TINAMUS TAO TAO – AZULONA, TONA…

Azulona, inhambu assim chamada pelos habitantes autóctones da Amazônia, é o maior do gênero Tinamus. Uma fêmea fornida pode alcançar até três quilos, embora, normalmente, pesem entre dois a dois quilos e meio. A cor das penas faz jus à denominação do caboclo, porque, de fato, é constituída de um lindo azul-cinza, com minúsculas e desbotadas pintinhas brancas. A fêmea é maior que o macho, pia mais grave e é levemente dominante. Em todos os Tinamídeos, a fêmea tem a função de procurar o macho no “período da ovulação”, escolher o ninho, pôr os ovos e entregá-los aos cuidados do macho para chocá-los e criar os filhotes. Os piados e chororocados são idênticos aos do macuco do Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro etc.
As diferenças, além do tamanho e da coloração, residem no fato de as azulonas piarem bem menos que os macucos e ter seu tempo preferido de reprodução no início do que, no Norte, consideram inverno (a partir de novembro). O tempo de incubação é de 19 dias e os filhotes apresentam pequenas diferenças, se comparados aos filhotes de macuco. Veja nas fotos a seguir: Azulona e macuco adultosazulona e macuco filhotesazulona e macuco ovosOs piados, tanto dos macucos como das azulonas, diferem de pássaro para pássaro. Também o espaço entre um piado e outro, assim como a repetição de piados, dependerá muito do “estado emocional” em que se encontrar o pássaro. A quem convive e observa-os em seus habitats naturais não é difícil estabelecer o sexo. Ambas as espécies têm a caracterísca de a fêmea piar mais intensamente e mais grave. Os machos piam mais curto, agudo (fino) e dificilmente atendem ao pio na época em que não estão galando. Chororocar é mais próprio das fêmeas, mas os machos usam bastante esse recurso para conservarem os filhotes perto de si, embora o façam sempre baixinho.
Uma outra característica dos machos quando estão com os filhotes (e isso pode durar até cinco meses) e ter uma posição de sentinela, sempre perscrutador e atento como um suricato. Suspeitando da presença de algum depredador, o macho, primeiramente bate o pé nas folhas, mantém-se erecto e, às vezes, dá seu primeiro e baixo piado. Os filhotes ficam imóveis. Caso a suspeita se confirme, com o depredador descobrindo-o, o macho faz um vôo curto, emitindo dezenas de piados seguidos. Por instinto ele atrai a atenção do depredador que irá em sua perseguição, abandonando os filhotes.
Sem qualquer pressa, passado o perigo, depois de, pelo menos 15 minutos, o macho começa a chororocar baixinho e, um por um, os filhotes se aproximam. O que tenho observado nesse meu meio século de experiência, é que os inhambus (Tinamídeos), salvam, no máximo, 30% dos filhotes que nascem. Além da seleção natural, os filhotes dos inhambus são presas fáceis para os depredadores, principalmente, gaviões.
A azulona põe três ovos. São arredondados, esverdeados e grandes, se comparados a quem os botou, maiores dos que ovos normais de galinha. O ninho é escolhido em conjunto, ou seja, a fêmea, ao pôr o primeiro ovo, chororoca até o macho se aproximar. Aí ela inicia o ritual de escolher (preferencialmente uma catana com frente livre para o macho voar em caso de ataque surpresa), abrindo uma pequena depressão com os pés, rodopiando até conseguir o que deseja. O macho, nesse primeiro trabalho, apenas observa. Posto o ovo, ele também se aproxima e já começa a jogar folhas, com o bico, sobre o ovo, a fim de escondê-lo dos dos inimigos naturais: lagartos, gambás e cobras.
Fora do período de reprodução, as azulonas praticamente não piam durante o dia e raramente o fazem ao empoleirar. É interessante notar que os macucos têm preferência por proximidades de rios, lagos, pântanos, enquanto as azulonas são encontradas em qualquer parte das matas amazônicas em que existem, das margens dos rios ao mais extenso chapadão seco. Refiro a seco pela falta de rios ou igarapés, mesmo porque são raras as semanas que não chovem por lá, o que os dispensa de águas correntes ou lagoas.
As azulonas empoleiram às 18h, mas se estiverem de papo cheio, sobem bem antes disso, até mesmo antes de o sol se pôr. Em época de reprodução, a cópula antes de subir ao poleiro, assim como ao descer no dia seguinte, faz parte indispensável do ritual da espécie. Tendo descido do poleiro e se alimentado, as azulonas escolhem um lugar seguro, um pau caído por exemplo. Com boa visão e espaço amplo para bater as asas em caso de ataque, elas passam horas arrumando a plumagem, jamais desfrutando de um minuto de distração.
As fêmeas, fora da reprodução, dificilmente cruzam. Os machos ao encontrar as parceiras, tentam, mas elas se fazem de rogadas. Esticam o pescoço, agacham-se como se fossem aceitar, mas se esquivam todas as vezes que eles procuram subir. Depois de várias tentativas, os machos ficam nervosos e as agridem.

Em tempo de reprodução:
O encontro de dois machos, nesse tempo, pode resultar em morte de um dos contendores, se ambos forem aguerridos. Normalmente o que perde se afasta e, se perseguido, voa. Mas, às vezes, eles brigam por muito tempo e nem voar conseguem mais. Aí, o perdedor, cansado, tenta fugir mas é perseguido. Amoita-se e o agressor continua bicando-lhe a cabeça até descarná-la e levá-lo à morte. Certa feita presenciei este fato em Nortelândia, no Mato Grosso. Nesse tempo eu caçava. Havia azulonas demais. Depois de algum tempo piando, percebi que vários machos estavam por perto, piando baixinho, como reza a cerimônia de confronto entre eles. Minutos depois, percebi que dois estavam extenuados, um pedurado no pescoço do outro que se arrastava. O perdedor caiu, encostou numa pequena moita e quietou-se. O vencedor continuou bicando impiedosamente. Então, atirei no vencedor e apenas acabei de matar, com as mãos, o perdedor. Foi um dó que eu não portasse filmadora nesse tempo… nem eu, nem alguém de fora para registrar os dois grandes absurdos: o do vencedor e o meu.
As fêmeas, em tempo de postura, enfraquecem bastante. Não bastasse, ainda piam por ciúmes, para atrair o macho e para avisar a alguma intrusa que aquele território tem dono. É o período em que se tornam vulneráveis e presas fáceis dos depredadores. Por três vezes tomei azulonas e macucos de pequenos gaviões que me usaram como isca para o almoço deles. Os gaviões que mais pegam azulonas, por incrível que pareça, não lhes pesam um quinto e comem apenas a cabeça. A rapina, num rasante, crava as unhas no pescoço da azulona, no exato momento em que ela se agacha para voar. E, por mais que se debata, não consegue levantar vôo e morre em menos de dois minutos.

Em cativeiro, as azulonas convivem pacificamente com os demais Tínamus (inhambus grandes que empoleiram) e Crypturellus (inhambus menores que dormem no chão). Além de não serem agressivos, demonstram um sentimento de paternidade singular, aceitando agasalhar filhotes de outras espécies e trepidam alimentos no bico para atrair os filhotes, mesmo sendo de outras espécies.

Obs.: Texto ainda sendo escrito. Sujeito, portanto, a modificações.