ALGUNS TINAMÍDEOS BRASILEIROS
Observação:
Esta página irá se formando aos poucos, conforme minha disponibilidade de tempo para registrar os mais de 40 anos de experiências e estudos de alguns membros desta família.
Os Tinamídeos são aves comumente conhecidas por inhambus. Eles fazem parte da ordem Tinamiformes, família Tinamidae que, por sua vez, se divide (conforme alguns autores) em nove gêneros e 45 espécies. Outros autores apontam 22 espécies de Rynchotinae e 29 de Tinaminae, o que totalizaria 51 espécies. Dentre esses gêneros iremos nos ater a alguns Tinamus (macucos); Crypturellus (inhambus) e Rhinchotus (perdizes). Os demais continuam sendo observados para possíveis anotações futuras.
Mais de 90 por cento desses gêneros vivem no Brasil, já que a família Tinamidae começa ali pelo México e vai até a Patagônia, tendo o nosso País como maior e mais central área de sua existência. A foto acima é do MINI ZOO LIVALDO FREGONA, de Linhares – ES. Posteriormente, com minha mudança de endereço, eles foram trazidos para Imperatriz – MA. Resquícios desses exemplares permanecem comigo até hoje.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS TINAMUS
Os Tinamus são aqueles mais conhecidos como macucos. Põem ovos verde-turquesa e dormem em poleiros. O Tinamus tao tao é habitante da Amazônia e adjacências, (Mato Grosso por exemplo). Ele é vulgarmente conhecido por azulona ou tona, e é o maior da espécie, chegando (algumas fêmeas mais fornidas) a pesarem até três quilos. É seguido do Tinamus solitarius pernambucensis que habita ou habitou o Pernambuco e Alagoas. Essa espécie está em extinção por falta de morada. Desde os primórdios da descoberta, os seus habitats vêm sendo destruídos para dar lugar às grandes plantações da cana de açúcar. Em seguida, temos o Tinamus solitarius solitarius, bem protegidos na Reserva Biológica Sooretama, de Linhares no Espírito Santo e ainda encontrado, embora raramente, em capões da mata Atlântica e reservas que começam a partir de Pernambuco e chegam ao Rio Grande do Sul. Como toda família Tinamidae, é o macho o encarregado de incubar e criar os filhotes, particularidade que ainda hoje foge a muitos estudiosos. Os ovos da azulona (tao), do macuco de Pernambuco (pernambucencis), do macuco (solitarius) e do Crypturellus obsoletus (guaçus) levam 19 dias para eclodir. Os ovos dos demais Tinamus e Crypturellus levam 17 dias. Foge à regra os ovos da chorona (Crypturellus strigulosus) que eclode, estranhamente, com 13,5 dias de incubação. É bom frisar que o tempo para eclosão pode variar conforme a temperatura ambiental e, também, pela maior ou menor permanência do macho sobre os ovos.
Ao amanhecer do dia seguinte ao nascimento, o macuco deixa o ninho para acompanhar os filhotes mais fortes. Havendo retardatários, ainda que nos pareça “desumano”, serão deixados para trás. A natureza parece destituída de sentimento quando se trata de manter apenas os mais fortes sadios.
No caso dos Tinamus, até que os filhotes possam voar ao poleiro, os machos pernoitam no chão, abrigando a prole sob as asas. Entre duas ou três semanas, o macho sobe a um poleiro mais baixo e chama-os, por meio de chororocados contínuos ou curtos piados. Ficando alguns no chão, o pai desce, acompanhado dos que conseguiram subir. Passa mais alguns dias dormindo no chão, normalmente menos de uma semana. Depois disto, o filhote que não conseguir subir passará a noite ao relento, com grandes possibilidades de morrer de frio, principalmente se a temperatura baixar ou se chover. A lei natural é dura e inflexível. Os Tinamiformes são todos nidífugos, ou seja, deixam o ninho logo que nascem. Já aí começa a seleção natural, pois o filhote que não romper a casca do ovo e sair, ficará abandonado no ninho e, conseqüentemente, morrerá.
A Região Amazônica, incluindo os campos, é a que possui a maior concentração de espécies da família em questão. Macuco, jaó do campo, pixuna, chororão, sururina, chorona, pé-de-serra, macuco de topete, inhambus chororó e chintã, inhambu poca-taquara ou guaçu do norte, perdizes, codornizes… enfim, uma variedade digna da maior floresta do mundo e da região mais diversificada do planeta. Iniciaremos nossas considerações com o Tinamus solitarius solitarius, ou macuco propriamente dito.
