Ao lado do travesseiro
Um dia, ao olhar pela janela, percebi que o sol tinha forma e que seus raios me tocavam o coração.
Apesar do nome, não tem a pretensão de testemunhar uma conversão radical, ou seja, o encontro de um pecador com Deus, mas apenas questionar certos acontecimentos que bem podem refletir os Seus desígnios. De minha infância aos 50 anos, conheci duas entidades do bem: o Jesus misericordioso de meus pais e o Deus dos exércitos do seminário, descrito no Antigo Testamento: rigoroso, vingativo e justo. Quando voltei para o mundo já não sabia exatamente a que Deus seguir. Andei à deriva durante muitos anos, sempre com um único pedido na boca: encontrar a saída. Li bastante, meditei quanto pude. Por fim, resolvi escrever este livro: uma retrospectiva de minha vida. Nela percebi que “Alguém” esperava alguma coisa de mim, ainda que pequena, pois do contrário não me livraria de tantas fatalidades. Começa mostrando as tantas vezes que escapei da morte (dezenas delas) para depois, por meio de reflexões e de mensagens de esperança, dizer ao mundo que a pouca fé que recebi foi bastante para encontrar a saída. O livro narra as “escapadas da morte”, a perdida e por fim, o encontro, nos testemunhos e nas mensagens de otimismo e esperança que fui colhendo aqui e acolá. É livro escrito para ser lido aos poucos: um capítulo por noite, antes de dormir. Deixe-o na cabeceira da cama, pois o que encerra, se lido e meditado, certamente lhe dará coragem para enfrentar as adversidades do dia seguinte. O livro contém muitas mensagens parafraseadas ou na íntegra, todas contendo força e esperança para nossos momentos difíceis.
POR QUE NÃO MORRI
Os desígnios de Deus
Estou me vendo com os olhos da memória. Não saberia precisar minha idade. Sei que era pequeno e que corria e conversava com as pessoas. Talvez, quatro anos.
Há mais de meio século, o norte do Espírito Santo possuía uma das mais belas e ricas florestas do mundo. Muita acidentada, Marilândia, que apenas contava com algumas casas, um campo de bochas e uma capelinha, mostrava a natureza em toda sua plenitude. Córregos límpidos esgueirando-se por entre troncos centenários de jacarandás, jequitibás, louros, vinháticos, muçutaíbas, ipês, perobas…, apenas para citar as mais nobres, era uma constante a se perder de vista. Ainda me lembro bem de nossa casinha, ali sobre um monturo de capim-pernambuco, com meus pais e irmãos mais velhos lutando no amanho da terra.
Com as imensas florestas da Mata Atlântica ainda intocáveis, a natureza mostrava seu perfeito equilíbrio, nunca faltando chuvas nos tempos das plantações. E quando as chuvas apertavam mais, advinham as enchentes que faziam os rios transbordarem, espalhando piavas, acarás, jundiás, traíras, moréias e mandis por todos os lados. Era o que chamávamos, como crianças sem qualquer estudo, de “enxames”.
Então, saíamos pelos pequenos pastos, correndo na água suja, sob o perigo das jararacas e surucurus, “caçando” rãs e peixes presos nas poças que restavam. Lembro que éramos, por ali, apenas quatro famílias que, juntas, somavam uma dezena de meninos. Naquele tempo, lá, qualquer rapaz com dezessete anos, de fato, podia ser considerado menor. Digo isso porque quando a natureza se fez sentir em mim, tive um grande medo achando que estava doente. No entanto, energia havia na rapaziada: energia pra dar e vender. Lembro que eles corriam, gritavam, pulavam no leito cheio e sujo do riacho, sem medo nem cansaço. Eu os acompanhava e queria ser igual. Por isso, não bastou que me proibissem de também pular no leito do riacho. Pulei e desapareci, porque nem sabia bater as mãos. Logo abaixo, havia um grande remanso, em que tiriricas seguravam os barrancos das margens. No vaivém das marolas, alguém viu uma de minhas mãos atracadas nas folhas cortantes de uma tiririqueira. Quando me tiraram, eu já estava desmaiado, com a barriga maior que um baiacu aborrecido.
Mesmo tendo ficado debaixo da água por mais de quatro minutos, sobrevivi. E tenho certeza, aquilo teve a mão de Deus. Por causa disso, bem adiante, quando caminhava perdido em minhas crises existenciais, eu sempre lembrava Deus da responsabilidade dele por me haver permitido mais anos de vida. Sentia que podia já estar no céu e que agora, pouca coisa havia de mais incerto. E assim, quando via um cisco de fé boiando no oceano de minhas dúvidas, como uma formiguinha eu montava nele, esperando que a maré da bondade de Deus me levasse a Seu encontro.
