MANEJO SUSTENTÁVEL
Escrito em 2003

Acabo de receber revista com propaganda de um pool de empresas buscando apoio para a implantação do “Manejo Sustentável” como forma de salvar a Amazônia. Como nele já fui artista e bandido, ouso dar minha opinião.

Ele, nos moldes apresentados é, economicamente inviável. O que se gasta para criá-lo, levá-lo a efeito e mantê-lo conforme rigorosíssimas cláusulas contratuais, a madeira nele existente não paga, nem que se venda até as raízes. Estou dizendo isso, baseado na realidade, e não no palavreado das cláusulas e artigos.

Há pouco, tentei um desses projetos numa área de cinquenta alqueires. Um técnico no assunto, logo me pediu quatrocentos e setenta reais para a documentação inicial. Em seguida, um engenheiro de Belém – segundo o despachante – pediu condução e cinco mil reais por fora para vistoriar a área e dar parecer favorável…. Aí eu parei o projeto.

Logo percebi que minha receita não iria cobrir as despesas e vocês sabem que estou falando a verdade… ou então desconhecem a triste realidade destes nossos dias. Sei que não há lei para que cobrem a maior parte das despesas, mas a verdade é que cobram e se não pagar, não tem projeto.

Denunciar? Para quê e para quem? Certamente, há muitas maneiras melhores de ser perseguido… ou morrer mais cedo! Os que desmentem é porque têm interesse na mentira. Ora, eram cinquenta alqueires e a madeira extraída e posta em tombadouro está valendo vinte e dois reais em média por metro cúbico. Como só compram o que desejam, o máximo que se consegue por alqueire são cem metros cúbicos. A vinte e dois reais brutos, estou certo, não me sobraria dinheiro nem para o café da manhã.

Imagine os custos com trator, motosserras com profissionais e ajudantes, camioneta para assistência, alimentação, obrigações sociais e todo o mais que se usa para fazer estradas, derrubar as árvores, prepará-las, transformá-las em toras, medi-las, entregá-las…. O preço que hoje pagam por metro cúbico de madeira em tora, mal dá para cobrir as despesas da extração. Tente imaginar se, sobre isso, incidirem as obrigações legais (reais) absurdas do manejo, o trabalho de “silvicultura após o corte” e os tais “por fora”, que são os mais onerosos.

Não bastasse, por lei e honestamente, a gente só poderia extrair dentro dos limites do manejo e isto exigiria que cada serraria de grande porte, tivesse, no mínimo, milhares de alqueires em seu projeto. Como isso só é próprio de latifundiários e como esses são perseguidos pela lei das terras improdutivas, o projeto continua sendo inviável para os pequenos e médios investidores, tanto pela quantidade necessária, como pelos gastos. Para que se tenha ideia do disparate dos atuais moldes de Manejo Sustentável, baseiem-se na COPAL do Itinga e do Grupo CIKEL que ora faz parte ativa do programa. No ano de 1995, segundo seus compradores, ela consumiu 70 mil metros cúbicos de madeira. Somente meus irmãos e eu vasculhamos quatrocentos alqueires de floresta para entregar-lhes cinco mil metros cúbitos de madeira em toras. Como só compram essências específicas, calculem quantos km2 de floresta foram usadas só para atender as necessidades de matéria prima da firma em questão, num único ano.

O manejo sustentável é um incentivo camuflado para o comércio ilegal de madeiras. Alguém que consiga aprovar um simples projeto de 100 alqueires, vende madeira “ilegal legalizada” durante anos e anos: basta apresentar à fiscalização, o documento legal e dizer que veio daquele projeto. Ora, o tal projeto não daria nem para um ano de extração, tendo o vendedor, um único caminhão. O segredo da multiplicação é simples: o dono do projeto, tira madeira de qualquer lugar e jura que veio do projeto legalizado dele. Há milhares de projetinhos assim por aí. Mesmo assim, dá prejuízo.

O Manejo Sustentável pode e deve existir como proteção das florestas, porém nunca como investimento financeiro lucrativo. Economicamente, reflorestar seria muito melhor e mais sensato. O Manejo Sustentável, no Brasil, é uma verdadeira farsa. É inviável, dá prejuízo e problemas a todos os desavisados que acreditarem em propagandas enganosas, hasteadas no interesse escuso de estrangeiros que estão pensando, tão somente, no carbono, no oxigênio e nas condições climáticas do planeta… mormente nas deles que já não contam com tal proteção.

Os países que destruíram suas florestas e agora precisam da nossa é que deviam arcar com as despesas para protegê-las. Eles que entrem pela Amazônia cortando cipós, marcando árvores, passando fome, andando a pé, pegando malária, impondo-se todo tipo de infortúnio…, pois, na realidade, ao menos pelo ar de que precisam, deveriam pagar.

