ocorrido na Amazônia.
16- Em 2015, CAUSOS E CONTOS, 263 páginas narrando casos engraçados ocorridos no seu dia a dia.
17- Em 2016, O MAIOR MENTIROSO DO MUNDO, 100 páginas de contos escolhidos.
18- Em 2018, MARILÂNDIA: vale de sonhos e lágrimas, 226 páginas. Romance de ficção sobre seu torrão natal.
19- Em 2020, AO CLARO DA LAMPARINA, 306 páginas, condensando vários exercícios de um adolescente em busca do sonho de se tornar escritor.
20- Em 2021, BRAUXO, O MORUBIXABA – 193 páginas, narrando a história de um menino sequestrado pela mulher do cacique.
21- CATANDO PEDAÇOS – 254 páginas pinçando escritos perdidos, encontrados, gravados ou editados em revistas e jornais da região.
Cooperou com três páginas discorrendo sobre a Mata Atlântica, no livro científico “A Preservação do Mutum de Alagoas”, do escritor, pesquisador e ornitólogo Pedro Mário Nardelli, da Zoobotânica Mário Nardelli, de Nilópolis – RJ, editado também em inglês.
No dia 26 de abril de 1997, por ter sido eleito o mais atuante escritor da Região Tocantina, recebeu o Prêmio Academia Imperatrizense de Letras, criado pela Prefeitura Municipal de Imperatriz.
Em 2011, recebeu o prêmio pela segunda vez, por ter seu livro Causos e Contos, ter sido considerado o melhor do ano da região tocantina.
Em 2018, recebeu-o novamente, pela terceira vez, por merecimento de sua obra Marilândia – vale de sonhos e lágrimas.
Em junho de 1997, recebeu da Revista Brasília, de Brasília – DF, a láurea cultural “Stella Brasiliense”, também pelo conjunto de suas obras.
No dia 11 de outubro de 1997, a Academia de Letras e Ciências de São Lourenço premiou-o com o segundo lugar no concurso “Obras Publicadas em 1997”, seu livro “Nuvens Passageiras”.
No dia 11 de dezembro de 1997, pelos serviços prestados à comunidade, foi-lhe outorgado, pela Câmara Municipal de Imperatriz, o título de “Cidadão Imperatrizense”, por sugestão do Dr. Arnaldo Alencar.
No dia 16 de julho de 2008 foi condecorado com a Comenda Frei Manoel Procópio: a maior honraria concedida a um cidadão imperatrizense.
É Membro Correspondente da Associação dos Escritores do Amazonas; da Academia de Letras e Ciências de São Lourenço; da Academia Itajubense de Letras; da Academia Internacional de Letras; da Academia de Letras da Fronteira Sudoeste do Rio Grande do Sul; da Academia de Letras de Uruguaiana; da Associação Uruguaiense de Escritores e Editores; da Federação das Entidades Culturais Fronteiristas; da Academia Espírito-Santense de Letras e do Clube Internacional da Boa Leitura.
É membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras, na qual ocupa a cadeira 13, tendo como patrono o escritor carolinense Othon Maranhão.
É católico, casado com Corina Silva Fregona, com quem tem duas filhas: Kizy e Drielly, e duas netas: Sofia e Pietra. Atualmente, aos 84 anos, dedica-se com exclusividade à informática, a ler e a escrever.