TINAMUS SOLITARIUS SOLITARIUS
Esta foto e algumas outras sobre o Tinamus solitarius solitarius foram-me gentilmente cedidas pelo saudoso amigo Werner C. A. Bokermann, com quem ‘ganhei’ muitos dias… e muitas noites, fornecendo e buscando informações. Werner dedicou grande parte de sua vida ao estudo desta espécie. Não há outra informação melhor, no mundo, sobre o macuco, do que as encontradas em “Observações sobre a Biologia do Macuco”, tese apresentada por ele em 1991 ao Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, o que lhe valeu, merecidamente, o título de “Doutor em Ciências”.
Vamos, aqui, esquecer as tantas denominações vulgares, e também a científica, catalogada em 1819 por Vieillot (Cryptura solitaria Vieillot). A partir de agora, nosso – mocoicogoé – Tinamus solitarius solitarius será chamado, o macho de macuco e a fêmea, macuca.
BOM QUE SE ESCLAREÇA
Foi preciso quase a intervenção divina para que eu abandonasse as caçadas de “inhambus”. Felizmente o fiz ainda em boa hora, pois conhecia demais sua vida e seus costumes, deixando-os em desvantagem na hora do enfrentamento. Bem!…, passou. Arrependi-me, sim. Hoje, quero apenas que todos que lerem estas páginas saibam que precisamos protegê-los mantendo seus habitats naturais ou criá-los dignamente, para que possam viver, sobreviver, enfeitar e dar vida às florestas e aos campos. No livro “O Caçador”, conto toda a história, desde os motivos que me tornaram dependente do “esporte”, até o acontecimento que fez com que eu acordasse para o crime que, por plena ignorância, estava cometendo.
MEU AMIGO WERNER
Foto da visita feita a mim em 1978. Da esquerda para a direita: o naturalista Werner C. A. Bokermann; empresário Manoel dos Santos Carrara, da Orniex; seu amigo Dr. José Carlos e Livaldo Fregona. Os três primeiros vieram para comprovar a captura de Tinamídeos feitas por mim, com relativa facilidade e, também, obter informações sobre meus conhecimentos sobre algumas espécies regionais. Lendo sua tese percebo que, de fato, ele confiou bastante em muitas de minhas observações.
Feliz ou infelizmente, os ornitólogos, pesquisadores e cientistas do ramo nada seriam ou pouco esclareceriam não fossem os caçadores. Que o diga Helmut Sick. Enquanto uns perdem noites e mais noites lendo, vasculhando e relendo literatura sobre aves, os outros se embrenham no campo, convivem nos locais comuns, nos habitats das aves. E é lá que tudo pode acontecer, ser visto e anotado. Foi assim, como caçador, que o Werner encontrou-me. Antes eu já mantinha contato com Pedro Mário Nardelli, com o Manoel Duarte e mais uma dezena de criadores e estudiosos do assunto. É que minha triste fama de detentor de prêmios em disputas de caçadas por todo o Brasil já ia longe.
Um dia, ao abrir a caixa postal, lá estava uma carta do Werner. Soubera que eu conseguia capturar aves com relativa facilidade e relatava o vexame de 17 dias passados no Mato-Grosso juntamente com uma dezena de auxiliares e o vexatório resultado de uma azulona com o pescoço quebrado, já que a laçaram no poleiro. No afã da liberdade, a ave forçou a escapada e deu no que deu. Respondi-lhe que, salvo as exceções, eu sempre conseguia bons resultados sim. Ele se dispôs à comprovação. Não me opus.
Quinze dias depois ele e mais dois aficionados por Tinamídeos desceram no pequeno aeroporto de Linhares – ES. No outro dia cedo partimos para a floresta, então pertencente à Cia. Vale do Rio Doce. Ainda que a quantidade de curiosos atrapalhasse (tive de fazer uma grande choça para acomodá-los); que a falta de costume com mosquitos, carrapatos e com o desconforto de sentar no chão por horas a fio fizesse com que o silêncio total não fosse observado; que a idade avançada exigia retirar pigarros encruados… em menos de duas horas, eu já capturava um macuco e um chorão. Quando já outro macuco piava perto, o Werner levantou-se de chofre e disse em voz alta: “Já vi até demais. Incrível!”
Daí, entre cartas semanais e visitas anuais, passei-lhe tudo que sabia de campo; e ele, tudo o que pesquisava, pra mim. Tornamo-nos grandes e dependentes amigos. Por isso, quando em 1991 ele lançou “Observações sobre a Biologia do Macuco” nada me pareceu errado ou novidade. E é dele o trecho seguinte que reproduzo:
“Apesar de ser ave bastante familiar a ornitólogos profissionais e amadores, alguns detalhes de sua biologia são mal conhecidos.
Talvez os caçadores de pio sejam aqueles que melhor conhecem alguns de seus hábitos peculiares, a maioria dos quais extensivos às outras espécies da família; no geral faltam-lhes possibilidades de encontrar explicação adequada que permita ”amarrar” suas observações e deduções com conceitos de ecologia, anatomia e fisiologia.