Assisti ao andamento de um projeto desses na Amazônia. Para marcar as árvores de maneira sofrível e desacreditada em mil alqueires, um anotador do IBAMA, acompanhado de dezessete caboclos (tudo por conta da firma interessada), passou lá muitos meses. E isso era apenas o mais elementar e menos oneroso do projeto. Não bastasse, normal e tristemente, para cada um real legal, as serrarias pagam cem em propinas.

Veja que não estou buscando lei nem palavreado tecnicamente atinente: estou falando apenas da prática dos quinze anos lidando com serraria, IBAMA, projetos, guias, fiscalização…. Não esqueço porque foi a mais frustrante experiência como cidadão que sonhou com um país íntegro e justo.

É um dó que os promovedores de falcatruas não deem entrevistas nem assinem recibos; é um dó também que, todo louco que disser uma verdade sem papel assinado e registrado, acaba tendo contra si as imputações dos conluios denunciados. Se assim não fosse, eu poderia contar muitas histórias sobre a inviabilidade do Manejo Sustentável. Na realidade nua e crua, ele é muito bom para os países estrangeiros interessados no clima do planeta; como proteção de nossa fauna e flora; como bons negócios aos interesseiramente envolvidos (engenheiros, funcionários, despachantes, indústrias de máquinas pesadas); porém, nunca para um pequeno proprietário de terra que pretenda ter um pouquinho de lucro e andar conforme a legislação.

Bem sei que qualquer área (desde que o proprietário concorde), poderá ser transformada em projeto, mesmo por terceiros. Mas, eis uma superficial história de um caso desses:

O senhor Francisco Andrade de Alencar, deixou que se fizesse um desses projetos em cinquenta alqueires de sua fazenda, perto de Buriticupu, no KM 100.  Depois quis vender a fazenda e ninguém a comprava tendo de assumir o projeto. Para desfazê-lo, luta até hoje. Já pagou 12 mil reais na primeira etapa e ainda está devendo o que talvez a venda da fazenda não cubra, devido à desvalorização das terras por causa da instabilidade e mesmo descumprimento dos direitos de propriedade em que vivemos.

Só mesmo uma criatura por demais ingênua poderia acreditar na boa intenção da ITO, BPA, ANA…. Em auxiliar na conservação da Amazônia para os brasileiros. Mais que ninguém eles sabem que o Manejo Sustentável é impraticável. A única coisa que irão conseguir é promover mais gastos e muitos transtornos, no ilusório processo de adiar a destruição de nossas matas.
Que milhares de alqueires são derrubados e queimados e que em seu lugar estão plantando capim, é mais que verdade. No entanto, as insaciáveis firmas asiáticas, com milhares de equipamentos sofisticados e pesados, estão destruindo mais a Amazônia do que todas as firmas brasileiras reunidas. Segundo a VEJA, mais de 20 destas firmas estrangeiras (Malásia, China e Indonésia) depois de dizimarem a Tailândia, o Vietnã, Papua Nova Guiné e a própria Malásia, continuam dominando setenta por cento do mercado mundial de madeiras. Atualmente, já são donos de vinte por cento do Suriname, negociam a compra de dez por cento da Guiana e no Brasil, entram sem pedir licença nem dar satisfação a ninguém, burlando nossa legislação, contando com a cumplicidade de nossas autoridades.

E ainda querem que os brasileiros se comovam com as florestas, respeitando o Meio Ambiente etc. etc. Por que não investem contra essas gigantescas firmas estrangeiras que, de fato, destroem nossas florestas e carregam nossas riquezas? Se os países europeus e asiáticos de fato pretendem salvar a Amazônia, por que importam nossas madeiras?

QUANTO DESPERDÍCIO!
Na verdade, se desejam evitar os desperdícios das madeiras da Amazônia, o que deveriam fazer era lutar para que se asfaltasse a Transamazônica e se eletrificasse a região. Hoje, os extratores utilizam, de fato, apenas as qualidades mais nobres (ipê, mogno, cedro, sucupira, jatobá, macarnaíba) e, não bastasse, somente os toros sem defeitos. O motivo é que, atualmente, só as exportações estão deixando lucro e os importadores não aceitam qualquer defeito nas madeiras. Com isso, queima-se mais do que se vende. Passei lá 38 dias, filmando e registrando o fato. Dia e noite, fogueiras com dezenas de metros de altura, destruíam aquilo que, há cinco anos, daria para satisfazer um deputado… dos mais modestos, é claro. Mas, como o presidente tem interesse nas exportações, vai fazendo de conta que não sabe de nada.

