Lacinho
Desde que fechei meu criadouro, por questão sentimental, apenas o Fernandinho e sua irmã continuam comigo. Os demais, com anuência do IBAMA, foram entregues a um amigo que resolveu sujeitar-se às tantas exigências do Órgão para tê-los em cativeiro. Infelizmente, o amigo não tinha conhecimento necessário para cuidar de Tinamídeos. Em menos de um ano o plantel foi reduzido a uma única tona, que a salvei, depois a cedi para um criadouro legalizado lá em Santa Helena do Maranhão. É também um sonhador como fui, só que me perdoe o juízo, preocupou-se demais com os órgãos fiscalizadores.
Confesso, a dependência de estar com eles pouco diminuiu minhas incursões às matas. Sinto uma imensa necessidade em ouvi-los, chamá-los e convencê-los a pisarem no lacinho. E por falar em lacinho, peço aos tantos que visitam esta página, que não insistam pedi-lo, com as devidas orientações de funcionamento. Primeiro porque, para capturar um inhambu nessa armadilha, a pessoa teria de aprender na escola do tempo, passando, como eu, mais de meio século, ora caçando-os, ora criando-os, ora matando a saudade com constantes visitas a eles em seus mais diversos nichos; segundo, porque serei sempre incapaz de ler a intenção de quem isso me pede, ainda que venha sob recomendação.
Na verdade, posso distribuir lacinhos a meio mundo de curiosos e, com certeza, um ou outro terá esporádico sucesso. Foi o tempo que me ensinou a reconhecer o habitat de cada espécie de Tinamídeo, do que se alimenta, quais suas reações diante da chegada de um invasor a seu território, quem é o dominante, em que tempo se reproduz e como o faz… e, com bastante acerto, adivinhar a “trilha” em que o mesmo irá passar ao ser chamado: local em que armo o lacinho sob as folhas secas do local. Não bastasse, atrair um inhambu ao local que deseja é técnica complicada que só os tantos anos de observação ensinam. Reproduzir bem o piado de cada um, e fazê-lo no momento certo, também é fundamental. Piar macho ou fêmea, longo ou curto, insistentemente ou esporadicamente, excitar com piados de outros inhambus que coabitam o mesmo espaço, insistir por várias horas ou desistir em apenas alguns minutos, enfim, as técnicas para ludibriar o pássaro é algo que não se ensina rapidamente. Aliás, hoje, com mais de 50 anos de experiência, ainda sinto que tenho muito a aprender com e sobre eles.
Assistindo os vídeos desde outubro de 2010, constante no início de minha seção de vídeos, você irá entender melhor o que estou insinuando. Alguns Tinamídeos são muito ariscos, conhecem o lugar em que vivem e qualquer modificação na área é por eles percebida. É como você chegar à casa em que mora há dezenas de anos e encontrar a TV fora de lugar, a geladeira no quintal… Ainda que não veja nada mais que isso, você terá certeza que algo estranho aconteceu. Por isso, o local da choça e, principalmente a armadilha, não podem chamar a atenção. Por experiência, armei um laço sem qualquer camuflagem. A linha é fina e marrom, mas note como o Gutattus e o próprio Variegatus a perceberam, frearam e preferiram se meter entre as ramagens a se arriscarem sobre aquela trilha favorável que nunca haviam percebido. Os animais nunca desconfiam: têm sempre certeza.