Coube a Álvaro Aguirre (em 1957) através de uma publicação avulsa da então Divisão de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura dar a lume seus 8 anos de observações sobre o macuco em cativeiro, no Parque Sooretama.
Muitas observações sobre hábitos peculiares dessa ave, como a singular maneira de se manter no poleiro, foram referidas por viajantes que aqui estiveram na época do Brasil-colônia e depois caíram no olvido.
Também causa estranheza como viajantes versados em ornitologia e observadores perspicazes como Wied, tivessem deixado de referir particularidades tal como a de que a ave que incuba é o macho, fato ainda hoje desconhecido de muitos observadores.
Ave solitária, territorial e arredia, muito esperta e sabida para nossos padrões antropomórficos, tal como suas congêneres, apresenta grandes dificuldades de observação na natureza.
Se em condições de cativeiro se torna relativamente mansa, principalmente se criada por e com galinhas domésticas, nunca chega a perder alguns de seus hábitos peculiares, entre os quais está o de ser arredia e pouco manuseável.
Quantos criadores que tinham em seu poder aves que se deixavam até tocar de tão mansas, repentinamente se viram sem elas porque bateram asas, voaram e não voltaram.
O macuco é um habitante das florestas virgens e ocupa regiões tão diversificadas como as matas litorâneas sempre quentes e úmidas, as matas da Serra do Mar, frias no inverno e sempre úmidas, as matas das regiões mais altas da Serra da Mantiqueira com clima ameno e úmido no verão e inverno muito frio e seco.
Do ponto de vista de latitude é encontrado desde as florestas úmidas e muito quentes do litoral pernambucano até as matas frias e úmidas das serras gaúchas. Dentro dessa plasticidade aparente requer entretanto algumas condições específicas e dentre estas está sem dúvida a distância do homem. Florestas palmilhadas freqüentemente e trânsito constante de veículos, a pressão da caça e a sua sensibilidade a perturbações como o corte seletivo de algumas espécies botânicas não só pela perda do alimento, como modificações ambientais pelo aparecimento de plantas pioneiras heliófilas, cipós e arbustos que perturbam a sua vida e fazem com que se retire para lugar mais ermo. Como é ave territorial e seu território condicionado por parâmetros como alimentação e poleiro, é fácil imaginar quais algumas das causas de seu desaparecimento na maior parte de sua distribuição original e contínua diminuição atual.
O macuco é ave extremamente territorial, sendo a fêmea o sexo dominante, monogâmica e que provavelmente tem só um parceiro na sua vida reprodutiva.
Exceto no curto espaço de tempo que dura a fecundação e oviposição mantém-se solitário, embora a comunicação através de vocalizações seja freqüente entre os dois parceiros.
Algumas tarefas, usualmente de responsabilidade da fêmea, como incubar e cuidar da prole,no macuco, como nos outros tinamídeos, passou a ser dos machos.
Sendo a fêmea o sexo dominante, cabe a ela defender o território de intrusos, principalmente de outra fêmea.
Criados os filhotes, estes ainda jovens vão procurar áreas vagas na floresta e no futuro estabelecer seus próprios territórios. Cremos que em condições naturais só se reproduzam no segundo ano de vida.
Estando apta para a reprodução e tendo definido seu território, a fêmea atrai o macho através de vocalização característica em forma de “trêmulo” vulgarmente chamada de chororoco. Nessa época a fêmea já se torna bastante agressiva em relação a outras fêmeas e ganha ênfase a sua vocalização territorial emitida do poleiro.
Escolhido o local e construído o ninho, a oviposição dos 6 ovos se faz em uma semana ou pouco mais e logo após o último ovo o macho inicia sua tarefa de incubar, entrando em verdadeiro estado de choco como pudemos observar em cativeiro.
A incubação dura 19 dias e durante este período o macho só se afasta do ninho ao entardecer, para se alimentar, o que ocorre por períodos de um quarto a pouco mais de meia hora. A fêmea fica à distância, comunicando-se com o parceiro por piados ocasionais.
O macho ao deixar o ninho cobre os ovos com folhas para torná-los invisíveis a eventuais predadores. Em torno do décimo oitavo dia de choco, quando os “filhotes” começam a piar ele não deixa mais o ninho até que os filhotes nasçam. Retardatários são usualmente abandonados no ninho ainda dentro do ovo ou mesmo nascidos. Nascidos os filhotes o macuco se mostra um pai exemplar cuidando da prole com dedicação. Pia constantemente para manter os filhotes reunidos à sua volta e nos primeiros dias os ensina a procurar alimento, oferecendo itens alimentares com o bico. Como cisca com o bico fica fácil mantê-los reunidos à sua volta quando encontra algum alimento.