Os senhores, se quiserem, poderão visitar as serrarias existentes entre Altamira e Santarém. Estão oferecendo, de presente aos caminhoneiros, todas as madeiras de segunda. É que elas não cobrem o frete de vários dias por estradas esburacadas, com pontes perigosas etc. A Amazônia, atualmente, sem estradas e sem energia, faz-me lembrar o caçador que abate uma anta a grandes distâncias e apenas lhe tira o filé, deixando o resto para os abutres.

Carl Alfred Orberg fala sobre “aumentar o valor da madeira que é produzida pelo método sustentável”. É bem possível que ele talvez seja totalmente leigo ao assunto, mas sendo ou não, disse a única verdade para que as madeiras não sejam desperdiçadas. Resta saber como irão diferenciar as madeiras dos projetos legais, daquelas clandestinas. No Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e na Bahia, quando remanescia apenas os troncos e raízes dos jacarandás, todo mundo os arrancou para vender. Motivo: o preço. Agora, com três anos sem aumento de um centavo na madeira de lei – os madeireiros, que como qualquer outro profissional temem mudar de ramo – continuam nele, mas aproveitando apenas o que dá para sobreviver.

No Brasil (e talvez em muitas partes do mundo), ainda se insiste em combater o mal e não a causa. Nessa vã luta, jamais irão conseguir qualquer melhora. Se me permitem um pequeno parêntesis fora do assunto, diria que, enquanto não se mudar a consciência do povo através da Educação, jamais qualquer plano, sonho ou projeto dirigido à Natureza e à justiça social, terá sucesso. Todos os nossos problemas são, em última análise, culturais. Faça uma pessoa entender e acreditar o que significa a Natureza para os seres humanos, e essa pessoa não a destruirá mais.

Quando os “habitantes da Amazônia” acreditarem que se é possível ganhar mais com o turismo do que com a venda de madeira, talvez resolvam mudar a estratégia. A Amazônia, se fosse um país independente, seria o sexto do mundo em tamanho e o primeiro em riquezas naturais. Possui o maior rio em quantidade de água; a maior biodiversidade da Terra…, em suma, é a maior e mais importante riqueza natural do mundo. Em caso de destruição, o mundo ficaria em apuros e pagaria muitas vezes o seu valor para compensar o que ela representa em termos globais de equilíbrio. Mas é preciso que haja honestidade, sinceridade de nossos políticos. E isso está sendo muito difícil. Nossos governantes e os que de fato destroem as florestas em busca de dinheiro, são em última análise, farinha do mesmo saco.

A respeito das palavras iniciais de Renzo Colombo:
A destruição criminosa das maiores reservas florestais ao longo da Belém Brasília, nos últimos anos, deu-se mais por autodefesa dos proprietários do que propriamente por insensatez e desconhecimento. Com a guerra criada entre o MST e a UDR, ambas as partes contaminadas por interesses políticos e por anarquistas que desejam sempre “ver o circo pegar fogo”, nenhum direito, ainda que constitucional, pôde mais ser observado. Como no início do governo FH, a madeira era o ramo de maior rentabilidade da região, parte e outra mantiveram suas atenções para ela. Muitas florestas foram devastadas pelos invasores e hoje não passam de juquirões. Diante da insegurança, quem mantinha reservas, tratou logo de vender as madeiras, a fim de afastar o perigo das invasões e salvar, ao menos, a terra. Assim foi com a MAPISA, com a UNIÃO, com a CIAMA, com áreas da CIKEL (que o digam) e com dezenas de outras.

Jamais iremos conseguir um lindo jardim em sintonia com uma criação de suínos: haveremos de escolher uma coisa ou outra. Querendo ou não, gostando ou não, sendo justo ou não… nossas florestas terão o mesmo destino das florestas dos países desenvolvidos, mesmo porque, contra a sinceridade de cem há a ganância de mil. Cada homem que nascer, uma árvore irá tombar; um riacho irá perder a cristalinidade de suas águas, mais fumaça manchará o céu…. um pedacinho qualquer da Natureza original terá de ceder seu espaço ao novo e irresponsável inquilino.

Assim será até que se atinja o limite máximo da irresponsabilidade e da falta de juízo, porque a maioria dos homens responsáveis pelos destinos do mundo, não estão nem aí! Os humanos são os seres vivos mais egoístas criados por Deus. Desde de que temos notícias ou registros sobre a vida deles na Terra, as belezas naturais têm-se modificado. Como sempre devaneio, esta Terra é um projeto do Criador, uma experiência evolutiva para ver no que vai dar. E não acredito que Ele esteja satisfeito!