O BIRIBÁ MAIS LINDO DO MUNDO
Quase morrendo pela boca
Lá estava o biribá! Amarelinho, na ponta de um dos mais altos galhos da fruteira. Apenas ele permanecia ali, livre até das mais longas varas da capoeira há pouco cortadas para aliviar o pasto das pragas. E eu o olhava, com a boca cheia d’água, tropeçando nos estrepes pontiagudos da roçada. Tentei arremessar toletes: cansei o braço sem alcançar a altura. Fiz menção de desistir, mas alguma coisa que nascera em mim, não permitiu. Olhei… pensei. Grudei-me no tronco, alcancei a primeira forquilha, encavalei-me e fui subindo, subindo, até alcançar a direção do fruto. Mas o galho era fino e já estava até emborcado das tentativas de outros que, prevendo o perigo, desistiram. Ele era lindo! Solitário na ponta do galho, amarelinho… no ponto de ser degustado. Não resisti. Fui à junção do galho no tronco: ele cedeu um pouco, mas parecia resistir. Escorreguei-me um pouco mais: ele baixou, mas parecia que não iria quebrar. Fui descendo, descendo. Já o via a alguns palmos de minha mão. Eu iria conseguir. Já não pensava na resistência do galho. Estiquei a mão direita, mais… e mais… e mais um pouquinho…
Vi-me, então, metade dentro do riacho Santo Hilário, metade sobre as pernas do João Marquioli, que passara pelo local. Ele me jogava água no rosto e parecia dizer alguma oração. O mundo todo rodava e eu sentia meu corpo inteiro anestesiado. Meus membros não obedeciam qualquer ordem de movimento. Só meus olhos giravam nas órbitas, sem saber ainda o que havia acontecido. Ao perceber que eu havia recobrando os sentidos, o João me puxou um pouco pra cima e correu avisar meus familiares. Levaram-me nos braços e me deitaram na cama, num colchão de palha de milho. Meu corpo anestesiado começou a sentir dores e meus membros já podiam se movimentar levemente. Meu pai se aproximou. Ele era duro quando precisava ser, mas o mais compreensivo pai do mundo, nas horas graves e, principalmente, nas doenças. Arreou o Queimado e saiu em disparada para Marilândia, em busca do Dr. Nikman, um médico alemão banido no fim da Segunda Guerra. Ele me examinou e profetizou, dizendo que teria sérias seqüelas para o resto de meus dias. Depois, examinando a altura dos estrepes que poderiam ter-me traspassado de um lado para outro, concluiu que só mesmo um milagre justificava eu ainda estar vivo.
“FILHO, UM DIA DEUS PODE ESTAR DISTRAÍDO”
A vida por um centímetro
Aos treze anos, eu despertava para as caçadas. Seguia meu irmão Adalho por todos os lados que ele fosse. O mano fora o maior caçador do Espírito Santo, num tempo em que não o diminui em nada, as tantas leis que hoje tentam proteger a natureza. Naquele tempo, embora Haeckel tenha usado a expressão Ecologia pela primeira vez em 1866, os ecos da destruição já sentida na Europa, ainda não ecoavam pelo mundo selvagem dos rincões capixabas. E não havia um só feriado ou domingo que o nosso mano mais velho não arreasse o queimado, metesse o Tiozinho e o Rondante nos balaios e saísse pelos grotões à cata das pacas. E eu, sempre atrás.
Meu pai, já um pouco adoentado nesse tempo, caçava por perto, onde não precisasse de muito esforço físico. Nestas, o mano Adalho não ia, para que as pacas tivessem mais chance e o velho se divertisse por mais tempo. Eu, porém, acompanhava, tanto um, como outro. Era só alguém dar o sinal e eu já estava pronto, com uma Rossi 32 nos ombros.
Nesse dia, meu pai e eu fomos caçar umas pacas que viviam num capão de matas dos Lorenzonis, contíguo ao vilarejo. Meu pai já andava devagar, sem aquele vigor de quem pisara e desbravara aquele mundo hostil. Ia sempre com uma Du Moulin sem cães, grande novidade que o mano Adalho havia há pouco adquirido. O cachorro que sempre acompanhava meu velho, não fazia parte da dupla famosa do mano, mesmo porque meu pai temia “desamestrá-los”. Levava, então, o Chapocão, um cão retaco, esbranquiçado, de grosso nariz e latido grave e metuendo. Meu pai sempre dizia que se paca falasse, aquelas dos Lorenzonis, certamente, já rogavam inúmeras pragas àquele cão que lhes havia decorado as tocas e que, em várias e frias manhãs, as obrigava a deixar o abrigo quentinho para se atirarem na água gelada do córrego Macaco.