Protege os filhotes de eventuais inimigos como ratos, sapos e lagartos e eventuais predadores maiores, avançando sobre eles com as asas abertas e dando vigorosos golpes de asa. Pequenos vertebrados são agarrados com o bico e batidos vigorosamente no chão até torná-los inertes ou estraçalhados.
A medida que os filhotes crescem vão se tornando mais independentes e já não atendem mais tão rapidamente aos chamados do pai.
Sob perigo aparente como um galho de árvore que cai, um predador que passa, principalmente se alado, o pai emite uma vocalização de alarme e fica imóvel; o mesmo acontece com os filhotes que ficam como que “congelados” entre a vegetação rasteira protegidos pelo seu desenho e colorido crípticos. Afastado o perigo, o pai emite seu chororocado e os filhotes se reúnem a ele novamente. Muitas vezes, principalmente na natureza, se o pai é surpreendido repentinamente pelo perigo ele alça vôo emitindo sua vocalização de alarme, para retornar depois junto aos filhotes. Nessas situações a imitação do chororoco faz aparecer os filhotes.
Os filhotes quando nascem não têm nenhum vestígio de remiges nas asas, como acontece com os cracídeos, mas as primárias aparecem rapidamente e com duas semanas, as primárias, secundárias e retrizes já estão bem desenvolvidas e os macuquinhos ensaiam seus primeiros movimentos de asa, procurando apanhar insetos pousados nas plantas baixas.
A partir do décimo oitavo dia de vida os filhotes ensaiam subir ao poleiro com o pai e este os convida ao poleiro mediante chororoco insistente. Uma vez aprendido o caminho, daí por diante passam as noites no poleiro com o pai. A medida que crescem, principalmente se são vários, estabelece-se uma verdadeira competição por um lugar debaixo da asa e a ave que fica mais encostada ao corpo do pai, local de evidente maior segurança, sofre tentativas de desalojamento pelos irmãos. Quando os filhotes já estão mais crescidos, com 2 a 3 meses já não dormem mais debaixo da asa, principalmente se forem vários. Todavia observamos em cativeiro filhotes de seis meses ainda empoleirados de baixo da asa do pai numa evidente situação de desconforto para este.
O macuquinho ao nascer, em nada lembra a ave adulta: o colorido geral é acanelado com desenho escuro mediano na cabeça e dorso e larga faixa branca na cabeça ao longo do pescoço. À medida que cresce muda de cor. As primeiras penas já de tonalidade cinza emergem de dentro da penugem natal e com um mês já se parecem muito com aves adultas embora se notem resquícios da faixa branca da cabeça e pescoço. A segunda plumagem das asas mostra uma porção de manchas brancas na forma de salpicos contrastantes.
No macuco recém-nascido a plumagem natal é curta e densa lembrando um carpete. As penas das asas e cauda começam a aparecer no segundo dia, crescem rapidamente e com três semanas já ocorre a primeira substituição das primárias.
Em condições de cativeiro a plumagem “adulta” é alcançada na terceira muda depois dos 6 meses de idade. Na natureza cremos que depende muito da alimentação e deve demorar bem mais.
Os filhotes ingerem muito alimento com proteína animal na forma de insetos, vermes, caramujos etc., à medida que crescem, só esporadicamente se alimentam desses itens e se tornam exclusivamente comedores de sementes. Experiências em cativeiro demonstram que têm até dificuldade de engolir itens que não apresentem uma certa consistência. Assim alimentos atípicos como uvas pretas e rosadas, eram recusados, bem como uvas do tipo moscatel e Itália, se picadas. Mas, uvas desse último tipo, geralmente consistentes, eram sempre engolidas por maiores que fossem e, quanto maior o item maior a “ginástica” para engoli-lo.
Ave desconfiada por natureza, prefere andar ou se esconder ficando imóvel, com a cauda levantada (as infracaudais tem colorido críptico), a voar, o que só faz em último caso ou surpreendido por perigo iminente. Em condições usuais só voa até o poleiro. Todavia na fuga seu vôo é direcional e rápido.
Não há informes sobre a sua longevidade na natureza; em cativeiro temos dados de 12 a 15 anos.”
Antes de outras considerações, quero esclarecer que não me irei ater às anomalias, às exceções, àqueles casos que fogem à regra geral, salvo em caso de curiosidade. Falarei dos casos típicos e mais comuns que, afinal, são os que definem qualquer espécie. Por isso, se souber de um macho de macuco que pia grosso, longo e é maior que a fêmea com quem está acasalado, não se assuste, porque também entre os humanos há mulheres maiores que muitos homens. Mas convenhamos: não é normal.
Se digo que o macuco faz seu ninho nas catanas, não quer dizer que não se encontre ninhos em cima de murundus, em depressão de terreno ou mesmo entre paus podres. Já vi de tudo, mas a prioridade sempre foram as sapopembas. Se digo que põem seis ovos, não afirmo que não haja ninhos com três, quatro ou cinco ovos. Se digo que eles se reproduzem entre agosto e setembro, não contesto quem disser ter encontrado um ninho em fevereiro. Em suma, sempre que eu disser, em tom afirmativo, algo sobre minhas pesquisas, que se considere, apenas, o mais comum, aquilo que mais acontece. Afinal, estamos na Internet. No livro que deverei lançar brevemente, serei mais minucioso, escrevendo sobre fatos e detalhes curiosos e interessantes. Explicado assim, sigamos em frente:
PIADOS, TERRITÓRIO, ACASALAMENTO, REPRODUÇÃO, ENCONTROS INDESEJADOS…
Os macucos adultos pesam em média um quilo e meio e possuem penas de coloração irregular, com predominância do marrom-ferrugem marchetado no costado e acinzentado em dégradé no peito, começando pelo mais claro no centro e escurecendo pelas laterais.
Fora da época de acasalamento (de outubro a julho), quase não piam. Nessa época, os poucos piados que emitem acontecem na hora que empoleiram e, esporadicamente, depois da meia-noite. Nesses meses é muito difícil atraí-los ao pio, pois são singulares no reconhecimento da “voz” do parceiro ou parceira. Como não há perigo de “infidelidade” (nisso a natureza é sábia), os donos do território desconsideram a invasão, esperando que o “intrometido” reconheça e se retire por si. Entre agosto e setembro (com apressadinhos em julho e retardatários em novembro), a coisa muda de figura: é época de acasalamento, de ninho, de choco… hora de perpetuar a espécie, do vale tudo, ainda que lhes custe a vida.
As fêmeas ficam nervosas e possessivas. Para avisarem os machos de que “é chegada a hora”, elas piam bastante e se os parceiros não aparecem, piam e chororocam numa intensidade que pode ser ouvida – na mata silenciosa – a mais de 200 metros. Nesse período elas usam bastante este artifício, tanto para atraírem os machos como para avisar os vizinhos que estão “intratáveis”. Piam alto, longo e grave. Às vezes, emitem até cinco piados consecutivos em plena luz do dia. Ficam extremamente agressivas… e vulneráveis a qualquer tipo de predador, principalmente ao caçador.
Enfraquecidas pela postura e sujeitas à lei da preservação da espécie, elas passam o dia preocupadas com a fidelidade do parceiro, com a intromissão de concorrentes, com a responsabilidade de auxiliar o macho na escolha do local do ninho. Esse lugar, quase sempre é a catana de uma árvore qualquer. É compreensível que as aves conheçam cada arbusto de seu território. Por isso, nos primeiros dias em que a fêmea está receptiva, uma catana é escolhida pelos dois e o ninho começa a ser construído. Primeiro eles abrem uma pequena depressão, forçando os pés contra o chão, em círculo, como se estivessem retirando do local alguma “sujeira” e expulsando algum inseto que ali estabelecera morada. Feito isto, começam a apanhar, com o bico, folhas adequadas, lançando-as para trás, em etapas, até forrarem o local. E aí, em menos de uma semana, o primeiro ovo é depositado. O macho aguarda pacientemente até que o sexto ovo seja colocado. Nesse curto período de, no máximo 12 dias, é muito comum que ele passe grande parte do dia emitindo piados, aproximadamente de 10 em 10 minutos. Fica extático, vigilante e sempre avisando que está na área. Os ovos são postos um por dia ou, no máximo, de dois em dois dias. Tão logo o macho entre no ninho, a fêmea interrompe a postura. Daí a razão de alguns ninhos com menos de seis ovos.
Embora se desconheça a razão, os macucos têm preferência por aceiros, beira de caminho (se os há), enfim, lugares excêntricos e por nós homens, pouco recomendados. Começando a postura, a fêmea, ao sair, cobre os ovos com folhas e gravetos. A intenção é despistar gambás, lagartos, cachorros do mato, iraras, jibóias… O macho aguarda até que o sexto ovo seja colocado, quando inicia o choco. Serão 19 dias, a princípio com ele sendo extremamente atento e se retirando quando se vê deveras ameaçado… ou mesmo para se alimentar. Nesses momentos, também ele cobre os ovos com folhas. Contudo, tão logo os filhotes comecem a piar dentro da casca, (décimo sétimo dia), ele praticamente se deixa apanhar com um puçá de cabo curto. Nos últimos dias de choco, como já comprovei por três vezes, um trator pode passar-lhe a cinco metros, arrebentando árvores e arrastando troncos sem que ele se retire do ninho. Os caboclos quando acham o ninho costumam pegá-lo com redes de pescar, tarrafas e até com as mãos.