Pois bem, a gente soltava o Chapocão e arriscava uma das dezenas de trilhas que iam à água. Durante anos perseguimos aquelas pacas: durante todos aqueles anos, nenhuma delas perdeu a vida. Só Deus sabe quantos carrerões eu dei pela beira do Macaco, tentando cercar aquelas pacas que pareciam saber sempre a trilha que vigiávamos. Num dia qualquer, quando eu corria pela mata como um louco para cercar a paca, o cão direito de minha Rossi enganchou num cipó e detonou. Como o cipó havia puxado a coronha para trás, os canos ficaram em direção à minha cabeça. O tiro arrancou-me o boné deixando os cabelos arrepiados para cima e todos queimados de pólvora. Algumas gotas de sangue escorreram-me pelo pescoço e cheguei a imaginar que estava ferido de morte. Meu pai chegou logo. Examinou, reexaminou e depois deixou escapulir: “Filho, cuidado para não arriscar tanto a vida, porque um dia Deus poderá estar distraído”.
“SER JOVEM É BOM
porque pode morrer e ressuscitar muitas vezes”
O futebol, durante cinqüenta anos, fez parte da minha vida como o sangue que corre nas veias. Com dezessete anos, eu já fazia parte do América F. C. de Colatina, time que disputava o campeonato juntamente com a U.A.C.E.C., o Vila-nova, o Colatinense, o São Silvano, o São Vicente e o Marilândia. A U.A.C.E.C., sempre foi a melhor equipe. Era formada apenas de estudantes do Colégio Estadual Conde de Linhares e, dificilmente, havia um jogador com mais de vinte anos. Logo que a U.A.C.E.C. passou a disputar o campeonato estadual, fui convidado e aceitei jogar como meia-armador da equipe. Dos dezoito anos até os cinqüenta e seis, nunca mais tirei a camisa 10 das costas. Os treinamentos eram pesados, até mesmo para jovens em pleno vigor físico como nós. Obrigavam-nos a colocar um companheiro nos ombros e subir e descer as escadarias do Estádio Municipal, pelo menos três vezes seguidas. Depois vinham exercícios de alongamento e treino coletivo. Num dia muito quente, com o sol a pino, o técnico exagerou nos exercícios. Eu sentia o rosto quente: parecia estar com labaredas a poucos centímetros. Mesmo assim corria, pulava, exercitava. Depois de uns trinta minutos dos últimos exercícios mais pesados, fomos dispensados. Eu trabalhava na Odontótica Capixaba, do amigo Neil Pacheco, polindo pontes-móveis. Precisava almoçar e estar lá em menos de uma hora. Por isso, saí na frente, entrei no banheiro, abri o registro… e foi tudo o que vi.
Às 17h30m, abri os olhos. Estava num hospital, com o calção suado no corpo, rodeado por meus companheiros e pela diretoria do time. Enquanto muito assustado eu procurava situar-me, o médico entrou. Tomou meu pulso, examinou várias partes do corpo, fez algumas perguntas e concluiu:
– O bom de ser jovem é que se pode morrer e ressuscitar muitas vezes!
“VIGIAI E ORAI
porque não sabeis o dia nem a hora”
Aos trezes anos eu já acompanhava as caravanas de caçadores que saíam de Marilândia para os diversos lugares do Brasil. Durante mais de quarenta anos carreguei comigo seis ampolas de soro antiofídico. De dois em dois anos eu tinha que comprar seis ampolas novas, porque, fora de lugar adequado, elas estragavam rapidamente. Embora nunca tivesse sido picado por qualquer serpente, por dezenas de vezes fui seriamente ameaçado. Houve dias que eu não posso evitar de classificar como milagre, ter escapado da picada.
Já aqui em Imperatriz, o costume continua o mesmo: se entro na mata, levo o soro comigo. E foi assim que, em 1994, quando capturava um tipo de inhambu, vulgarmente conhecida pelos caboclos como “nambu poca-taquara”, na mata do senhor Alcides, ali perto de Açailândia – MA, o soro, que carreguei durante quase meio-século, salvou a vida de meu amigo Zé Bigode. A surucucu-papagaio cravou-lhe as presas no pescoço, no exato momento em que ele se esgueirava sobre uma pequena árvore na qual passei por baixo mais de dez vezes. Em menos de cinco minutos, o meu amigo José Bigode estava prostrado nas folhas, lívido como um boneco de cera. A língua, os olhos… tudo estava branco. As roupas dele ficaram molhadas como se ele tivesse caído num riacho. Quando acabei de preparar a injeção, pensei que nem mais valesse a pena, pois o sentia morto. Apliquei as seis ampolas e em menos de meia-hora, ele estava de pé, caminhando comigo como se nada tivesse acontecido.
Quarenta anos carregando, aparentemente em vão, aquelas ampolas! Lembrei, então, do que Jesus Cristo nos alertou: “Vigiai e orai, porque não sabeis o dia nem a hora.”
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