Depois de 19 dias, nascem os filhotes. É muito difícil os seis nascerem no mesmo dia, o que ocasiona um sério problema para o pai. Como nidífugos que são, no máximo em um dia os mais fortes saem do ninho em busca de alimentos. O macuco não hesita um só instante em acompanhá-los, agarrando cupins, insetos, vermes… Para facilitar, ele tira a presa de combate, trepida-o no bico e entrega aos filhotes. Se estes se afastam, ele emite baixos piados ou mesmo chororoca, juntando a prole. Apenas nesse tempo (criação dos filhotes) os machos chororocam. Os ovos que estavam nascendo ou mesmo que nasceram logo após a retirada, simplesmente são esquecidos. Na ninhada de seis, normalmente, apenas três chegam à idade adulta.
Em caso de ameaças ou mesmo de ataques surpresas, o pai voa emitindo curtos e sucessivos piados, pousando logo adiante, tentando desviar a atenção do depredador. Os filhotes enfiam-se sobre moitas e folhas e dali só saem depois que o pai, certo de que o perigo passou, emite curtos piados ou chororocados característicos.
Durante todo período de criação dos filhotes, o pai vive estressado e alerta. Sempre atento, ouvidos afinados, olhos direcionados, cabeça quase sempre alta, verificando todo e qualquer movimento da floresta. Qualquer desconfiança ele se põe em posição de sentido e bate compassadamente os pés, assim como se um soldado estivesse marchando em câmara lenta. Os filhotes imobilizam-se e aguardam a confirmação ou não da suspeita do pai. Sendo aviso falso ou simplesmente excesso de cuidado, o pai se descontrai e os filhotes voltam à normalidade.
Os filhotes são totalmente dependentes nos três primeiros meses de vida, mas acompanham o pai até os seis. Dormem as duas primeiras semanas sob as asas do pai, no chão; em seguida, ainda debaixo das asas, no poleiro. Já empenados (três meses), continuam acompanhando o pai ao poleiro, mas nem todos ficam sob as asas. Enfim, aos seis meses, acompanham o pai esporadicamente: tornam-se “jovens” arredios: um pouco parecidos com nossos filhos adolescentes.
Enquanto isso, a fêmea continua vulnerável. Qualquer piado estranho na área, ela vai verificar. Sendo fêmea será expulsa imediatamente. As proprietárias territoriais dificilmente perdem a batalha… a não ser quando o invasor é um caçador. Não fosse o auxílio das asas para a retirada e a extensão da floresta para se distanciar, toda invasora seria morta.
Os filhotes tornam-se totalmente independentes após um ano de vida. Nesse período já piam e seus piados são inconfundíveis, senão desafinados. Qualquer pessoa experiente os diferencia de macucos adultos, ou seja, com dois ou mais anos de vida. Alguns até conseguem procriar, mas a maioria só o faz no segundo ano, depois de haver demarcado o território e escolhido o par. As fêmeas piam mais, são dominantes e agressivas e, conseqüentemente, fáceis de serem abatidas pelos caçadores. Em quase toda família Tinamidae, os machos são mais ariscos, medrosos ou prudentes e desconfiados…, excetuando-se as choronas (strigulosus), os jaós (undulatus, noctivagus…) e as perdizes (Rinchotus rufescens), espécies em que os machos são dominantes.
Os dominantes são sempre alvos fáceis para os depredadores, pois sua índole agressiva os torna inconseqüentes ante o perigo.
Vejamos, para espairecer, algumas fotos de macucos em hiperlink:
1- Na época da reprodução (agosto e setembro), as fêmeas piam e chororocam bastante. Mesmo no poleiro, principalmente depois do primeiro sono que vai até a meia-noite, ELAS PIAM e seus piados são, normalmente, ASSIM
2- Embora menos que a fêmea, o macho responde. Ele não chororoca nesse período, apenas emite seu piado agudo, uníssono e curto (menos de um segundo). Pia também à noite, avisando a fêmea que “está na praça” e que poderá contar com ele quando o dia AMANHECER
3 – Praticamente todos os dias durante a postura, logo que descem dos poleiros eles se encontram e copulam. O ritual é característico. Ela abre as asas, fica rente ao chão, estica o pescoço e emite curtos, contínuos e baixos piados modificados. Ele sobe em cima dela, sapateia com os pés apoiados na junção das asas, assim como se estivesse amassando barro, como a esperar a ereção (tempo de, no máximo, 10 segundos) e finalmente introduz o órgão reprodutor. Feita a penetração, ele segura a fêmea bicando-lhe o pescoço até que atinja o orgasmo e a ejaculação. Em seguida, no auge do prazer, ele praticamente cai de cima. Ela anda em círculo, asas dependuradas, chororocando. Ele fica como que extenuado, imóvel. Depois, caso a postura já tenha começado, é comum eles visitarem o ninho para, depois, calmamente, se distanciarem. COPULANDO
4 – Quatro a cinco dias depois da primeira cópula, ela começa a postura: um ovo por dia ou, no máximo, um dia sim, outro não. Ao contrário do que podemos deduzir, os ovos são postos com o pólo rombo na frente. Sete ou oito dias depois, o macho começa a incubação. Serão dezenove dias ali agachado, praticamente sem comida e sem água. É como se tivesse vivendo um período de “hibernação”. Apenas uma vez por dia, preferencialmente ao entardecer, ele sai para uma frugal refeição. Nessa hora, se a fêmea estiver por perto ele a cobre, mesmo sem necessidade de fertilizar qualquer ovo. Normalmente, uma única cópula pode fertilizar os seis ovos. No entanto, a natureza parece não gostar de correr risco. Nos últimos dias ele fica tão apegado aos ovos (filhotes) que permite barulhos e intrometimentos de até dois metros de distância, podendo ser um depredador ou até mesmo… um trator arrastando madeiras. ÊI-LO NA LIDA
5 – Com trinta horas de choco, com o auxílio de um ovoscópio, já podemos saber se o ovo está galado. Com um foco de luz incidindo já se pode ver capilares demonstrando vida no embrião. Dezenove dias após o início da incubação, através do dente de ovo (um bisel cortante que se perde três dias depois de ser utilizado), vai circundando a casca até abrir uma tampa de saída. Serão horas de aparente agonia: PARTO
6 – E, finalmente, depois de 10 horas de luta, ele se desprende da casca e, com dificuldades, tenta equilibrar-se, já que o saco da gema, muito grande, dificulta-lhe o equilíbrio. É A VIDA QUE SURGE PLENAMENTE
7 – No dia seguinte, como nidífugos que são, os filhotes saem do ninho, maravilhados com o mundo que se descortina. Começa a “via crucis” do macuco, tanto para arranjar alimentos, como para conservá-los perto de si. Para trás, APENAS AS CASCAS
8 – Sempre atento, ouvidos e olhos em sintonia, a cada segundo que não está acalentando os filhotes, o macuco fica em alerta máximo. Ereto, olhando longe… Ele sabe que os rebentos são indefesos e frágeis. Por isso, pequenos depredadores não se arriscam aproximar. Lagartos, pequenos gaviões e até gatos do mato são enfrentados. Nessas horas, ele abre as asas e parte decidido pra cima do intruso, fazendo barulho e desferindo fortíssimas asadas. Mas, se a mata estiver tranqüila, ele segue no seu trabalho de ALIMENTAR A PROLE
9 – Durante três semanas ele dorme no chão, abrigando os filhotes cujas rêmiges e retrizes só então favorecem alçar pequenos vôos. Nesse tempo, o pai voa ao poleiro e chororoca baixinho, chamando os filhotes. Dificilmente todos conseguem, embora todos tentem. Então o pai desce e passa mais um noite no chão. Na noite seguinte ele tenta outra vez e dificilmente desce para socorrer o incapaz. No poleiro, ele abre as asas e ACOBERTA A PROLE
10 – Após duas semanas, o filhote já é esperto e arisco. Sabe proteger-se sob folhas ou meter-se debaixo de paus podres, caso haja um ataque inesperado de algum depredador. Nessas horas, sendo o agressor vantajoso e impossível de ser enfrentado, o pai alça vôo emitindo seguidos piados. Sem “discussão” os filhotes entendem a ordem, escondem-se e ficam imóveis até que o pai, por meio de baixos piados ou chororocados, reúna-os novamente.
FILHOTE com um ano de vida, testando o alimento. Já pia, embora com falhas e tem grandes dificuldades para cobrir a fêmea: falta-lhe experiência.
MACUCO TOMANDO BANHO Os solitarius, havendo lugar favorável, dificilmente passam um dia sem tomar de um a três banhos. E são banhos demorados. Aliás, eles e as azulonas (tao), figuram entre os Tinamídeos como as aves que mais gostam de se banharem. Eles entram, sacolejam a cabeça primeiro como a experimentar a temperatura da água, eriçam as penas para a água penetrar melhor e em seguida bamboleiam umas cinco vezes seguidas, de cima para baixo, terminando em inclinações laterais. Ficam um a dois minutos quietinhos e em seguida repetem o ritual. Costumam permanecer na água por mais de 30 minutos. Não têm grande preferência por horários e temperatura, mas é mais comuns vê-los no banho pela parte da manhã, logo após o “desjejum”. A superfície da água fica esbranquiçada com as pulviplumas que se desprendem das penas. Essa poeira branca (espécie de cera) é impermeável e protege a ave das chuvas quando não quer se molhar, principalmente à noite enquanto dorme.
Pode parecer incrível, mas os macucos não ficam em cima dos poleiros como as demais aves. Ao invés de se apoiarem nos pés, eles usam os tarsos, que contêm na parte posterior, escamas serrilhadas, própria para aderirem à madeira. É como se o fizéssemos apoiando-nos com a canela. O mais incrível é o pleno equilíbrio que eles conseguem, resistindo a ventanias e temporais, assim como se um humano estivesse se segurando com as mãos. VERIFIQUE
As fezes normais dos macucos são facílimas de ser identificadas, principalmente pelos uratos de cor branca que se apresentam numa das extremidades.
Seu peso normal aproximado é de 23 GRAMAS
O órgão intromissor do macuco mede mais ou menos 40 mm. Podemos dizer que é um tanto esquisito para uma ave. De qualquer forma, É ASSIM
CONCLUSÃO SOBRE O SOLITARIUS
Meu contato com o macuco começou aos 13 anos, nas matas de Linhares – ES. Naquela época, porém, eu pouco me importava em observar seus costumes e, muito menos, como era a vida dele na natureza. O objetivo era um só: abatê-lo. Desse tempo até os dias de hoje, ora para caçá-lo, ora para capturá-lo, ora para criá-lo, visitei a maior parte das florestas brasileiras em que o mesmo se encontrava, principalmente as matas do Espírito Santo e as da Bahia.
Ainda que o amigo Werner preferisse a região de São Sebastião, município algum apresentou maior incidência dessa ave do que o de Linhares, no Espírito Santo. Em 1955 as reservas florestais do País no Espírito Santo, as da Companhia Vale do Rio Doce, mais as áreas contíguas de latifundiários, somavam, aproximadamente, 50 mil alqueires.
Como os macucos preferem demarcar seus territórios nas proximidades de valões, lagoas, regatos ou rios, em Linhares – ES, eles podiam ser encontrados (nos locais preferidos) a cada 200 metros de distância um casal do outro, o que nos permite deduzir que em cada alqueire de mata (220 X 220), vivia um casal. Na realidade, por serem aves territoriais, cada casal se instala à distância do alcance do piado do outro, estando, cada um, no limite contrário de seu território. A demarcação é imaginária, mas os macucos sabem, pelo instinto aguçado, até aonde podem circular.
Houve período em que Linhares chegou à superpopulação, já que, também eles, estão sujeitos a desequilíbrios temporários ocasionados pela maior ou menor presença de depredadores. O sistema é simples: havendo muito alimento, os depredadores se reproduzem mais e salvam seus filhotes ou crias; diminuindo, o alimento se torna escasso e muito de seus filhotes e crias perecem. E assim, “a maré” ecológica vai oferecendo altos e baixos no decorrer do tempo, sem que haja, no entanto, desequilíbrios catastróficos. Na década de 60, algumas vezes, cinco ou seis macucos me visitaram numa única choça.
Se não houver espaço adequado em seus ambientes preferidos, eles preferem disputar a mesma área a viver nos chapadões: lugares sem água, sem os alimentos preferidos e reduto exclusivo dos chororões, jaós e até mesmo tururins. Aliás, os macucos não habitam os secos chapadões do Espírito Santo. Poderá ser encontrado algum de passagem à procura de um novo território, ou mesmo perdido num emergente vôo noturno, mas jamais com residência fixa. Como a presença da água é para eles fundamental, na Bahia que chovia muito e quase todas as semanas, eles se distribuíam em toda área florestada.
Em minhas andanças pelo Brasil em regiões de macucos, pude constatar que há diferença de coloração e tamanho entre os mesmos na longa extensão em que se encontram pelo litoral brasileiro. Os macucos da Bahia, por exemplo, sempre me pareceram menores e mais escuros. No entanto, quanto aos costumes e piados, em nada divergem. Na Bahia eles são encontrados em toda extensão da mata, mesmo porque é difícil a quinzena que por lá não chove. O problema crucial para a existência e proliferação do macuco é a água.
Veja FOTOS de alguns Tinamídeos
Observação importante:
A origem desses pássaros vem do tempo do MINI ZOO LIVALDO FREGONA, registrado conforme portaria Nº 485/79-P de 18 de outubro de 1979, expedida pelo presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, Sr. Carlos Neves Galluf. Com os contratempos da mudança de endereço do estado do Espírito Santo para o Maranhão, o registro acabou não sendo renovado, não obstante as tantas tentativas de mantê-lo atualizado. Hoje, sob a supervisão do IBAMA da cidade de Imperatriz – MA, um novo registro, agora como CRIADOURO LIVALDO FREGONA, está em andamento, conforme protocolo 02051.1887/05 de 22/09/2005. Daí não ser ainda encontrado em possíveis buscas de registros de criadouros.